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quarta-feira, 3 de abril de 2013

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

O LIVRO DOS ESPÍRITOS

1019. Poderá jamais implantar-se na Terra o reinado do bem?


“O bem reinará na Terra quando, entre os Espíritos que a vêm habitar, os bons predominarem, porque, então, farão que aí reinem o amor e a justiça, fonte do bem e da felicidade. Por meio do progresso moral e praticando as leis de Deus é que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e dela afastará os maus. Estes, porém, não a deixarão, senão quando daí estejam banidos o orgulho e o egoísmo.

“Predita foi a transformação da Humanidade e vos avizinhais do momento em que se dará, momento cuja chegada apressam todos os homens que auxiliam o progresso. Essa transformação se verificará por meio da encarnação de Espíritos melhores, que constituirão na Terra uma geração nova. Então, os Espíritos dos maus, que a morte vai ceifando dia a dia, e todos os que tentem deter a marcha das coisas serão daí excluídos, pois que viriam a estar deslocados entre os homens de bem, cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados, desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio adiantamento, ao mesmo tempo que trabalharão pelo de seus irmãos mais atrasados. Neste banimento de Espíritos da Terra transformada, não percebeis a sublime alegoria do Paraíso perdido e, na vinda do homem para a Terra em semelhantes condições,
trazendo em si o gérmen de suas paixões e os vestígios da sua inferioridade primitiva, não descobris a não menos sublime alegoria do pecado original? Considerado deste ponto de vista, o pecado original se prende à natureza ainda imperfeita do homem que, assim, só é responsável por si mesmo, pelas suas próprias faltas e não pelas de seus pais.

“Todos vós, homens de fé e de boa-vontade, trabalhai, portanto, com ânimo e zelo na grande obra da regeneração, que colhereis pelo cêntuplo o grão que houverdes semeado. Ai dos que fecham os olhos à luz! Preparam para si mesmos longos séculos de trevas e decepções. Ai dos que fazem dos bens deste mundo a fonte de todas as suas alegrias! Terão que sofrer privações muito mais numerosas do que os gozos de que desfrutaram! Ai, sobretudo, dos egoístas! Não acharão quem os ajude a carregar o fardo de suas misérias.” SÃO LUÍS.

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859. Com todos os acidentes, que nos sobrevêm no curso da vida, se dá o mesmo que com a morte, que não pode ser evitada, quando tem que ocorrer?

“São de ordinário coisas muito insignificantes, de modo que vos podeis prevenir deles e fazer que os eviteis algumas vezes, dirigindo o vosso pensamento, pois nos desagradam os sofrimentos materiais. Isso, porém, nenhuma importância tem na vida que escolhestes. A fatalidade, verdadeiramente, só existe quanto ao momento em que deveis aparecer e desaparecer deste mundo.”


a) - Haverá fatos que forçosamente devam dar-se e que os Espíritos não possam conjurar, embora o queiram?


“Há, mas que tu viste e pressentiste quando, no estado de Espírito, fizeste a tua escolha. Não creias, entretanto, que tudo o que sucede esteja escrito, como costumam dizer. Um acontecimento qualquer pode ser a conseqüência de um ato que praticaste por tua livre vontade, de tal maneira que, se não o houvesses praticado, o acontecimento não seria dado. Imagina que queimas o dedo. Isso nada mais é senão resultado da tua imprudência e efeito da matéria. Só as grandes dores, os fatos importantes e capazes de influir no moral, Deus os prevê, porque são úteis à tua depuração e à tua instrução.”


861. Ao escolher a sua existência, o Espírito daquele que comete um assassínio sabia que viria a ser assassino?


“Não. Escolhendo uma vida de lutas, sabe que terá ensejo de matar um de seus semelhantes, mas não sabe se o fará, visto que ao crime precederá quase sempre, de sua parte, a deliberação de praticá-lo. Ora, aquele que delibera sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la, ou não. Se soubesse previamente que, como homem, teria que cometer um crime, o Espírito estaria a isso predestinado. Ficai, porém, sabendo que a ninguém há predestinado ao crime e que todo crime, como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do livre-arbítrio.

“Demais, sempre confundis duas coisas muito distintas: os sucessos materiais e os atos da vida moral. A fatalidade, que por algumas vezes há, só existe com relação àqueles sucessos materiais, cuja causa reside fora de vós e que independem da vossa vontade. Quanto aos da vida moral esses emanam sempre do próprio homem que, por conseguinte, tem sempre a liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca há fatalidade.”
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CONSCIÊNCIA E MEDIUNIDADE

No complexo mecanismo da consciência humana, a paranormalidade desabrocha, alargando os horizontes da percepção em torno das realidades profundas do ser e da vida.

Explodindo com relativa violência em determinados indivíduos, graças a cuja manifestação surgem perturbações de vária ordem, noutros aparece sutilmente, favorecendo a penetração em mais amplas faixas vibratórias, aquelas de onde se procede antes do corpo e para cujo círculo se retorna depois do desgaste carnal.

Irradiando-se como apercebimento da própria alma em torno do mundo que a rodeia, capta e transmite impressões que propõem mais equilíbrio aos quadros da vida.

Além das manifestações peculiares aos seus atributos, enseja o intercâmbio mediúnico sem qualquer receio e ouvirás palavras alentadoras, verás pessoas queridas acercando-se de ti.

Não és uma realidade estática, terminada.

No processo da tua evolução, a mediunidade é campo novo de ação a joeirar, aguardando o arado da tua atenção.

Sem constituir-se um privilégio, é conquista que se te apresenta fascinante, para que mais cresças e melhor desempenhes as tuas tarefas no mundo.

Por ela terás acesso a paisagens felizes, a intercâmbios plenificadores, a momentos de reflexão profunda. Talvez, em algumas ocasiões, te conduza aos sítios do sofrimento e às pessoas angustiadas que também fazem parte do contexto da evolução.

Sintonizarás com a dor, no entanto, para que despertem os teus valores socorristas e ajudes, compreendendo melhor as leis de causa e efeito, que regem no universo.

Nos outros, os momentos de elevação, adquirirás sabedoria e iluminação para o crescimento eterno, conduzindo contigo aqueles que ainda não lograram caminhar sem apoio.

A mediunidade, para ser dignificada, necessita das luzes da consciência enobrecida.

Quanto maior o discernimento da consciência, tanto mass amplas serão as possibilidades do intercâmbio mediúnico.

Antes de estudar a mediunidade mais profundamente, Allan Kardec perguntou aos Mensageiros da Luz, conforme se lê no item 408, de O Livro do Espíritos:

-E qual a razão de ouvirmos, algumas vezes em nós mesmos, palavras pronunciadas distintamente, e que nenhum nexo têm com o que nos preocupa?

Os Veneráveis elucidaram-no:

-É fato: ouvis até mesmo frases inteiras, principalmente quando os sentidos começam a entorpecer-se. É, quase sempre, fraco eco do que diz um espírito que convosco se quer comunicar.

Conscientizando-te desta rica responsabilidade mediúnica ao teu alcance, faze silêncio interior, estuda a tua faculdade e, meditando, entra em sintonia com o teu guia espiritual a fim de que ele te conduza com segurança, iluminando e fortalecendo a tua consciência.


Autor: Joanna de Ângelis (espírito)
Psicografia de Divaldo franco. Livro: Momentos de Meditação


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O Espiritismo
www.oespiritismo.com.br

terça-feira, 2 de abril de 2013

Texto em homenagem ao Livro dos Espíritos por Herculano Pires nos 100 anos comemorados em 1957.

Centro Espírita Casas André Luiz Fundação Espírita André Luiz Rádio Boa Nova Editora Mundo Maior TV Mundo Maior

Portal do Espírito

A sua referência sobre Doutrina Espírita na Internet

100 anos de "O Livro dos Espíritos"

José Herculano Pires
Texto em homenagem aos 100 anos comemorado à 18 de abril de 1957
Autorização para disponibilização na Internet gentilmente cedida por Heloísa Pires
Texto transcrito a partir de "O Livro dos Espíritos", edição Centro Espírita Perdão e Caridade (Lisboa - Portugal)

Índice

Introdução ao Livro dos Espíritos

Com este livro, a 18 e abril de 1857, raiou para o mundo a era espírita. Nele se cumpria a promessa evangélica do Consolador, do Paracleto ou Espírito da Verdade. Dizer isso equivale a afirmar que «O Livro dos Espíritos» é o código de uma nova fase da evolução humana. E é exatamente essa a sua posição na história do pensamento. Este não é um livro comum, que se pode ler de um dia para o outro e depois esquecer num canto da estante. Nosso dever é estudá-lo e meditá-lo, lendo-o e relendo-o constantemente.
Sobre este livro se ergue todo um edifício: o da doutrina espírita. Ele é a pedra fundamental do Espiritismo, o seu marco inicial. O Espiritismo surgiu com ele e com ele se propagou., com ele se impôs e consolidou no mundo. Antes deste livro não havia Espiritismo, e nem mesmo esta palavra existia. Falava-se em Espiritualismo e Neo-Espiritualismo, de maneira geral, vaga e nebulosa. Os fatos espíritas, que sempre existiram, eram interpretados das mais diversas maneiras. Mas, depois que Kardec o lançou à publicidade, «contendo os princípios da doutrina espírita», uma nova luz brilhou nos horizonte mentais do mundo.
Há uma seqüência histórica que não podemos esquecer, ao tomar este livro nas mãos. Quando o mundo se preparava para sair do caos das civilizações primitivas, apareceu Moisés, como o condutor de um povo destinado a traças as linhas de um novo mundo: e de suas mãos surgiu a Bíblia. Não foi Moisés quem a escreveu, mas foi ele o motivo central dessa primeira codificação do novo ciclo de revelações: o cristão. Mais tarde, quando a influência bíblica já havia modelado um povo, e quando este povo já se dispersava por todo o mundo gentio, espalhando a nova lei, apareceu Jesus: e das suas palavras, recolhidas pelos discípulos, surgiu o Evangelho.
A Bíblia é a codificação da primeira revelação cristã, o código hebraico em que se fundiram os princípios sagrados e as grandes lendas religiosas dos povos antigos. A grande síntese dos esforços da antiguidade em direção ao espírito. Não é de admirar que se apresente muitas vezes assustadora e contraditória, para o homem moderno. O Evangelho é a codificação da segunda revelação cristã, a que brilha no centro da tríada dessas revelações, tendo na figura do Cristo o sol que ilumina as duas outras, que lança a sua luz sobre o passado e o futuro, estabelecendo entre ambos a conexão necessária. Mas assim como, na Bíblia, já se anunciava o Evangelho, também neste aparecia a predição de um novo código, o do Espírito da Verdade, como se vê em João, XIV. E o novo código surgiu pelas mãos de Allan Kardec, sob a orientação do Espírito da Verdade, no momento exato em que o mundo se preparava para entrar numa fase superior de desenvolvimento.
Hegel, em suas lições de estética, mostra-nos as criações monstruosas da arte oriental, - figuras gigantescas, de duas cabeças e muitos braços e pernas, e outras formas diversas, - como a primeira tentativa do Belo para dominar a matéria e conseguir exprimir-se através dela. A matéria grosseira resiste à força do ideal, desfigurando-o nas suas representações. Mas acaba sendo dominada, e então aparecem no mundo as formas equilibradas e harmoniosas da arte clássica. Atingido, porém, o máximo de equilíbrio possível, o Belo mesmo rompe esse equilíbrio, nas formas românticas e modernas da arte, procurando superar o seu instrumento material, para melhor e mais livremente se exprimir. Essa grandiosa teoria hegeliana nos parece perfeitamente aplicável ao processo das revelações cristãs: das formas incongruentes e aterradoras da Bíblia, passamos ao equilíbrio clássico do Evangelho, e deste à libertação espiritual de «O Livro dos Espíritos».
Cada fase da evolução humana se encerra com uma síntese conceptual de todas as suas realizações. A Bíblia é a síntese da antiguidade, como o Evangelho é a síntese do mundo greco-romano-judaico,, e «O Livro dos Espíritos» a do mundo moderno. Mas cada síntese não traz em si tão somente os resultados da evolução realizada, porque encerra também os germens do futuro. E na síntese evangélica temos de considerar, sobretudo, a presença do Messias, como uma intervenção direta do Alto para a reorientação do pensamento terreno. É graças a essa intervenção que os princípios evangélicos passam diretamente, sem necessidade de readaptações ou modificações, em sua pureza primitiva, para as páginas deste livro, como as vigas mestras da edificação da nova era.

A Codificação Espírita

«O Livro dos Espíritos» não é, porém, apenas, a pedra fundamental ou o marco inicial da nova codificação. Porque é o seu próprio delineamento, o seu núcleo central e ao mesmo tempo o arcabouço geral da doutrina. Examinando-o, em relação às demais obras de Kardec, que completam a codificação, verificamos que todas essas obras partem do seu conteúdo. Podemos definir as várias zonas do texto correspondentes a cada uma delas.
Assim como, na Bíblia, há o núcleo central do Pentateuco, e no Evangelho o do ensino moral do Cristo, no «Livro dos Espíritos» podemos encontrar uma parte que se refere a ele mesmo, ao seu próprio conteúdo: é o constante dos Livros I e II, até o capítulo quinto. Este núcleo representa, dentro da esquematização geral da codificação, que encontramos no livro, a parte que a ele corresponde. Quanto aos demais, verificamos o seguinte:
1º) «O Livro dos Médiuns», seqüência natural deste livro, que trata especialmente da parte experimental da doutrina, tem a sua fonte no Livro II, a partir do capítulo sexto até o final. Toda a matéria contida nessa parte é reorganizada e ampliada naquele livro, principalmente a referente ao capítulo nono: «Intervenção dos Espíritos no mundo corpóreo».
2º) «O Evangelho segundo o Espiritismo» é uma decorrência natural do Livro III, em que são estudadas as leis morais, tratando-se especialmente da aplicação dos princípios da moral evangélica, bem como dos problemas religiosos da adoração, da prece e da prática da caridade. Nessa parte, o leitor encontrará, inclusive, as primeiras formas de «Instruções dos Espíritos», comuns aquele livro, com a transcrição de comunicações por extenso e assinadas, sobre questões evangélicas.
3º) «O Céu e o Inferno» decorre do Livro IV, «Esperanças e Consolações», em que são estudadas os problemas referentes às penas e aos gozos terrenos e futuros, inclusive com a discussão do dogma das penas eternas e a análise de outros dogmas, como o da ressurreição da carne, e os dos paraíso, inferno e purgatório.
4º) «A Gênese, os milagres e as predições», relaciona-se aos capítulos II, III e IV do Livro I, e capítulo IX, X e XI do Livro II, assim como as partes dos capítulos do Livro III que tratam dos problemas genésicos e da evolução física da terra. Por seu sentido amplo, que abrange ao mesmo tempo as questões da formação e do desenvolvimento do globo terreno, e as referentes a passagens evangélicas e escriturísticas, esse livro da codificação se ramifica de maneira mais difusa que os outros, na estrutura da obra-mater.
5º) Os pequenos livros introdutórios ao estudo da doutrina, «O Principiante Espírita» e «O que é o Espiritismo», que não se incluem propriamente na codificação, também eles estão diretamente relacionados com «O Livro dos Espíritos», decorrendo da «Introdução» e dos «Prolegomenos».

A Filosofia Espírita

Esta rápida apreciação da estrutura de «O Livro dos Espíritos», em suas ligações com as demais obras da codificação, parece-os suficiente para mostrar que ele constitui, como dissemos, no início, o arcabouço filosófico do Espiritismo. Contém, segundo Kardec declarou no frontispício, «Os princípios da doutrina espírita». É, portanto, o seu tratado filosófico. Embora não tenha sido elaborado em linguagem técnica, e não observe os rigores da minúcias exposição filosófica, é todo um complexo e amplo sistema de filosofia que nele se expõe.
Ao apreciá-lo, sob esse aspecto, devemos considerar que Kardec não era um filósofo, mas um educador, um especialista em pedagogia, discípulo emérito de Pestalozzi. Daí o aspecto antes didático do que propriamente de exposição filosófica que imprimiu ao livro.
Em segundo lugar, a obra não foi propriamente escrita por ele, mas elaborada com as respostas dadas pelos Espíritos às suas perguntas, nas sessões mediúnicas, com as meninas Boudin e Japhet, e mais tarde com outros médiuns.
Em terceiro lugar, o livro não se destinava a forma escola filosófica, a conquistar os meios especializados, mas apenas a divulgar os princípios da doutrina de maneira ampla, convocando os homens em geral para o estudo de uma realidade superior a todas as elucubrações do intelecto.
Em quarto lugar, o próprio Kardec teve o cuidado de advertir, nos «Prolegomenos» , que evitava os prejuízos do espírito de sistema, como vemos neste trecho, em que se refere ao ensino dos Espíritos: «Ce livre est le recueil de leurs enseignements; il a été écrit par l'ordre et sous la dictée d'Esprits supérieurs pour établir les fondements d'une philosophie rationelle, dégagée des préjugés de l'esprit de systhème.»
Como se vê, «estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, livre dos prejuízos do espírito de sistema», e não criar uma nova escola filosófica, o que implicaria toda uma rígida sistematização. Esse propósito vem ao encontro do pensamento dos filósofos modernos, como vemos, por exemplo, em Ernest Cassirer, que em sua «Antropologia Filosófica», referindo-se à inconveniência dos sistemas, diz: «Cada teoria se converte num leito de Procusto, em que os fatos empíricos são obrigados a se acomodar a um padrão preconcebido». Max Scheller, por sua vez, comenta: «Dispomos de uma antropologia científica, outra filosófica e outra teológica, que se ignoram entre si». Kardec esquivou-se precisamente a isso, tanto mais que o espírito de sistema seria a própria negação dos objetivos da doutrina.
Quanto ao problema da linguagem técnica, não devemos nos esquecer de que o livro se destinava ao grande público, e não apenas aos especialistas. Podemos lembrar, a propósito, o exemplo de Descartes, que escreveu o seu «Discurso do Método» em francês, quando o latim era a língua oficial da filosofia, porque desejava dar-lhe maior divulgação. Mesmo que Kardec fosse um filósofo especializado, a linguagem técnica não serviria aos seus propósitos nesta obra.
Quanto ao método didático, não seria este o primeiro livro de filosofia a dele se socorrer. Podemos lembrar, por exemplo, «A Ética», de Espinosa. Kardec inicia este livro com a definição de Deus, como Espinosa naquele, e se não segue a forma geométrica de exposição, por meio de definições, axiomas, proposições e escólios, segue entretanto a forma lógica, através de perguntas e respostas, intercaladas de comentários e explicações. Há, aliás, curiosas similaridade de estrutura, de posição, de ligações histórica e de princípios, entre esses dois livros, reclamando estudo mais aprofundado. Como as há entre o que se pode chamar a revolução cartesiana e o Espiritismo, a começar pelos famosos sonhos de Descartes e a sua convicção de haver sido inspirado pelo Espírito da Verdade.
Yvonne Castellan, num breve, falho, às vezes gritantemente injusto, mas em parte simpático estudo da doutrina referindo-se ao «Livro dos Espíritos», mostra que: «O sistema é completo, e compreende uma metafísica, inteiramente repleta de considerações físicas ou genéticas, e uma moral.» Numa análise mais séria, a autora teria visto que a estrutura é mais complexa do que supôs.
O livro começa pela metafísica, passando depois à cosmologia, à psicologia, aos problemas propriamente espíritas da origem e natureza do espírito e suas ligações com o corpo, bem como aos da vida após a morte, para chegar, com as leis morais, à sociologia e à ética, e concluir, no Livro IV, com as considerações de ordem teológica sobre as penas e gozos futuros e a intervenção de Deus na vida humana. Todo um vasto sistema, sem as exigências opressoras ou os prejuízos do espírito de sistema, numa estrutura livre e dinâmica, em que os problemas são postos em debate.
Lembrando-nos dos primórdios do Cristianismo, podemos dizer que o Espiritismo tem sobre ele uma vantagem, no tocante ao problema filosófico. A simplicidade de «O Livro dos Espíritos» não chegar ao ponto de nos obrigar a adaptar sistema antigos aos nossos princípios, como aconteceu com Santo Agostinho e São Tomás, em relação a Platão e Aristóteles, para a criação da chamada filosofia cristã. O Espiritismo já tem o seu próprio sistema, na forma ideal que o futuro consagrará, e cujas vantagens vimos acima.
Por outro lado, é curioso notar que «O Livro dos Espíritos» se enquadra numa das formas clássicas e mais fecundamente livres da tradição filosófica: o diálogo. Por tudo isso, vê-se que Kardec, sem ser o que se pode chamar um filósofo profissional, tinha muita razão ao afirma, no capítulo VI da «Conclusão», referindo-se ao Espiritismo «Sa force est dans sa philosphie, dans l'appel qu'il fait à la raison, au bon-sens»

A Dialética Espírita

Hegel definiu a estrutura e a função do diálogo, identificando as suas leis com as do próprio ser: tese, antítese e síntese. Mais tarde, Marx e Engels deslocaram o diálogo dessas concepção ontológica, para lhe dar um sentido materialista e revolucionário. Coube a Hamilin, entretanto, defini-lo em seu aspecto mais fecundo, como um processo de fusão necessária da tese e da antítese, na produção de uma nova idéia ou nova tese.
Este, a nosso ver, é o processo dialético do Espiritismo, que em vez de dar ênfase à contradição em si, à luta dos opostos, prefere dá-la à harmonia, à fusão dos contrários, para uma nova criação. E é nesse sentido que se desenvolve o diálogo no «Livro dos Espíritos».
Nunca houve, aliás, um diálogo como este. Jamais um homem se debruçou, com toda a segurança do homem moderno, nas bordas do abismo do incognoscível, para interrogá-lo, ouvir as suas vozes misteriosas, contradizê-lo, discutir com ele, e afinal arrancar-lhe os mais íntimos segredos. E nunca, também, o abismo se mostrou tão dócil, e até mesmo desejoso de se revelar ao homem em todos os seus aspectos.
Sócrates ouvia as vozes do seu «daimon» e discutia com o Oráculo de Delfos. Mas Kardec não se limitou a isso: foi mais longe, dialogando com todo o mundo invisível, analisando rigorosamente as suas vozes, ouvindo inferiores e superiores, para descobrir as leis desse mundo, as formas de vida nele existentes, o mecanismo das suas relações com o nosso.
O método dialético é o processo natural do desenvolvimento, tanto do pensamento como de todas as coisas. Emmanuel, certa vez, comparou o Velho Testamento a um apelo dos homens a Deus, e o Novo Testamento, à resposta de Deus. Aceitando essa imagem, podemos dizer que «O Livro dos Espíritos» é a síntese desse diálogo, é o momento em que segundo a definição de Hamelin, o apelo e a resposta se fundem na compreensão espiritual, abrindo caminho a uma nova fase da vida terrena.

A Legitimidade do Livro

Ao publicar «A Gênese», em 1868, Kardec pôde acentuar que «O Livro dos Espíritos», lançado dez anos antes, continuava tão sólido como então. Nenhum dos seus princípios fundamentais havia sido abalado pela experiência, todos permaneciam em pé. Hoje, cem anos depois, se ainda vivesse entre nós, o codificador poderia dizer o mesmo.
E isso num século em que o mundo se transformou de maneira vertiginosa, em que a chamada ciência positiva foi revirada de ponta a ponta, em que as concepções filosóficas sofreram tremendos impactos. Há conceitos que, à primeira vista, parecem desmentidos, ou pelo menos postos em dúvida pela ciência. É o caso do fluido universal, mas somente quando o confundimos com o conceito científico do éter espacial.
Na verdade, o desenvolvimento da ciência se processa exactamente na direcção dos princípios espíritas. A desintegração da matéria pela física nuclear, a concepção da matéria como concentração de energia, a percepção cada vez mais clara de uma estrutura matemática do universo, a conclusão a que alguns cientistas são forçados a chegar, de que, por trás da energia parece haver outra coisa, que seria o pensamento, tudo isso nos mostra que Kardec tinha razão ao proclamar que nem Deus, nem a religião verdadeira, nem portanto o Espiritismo tinham nada a perder com o avanço da ciência. Pelo contrário, só tem a ganhar, como os fatos demonstram, dia a dia.
Essa segurança dos princípios espíritas decorre da legitimidade da fonte espiritual deste livro, da pureza dos seus meios de transmissão mediúnica, da precisão do método kardeciano.
A fonte, como se vê pela revelação espontânea e inesperada do Espírito da Verdade a Kardec, segundo as anotações autobiográficas de «Obras Póstumas», e pela confirmação posterior de tantos outros Espíritos, ou como se pode constatar, lógica e historicamente, pelo processo de restabelecimento do Cristianismo, que o Espiritismo realiza, é a mesma de que precedeu aquele. Não é Kardec, nem este ou aquele Espírito em particular, nem um grupo de homens, mas toda a falange do Espírito da Verdade, enviada à terra em cumprimento da promessa de Jesus a fonte espiritual de «O Livro dos Espíritos».
Quanto aos meios mediúnicos de transmissão, correspondiam à pureza da fonte. As médiuns que serviram a esse trabalho foram duas meninas, Caroline e Julie Boudin, de 16 e 14 anos respectivamente, a que mais tarde se juntaria outra menina, a Srta. Japhet, no processo de revisão do livro. As reuniões se realizavam na casa da família Boudin, na intimidade do lar, entre pessoas amigas, e as respostas dos Espíritos eram transmitidas por meio da cesta de bico, a que se adaptava um lápis. As meninas punham as mãos sobre a cesta e esta se movimentava, escrevendo as mensagens, com absoluta impossibilidade de ação dos médiuns na escrita. Mais tarde, seguindo instruções dos próprios Espíritos, Kardec submete o livro ao controle de outros médiuns, mas todos escolhidos criteriosamente. Além disso, as respostas dos Espíritos eram confrontadas com as comunicações obtidas em outros grupos, em obediência ao princípio da universalidade das revelações, que veremos a seguir.
O método de Kardec transformou-se no método da própria doutrina, e tem, na sua própria simplicidade, a garantia da sua eficiência. Podemos resumi-lo assim:
1.º) Escolha de colaboradores mediúnicos insuspeitos, tanto do ponto de vista moral, quando da pureza das faculdades e da assistência espiritual;
2.º) Análise rigorosa das comunicações, do ponto de vista lógico, bem como do seu confronto com as verdades científicas demonstradas, pondo-se de lado tudo aquilo que não possa ser logicamente justificado;
3.º) Controle dos Espíritos comunicantes, através da coerência de suas comunicações e do teor de sua linguagem;
4.º) Consenso universal, ou seja, concordância de várias comunicações, dadas por médiuns diferentes, ao mesmo tempo e em vários lugares, sobre o mesmo assunto.
Armado desses princípios, escudado rigorosamente nesse critério, Kardec pôde realizar a difícil tarefa de reunir a série de informações que lhe permitiram organizar o livro. Interessante lembrar que esse mesmo critério, em parte, havia sido ensinado por João, em sua primeira epístola (IV:1) bem como pelo apóstolo Paulo, em sua primeira epístola aos coríntios. As raízes do método kardeciano estão no Novo Testamento.
Não se pode confundir, porém, o método doutrinário com os métodos de investigação científica dos fenômenos espíritas. No trato mediúnico, a premissa da existência do Espírito e da possibilidade da comunicação já está firmada. O que importa é o controle da legitimidade da comunicação. Na pesquisa científica, tudo ainda está para ser descoberto e provado. As investigações científicas podem variar infinitamente de processos e métodos, de acordo com os investigadores. As sessões mediúnicas não podem fugir ao método kardeciano, que se comprovou na prática, há um século, o único realmente eficiente, e que procede, como vimos, das reuniões mediúnicas da era apostólica.
Problemas secundários, como o da assinatura de certas comunicações por nomes céleres, são explicados por Kardec na «Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita», publicando apenas a mensagem, como fez com a maioria das respostas deste livro. Essas assinatura, segundo dizem, afastam da obra muitos leitores, que a consideram mistificação grosseira.
A explicação está na sinceridade de Kardec e na sua fidelidade ao Espíritos que lhe revelaram a doutrina. Ocultar-lhes os nomes seria deixar uma possibilidade de lhe atribuírem a obra, e ele sempre fez questão de precisar que não passava de um colaborador dos autores espirituais. Além disso, suas explicações a respeito são absolutamente claras, para todos os que estão aptos a compreender o fenômeno espírita em sua plenitude

O Problema Científico

Kardec examina o problema científico do Espiritismo nos capítulos VII e VII da «Introdução ao estudo da doutrina espírita». Vejamos um trecho bastante esclarecedor, cuja tradução o leitor encontrará no lugar próprio desta edição: «La science propement dite, comme science, est donc incompétente pour se prononcer dans la question du spiritisme: elle n'a pas à s'en occuper, et son jugement, quel qu'il soit, favorable ou non, ne saurait être d'aucun poids.»
Não obstante, Kardec insiste no caráter científico da doutrina. Caráter próprio, como ele explica nos capítulos citados, pois se trata de uma ciência que deve ter os seus próprios métodos, uma vez que o seu objeto não é a matéria, mas o espírito.
Por que essa insistência no caráter científico? Porque «O Livro dos Espíritos» vem abrir uma nova era no estudo dos problemas espirituais. Até a sua publicação, esses problemas eram tratados de maneira empírica ou apenas imaginosa. As religiões, como seus intrincados sistemas teológicos, ou as ordens ocultas, as corporações místicas e teosóficas, deslocavam os problemas do espírito para o terreno do mistério. O conhecimento humano se dividia, para nos servirmos das expressões de Santo Agostinho, na «iluminação divina» e na «experiência».
O Espiritismo veio modificar essa ordem de coisas, mostrando a possibilidade de encararmos os problemas espirituais através da experiência agostiniana, ou seja, através da mesma razão que aplicamos aos problemas materiais. Nesse sentido, «O Livro dos Espíritos» se apresenta como um divisor de águas. Tudo aquilo que, antes dele, constitui o espiritualismo, pode ser chamado «espiritualismo utópico», e tudo o que vem com ele e depois dele, seguindo a sua linha doutrinária, «espiritualismo científico», como fazem os marxistas com o socialismo de antes e depois de Marx.
Esta a posição especial de «O Livro dos Espíritos», no plano da cultura espiritual. Com ele, o espírito e os seus problemas saíram do terreno da abstração, para se tornarem acessíveis à investigação racional, e até mesmo à pesquisa experimental. O sobrenatural tornou-se natural. Tudo se reduziu a um questão de conhecimento das leis que regem o universo.
A tese espinosiana da impossibilidade do milagre, como violação da ordem natural, veio comprovar-se nas suas demonstrações. E as leis dessa ordem, como vemos no capítulo primeiro do Livro III, são todas naturais, quer digam respeito às relações materiais, quer às espirituais e morais. Não existe o sobrenatural, senão para a ignorância humana das leis naturais, uma vez que o universo é um sistema único, e todas as suas partes se entrosam na grande estrutura.

O Problema Religioso

A natureza religiosa do «Livro dos Espíritos», ressalta desde as suas primeiras páginas. Como já vimos, Kardec o inicia pela definição de Deus Mas o Deus espírita não é antropomórfico, não é um ser constituído à imagem e semelhança do homem, como o das religiões. A definição espírita é incisiva: «Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.»
Assim como, para Espinosa, Deus é a substância infinita, para Kardec é a inteligência infinita. Mas assim como erraram os que confundiram a substância espinosiana com o Universo, assim também se enganam os que confundem a inteligência infinita com o homem finito, e a religião espírita com os formalismos religiosos.
Os atributos de Deus não se confundem com os precários atributos humanos: ele é eterno, imutável, imaterial, único, todo poderoso, soberanamente justo e bom. Deus não se confunde com o Universo, pois é o criador e o mantenedor do Universo. Entretanto, ao tratar da justiça de Deus, vemos Kardec empregar uma terminologia antropomórfica, falando em castigos e recompensas, o que tem dado motivo a afirmar-se que o Deus espírita é semelhante ao das religiões.
A explicação desse fato, que à primeira vista parece contraditória, está no item décimo do capítulo primeiro: «L'homme peut-il comprendre la nature intime de Dieu? Non, c'est un sens qui lui manque.» E logo a seguir vem a explicação de Kardec a respeito. Mais adiante, no item treze, encontramos a resposta de que os atributos de Deus, a que nos referimos acima, são apenas uma interpretação humana, aquilo que o homem pode conceber a respeito de Deus, nos eu estágio atual de evolução. Kardec, portanto, emprega a linguagem que podemos empregar, de maneira compreensiva, para tratar de Deus. Não humaniza a Deus, mas apenas o coloca ao alcance da compreensão humana.
Não obstante, a natureza de Deus, como inteligência infinita e causa primária, é sempre resguardada. Vemos isso em todo o primeiro capítulo e em muitas outras passagens do livro. No capítulo sobre o Panteísmo, qualquer confusão entre o Criador e a Criação foi afastada. O Deus espírita não é antropomórfico, mas também não é panteísta. Por outro lado, «O Livro dos Espíritos» veda imediatamente o caminho às especulações ilusórias e imaginosas sobre a natureza de Deus.
Uma vez que falta ao homem o meio de compreendê-lo, inútil será tentar a sua definição através de suposições ingênuas ou atrevidas. É o que vemos no item 14.º do primeiro capítulo, no estabelecimento de um princípio que define de maneira absoluta a posição do Espiritismo em face do problema, separando-o decisivamente de todas as escolas de teologia especulativa ou de ocultismo de qualquer espécie. Vejamos esse trecho fundamental no original francês, podendo o leitor encontrar a sua tradução no lugar próprio deste volume:
«Dieu existe, vous v'en pouvez douter, c'est l'essentielç; croyez-moi, n'allez pas au delà; ne vous égarez pas dans un labyrinthe d'ou vous ne pourriez sortir; cela ne vous rendrait pas meilleurs, mas peut-être un peu plus orgueilleux, parce que vous croiriez savoir, et qu?en réalité vous ne sauriez rien, Laissez donc de côté tous ces systèmes; vous avez assez de choses que vous touchent plus directement, à commencer par vouas memes; étudiez vos propes imperfections afin de vous en débarrasser, cela vous sera plus utile que de vouloir pénétrer ce qui est impénetrable.»
Deus, como inteligência infinita ou suprema, é o que é. Não comporta especulações ociosas, definições imaginosas. O homem deve conter-se nos limites de si mesmo, cuidar das suas imperfeições, melhorar-se. Basta-lhe saber que Deus existe, e que é justo e bom. Disso ele não pode duvidar, porque «pela obra se reconhece o obreiro», a própria natureza atesta a existência de Deus, sua própria consciência lhe diz que ele existe, e a lei geral da evolução comprova a sua justiça e a sua bondade. Descartes dizia que Deus está na consciência do homem como a marca do obreiro na sua obra. Os Espíritos confirmam esse princípio, mas vão além, mostrando que a marca do obreiro está em todas as coisas, na natureza inteira. A negação de Deus é, para o Espiritismo, como a negação do sol. O ateu, o descrente, não é um condenado, um pecador irremissível, maus um cego, cujos olhos podem ser abertos, e realmente o serão. Porque Deus é necessariamente existente, segundo o princípio cartesiano. Nada se pode entender sem Deus. Ele é o centro e a razão de ser de tudo quanto existe. Tirar Deus do Universo é como tirar o sol do nosso sistema. Simples absurdo.
Mas, pelo fato de não ter a forma humana, de não se assemelhar ao homem, no tocante à constituição física deste, não se segue que Deus esteja distante do homem e indiferente a ele. O Deus espírita se assemelha ao aristotélico, pelo seu poder de atração, mas se afasta dele, quanto à indiferença em relação ao cosmos. Porque Deus é providência, Deus é amor, é o criador e o pai de tudo e de todos.
O Universo se define por uma tríade, semelhante às tríades druídicas: Deus, espírito e matéria. Vemos isso no item 27, quando Kardec pergunta se existem dois elementos gerais, o espírito e a matéria, e os Espíritos respondem: «Oui, e par dessus tout cela Dieu, le créatur, le père de toutes choses; ces trois choses sont le principe de tout ce qui existe, la trinité universelle.» A matéria, porém, não é só o elemento palpável, pois há nela o fluido universal, o seu lado fluidico, que desempenha o papel de intermediário entre o plano espiritual e o propriamente material.
Diante dessa concepção, surge um problema de ordem teológica e escriturística. Se Deus não se assemelha ao homem, como entender-se a passagem bíblica segundo a qual ele criou o homem à sua imagem e semelhança? A explicação vem no item 88, quando Kardec pergunta pela forma do Espírito, não daquele que ainda está revestido do corpo espiritual ou perispírito, mas do Espírito puro.
Vejamos a pergunta e a resposta no original, cuja tradução o leitor pode encontrar no lugar próprio do livro: «Les Espirits ont-ils une forme déterminée, limitée et constante? A vos yeux, non: aux nôtres, oui; c'est, si vous le voulez, une flame, une lueur, ou une étincelle éthérée.» Como se vê, o homem, na sua essência, naquilo unicamente em que ele pode assemelhar-se a Deus: não é um animal de carne e osso, nem mesmo uma forma humana em corpo espiritual, mas uma centelha etérea. Foi assim que Deus o fez à sua imagem e semelhança.
Colocado o problema fundamental de Deus e da criação, «O Livro dos Espíritos» entra pelo controvertido terreno da destinação humana. Sua concepção deísta do Universo é necessariamente teológica. Tudo avança para Deus, do átomo ao arcanjo, como vimos no item 540, e á frente dessa marcha, no plano terreno, encontra-se o homem. Vemo-lo numa escala evolutiva, na terra como no espaço: do imbecil ao sábio, do criminoso ao santo.
A «escala espírita», que começa no item 100, nos oferece uma visão esquemática dessa escada de Jacó, que vai da terra ao céu. O estudo da «progressão dos espíritos», que começa no item 114, nos mostra a necessidade do esforço próprio para que o Espírito se realize a si mesmo, revelando-nos ao mesmo tempo o papel da Providência, sempre amorosamente voltada para as criaturas. No estudo sobre «anjos e demônios», que se inicia no item 128, defrontamo-nos com um debate teórico sobre passagens evangélicas. O problema da justiça de Deus é equacionado à luz dos ensaios de Cristo, no seu verdadeiro sentido.
A seguir, «O Livro dos Espíritos» trata da encarnação dos Espíritos e da finalidade da vida terrena. Combate o materialismo, mostrando a sua inconsistência. Não são os estudos que levam o homem a ele, não é o desenvolvimento do conhecimento que o torna materialista, mas apenas a sua vaidade. É o que vemos no item 148: «Il n'est pas vrai que le matérialisme soit une conséquence de ces études; c'est l'homme que en tire une fausse conséquence, car il peut abuser de tout, même des veilleurs choses».
Kardec corrobora a tese dos Espíritos: o materialismo é uma aberração da inteligência. É o que nos diz no início do seu comentário: «Par une aberration de l'inteligence, il y a des gens qui ne voient dans les êtres organiques que l'action de la matière et à rapportent tous nos actes».
E assim prossegue o livro, todo ele impulsionado pelo sopro do espírito, impregnado pelo sentimento religioso, e mais particularmente, pelo sentido cristão desse sentimento. Quando, no item 625, Kardec pergunta qual o tipo humano mais perfeito que Deus ofereceu ao homem, para lhe servir de guia e modelo, a resposta é incisiva: «Voyes Jésus». E Kardec comenta: «Jésus est pour l'homme le type de la perfection morale à laquele peut prètendre l'humanité sur la terre. Dieu nous l'offre comme le plus parfait modelo, et la doctrine qu'il a enseignée est la plus pure expression de sa loi, parce qu'il etat animé de l'esprit divin, et l'etre le plus pur qui ait paru sur la terre».
A religião espírita se traduz em espírito e verdade. O que interessa a Deus não é a precária exterioridade dos ritos e do culto convencional, quase sempre vazio: é o pensamento e o sentimento do homem. A adoração da divindade é uma lei natural, quanto a lei de gravidade. O homem gravita para Deus como a pedra gravita para a terra e esta para o sol. Mas as manifestações exteriores da adoração não são necessárias.
No item 653 vemos a clara resposta dos Espíritos a respeito: «La véritable adoration est dans le coeur. Dans toutes vos actions songez toujours qu'un maitre vous regarde». A vida contemplativa é condenada porque inútil, assim também a monacal, pois Deus não que o cultivo egoísta do sentimento religioso, mas a prática da caridade, a experiência viva e constante do amor, através das relações humanas.
«O Livro dos Espíritos» não deixa de lado o problema do culto religioso, que necessita manifestar a sua religiosidade: Essa manifestação se verifica nas formas naturais de adoração, uma das quais é a prece. Pela prece o homem pensa em Deus, aproxima-se dele, põe-se em comunicação com ele. É o que vemos a partir do item 658. Pela prece, o homem pode evoluir mais depressa, elevar-se mais rapidamente sobre si mesmo. Mas a prece também não pode ser apenas formal. Por ela, podemos fazer três coisas: louvar, pedir e agradecer a Deus, mas desde que o façamos como o coração, e não apenas com os lábios.
Temos assim a religião espírita, que mais tarde se definirá de maneira mais objectiva ou directa em «O Evangelho segundo o Espiritismo». Uma religião psíquica, como a chamou Conan Doyle, equivalente à «religião dinâmica» de Bergson. No capítulo V da «Conclusão», Kardec afirma: «Le spiritisme est fort parce qu'il s'appuis sur les bases mêmes de la religon: Dieu, l'âme, les peines et recompenses futures; parce que surtout il montre ces peines et ces recompenses comme des conséquences naturelles de la vie terrestre, et que rien, dans le tableau qu'il offre de l'avenir, ne peut être désavoué par la raison la plus exigente». Enfim: religião positiva, baseada nas leis naturais, destituída de aparatos misteriosos e da teologia imaginosa.
Para completar o quadro religioso de «O Livro dos Espíritos» temos ainda o capítulo XII do Livro III e todo o Livro IV. NO capítulo referido, Kardec trata do aperfeiçoamento moral do homem, encara os problemas referentes às virtudes e aos vícios, às paixões, ao egoísmo, define por fim o caráter do homem de bem e conclui com uma mensagem de Santo Agostinho sobre a maneira de nos conhecermos a nós mesmos. No Livro IV temos um capítulo sobre as penas e gozos terrenos, que é um código da vida moral na terra, verdadeiro catecismo da conduta espírita, e um capítulo sobre as penas e gozos futuros, sobre as conseqüência espirituais do nosso comportamento terreno.

Estudos Futuros

Este, em linhas gerais, o livro que a 18 de Abril deste ano completou cem anos, e cujo primeiro centenário foi celebrado em todo o mundo civilizado, pelos adeptos do Espiritismo. Sua estrutura, como se vê, o coloca entre os tratados filosóficos, e seu conteúdo se relaciona com todos os aspectos fundamentais do conhecimento. Sua simplicidade aparente é tão ilusória como a da superfície tranqüila de um grande rio.
Como no «Discurso do Método», de Descartes, a clareza do texto pode enganar o leitor desprevenido. As coisas mais profundas e complexas aparecem na linguagem mais direta e simples, e a compreensão geral do livro só pode ser alcançada por aquele que for capaz de apreender todos os nexos entre os diversos assuntos nele tratados.
Até hoje, cem anos depois de sua publicação, «O Livro dos Espíritos» vem sendo lido e meditado, no mundo inteiro, mas pouco se tem cuidado de analisá-lo em suas múltiplas implicações e em sua mais profunda significação. Acreditamos que o segundo século do Espiritismo, que se iniciou neste ano, será assinalado por uma atitude mais consciente dos próprios espíritas em face deste livro, e que estudos futuros virão revelar, cada vez de maneira mais clara, o seu verdadeiro papel na história do conhecimento.
Para concluir, lembremos que sir Oliver Lodge, o grande físico inglês, uma das mais altas expressões de cultura científica do nosso tempo, considerou o Espiritismo, no seu livro sobre «A imortalidade pessoal», como «uma nova revolução copérnica». E Léon Denis, o sucessor de Kardec, legítima expressão da cultura francesa, proclamou no Congresso Espírita Internacional de Paris, em 1925, e no seu livro «Le Genie Celtique et le Monde Invisible», de 1927, que o Espiritismo tende a reunir e a fundir, numa síntese grandiosa, todas as formas do pensamento e da ciência.

Fonte : Portal do Espírito

O Livro dos Espíritos - Farol a indicar caminhos

O Livro dos Espíritos - Farol a indicar caminhos

A. Merci Spada Borges
A história das civilizações se perpetua através dos livros, proporcionando o enriquecimento histórico e cultural dos povos. O livro, cada vez mais lido, torna-se instrumento atuante sobre a mente humana. Os livros tanto podem enriquecer, ampliar, libertar, quanto deturpar ou escravizar consciências. Portanto, é necessário valorizar aqueles que dignificam o homem.
Sob a luz abençoada do Consolador, O livro dos espíritos comemora 156 anos a iluminar consciências. Segundo publicação do próprio Codificador:
    Contém a doutrina completa, como a ditaram os próprios Espíritos, com toda a sua filosofia e todas as suas consequências morais. É a revelação do destino do homem, a iniciação no conhecimento da natureza dos Espíritos e nos mistérios da vida de além-túmulo. Quem o lê compreende que o Espiritismo objetiva um fim sério, que não constitui frívolo passatempo.

    Seu conteúdo se distribui em quatro partes; os temas, adredemente escolhidos, são desenvolvidos de forma muito original: perguntas e respostas. É uma disposição que facilita agradavelmente a leitura e o seu entendimento.

    A primeira edição dessa obra monumental foi revelada ao público a 18 de abril de 1857. Não foi por acaso que essa data ficou gravada nos anais do Espiritismo. Tão importante se tornou que, na atualidade, foi instituída como Dia Nacional do Espiritismo.

    O êxito do lançamento foi esplêndido. A primeira edição esgotou-se rapidamente. Em março de 1860, após revista, corrigida e ampliada, foi lançada a segunda edição, com seu conteúdo e formato definitivos. Completou-se, dessa forma, o primeiro livro da Codificação Espírita em toda sua amplitude filosófica e moral.

    O Espírito Baluze, em comunicação mediúnica e espontânea, faz referência a esse estandarte do Espiritismo:   
    E quando tantas esperanças não pedem senão para se espalhar,quando tantas outras regiões estão, como essa, numa prostração mortal, desejamos que, em todos os corações, em todos os recantos perdidos deste mundo, penetre O livro dos espíritos. Só a doutrina que ele encerra será capaz de mudar o espírito das populações [...].3 (Destaque nosso.)

    Em 1868, ao ser lançada A gênese,Allan Kardec ressalta em suas páginas:
O livro dos espíritos só teve consolidado o seu crédito, por ser a expressão de um pensamento coletivo, geral. Em abril de 1867,completou o seu primeiro período decenal. Nesse intervalo, os princípios fundamentais, cujas bases ele assentara, foram sucessivamente completados e desenvolvidos, por virtude da progressividade do ensino dos Espíritos.
Nenhum, porém, recebeu desmentido da experiência; todos,sem exceção, permaneceram de pé, mais vivazes do que nunca, enquanto que, de todas as ideias contraditórias que alguns tentaram opor-lhe, nenhuma prevaleceu[...].4 (Destaque nosso.)

    Tão importante se tornou O livro dos espíritos que os jornais da época se apressaram a publicar artigos favoráveis sobre essa obra monumental:
O livro dos espíritos, do Sr.Allan Kardec, é uma página nova do grande livro do infinito, e estamos persuadidos de que um marcador assinalará essa página. Ficaríamos desolados se pensassem que acabamos de fazer aqui um anúncio bibliográfico; se pudéssemos supor que assim fora, quebraríamos a nossa pena imediatamente. Não conhecemos absolutamente o autor, mas confessamos abertamente que ficaríamos felizes em conhecê-lo. Aquele que escreveu a introdução que inicia O livro dos espíritos deve ter a alma aberta a todos os sentimentos nobres.[...]
    A todos os deserdados da Terra,a todos os que caminham e caem, regando com suas lágrimas o pó da estrada, diremos:
Lede O livro dos espíritos; isso vos tornará mais fortes. Também aos felizes, aos que pelos caminhos só encontram os aplausos da multidão ou os sorrisos da fortuna, diremos: Estudai-o; ele vos tornará melhores.5 (Destaques nosso.)

    Chegara o momento em que o eminente trabalhador deveria retornar ao lar espiritual. Completara galhardamente a missão a que viera: a Codificação estava estruturada no Pentateuco Consolador. Tendo o grande missionário desencarnado, foi publicada a sua biografia, de que extraímos o seguinte excerto:
    Data do aparecimento de O livro dos espíritos a fundação do Espiritismo que, até então, só contara com elementos esparsos, sem coordenação, e cujo alcance nem toda gente pudera apreender. A partir daquele momento, a doutrina prendeu a atenção dos homens sérios e tomou rápido desenvolvimento. Em poucos anos, aquelas ideias conquistaram numerosos aderentes em todas as camadas sociais e em todos os países. Esse êxito sem precedentes decorreu sem dúvida da simpatia que tais ideias despertaram, mas também é devido, em grande parte, à clareza com que foram expostas e que é um dos característicos dos escritos de Allan Kardec.6 (Destaque nosso.)

    O Sr. Camille Flammarion fez um discurso emocionante junto ao túmulo de Kardec:
[...] Quando, pelo ano de 1850,as manifestações, novas na aparência, das mesas girantes,das pancadas sem causa ostensiva,dos movimentos insólitos de objetos e móveis começaram a prender a atenção pública, determinando mesmo, nos de imaginação aventureira, uma espécie de febre, devida à novidade de tais experiências, Allan Kardec, estudando ao mesmo tempo o magnetismo e seus singulares efeitos, acompanhou com a maior paciência e clarividência judiciosa as experimentações e as tentativas numerosas que então se faziam em Paris. Recolheu e pôs em ordem os resultados conseguidos dessa longa observação e com eles compôs o corpo de doutrina que publicou em 1857, na primeira edição de O livro dos espíritos. Todos sabeis que êxito alcançou essa obra, na França e no estrangeiro. Havendo atingido a 16a edição, tem espalhado em todas as classes esse corpo de doutrina elementar [...].7 (Destaque nosso.)

    Doze anos depois de seu lançamento,precisamente em maio de 1869, após a desencarnação do amorável Codificador, O livro dos espíritos alcançou sua décima sexta edição francesa. E, nos dias atuais, após 156 anos de divulgação, a obra basilar da Codificação já foi traduzida para as mais diversas línguas do mundo, entre elas o japonês. O livro dos espíritos é o alicerce sólido, a pedra angular dessa consoladora Doutrina, revivescência do Evangelho de Jesus.8

Referências:

1KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Trad. Guillon Ribeiro. 80. ed. 4. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2012. pt. 1, cap. 3, Do
método, it. 35.
2______. Revista espírita: jornal de estudos psicológicos, ano 3, n. 3, p. 154 e 155, mar. 1860. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed.
2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. À venda O livro dos espíritos – Segunda edição.
3______. ______. ano 9, n. 5, p. 199, mai.1866. Trad. Evandro Noleto Bezerra.2. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Lembrança retrospectiva de um Espírito.
4______. A gênese. Trad. Guillon Ribeiro,52. ed. 5. reimp. Rio de Janeiro: FEB,2012. Introdução, p. 16.
5______. Revista espírita: jornal de estudos psicológicos. ano 1, n. 1, p. 64 e 65,jan. 1858. Trad. Evandro Noleto Bezerra.
4. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011.
A Doutrina Espírita, p. 64 e 65.
6______. ______. ano 12, n. 5, p. 188 e 189, mai. 1869. Trad. Evandro Noleto Bezerra.3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009.
Biografia do sr. Allan Kardec.
7______. ______. p. 197. Discursos pronunciados junto ao túmulo. O espiritismo e a ciência.
8WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec – Pesquisa biobibliográfica e ensaios de interpretação. 4. ed. Rio de Janeiro:FEB, 1998. v. 3, cap. 1, As obras espíritasde Allan Kardec.

domingo, 31 de março de 2013

MEDIUNIDADE SEM PRECONCEITO

25/03/2013




De maneira mais ampla, em mediunidade, certos aspectos não podem deixar de ser considerados por aqueles que, sem preconceito, se dispõem a estudar o fenômeno, que não se prende apenas e tão somente aos padrões estabelecidos e aceitos pela vulgaridade.
Abaixo, enumeramos alguns deles:
- o espírito comunicante não carece, necessariamente, de estar fisicamente presente no recinto em que o médium esteja se entregando ao transe.
- na maioria das comunicações, escritas ou verbalizadas, o médium não reproduz senão a essência do pensamento do espírito que por ele se expressa.
- no ato mediúnico de natureza inteligente, a interpretação sempre cabe ao medianeiro, junto ao qual a independência do espírito comunicante é sempre relativa, e jamais absoluta.
- em determinados comunicados mediúnicos, ao suprir essa ou aquela deficiência do espírito, a interferência do médium chega a ser enriquecedora, e, portanto, desejável.
- não raro, o próprio espírito do médium pode-se comunicar com maior proveito que o faria um espírito que, por ele, se manifestasse.
- no estado de transe, o espírito do médium pode, inclusive, se manifestar como outra personalidade que haja animado em vida anterior.
- quase sempre, na gleba psíquica do médium, o espírito lança apenas a semente da ideia que deseja transmitir, deixando ao médium o trabalho de fazê-la florescer.
- na maioria dos médiuns, o que se rotula de fenômeno psicofônico ou psicográfico não passa de fenômeno de ordem intuitiva.
- em muitas ocasiões, o espírito que se manifesta pelo médium é o seu espírito protetor, que, então, assume, junto a ele, o papel de médium de outros espíritos.
- determinados espíritos emprestam as suas identidades (leia-se “nomes”) às comunicações que, em essência, não lhes pertencem de todo.
- o que o médium pensa e sente, ou seja, a sua formação intelectual e doutrinária, estabelece canais seletivos aos espíritos que o procuram, que, praticamente, não encontram ensejo de contradizê-lo.
- o fenômeno mediúnico de natureza intelectual se passa, integralmente, na esfera do pensamento, com a imaginação do médium criando o cenário para a história que o espírito pretende contar.
 Os aspectos aqui relacionados, e outros mais que, no momento, nos escapam, autorizam-nos definir a mediunidade idônea como sendo percepção a serviço da Vida Imortal, dando ensejo a que o espírito, encarnado ou desencarnado, demonstre a sua independência da matéria.
O resto, a meu ver, é mero detalhe, no qual, com certeza, muitos se perdem, e continuarão a se perder, em polêmicas infindáveis, dando repasto à própria vaidade e personalismo.

INÁCIO FERREIRA

Uberaba – MG, 25 de março de 2013.

Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita -Livro I-Roteiro 6-Módulo 2- O Cristianismo." A Escritura dos Evangelhos. Os Evangelistas"

EADE - LIVRO I
ROTEIRO
6
Objetivos
• Explicar como foram redigidos os textos evangélicos.
• Analisar o papel desempenhado pelos evangelistas na divulgação
do Cristianismo.
IDÉIAS PRINCIPAIS
CRISTIANISMO E ESPIRITISMO
MÓDULO II - O CRISTIANISMO
• Os [...] mensageiros do Cristo presidem à redação dos textos definitivos [do Evangelho], com vistas ao futuro, não somente junto aos Apóstolos e seus discípulos, mas igualmente junto aos núcleos das tradições. Os cristãos mais destacados trocam, entre si, cartas de alto valor doutrinário para as diversas igrejas. São mensagens de fraternidade e de amor, que a posteridade muita vez não pôde ou não quis compreender. Emmanuel: A caminho da luz. Cap. 14.
• Entre os anos 60 e os 80 da Era Cristã aparecem os primeiros escritos evangélicos de Marcos, considerados os mais antigos. No final do século I, entre os anos 80 e 98, surge o Evangelho de Lucas, assim como o de Mateus.
Este foi possivelmente escrito em hebraico, atualmente perdido. Finalmente, entre os anos de 98 e 110, aparece, em Éfeso, o evangelho de João. Ao lado desses evangelhos, únicos reconhecidos pela Igreja Católica, grande número de outros vinha à luz [são os evangelhos apócrifos]. Por que razão foram esses numerosos documentos declarados apócrifos e rejeitados? Muito provavelmente porque haviam constituído num embaraço aos que nos séculos I e II imprimiram ao Cristianismo uma direção que o devia afastar, cada vez mais, de suas formas primitivas [...]. Léon Denis: Cristianismo e espiritismo. Cap. 1.
• A grandeza da doutrina [cristã] não reside na circunstância de o Evangelho ser de Marcos ou de Mateus, de Lucas ou de João; está na beleza imortal que se irradia de suas lições divinas, atravessando as idades e atraindo os corações. Emmanuel: A caminho da luz. Cap. 14.
A ESCRITURA DOS EVANGELHOS. OS EVANGELISTAS
O ambiente histórico em que o Evangelho surgiu é o do judaísmo, formado e alimentado pelos livros sacros do Antigo Testamento, condicionado pelos acontecimentos históricos, pelas instituições nas quais se encontrou inserido, e pelas correntes religiosas que o especificaram.
A palavra evangelho, do grego euangélion, quer dizer boa-notícia ou boa nova, por extensão. O sentido mais antigo da palavra está relacionado a uma gorjeta que era dada aos que traziam “boas-notícias”. Nas cidades gregas empregava-se o vocábulo evangelho quando ecoava a notícia de uma vitória militar, ou nascimento do filho de um rei ou imperador. Uniam-se à notícia cânticos e cerimônias festivas, dando-se uma conotação de alegria. 9
O Novo Testamento abrange quatro conjuntos de livros, assim discriminados:
a) Evangelhos; b) Atos dos Apóstolos; c) Epístolas; d) Apocalipse. Neste roteiro estão inseridas informações sobre o Evangelho de Jesus, segundo os registros de Mateus, Marcos, Lucas e João.
O Evangelho [Boa Nova], cerne doutrinário do Cristianismo, contém aspectos da biografia terrena de Jesus Cristo e seus principais ensinamentos de caráter moral, coligidos segundo informações de Mateus, Marcos, Lucas e João. Mateus e João, discípulos diretos (apóstolos), de contato pessoal com o Mestre, escreveram respectivamente em hebraico e em grego; Marcos e Lucas, redigiram seus textos em grego, o primeiro transmitindo reminiscências de Pedro, o segundo investigando e recolhendo informações por via indireta.
Harmonizam-se os quatro textos num todo orgânico, composto sem acomodações, sob inspiração mediúnica, cujo influxo não derrogou a liberdade volitiva e os pensadores psíquicos: Mateus, menosprezado funcionário, atende ao aceno do novo chefe e nele passa a vislumbrar o diretor supremo, o rei em nomenclatura humana, embora em nível do reino dos céus; Marcos, atemorizado
quando jovem com a intensidade da tarefa, sublima depois, vendo em Jesus o servo incansável, paradigma da fraternidade a serviço divino; Lucas, mais intelectualizado, apresenta Jesus como entidade imaculada, presa pela genealogia ao pai Adão, porém subtraída ao pecado pela redenção no Pai Criador. João, mais espiritualizado, portanto mais próximo da essência dos ensinamentos de
Jesus, tem olhos de ver no Cristo a entidade celestial, o verbo mesmo de Deus, não apenas o rei, o servo, o homem, sinopse da biografia terrena. 1, 15
O Cristo nada escreveu. Suas palavras, disseminadas ao longo dos caminhos, foram transmitidas de boca em boca e, posteriormente, transcritas em diferentes épocas, muito tempo depois da sua morte. Uma tradição religiosa popular formou-se pouco a pouco, tradição
que sofreu constante evolução até o século IV [...]. Durante [...] meio século depois da morte de Jesus, a tradição cristã, oral e viva, é qual água corrente em que qualquer se pode saciar. Sua propaganda se fez por meio da prédica [sermão, discurso religioso], pelo ensino dos apóstolos, homens simples, iletrados, mas iluminados pelo pensamento do Mestre.
Não é senão do ano 60 ao 80 que aparecem as primeiras narrações escritas, a de Marcos a princípio, que é a mais antiga, depois as primeiras narrativas atribuídas a Mateus e Lucas,
todas, escritos fragmentários e que se vão acrescentar de sucessivas adições, como todas as obras populares. 3 Foi somente no fim do século I, de 80 a 98, que surgiu o evangelho de Lucas, assim como o de Mateus, o primitivo, atualmente perdido; finalmente, de 98 a
110, apareceu, em Éfeso, o evangelho de João. Ao lado desses evangelhos, únicos depois reconhecidos pela Igreja, grande número de outros vinha à luz. Desses, são conhecidos atualmente uns vinte; mas, no século III, Orígenes os citava em maior número. Lucas
faz alusão a isso no primeiro versículo da obra que traz o seu nome. 10
Os textos evangélicos utilizados pelos povos não anglo-saxônicos originam- se da Vulgata (divulgada) Latina, fixada a partir do século IV, quando o erudito Jerônimo, secretário do papa Dâmaso I, verte do grego para o latim textos autenticáveis, e separa os considerados de autoria obscura ou apócrifa.
Sabemos, no entanto, que existiu a chamada Bíblia dos Setenta, corpo doutrinário traduzido, ao que se diz, por setenta sábios de Alexandria, do qual se teria tirado setenta cópias.
O grego, em que os evangelhos foram escritos, foi o popular dialeto
alexandrino chamado kini, que era a língua mais falada ou, pelo menos, compreendida pelos homens cultos de todas as localidades do Oriente e do Ocidente do Império Romano. Por essa razão os evangelistas usaram o grego e não o hebraico para escrever os evangelhos, tornando-os, assim, acessíveis a um maior número de pessoas.
Naquele tempo, não havia pontuação nem separação de palavras na escrita.
Os textos utilizavam apenas as letras maiúsculas do alfabeto grego. As palavras eram redigidas com letras minúsculas e sem espaçamentos. A colocação de espaços entre as palavras e as frases foi adotada a partir do século IX d.C. A pontuação surgiu com o aparecimento da imprensa no século XV. A organização dos textos bíblicos em capítulos foi introduzida no Ocidente pelo
cardeal inglês Hugo, no século XIII. A subdivisão dos capítulos em versículos foi criação do tipógrafo parisiense Roberto Stefen, no século XVI.
Não obstante a existência de várias traduções inglesas da Bíblia, empreendidas durante a Idade Média, somente no século XVI a História registra a tradução definitiva da Bíblia inglesa, na forma que conhecemos atualmente. Na conferência de Hampton Court, em 1604, foi proposta uma nova tradução da Bíblia. Cinqüenta e quatro tradutores foram convidados para o empreendimento
dessa tarefa em Oxford, Cambridge e Westminster. Essa tradução, dedicada ao Rei James I, foi publicada em 1611, em volumes grandes. Trata-se de uma tradução, também conhecida como a Versão Autorizada, que se enraizou de tal forma na história religiosa e literária dos povos de língua inglesa que as edições posteriores cuidavam apenas de simples revisões, e não de substituições.
Algumas dessas revisões foram: a Revisão Inglesa de 1885 e a Versão- Padrão Americana (American Standard Version) de 1901. Esta última foi vigorosamente revisada pela Revised Standard Version de 1946-1952. Os textos bíblicos publicados em língua inglesa — que têm como base a tradução de
William Tyndale, de 1525-1526 —, sobretudo o Novo Testamento, apresentam diferenças das edições publicadas pelos demais povos. É que a tradução inglesa foi realizada diretamente do original grego e não do latim (Vulgata). 17
1. Os evangelhos canônicos e os apócrifos
Os evangelhos são narrativas cuidadosamente escritas sobre o nascimento, a vida, o ministério, a morte e a ressurreição de Jesus de Nazaré. Não podemos jamais esquecer que os textos existentes em o Novo Testamento retratam, além dos ensinamentos do Cristo, a pregação e a vida dos apóstolos e discípulos diretos.
Estudos críticos (e sérios) demonstram que nos textos evangélicos há diferenças que evidenciam a influência pessoal do escritor, sem deixar de lado a inspiração divina. Assim, os três primeiros evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) – chamados de evangelhos sinóticos – têm muitos aspectos comuns e também muitas diferenças. As semelhanças vão de algumas palavras a textos
inteiros. As diferenças são encontradas nas narrativas de fatos e de acontecimentos relacionados à vida e à missão do Cristo, percebendo-se discrepâncias, aqui e ali. Em termos numéricos, podemos representar a questão sinótica assim:
• dos 661 versículos do evangelho de Marcos, 600 estão no de Mateus e 350 no de Lucas;
• os evangelhos de Mateus e Lucas têm 240 versículos em comum, os quais não constam do evangelho de Marcos;
• Mateus e Lucas inseriram outros versículos, segundo interpretação
própria.
Os evangelistas Mateus e João foram apóstolos de Jesus. Lucas e Marcos não conviveram com ele. Os escritos evangélicos, também chamados de Escrituras Gregas, foram divididos em “canônicos” – textos que fazem parte do Novo Testamento – e “apócrifos” (palavra que significa coisa escondida, oculta). Os apócrifos (ou deuterocanônicos), definidos no Concílio de Nicéia, são manuscritos redigidos pelos discípulos de Jesus e que não foram (nem são) reconhecidos pela Igreja Católica, sob a alegação de que a veracidade dos mesmos não poderia ser comprovada. 9, 16
Existem cerca de 112 textos, apócrifos, 52 no Antigo Testamento e 60 no Novo Testamento. A tradição contabiliza um número maior.
Exemplos de livros apócrifos. 19, 20
1. Evangelhos: de Maria de Madalena; de Tomé; de Filipe; o árabe quetrata da infância de Jesus; do pseudo-Tomé; de Tiago; da morte e assunção de Maria.
2. Atos: de Pedro; de Tecla; de Paulo; dos 12 apóstolos; de Pilatos.
3. Epístolas: de Pilatos a Herodes; de Pilatos a Tibério; de Pedro a Filipe; de Paulo aos laodicenses; epístola aos coríntios, de Aristeu.
4. Apocalipses: de Tiago; de João; de Estêvão; de Pedro; de Elias; de Esdras; de Baruc; de Sofonias.
5. Testamentos: de Abraão; de Isaac; de Jacó; dos 12 Patriarcas; de Moisés; de Salomão; de Jó.
6. Outros livros: A filha de Pedro; a descida do Cristo aos infernos; declaração de José de Arimatéia; vida de Adão e Eva; jubileus, 1, 2 e 3; Henoque;Salmos de Salomão; Oráculos Sibilinos.
Os evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas são chamados de sinóticos,porque apresentam, entre si, muitas semelhanças, podendo ser dispostos emcolunas paralelas e “abarcados com um só olhar”. Quanto ao quarto evangelho, o de João, este permanece único, pois se distingue significativamente dos demais em conteúdo, estilo e forma. 1 A hipótese mais aceita para justificar as similaridades existentes nos evangelhos sinóticos é denominada “teoria das
duas fontes”. Nessa teoria, Marcos teria utilizado uma fonte (possivelmente originária de Pedro), a qual serviria de subsídios para os relatos de Mateus eLucas. A outra fonte, utilizada por estes dois evangelistas, é totalmente desconhecida e se chama Fonte Q (inicial da palavra alemã quelle = fonte). 2 Os textos evangélicos sofreram, ao longo dos tempos três grandes modificações:
no texto original, escrito pelos evangelistas, durante a elaboração da Vulgata e na redação final, que é a que temos atualmente.
Por entre essas fases, ocorreram influências em variados sentidos, levando a relações literárias, de semelhança ou de diferenças, que são observadas entre os evangelhos no seu estado atual. Assim, pode-se perceber, que a redação de Marcos deve ter sofrido influência do documento – fonte de Mateus – daí verifica-se as semelhanças onde é dependente – onde, por sua vez, deve ter influenciado a última redação do primeiro evangelho.
3 Os evangelhos segundo Mateus, Marcos e Lucas mencionam os ensinamentos de Jesus sobre o Reino de Deus mais de noventa vezes, o que é bastante significativo. O evangelho de João desenvolve a idéia de crença nas noventa e nove citações, o que também nos fornece um material para reflexão.
2. O Evangelho segundo Marcos
Conforme a mais antiga tradição, esse evangelho foi escrito por João Marcos (João do hebraico, Marcos do latim), sobrinho de Pedro e primo de Barnabé.
Ao que se sabe, vivia em Jerusalém com seus pais. Supõe-se que o texto de Marcos foi o que serviu de fonte para as escrituras de Lucas e de Mateus, tendo ele próprio, por sua vez, utilizado outras fontes (Pedro, por exemplo). Foi o primeiro evangelho a ser escrito, num tempo não muito distante da destruição de Jerusalém, ocorrida no ano 70 d.C., possivelmente entre os anos 60 e 70. É um evangelho que apresenta pouca evolução da doutrina cristã, e não conduz a maiores reflexões teológicas. É provável que Marcos tenha acompanhado os acontecimentos da paixão e morte do Cristo.
Para escrever o seu evangelho, Marcos deve ter recorrido a três fontes: às suas lembranças, às recordações de pessoas que conviveram com o Mestre e aos documentos que circulavam na jovem comunidade cristã da época. A tradição informa que Marcos teria sido discípulo de Pedro, de quem teria recebido os esclarecimentos evangélicos (I Pedro, 5:13; Atos dos Apóstolos, 12:12).
O evangelho de Marcos está escrito em estilo muito simples e de pouca precisão histórica. Descuida-se da seqüência cronológica. Há muitas palavras aramaicas, revelando proximidade com os aramaísmos dos originais em que se baseou. São exemplos de aramaísmo as seguintes palavras ou expressões: boanerges (Marcos, 3:17); talita cumi (Marcos, 5:41); efeta (Marcos, 7:34);
aba (Marcos, 14:36); eloi, eloi (Marcos, l5: 34). Mostra também vestígios da tradição oral.
Há indícios de que Marcos teria redigido o seu texto em Roma. Os historiadores que defendem este ponto de vista se fundamentam nos seguintes indícios:
a) na questão sobre o divórcio (Marcos, 10: 1-12) — um problema que afligia apenas os romanos da época;
b) na utilização de palavras latinas como kenturiôn (centurião) e pretorion (tribunal), entre outras (Marcos, 6:27; 7:4; 12:42; 15:39, 44,45); c) nome latino para designar a moeda (ou óbulo) ofertada
pela viúva. (Marcos, 12:41)
O evangelho de Marcos quer mostrar que Jesus é o Messias prometido e aguardado pelos judeus. Tem como escopo apresentar Jesus como filho de Deus (Marcos, 1:11; 3:11; 15:39), sua condição divina, demonstrando que os milagres realizados por Jesus asseguravam ser ele o Messias prometido. Esclarece também
que Jesus é recebido favoravelmente pelas multidões, mas que seu messianismo, humilde e espiritual, decepciona e diminui a expectativa popular.
No propósito de nos apresentar Jesus como filho de Deus, incompreendido e rejeitado pelo povo, Marcos se preocupa menos em explanar o ensino do Mestre, fazendo poucas referências aos seus ensinamentos. Escrito em linguagem popular, de estilo vivo, o texto de Marcos deixa de lado o que interessava apenas aos Judeus, focalizando também os interesses dos pagãos recém-convertidos na fé, após a morte de Pedro e Paulo (entre os anos 62 e 63). No entanto, há no Evangelho de Marcos explicações que nem mesmo os gentios compreendiam (Marcos, 3:17; 5:41; 7:34; 10:46; 14:36; 15:34), assim como relatos de costumes judaicos (Marcos, 7:3-4; 14:12; 15:42). O autor faz poucas referências ao Antigo
Testamento. Destaca as várias emoções dos personagens (Marcos, 3:34; 8:12; 10:14, 21,32; 16:5-6). O ponto culminante do seu evangelho é a confissão de Pedro, em Cesárea (Marcos, 8:27-30) e a resposta do Cristo, que não declarara antes ser o Messias por causa do falso conceito de libertador temporal, atribuído ao enviado de Deus. Alguns autores afirmam que Marcos usou este
“segredo messiânico” para evitar explicações embaraçosas sobre o fato de ter o Cristo morrido da forma como morreu, quando deveria, no entender dos judeus, ser o libertador de um povo.
A tradição diz que a casa, citada em Atos dos Apóstolos, 12:12, pertencia a Marcos, e é a mesma onde foi celebrada a última ceia de Jesus (Marcos,14:4).
Supõe-se também que o Jardim de Getsêmani lhe pertencia, que ele (Marcos) era o homem do cântaro (Marcos, 14:13), sendo igualmente o jovem nu, retratado unicamente em seu Evangelho (Marcos,14:51-52). Marcos acompanhou Paulo e Barnabé na primeira viagem do apóstolo dos gentios — de Jerusalém à Antioquia (Atos dos Apóstolos, 13:5) —, mas não
completa a viagem, voltando a Jerusalém (Atos dos Apóstolos, 13:13). Com Barnabé foi a Chipre (Atos dos Apóstolos, 15:39), todavia, permaneceu mais tempo com Pedro, servindo de intérprete e de secretário. Tendo participado de trabalho missionário no Egito, morreu vítima de martírio. 4, 14 e 16
3. O Evangelho segundo Mateus
O evangelho de Mateus foi escrito entre 80 e 100 d.C. Seguramente foi depois de 70, após a destruição de Jerusalém, e posterior ao Evangelho de Marcos. O texto conhecido nos dias atuais, surgiu na Palestina, escrito em grego, em bom estilo literário, para leitores de língua grega. Posteriormente foi traduzido para o latim (Vulgata). Alguns estudiosos acreditam que o texto original de Mateus foi escrito em aramaico e, mais tarde, traduzido para o grego. Se, efetivamente, esse texto existiu, foi perdido.
As linhas gerais da vida do Cristo, encontradas no evangelho de Marcos, são reproduzidas no de Mateus, mas segundo um novo plano, por que os relatos e os discursos se alternam. Por exemplo, em Mateus, 1:4, há o relato da infância e início do ministério de Jesus. Em Mateus, 5:7 vem em discurso: o sermão do monte, as bem-aventuranças e a entrada no Reino. 5
No tempo em que foi escrito, a igreja cristã já ultrapassara os limites de Israel. Mateus foi um dos apóstolos e testemunha de vários acontecimentos. Cobrador de impostos para o Império Romano, era menosprezado pelos judeus, porque consideravam impura a sua profissão. Foi o apóstolo mais intelectual do grupo dos Doze.
Percebe-se que o seu evangelho era o de um cristão vindo do judaísmo, conhecedor das Escrituras, fiel à tradição. Mateus escreve entre os judeus para judeus, procurando defender a tese de que Jesus era o Messias previsto nas escrituras.
A sua origem judaica fica evidente quando ele emprega, por exemplo, a expressão reino dos céus, em lugar de reino de Deus, já que o nome Deus não era pronunciado pelos judeus.
A narrativa do texto de Mateus dispensa explicações sobre os costumes judaicos, por serem considerados corriqueiros e do entendimento dos seus compatriotas.
Na composição literária do seu evangelho, o autor empregou como fontes o evangelho de Marcos e outros escritos particulares. Fez um trabalho de compilação bastante pessoal (é um texto rico de hebraísmos), adaptando e completando as fontes com os próprios conhecimentos. Mateus é chamado o homem dos discursos, por ser quem mais cita as fontes. Mostra aos judeus que Jesus é filho de Davi e de Abraão, portanto, o Messias de Israel. Exorta os fiéis
a aceitarem Jesus como o Messias prometido por Deus ao seu povo. Refere-se constantemente ao Antigo Testamento. Fala na universalidade da mensagem cristã, convidando judeus e não-judeus a aceitarem os seus ensinamentos. Do ponto de vista cristológico, considera Jesus como Rei, Messias que foi rejeitado
e que criou outro povo ou comunidade, que é a Ecclesia (Igreja). Emprega o termo kyrios (Senhor), enquanto os outros usam o termo Mestre. 6, 14 e 15
4. O Evangelho segundo Lucas
O médico Lucas era natural de Antioquia, fato que ele cita várias vezes nos Atos dos Apóstolos. Não foi discípulo direto do Cristo, ficando isso claro desde o início do seu texto, pois que se coloca fora das testemunhas oculares. Utilizou como fontes o evangelho segundo Marcos bem como outras particulares da região onde viveu, incluindo-se nessas últimas, documentos da época e teste
munhos dos fatos ocorridos. Lucas também teria recebido esclarecimentos de Paulo, por ocasião de um encontro em Antioquia. Paulo fala sobre Lucas em suas epístolas (Colossenses, 4:14), (Filipenses, 24) (II Timóteo, 4:11). Pode-se situar o aparecimento do evangelho de Lucas entre os anos 70 e 80 d.C.
O mérito particular do terceiro evangelho lhe vem da personalidade
muito cativante do seu autor, que nele transparece continuamente. [...] Lucas é um escritor de grande talento e uma alma delicada. Elaborou sua obra de modo original, com um esforço de informação e de ordem. (Lucas, 1:3) Seu plano reproduz as grandes linhas de Marcos, com algumas transposições ou omissões. Certos episódios são deslocados. (Lucas, 3:19-20;4:16-30; 5:1-11;6:12-19; 22:31-34)
Seu plano retoma as grandes linhas do de Marcos com algumas transposições ou omissões.
Alguns episódios são deslocados (3, 19-20; 4, 16-30; 5, 1-11; 6, 12-19; 22, 31-34 etc),
ora por preocupação de clareza e de lógica, ora por influência de outras tradições, entre as quais deve-se notar a que se reflete igualmente no quarto evangelho. Outros episódios são omitidos, seja como menos interessantes para os leitores pagãos (cf. Mc 9, 11-13), seja para evitar duplicatas (cf. Mc 12, 28-34 em comparação com Lc 10, 25-28). 7
É tido como um bom escritor pelo estilo elegante da língua (o grego) usada no prólogo, considerado um clássico da época. O próprio costume de escrever prólogos, dedicando o livro, era comum entre os grandes escritores. Corrige o grego de Marcos, substituindo termos vulgares ou banais por palavras eruditas.
À vista dos acontecimentos da época, procurou relacionar os acontecimentos narrados com fatos conhecidos da história, obedecendo a detalhes cronológicos.
Alguns estudiosos procuram ver no seu Evangelho um certo olho clínico, por ser ele um médico. Vê-se isto, por exemplo, nos episódios da sogra de Pedro, do Samaritano, da hemorroíssa.
Lucas nos apresenta Jesus como o Messias dos pobres, dos humildes, dos desprezados, dos doentes e dos pecadores. Em Lucas, 19: 10, fala em salvar o que estava perdido; em 7: 36-50, traz o relato da pecadora que banhou os pés do Cristo; em 15:1-32, narra ensinamentos sobre a ovelha ou dracma perdidos,
e o retorno do filho pródigo; em 18: 9-14, fala da prece do publicano e a do fariseu; em 16: 19-31, faz referências sobre o rico avarento e sobre o pobre Lázaro; em 11: 41; 12: 33 e em 14:13, mostra a necessidade das esmolas.
Nota-se, ainda, em Lucas, uma preocupação com a valorização das mulheres, tendo em vista o conceito que delas tinha a sociedade da época. Assim, refere-se a Ana e a Isabel; às mulheres que acompanhavam os apóstolos; a Maria e Marta de Betânia; à viúva de Naim e à mulher da multidão que exaltou a mãe de Cristo. Cita também Maria, chamada Madalena, da qual haviam saído
sete demônios, e Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes; Susana e várias outras mulheres, que ajudavam a Jesus e aos discípulos com os bens que possuíam (Lucas, 8: 1-3). E num lugar todo especial está Maria, mãe de Jesus. Fornece muitos detalhes da vida familiar do Mestre, fato que levanta a
hipótese de Lucas ter entrevistado Maria de Nazaré. Corrige certas referências extraordinárias a respeito de Jesus, que pudessem escandalizar os não-judeus (multiplicação dos pães, sogra de Pedro, discussão no caminho etc.). Faz a genealogia de Cristo diferente da de Mateus, começando por Adão. 13, 16 e 18
5. O Evangelho segundo João
O evangelho de João só foi escrito em torno do ano 100 d.C. João é o canal de Deus para nos fazer compreender a presença de Jesus, o Verbo Divino. Esse evangelho é uma obra unitária: as partes só podem ser compreendidas na sua relação com o todo. Portanto, na leitura da obra deve-se ficar atento ao seu conjunto e não somente às unidades que a compõem, tomadas isoladamente. O
plano que estrutura o evangelho de João é espiritual e não histórico-narrativo.
A pessoa e a obra de Jesus são interpretadas por uma comunidade no seio da sua experiência de fé.
A história de Jesus no evangelho de João é apresentada como um drama composto de um prólogo, dois atos principais e um epílogo. Considerando-se o evangelho sob essa
luz, sua característica distintiva pode ser vista como seu ensinamento iluminado. 11
João proclama a messianidade de Jesus e a sua filiação divina, esclarecendo que, para ter vida, é preciso ter fé em Jesus. Os traços característicos do evangelho joanino — e que o diferenciam dos demais — mostram a forte influência de uma corrente de pensamento amplamente difundida em certos círculos do judaísmo: os ensinamentos dos essênios. Neles se atribuía importância especial ao conhecimento (gnose), expresso por meio de dualismos: luz-trevas, verdadementira, anjo da luz-anjo das trevas. João insiste na mística da unidade com o Cristo e na necessidade do amor fraterno.
Mais ainda: o quarto evangelho, mais do que os sinóticos, quer dar a entender o sentido da vida, dos gestos e das palavras de Jesus. Os acontecimentos de Jesus são sinais, cujo sentido não transpareceu logo de início, só sendo compreendido após a glorificação do Cristo (João, 2:22; 12:16; 13:7); muitas palavras de Jesus eram dotadas de significação espiritual, que não foram percebidas senão mais tarde. 8 (João, 2: 19)
Caberia ao apóstolo falar em nome de Jesus ressuscitado, recordando e ensinando aos discípulos o que Jesus lhes havia dito: “conduzi-los à verdade completa” (João, 14:26 e seguintes). Por outro lado, João nos mostra uma faceta da personalidade de Jesus, não percebida nos demais evangelistas: seus ensinamentos ocorrem no contexto da vida judaica, nas festas e no templo,
deixando claro ao povo que ele, Jesus, é o centro de uma religião renovada, em espírito e em verdade (João, 4:24).
Para o evangelista, Jesus é a Palavra (o Verbo) enviada por Deus à Terra, e deve regressar ao Pai uma vez cumprida a sua missão (João,1:1 e seguintes).
Trata-se de uma missão que consiste em anunciar aos homens os mistérios divinos: Jesus é a testemunha do que viu e ouviu junto ao Pai (João, 3:11 e seguintes). Jesus é a Água Viva (João,7:37). É a Luz do mundo (João, 8:12).
Jesus é o Bom Pastor (João, 10:1-18) e é também o Caminho, a Verdade e a Vida. (João, 14:6)
João se move assim acima dos testemunhos dos outros escritores do evangelho, explorando a natureza de Jesus em relação a Deus e à humanidade, e os fundamentos para a crença cristã e para a vida espiritual, que é a sua conseqüência. Jesus, no retrato de João,
é ao mesmo tempo um com o Pai e um com sua igreja na Terra. 12
Há detalhes, no quarto evangelho, que nos fazem supor haja entre o
apóstolo e Jesus uma maior proximidade. Por exemplo, ao descrever o encontro do Mestre com Nicodemos, (João 3:1-15) o evangelista nos transmite a certeza de estar presente, testemunhando a conversa. Uma testemunha que talvez estivesse à porta, como quem se encontra à espreita, até surpreender o
esclarecedor colóquio entre o Rabi Galileu e o doutor da lei. Noutro momento, quando narra o episódio das Bodas de Caná (João 2:1-12), João parece reviver o adolescente maravilhado, colocado perante o Rabi pleno de sabedoria, que abençoa a união matrimonial com sua luminosa presença.
Em outras passagens evangélicas a presença de João é percebida claramente, como se ele fosse a sombra de Jesus: acompanha o Rabi na íngreme subida de 562 metros (Lucas, 9:28-36) até o cume do monte Tabor. Após as quatro horas de marcha, dorme junto a Pedro e Tiago. Na madrugada que avança, escuta vozes que vibram no ar. A sublime visão de Jesus, vestido de luz o faria, mais tarde, evocar a cena inesquecível, ao iniciar a sua narrativa
evangélica: “Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens; a luz resplandece nas trevas e as trevas não a compreenderam.” (João, 1:4-5)
Finalmente, é oportuno lembrar que a promessa do advento do Consolador consta apenas do Evangelho de João, que assim nos transmite o feliz anúncio de Jesus: “Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre. O
Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós. Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito da verdade, que procede do Pai, testificará de mim. E vós também testificareis, pois estivestes comigo desde
o princípio.” (João, 14:15-18; 15:26-27)
1. BIBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2002, p. 1689.
2. ______. p. 13.
3. ______. p. 1692-1693.
4. ______. (O evangelho segundo são Marcos), p. 1696.
5. ______. (O evangelho segundo são Mateus), p. 1694.
6. ______. p. 1698.
7. ______. (O evangelho segundo são de Lucas), p. 1699.
8. ______. (O evangelho segundo são João), p. 1835-1836.
9. BATTAGLIA, O. Introdução aos evangelhos – um estudo histórico-crítico.
Rio de Janeiro, Vozes, 1984, p. 19 a 21.
10. DENIS, Léon. Cristianismo e espiritismo. Tradução de Leopoldo Cirne. 9.
ed. Rio de Janeiro: 2004. Cap. 1 (Origem dos evangelhos) p. 25-26.
11. DICIONÁRIO DA BÍBLIA.VOL. 1. As pessoas e os lugares. Organizado
por Bruce M. Metzger e Michael Coogan. Tradução de Maria Luiza X. de
A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 156.
12. ______. p. 157.
13. ______. p.193-194.
14. ______. p. 197-198.
15. MACEDO, Roberto. Vocabulário histórico geográfico dos romances de
Emmanuel. 2.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1994, p 78-79.
16. http://www.fatheralexander.org/booklets/portuguese/bible6_p.htm
17. http://www.geocities.com/Athens/Agora/1417/Biblia/Lucas.htm1
18. http://www.ifcs.ufrj.br/~frazao/apocnt.htm
19. http://www.pt.wikipedia.org/wiki/livros_ap%C3%B3crifos
20. http://www.vivos.com.br/197.htm
REFERÊNCIAS
EADE - Roteiro 6 - A escritura dos Evangelhos. Os evangelistas
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Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita
Realizar um amplo debate a respeito do assunto
desenvolvido no Roteiro, procurando destacar
o trabalho executado pelos evangelistas.
ORIENTAÇÕES AO MONITOR
Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita
E falou-lhe de muitas coisas por parábolas,
dizendo: Eis que o semeador saiu a semear. E,
quando semeava, uma parte da semente caiu ao
pé do caminho, e vieram as aves e comeram-na;
e outra parte caiu em pedregais, onde não havia
terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha
terra funda. Mas, vindo o sol, queimou-se e secou-
se, porque não tinha raiz. E outra caiu entre
espinhos, e os espinhos cresceram e sufocaramna.
E outra caiu em boa terra e deu fruto: um,
a cem, outro, a sessenta, e outro, a trinta.
Mateus,13:3-8.