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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Animismo por Hermínio Miranda

01 dezembro 2008


A teoria e a experiência

Por ocasião dos preparativos ao Congresso Espírita Internacional, programado para Glasgow em setembro de 1937, o comitê organizador escreveu ao cientista italiano Enesto Bozzano convidando-o a participar dos trabalhos na honrosa (e merecida) condição de seu vice-presidente.

Pedia ainda o comitê que Bozzano preparasse um resumo de sua obra, já bastante volumosa àquela época, destacando como tema básico a questão do animismo, de forma a encaminhar uma solução conclusiva para o problema que se colocava na seguinte pergunta-título sugerida para seu ensaio: Animism or spiritualism - Which explains the facts ? (Animismo ou espiritismo - Qual deles explica os fatos?). O eminente pesquisador italiano alcançara, em 1937, a respeitável idade de 75 anos - viveria mais seis anos, pois morreu em 1943 -, e o tema proposto pelos organizadores do congresso significava, como ele próprio o caracterizou, "formidável encargo", dado que se datava de "resumir a maior parte da minha obra de 40 anos". A despeito disso, o idoso cientista entusiasmou-se pelo assunto, que se apresentava como " teoricamente muito importante".

Foi assim que os estudiosos dos fenômenos psíquicos se viram presenteados com mais um de seus notáveis e competentes estudos, que a Federação Espírita Brasileira vem publicando, em sucessivas edições, sob o título Animismo ou Espiritismo ?

Não foi difícil para ele responder o que lhe fora perguntado, mesmo porque a resposta estava implícita em sua obra:

Nem um, nem outro logra, separadamente, explicar o conjunto dos fenômenos supranormais. Ambos são indispensáveis a tal fim e não podem separar-se, pois que são efeitos de uma causa única, e esta causa é o espírito humano que, quando se manifesta, em momentos fugazes durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e, quando se manifesta mediúnicamente, durante a existência 'desencarnada', determina os fenômenos espiríticos. (Bozzano, Ernesto, 1987.)

O tema já fora tratado, aliás, em outra importante obra a de Alexandre Aksakof, igualmente publicada pela FEB, sob o título Animismo e Espiritismo (2 volumes).

Tanto a obra de Bozzano quanto a de Aksakof são enriquecidas como relato de inúmeros fatos colhidos e examinados com atento critério seletivo. A de Bozzano, como vimos, foi motivada pela solicitação dos organizadores do Congresso de 1937; a de Aksakof resultou de sua corajosa decisão de responder à altura as veementes criticas do filósofo Eduard von Hartmann, intitulada O Espiritismo, que alcançara certa repercussão pelo prestígio de que gozava seu brilhante autor. Somos levados a crer, hoje, que o fator importante no êxito do livro de Hartmann foi o fato de que era o primeiro ataque maciço e inegavelmente inteligente às teses doutrinárias do espiritismo, ao oferecer explicações alternativas aceitáveis, em princípio, ou seja, a de que os fenômenos, nos quais o espiritismo via manifestações de seres desencarnados sobreviventes, deveriam ser considerados como produzidos pelas faculdades normais da mente humana. O vigoroso estudo de Hartmann como que atendia a uma ansiada expectativa de parte de inúmeros cépticos e negativistas irredutíveis, desesperados por uma teoria inteligente que demolisse, de uma vez para sempre, as estruturas do espiritismo nascente. Para estes a obra de Hartmann foi um alívio. Afinal surgia alguém que conseguia 'demonstrar' ser uma glande tolice essa história da sobrevivência do ser que os espíritas estavam a disseminar por toda a parte, conseguindo até 'envolver' figuras da maior projeção na sociedade, nas artes e, principalmente, na ciência. Era uma loucura, a que alguém precisava mesmo por um ponto final. Acharam que Hartmann havia conseguido essa proeza histórica - a de deter com argumentos tidos como irrespondíveis a maré crescente do espiritismo.

Na verdade Hartmann era um pensador de considerável prestígio e montou seu sistema metafísico sobre o conceito do inconsciente, doutrina que expôs com brilhantismo e competência em Die Philosophie des Unbewussten (A Filosofia do inconsciente), publicada em três volumes, em 1869, em Berlim. Era seu segundo Livro e foi acolhido com respeito. Ele morreu em 1906, aos 64 anos de idade, e deixou vasta obra como pensador. Obviamente, suas biografias não abordam o assunto, mas sabemos que ele também sobreviveu como espírito imortal... É certo que voltará um dia para colocar sua brilhante inteligência a serviço de causa menos ingrata do que a de dar combate à doutrina dos espíritos.

O maior impacto da obra de Hartmann sobre o espiritismo, contudo, provem do fato de que ele tinha razão, em parte, pois trabalhou com os recursos da meia-verdade. Não, certamente, por desonestidade artificiosa, mas porque estava convicto de suas posturas teóricas e apresentava fatos observados que lhes pareciam dar sustentação. E, realmente, davam-na, porque fenômenos semelhantes ou idênticos aos mediúnicos ocorrem sem que seja necessário convocar a interferência dos desencarnados.

Aksakof concordou com ele neste ponto, como Bozzano também iria concordar mais tarde. Nenhum dos dois estava excluindo ou escamoteando a realidade dos fenômenos anímicos, ou seja, produzidos pela alma dos encarnados. A divergência entre Aksakof e Bozzano, de um lado, e Hartmann, de outro, estava em que este deixou de considerar em seu estudo os fatos que não se acomodavam à doutrina animista, ou seja, fenômenos que precisavam, irremediavelmente, da doutrina espírita para serem compreendidos e explicados, pois nada tinham que os justificasse como manifestações anímicas.

Escreveu Aksakof:

Para maior brevidade, proponho designar pela palavra animismo todos os fenômenos intelectuais e micos que deixam supor uma atividade extracorpórea ou à distância do organismo humano e mais especialmente todos os fenômenos mediúnicos que podem ser explicados por u1na ação que o homem vivo exerce além dos limites do corpo. (Aksakof, Alexandre, 1983,)

Em nota de rodapé, ele acrescenta que a palavra psiquismo também serviria a esse propósito, mas por uma questão de uniformidade preferiu ficar com radicais e estruturas latinos (anima = alma), dado que o termo destinava-se a ser utilizado em estreita conexão com a palavra espiritismo, de origem latina.

Reservava para esta última palavra - espiritismo - somente os "fenômenos que, após exame, não podem ser explicados por nenhuma da teorias precedentes e oferecem bases serias para a admissão da hipótese de uma comunicação com os mortos. " Observe-se que ele não deseja impor, a qualquer preço, a doutrina da sobrevivência. Embora convicto dela, quer apenas mostrar que há fenômenos muito bem observados e documentados que não se enquadram no rígido esquema de von Hartmann.

O eminente cientista russo propõe para os fenômenos anímicos uma classificação em quatro categorias distintas, todos eles, contudo, resultantes do que ele chama de "ação extracorpórea do homem vivo", isto é, fenômenos produzidos pelo ser encarnado para os quais não há necessidade de recorrer-se à interferência de desencarnados. Nesse quadro ele colocou: 1) efeitos psíquicos (telepatia, impressões transmitidas à distância); 2) efeitos físicos (fenômenos telecinéticos, isto é, movimento à distância); 3) projeção da imagem (fenômenos telefânicos, ou seja, desdobramento); 4) projeção de imagens "com certos atributos de corporeidade", isto é, formação de corpos materializados.

Estou convencido de que teríamos hoje outras categorias a acrescentar e outros fenômenos a enquadrar, bem como fenômenos mistos, nos quais podemos identificar características nitidamente animistas e também interferências ou participação de seres desencarnados. Isto, porém, veremos no momento próprio, neste livro.

É das mais importantes, por conseguinte, a contribuição desses dois eminentes cientistas ao melhor entendimento das faculdades mediúnicas, o russo Alexandre Aksakof e o italiano Ernesto Bozzano, sem nenhum desdouro para o filósofo alemão von Hartmann, que a despeito de seu brilhantismo não conseguiu demolir a realidade da sobrevivência do espírito. Sei que muitos consideram o problema ainda por resolver, mas essa é a verdade e o tempo irá demonstra-la fatalmente e de maneira incontestável, sem mais deixar espaços abertos para os profissionais da negação.

1) O animismo na codificação

Empenhados na elaboração de uma obra tão abrangente quanto possível, os instrutores da codificação se viram forçados a sacrificar o particular em favor do geral, o pormenor em beneficio da visão de conjunto. Do contrário a obra assumiria proporções e complexidades que a tornariam praticamente inabordável. Limitaram-se, pois, no caso específico do animismo, a referências sumárias, apenas para indicar a existência do problema, como que deixando-o a futuros desdobramentos de iniciativa dos próprios seres encamados, ainda que sempre ajudados e assistidos pelos mentores desencarnados. É a impressão que se colhe quando hoje analisamos vários aspectos dos ensinamentos que nos legaram diretamente ou por intermédio dos escritos pessoais de Allan Kardec.

No capítulo XIX de O Livro dos Médiuns ("Do papel dos médiuns nas comunicações espíritas") Kardec reproduz o teor das consultas que formulou a dois dos mais competentes especialistas sobre o fenômeno mediúnico, ou seja, Erasto e Timóteo, que parece terem sido incumbidos de orientar os estudos em tomo da mediunidade.

A alma do médium pode comunicar-se como a de qualquer outro.

Se goza de certo grau de liberdade, recobra suas qualidades de espírito. Tendes a prova disso nas visitas que vos fazem as almas de pessoas vivas, as quais muitas vezes se comunicam convosco pela escrita, sem que as chameis. Porque, ficai sabendo, entre os espíritos que evocais, alguns há que estão encamados na Terra. Eles, então, vos falam como espíritos e não como homens, Por que não se havia de dar o mesmo como médium? Kardec, Allan, 1975.)

Em O Livro dos Espíritos (capítulo VII, "Da Emancipação da alma") foi também abordado o tema da atividade espiritual do ser encamado. Se nos lembrarmos de que a codificação conceitua a alma (anima) como espírito encamado, temos aí a clara abordagem à questão do animismo, embora o termo somente seria proposto, anos mais tarde, por Aksakof, como vimos.

Cuida esse capítulo da atividade da alma, enquanto desdobrada do corpo físico pelo sono comum, e nisto estão incluídos os sonhos, contatos pessoais com outros indivíduos, encamados ou desencarnados, telepatia, letargia, catalepsia, morte aparente, sonambulismo, êxtase, dupla visão.

Todo esse capítulo cuida, portanto, da fenomenologia anímica, ainda que de maneira um tanto sumária, pelas razões já expostas.

3) A palavra dos continuadores

O estudo mais aprofundado dessas questões parece ter sido reservado aos encamados. Assumiram a responsabilidade pela tarefa não apenas Aksakof e Bozzano, como outro seguro e competente estudioso espírita: Gabriel Delanne, em obra aliás, não muito difundida no Brasil, já que não foi traduzida para a nossa língua.

Trata-se de Recherches sur la Médiumnité, com 515 páginas compactas, expondo cerrada argumentação, toda ela apoiada em fatos observados com o necessário rigor científico. O livro compõe-se de dês partes: 1) o fenômeno espírita e a escrita automática das histéricas; 2) animismo; 3) espiritismo.

Que eu saiba, é uma das únicos obras, no contexto doutrinário do espiritismo, que estuda em profundidade o problema da "psicografia automática", ou seja, a escrita produzida pelo inconsciente, funcionando o sensitivo como médium de si mesmo.

Os livros de Boddington também chamam a atenção para este aspecto, mas longe estão da profundidade e da documentação de que se vale Delanne, embora sua atitude seja bem radical ao sugerir que comunicações que estejam dentro das possibilidades culturais do médium devam ser consideradas como originárias do inconsciente do próprio sensitivo. Para o autor inglês, textos de legitima autoria dos desencarnados são somente aqueles que demonstrem conhecimentos superiores ao do médium.

Não apenas julgo o critério demasiado rígido, mas também inadequado, porque dificilmente conheceremos com segurança o vigor intelectual do espírito do médium, ou seja, da sua individualidade, em contraste com seu conhecimento como ser encarnado, na faixa da personalidade. Em outras palavras: o médium pode ser uru espírito de elevada condição intelectual ainda que, como encarnado, seja culturalmente medíocre. É o mais provável, urna vez que a experiência ensina que o acervo mental oculto no inconsciente, na memória integral, tem de ser, necessariamente, muito superior, em volume e qualidade, ao que trazemos no limitado âmbito do consciente e do subconsciente, isto é, nas memórias da vida presente, em contraste com os imensos arquivos das vidas anteriores.

Não é, pois, de admirar-se que um sensitivo dotado de modestos recursos intelectuais, como ser encarnado, seja capaz de produzir, pelo processo da psicografia automática, um texto brilhante, se conseguir criar condições propicias à manifestação anímica, isto é, se permitir que se manifeste em todo o seu potencial seu próprio inconsciente.

Isto, porém, de forma alguma invalida, pelo contrário, confirma a tese de Aksakof e Bozzano, Delanne e outros, de que o fenômeno anímico, longe de excluir a possibilidade do fenômeno espírita, é um fator a mais para corroborar este último.

O raciocino pode ser colocado na seguinte ordem: admitida a sobrevivência do espírito, seria ridículo e anticientífico declarar que o espírito encarnado pode manifestar-se pela psicografia, mas o desencarnado não.

Sei que muitos contestarão o argumento dizendo que ele é falho, no sentido de que não está provada, ainda, a sobrevivência. Isto, porém, não é objeção que me aflija. Primeiro, porque este não é um livro apologético, concebido para demonstrar ou provar a existência ou sobrevivência do espírito e, sim, uma discussão do problema da mediunidade. Segundo, entendo que, enquanto os cépticos os negadores duvidam e procuram demolir as estruturas da realidade espiritual, é preciso que alguém assuma essa realidade - que a nosso ver está suficientemente demonstrada - e dê prosseguimento ao trabalho de inseri-la no contexto humano e colocá-la a serviço de um relacionamento mais inteligente, dinâmico e construtivo das duas faces da realidade, uma visível, outra invisível. A rejeição é problema daquele que rejeita, não do que está convencido dessa realidade. A esta altura da história do espiritismo no mundo, não estão mais obrigados os espíritas a continuar de braços cruzados enquanto os negadores se engalfinham em um verdadeiro corpo-a-corpo para 'provar' que estão com a razão nos seus postulados. Decorrido mais de um século, não conseguiram provar que os nossos estão errados. O problema é deles e está com eles, não conosco. Por isso, a postura assumida neste livro é a de que não temos nada a provar a ninguém, mesmo porque não estamos apoiados em crenças ou crendices, hipóteses ou suposições, mas na sólida estrutura de uma doutrina racional, sustentada por ratos bem observados e bem documentados que nos garantem sua autenticidade pelo testemunho repetido e concordante de cientistas e pesquisadores confiáveis.

2) O fantasma do animismo

Essa realidade nos leva à conclusão que há, sim, fenômenos de natureza anímica, ou seja, que podem ser explicados – e o são mesmo como manifestações do espírito do próprio sensitivo. Que os críticos insistam em dizer que são tais fenômenos produzidos pela mente ou pelo inconsciente das pessoas, isso é problema deles, empenhados como estão em questões semânticas. O espiritismo nada tem a temer, nem aí nem em nenhum outro ponto de sua estrutura doutrinaria. Como tenho dito alhures, o espiritismo tem sua própria teoria do conhecimento que, em vez de resultar de especulações teóricas, ainda que inteligentes e até brilhantes, foi deduzida dos fatos observados. Desmintam os fatos antes de proporem a rejeição ou modificações estruturais inaceitáveis.

Em paralelo com fenômenos de natureza anímica produzidos pelo espírito encarnado, há fenômenos espíritas gerados por seres humanos temporariamente desprovidos de corpos físicos, ou seja, desencarnados.

Essa é a realidade. E uma não exclui a outra, ao contrário, complementam-se e se explicam mutuamente.

Na verdade a questão do animismo foi de tal maneira inflada, além de suas proporções, que acabou transformando-se em verdadeiro fantasma, uma assombração para espíritas desprevenidos ou desatentos. Muitos são os dirigentes que condenam sumariamente o médium, pregando-lhe o rótulo de fraude, ante a mais leve suspeita de estar produzindo fenômeno anímico e não espírita. Creio oportuno enfatizar aqui que em verdade não há fenômeno espírita puro, de vez que a manifestação de seres desencontrados, em nosso contexto terreno, precisa do médium encamado, ou seja, precisa do veículo das faculdades da alma (espírito encarnado) e, portanto, anímicas.

Escrevem Erasto e Timóteo, em O Livro dos Médiuns:

O espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao corpo, que serve para falar, e por ser necessária uma cadeia entre vós e os espíritos que se comunicam, como é preciso um fio elétrico para comunicar à grande distância uma notícia c, na extremidade do fio, uma pessoa inteligente, que a receba e transmita. (Kardec, Allan, 1975.)

Quando falamos ao telefone, por melhor que seja a aparelhagem utilizada, nossa voz sofre inevitável influência do equipamento.

O espírito do médium exerce alguma influência sobre as comunicações que fluem por seu intermédio? Respondem taxativamente os instrutores.

Exerce. Se estes não lhe são simpáticos, pode de alterar-lhes as respostas e assimilá-las às suas próprias idéias e a seus pendores não . influencia, porém, as próprios espíritos, autores das respostas; constitui-se apenas em mau intérprete. (Idem )

E prossegue a aula: assim como o espírito manifestante precisa utilizar-se de certa parcela de energia, que vai colher no médium, para movimentar um objeto, também "para uma comunicação inteligente ele precisa de um intermediário inteligente", ou seja, do espírito do próprio médium.

O bom médium, portanto, é aquele que transmite tão fielmente quanto possível o pensamento do comunicante, interferindo o mínimo que possa no que este tem a dizer.

Quando Kardec pergunta como é que um espírito manifestante fala uma língua que não conheceu quando encamado, Erasto e Timóteo declaram que o próprio Kardec respondeu à sua dúvida, ao afirmar, no início de sua pergunta, que "os espíritos só têm a linguagem do pensamento; não dispõem da linguagem articulada". Exatamente por isso, ou seja, por não se comunicarem por meio de palavras, eles transmitem aos médiuns seus pensamentos e deixam a cargo do instrumento vesti-los, obviamente, na língua própria do sensitivo.

Reiteramos, portanto, que não há fenômeno mediúnico sem participação anímica. O cuidado que se toma necessário ter na dinâmica do fenômeno não é colocar o médium sob suspeita de animismo, como se o animismo fosse um estigma, e sim ajudá-lo a ser um instrumento fiel, traduzindo em palavras adequadas o pensamento que lhe está sendo transmitido sem palavras pelos espíritos comunicantes.

Certamente ocorrem manifestações de animismo puro, ou seja, comunicações e fenômenos produzidos pelo espírito do médium sem nenhum componente espiritual estranho, sem a participação de outro espírito, encamado ou desencontrado. Nem isso, porém, constitui motivo para condenação sumária ao médium e, sim, objeto de exame e análise competente e serena, com a finalidade de apurar o sentido do fenômeno, seu porquê, suas causas e conseqüências.

Suponhamos, por exemplo, que ante determinada manifestação espiritual em certo médium de um grupo, outro médium do mesmo grupo mergulhe, de repente, em um processo espontâneo de regressão de memória. Pode ocorrer que ele passe a 'viver', em toda a sua intensidade e realismo, sua própria personalidade de anterior existência. Apresentará, sob tais circunstâncias, todas as características de uma manifestação mediúnica espírita, como se ali estivesse um espírito desencontrado.

Vamos lembrar, novamente, o ensinamento de Erasto e Timóteo: "A alma do médium pode comunicar-se como a de qualquer outro". E isto é válido para a psicografia e para a psicofonia ou até mesmo parafenômenos de efeitos físicos. Não nos cansamos de repetir que tais fenômenos não invalidam a realidade da comunicação espírita e, sim, a complementam e ajudam a entendê-la melhor.

A fim de que possamos estudar o mundo espiritual, adverte Delanne, precisamos de um instrumento, um intermediário entre as duas faces da vida - o médium.

"Como possui uma alma e um corpo" - prossegue o eminente continuador de Kardec -, "ele tem acesso, por uma, à vida do espaço e, pelo outro, se prende à Terra, podendo servir de intérprete entre os dois mundos. " Não deixa, portanto, de ser um espírito somente porque está encarnado. Os fenômenos que produzir, como espírito, são também dignos de exame e não de condenação sumária. Algumas perguntas podem ser formuladas para servir de orientação a essa análise. São realmente fenômenos anímicos? Ou interferências pessoais do médium nas comunicações, no processo mesmo de as "vestir" com palavras, como dizem os espíritos? Por que estariam sendo produzidos? E como? Com que finalidade? Como poderemos ajudá-lo a interferir o mínimo possível a fim de que as comunicações traduzam com fidelidade o pensamento dos espíritos?

3) A fraude e o automatismo
Entendo, à vista da experiência pessoal em cerca de duas décadas no. trato constante com a prática mediúnica, que é possível realizar um bom trabalho saneador nas possíveis interferências, não porém pela condenação sumária e áspera do médium. Se ele for, comprovadamente, um médium fraudador, precisará ser tratado com certa energia, nunca, porém, com rudeza ou agressividade. Está realmente fraudando? Por quê? Exibicionismo? Vaidade? Desejo de agradar as pessoas? A despeito de fraudes eventuais ou costumeiras, tem ou não faculdades mediúnicas autênticas? Como ajudá-lo a livrar-se dos seus defeitos e fraquezas, a fim de tornar-se um médium confiável?

A história do espiritismo registra episódios em que médiuns dotados de excepcionais e comprovadas faculdades mediúnicas recorreram também a fraudes, como a legendária Eusapia Paladino, que produziu fenômenos incontestáveis sob as mais severas condições de controle, perante cientistas atentos e geniais, mas que também produzia, por fraude, ridículas imitações, facilmente detectáveis.Atenção, porém, para um pormenor importante que tem sido muito negligenciado nas discussões acerca da mediunidade. O fenômeno fraudulento nada tem a ver com animismo, mesmo quando inconsciente. Não é o espírito do médium que o está produzindo através do seu próprio corpo mediunizado, para usar uma expressão dos próprios espíritos, mas o médium, como ser encarnado, como pessoa humana, que não está sendo honesto nem com os assistentes, nem consigo mesmo. O médium que produz uma página por psicografia automática, com os recursos do seu próprio inconsciente, não está necessariamente fraudando e sim gerando um fenômeno anímico. É seu espírito que se manifesta. Só estará sendo desonesto e fraudando se desejar fazer passar sua comunicação por outra, acrescentando-lhe uma assinatura que não for a sua ou atribuindo-a, deliberadamente, a algum espírito desencontrado.

Sem nenhum receio infundado ou temor de estar oferecendo argumentos aos negadores contumazes da sobrevivência e comunicabilidade dos espíritos, Delanne lembra claramente que:

(...) nas sessões espíritas, ao lado de médiuns verdadeiros, há também automatistas que escrevem mecanicamente e sem consciência aparente do conteúdo intelectual da mensagem. Durante muito tempo tem faltado aos espíritos um critério que lhes permuta proceder a uma triagem entre as comunicações verdadeiras e as produções subconscientes do médium. (Delanne, Gabriel, 1909.) (Grifo nosso)O critério recomendado pelo pesquisador francês é o mesmo de sempre: submeter a atento exame crítico os textos produzidos a fim de separar o joio do trigo. Sem isto, acabam sendo aceitas como revelações do mundo espiritual tolas fantasias subliminares produzidas pelo próprio médium.

Convém observar, contudo - e isto vai por muna conta -, que a mensagem não é tola somente porque emerge do inconsciente do médium, nem é boa e autêntica porque há segura evidência de ser de origem espiritual. O que vale de fato é seu conteúdo, sua coerência, a elevação de seus conceitos éticos ou filosóficos, ainda que a linguagem possa apresentar-se, aqui e ali, com algumas incorreções. Como o espírito do médium também pode comunicar-se - e o faz como espírito, segundo nos assegura a codificação e não como ser humano -, é bem possível que ele tenha uma bagagem espiritual respeitável e uma experiência consolidada por inúmeras vidas que o autorizem a produzir uma comunicação de elevado teor, perfeitamente aceitável do ponto de vista doutrinário e moral e tão autêntica quanto as de origem espiritual, de responsabilidade de seres desencarnados.

Após sensatos e oportunas observações de quem sabe do que fala, Delanne acrescenta:

Parece-nos, portanto, indispensável lembrar que somos mais ricos do que geralmente julgamos. Abaixo da consciência jaz um maravilhoso depósito de documentos inexplorados que têm algo a ensinar-nos sobre o próprio substrato da individualidade, da qual depende nosso caráter. (Idem)

Com o que estamos de pleno acordo. Ainda hoje, no meio espírita, são muitos os que supervalorizam a palavra dos espíritos e consideram com certa desconfiança, hostilidade mesmo ou, ainda, menor dose de confiança o que provém do ser encamado.

Suponhamos, para argumentar, que, reencarnado em futura existência, um espírito da competência de Erasto ou de Timóteo, de Delanne ou de Kardec produza textos anímicos por psicografia automática, sem nenhuma interferência de seres desencarnados. Certamente teremos a aprender com eles, ante a riqueza de seus conhecimentos e experiência a que se refere Delanne no trecho há pouco transcrito. Seria desastroso rejeitar suas produções apenas porque não se consegue detectar nelas quaisquer sinais de origem rigorosamente espírita. Mais adiante, prossegue Delanne:

A escrita automática poderá trazer ao nosso conhecimento textos perfeitamente coordenados, soluções de problemas considerados insolúveis pelo sensitivo ou ensinamentos que nos parecerão inéditos, sem que atribuamos, necessariamente, tais produções a espíritos desencarnados.(Idem)O julgamento de textos, portanto, não deve ser conduzido à base de impulsos e desconfianças apriorísticas e, sim, após criterioso exame crítico de forma e fundo, de conteúdo ideológico e doutrinário. A mensagem é boa? Não importa o nome que a subscreve ou deixa de subscrevê-la. É inaceitável? Por mais 'importante' que seja o declarado autor, deve ser rejeitada sem remorsos.

O que é preciso evitar, em tais circunstâncias, é criar uma atmosfera de suspeição em tomo do médium. Por duas válidas e significativas razões. Se a mensagem não está bem, ainda assim não significa, indiscutivelmente, que ele esteja fraudando. Embora isso possa ocorrer, é também possível que ele tenha acolhido um espírito despreparado que não tenha muito que dar de si, nesse campo. Se, por outro lado, a mensagem é aceitável e até boa ou excelente, também não quer dizer que não possa ter sido produzida pelo próprio espírito do médium, como estamos vendo.

Continua Delanne:

Agora que sabemos da extraordinária riqueza da memória latente, povoada de lembranças de tudo quanto estudamos, vimos, ouvimos e pensamos em nossa vida, que sabemos que a atividade do espírito durante a noite é preservada (na memória), que impressões sensoriais, das quais não temos consciência, podem revelar-se aura dado momento, devemos ser bem circunspectos para afana que o conteúdo de uma mensagem não provém do subconsciente.
(Idem)As mensagens devem, por conseguinte, ser examinadas e aceitas (ou rejeitadas) pelo que são em si mesmas e não por serem de origem espiritual ou anímica. Tanto há mensagens boas de origem anímica como mensagens inaceitáveis de origem espiritual. Não estamos autorizados a colocar o médium sob suspeita apenas porque produziu uma mensagem ou manifestação anímica.

Propõe Delanne critério semelhante ao de Boddington para testar a origem da comunicação. Se ela estiver acima da capacidade do médium, poderá ser considerada como provinda de espíritos desencarnados.

De minha parte, com todo o respeito que me merecem esses dois eminentes autores, não acho que o critério, embora válido sob certos aspectos, seja ainda o definitivo, quando sabemos, pela palavra do próprio Delanne, da insuspeitada riqueza cultural que trazemos nos vastos armazéns da memória inconsciente. Sempre que esse material tiver condições de emergir pelo processo da psicografia automática, será compatível com os conhecimentos que o médium traz como espírito encarnado, dono que ele é de vasto material acumulado ao longo de inúmeras existências pregressas.Jamais nos esqueçamos, contudo, do princípio ordenador da mediunidade, ou seja, o de que ela é um processo de intercâmbio entre as duas faces da vida inteligente e que, portanto, participa de uma e de outra. Do que se depreende que toda comunicação ou fenômeno mediúnico terá sempre um componente maior ou menor de cada uma dessas duas faces da realidade. Há, pois, nas manifestações mediúnicas, um componente espiritual (do desencarnado) e um componente anímico (do encarnado). Como também poderá provir apenas do ser encarnado, sem participação de espíritos desencarnados, pois o espírito encamado também se manifesto como espírito. .Em suma: o espírito desencarnado precisa do médium encarnado para comunicar-se conosco, mas este pode prescindir, sob condições especiais, da participação dos companheiros desencarnados para transmitir seus próprios pensamentos, armados como material que se encontra depositado nos seus arquivos inconscientes.Voltamos, para concluir, reiterando o ensinamento de Ernesto Bozzano sobre a interação animismo/espiritismo:Nem um, nem outro logra, separadamente, explicar o conjunto dos fenômenos supranormais. Ambos são indispensáveis a tal &n e não podem separar-se, pois que são efeitos de uma causa única e esta causa única é o espírito humano que, quando se manifesto, em momentos fugazes durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e quando se manifesto mediunicamente, durante a existência desencarnada, determina os fenômenos espiríticos. (Bozzano, Ernesto, 1987.)

6) Aspectos provacionais do fenômeno anímico

O fenômeno anímico exige, por conseguinte, experiência e atenção de quem trabalha com médiuns regularmente ou ocasionalmente testemunha manifestações mediúnicas. Não constitui, contudo, um tabu, nem se apresenta como fantasma aterrador que é preciso exorcizar.

Escreve André Luiz, em Nos Domínios da Mediunidade:
Muitos companheiros matriculados no serviço de implantação da Nova Era, sob a égide do espiritismo, vêm convertendo a teoria anímica num travão injustificável a lhes congelar preciosas oportunidades de realização do bem; portanto, não nos cabe adotar como justas as palavras "mistificação inconsciente ou subconsciente" para batizar o fenômeno. (Xavier, Francisco C./André Luiz, 1973a.)Refere-se o instrutor Áulus, nesta passagem, a uma senhora que, embora com as usuais características de uma incorporação obsessiva de espírito perseguidor, estava apenas deixando emergir do seu próprio inconsciente memórias desagradáveis de uma existência anterior que nem mesmo o choque biológico da nova encarnação conseguira "apagar".Tratava-se de uma doente mental, cujos passados conflitos ainda a atormentavam e se exteriorizavam naquela torrente de palavras e gestos sonidos como se estivesse possuída por um espírito desarmonizado. No caso, havia, sim, um espírito em tais condições - era o seu próprio e, portanto, ela estava ali funcionando como médium de si mesma, produzindo uma manifestação anímica. Mais que ignorância, seria uma crueldade deixar de socorrê-la com atenção e amor fraterno somente porque a manifestação era anímica. Continua Áulus, mais adiante:Um doutrinador sem tato fraterno apenas lhe agravaria o problema, porque, a pretexto de servir à verdade, talvez lhe impusesse corretivo inoportuno em vez de socorro providencial. (Idem)Em Mecanismos da mediunidade (cap. XXIII), encontramos observação semelhante, colocada nestes termos:Freqüentemente pessoas encarnadas nessa modalidade de provação regeneradora são encontráveis nas reuniões mediúnicas, mergulhadas nos mais complexos estados emotivos, quais se personificassem entidades outras, quando, na realidade, exprimem a si mesmas, a emergirem da subconsciência nos trajes mentais em que se externavam noutras épocas sob o fascínio dos desencarnados que as subjugavam. (Xavier, Francisco C. / André Luiz, 1986.)Lembra esse autor espiritual, a seguir, que se fôssemos levados, pelo processo da regressão da memória, a uma situação qualquer em urna de nossas vidas anteriores e lá deixados por algumas semanas, apresentaríamos o mesmo fenômeno de aparente alienação mental, complicada com características facilmente interpretadas como de possessão, pelo observador despreparado. Ou, então, a pessoa seria tida como mistificadora inconsciente. Em ambas as hipóteses, o diagnóstico estaria errado e, por conseguinte, qualquer forma de tratamento porventura proposto ou tentado.

Escreve ainda André Luiz:

Nenhuma justificativa existe para qualquer recusa no trato generoso de personalidades medianímicas provisoriamente estacionadas em semelhantes provações, de vez que são, em si próprias, espíritos sofredores ou conturbados quanto quaisquer outros que se manifestem, exigindo esclarecimento e socorro. (Idem) (Destaque nosso)Podemos concluir, pois, que muitos médiuns com excelente potencial de realizações e serviços ao próximo podem ser desastradamente rejeitados pela simples e dolorosa razão de que não foram atendidos com amor e competência na fase em que viviam conflitos emocionais mal compreendidos.

(Diversidades dos Carismas. Teoria e Prática da Mediunidade - Lachatrê Publicações)

Hermínio Miranda: Processo Reencarnatório

14 outubro 2007


Processo reencarnatório
Entrevista com Hermínio Correa de MirandaPublicação: CVDEE - Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo

Na sua opinião, considerando os livros básicos e a literatura auxiliar, a Doutrina Espírita tem esgotado as informações sobre o processo reencarnatório ou, na medida em que o homem se espiritualize, informações adicionais serão concedidas?
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Resposta: Como sistema orgânico de conhecimento, o Espiritismo é uma doutrina evolutiva, atenta à dinâmica da expansão cultural da humanidade. Vamos reler um parágrafo da Introdução que Kardec escreveu para O Evangelho Segundo o Espiritismo (Autoridade da Doutrina Espírita, pg. 31, 57a. edição FEB):

" Com extrema sabedoria procedem os Espíritos superiores em suas revelações. Não atacam as grandes questões da Doutrina senão gradualmente, à medida que a inteligência se mostra apta a compreender a verdade de ordem mais elevada e quanto as circunstâncias se revelam propícias à emissão de uma idéia nova. Por isso é que logo de princípio não disseram tudo e tudo ainda hoje não disseram, jamais cedendo à impaciência dos muito afoitos, que querem os frutos antes de estarem maduros."
O Livro dos Espírtos constitui exemplo disso no sentido de que notamos na sua elaboração o cuidado de não dizer mais do que o necessário e conveniente para a época e de compactar informações e ensinamentos num mínimo possível de texto. Em algumas respostas, a linguagem é quase telegráfica, sem detalhamentos, considerados, talvez, prematuros ou inoportunos. O que, de certa forma, parece indicar reserva de espaço para futuras ampliações, à medida que o conhecimento fosse progredindo. Não creio, por isso, que a temática do processo reencarnatório tenha sido esgotada no contexto das obras básicas e nem mesmmo nas subseqüentes. André Luiz, por exemplo, ampliou consideravelmente tais informações. Penso que ainda temos muito que aprender com os instrutores espirituais sobre esse e tantos outros assuntos.

Fiz um aborto aos 21 anos e depois tive um filho aos 27. Existe possibilidade deste espírito ser o mesmo que foi abortado anteriormente?

Resposta: Entendo perfeitamente possível que a criança que você teve aos 27 anos seja a mesma entidade espiritual, cujo corpo fora abortado cerca de seis anos antes.

Na reencarnação sob processo expiatório, ocorre às vezes uma vultosa anomalia cerebral. De que forma há para esse Espírito aproveitamento da reencarnação? Há algum tipo de percepção?
Resposta: A reencarnação constitui sempre valiosa oportunidade de progresso espiritual. O corpo físico pode apresentar-se severamente afetado por anomalias inibidoras, mas a entidade espiritual está presente e atenta ao que se passa. Em nosso trabalho mediúnico, testemunhamos um caso desses. Sugiro que você leia o capítulo 19 - Filhos deficientes, de meu livro "Nossos Filhos são Espíritos", que parece responder à sua pergunta. Leia, também, "Autismo - uma leitura espiritual", ainda que este não seja o caso específico que você tem em mente.

O Sr. poderia comentar as relações entre a descoberta do código genético humano e o processo reencarnatório? Por exemplo, se muitas doenças físicas poderão ser evitadas, como ficam as reencarnações de Espíritos que têm como sua fase evolutiva o ultrapassar justamente doenças físicas?
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Resposta: Penso que é cedo para se falar em interferências no código genético que resultem no cancelamento puro e simples de deficiências físicas ou mentais, que, como sabemos, tem sérias implicações cármicas. O projeto genoma, recentemente divulgado com enorme espalhafato publicitário, embora represente um gigantesco passo à frente no entendimento da biologia humana, ainda tem muito trabalho pela frente, como reconhecem os próprios cientistas. São mais de 3 bilhões as combinações possíveis no ser humano. Por outro lado, as leis divinas não se sujeitam a manipulações daqueles que se propõem a "brincar de Deus". Sugiro que você leia, se conseguir localizar, um pequeno artigo meu intitulado "Uma ética para a genética", publicado em Reformador em junho de 1971, há quase trinta anos, portanto. Será útil também, se ainda não o fez, a leitura do Time, de 3 de julho de 2000. Diz-se ali, entre outras coisas, que dois grupos empenharam-se em decifrar as ‘letras bioquímicas ‘ do DNA humano e as instruções codificadas para construir e operar um ser humano totalmente funcional. Em outras palavras, ninguém, nesse projeto gigantesco, está pensando no espírito e nem nas leis cármicas. E muito menos, em Deus. Quanto a mim, fico com Deus e não tenho a pretensão de brincar com ele.Não sou, contudo, um especialista no assunto. Sugiro que você leia "O projeto genoma", de autoria da Dra. Marlene Nobre, no recente Boletim SEI, da Capemi, de 29-07-2000. Poderá, para isso, acessar a Home page: http://www.lfc.org.br/

Questão [#006] Quanto tempo, em média, o espírito permanece na pátria espiritual, antes de reencarnar? Meu pai faleceu há 5 anos; quando eu desencarnar me encontrarei com ele?
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Resposta: Cada caso é um caso. Não há uma periodicidade rígida de tantos em tantos anos, entre uma encarnação e outra. O Prontuário da Obra de Allan Kardec, do erudito confrade e pesquisador Deoclécio de Demócrito, indica as seguintes referências sobre o assunto: O Evangelho Segundo o Espiritismo n. 16, p. 31; Céu e Inferno, 2a. parte, cap. 4, p.275 e cap. 5, n. 39, p. 309; Obras Póstumas, Parágr. 3, n. 28, p. 39. Há, também, uma pesquisa do amigo dr. Hernani Guimarães Andrade, em artigo que não tenho como localizar. Hernani chega à conclusão de que, em vista do número muito maior de habitantes da Terra, o intervalo entre uma encarnação e outra diminuiu nos últimos tempos. Ou seja, a "fila" era muito maior quando havia pouca gente encarnada por aqui...Certamente você se encontrará com a entidade que foi seu pai, bem como com outros seres que se acham ligados a você, nesta ou em existências passadas. É o que costuma acontecer. Leia, a respeito, a Questão 160, de O Livro dos Espíritos.

Durante o período da gestação, é possível que a mulher seja obsidiada? Se o processo obsessivo já existir, o obsessor é afastado?

Resposta: Sim, a mulher pode ser obsidiada antes, durante e depois da gestação. A gravidez, por si mesma, não a livra do processo obsessivo, nem leva a entidade perseguidora a afastar-se automaticamente. Em muitos casos a gravidez pode até suscitar ou agravar obsessões, quando entidades desorientadas e vingativas procuram interromper ou perturbar o processo reencarnatório, por ter problemas com a mãe, com a criança ou com ambos. A questão é complexa e os casos devem ser tratados com serenidade, compreensão, amor fraterno e prece, em grupos confiáveis que se dediquem à tarefa dita de desobsessão. Não com o objetivo de nos livrarmos da entidade perturbadora, mas para que nos pacifiquemos todos, a fim de seguirmos todos juntos e em paz os caminhos evolutivos. "Reconcilia-te com teu adversário", ensinou o Cristo, "enquanto estás a caminho com ele."

Gostei imensamente do seu livro "Nossos filhos são Espíritos"; gostaria de sua análise sobre nossa responsabilidade no processo de resgate com relação à vida conjugal, e como isto influencia a reencarnação daqueles que devem vir como filhos.

Resposta: O lar é o nosso laboratório de trabalho, pesquisa, estudo e aprendizado, bem como um ponto de reencontro. A família representa, usualmente, a melhor combinação possível de situações que levem os seres que a compõem à solução dos problemas que os afligem. É uma preciosa oportunidade que não deve ser desperdiçada, dado que a felicidade e a paz futuras dependem do que estamos fazendo hoje. As entidades que se reencarnam como nossos filhos e filhas constituem parte integrante do projeto elaborado para a vida terrena e precisam contar conosco para as tarefas que se programaram para realizar junto de nós. Releia o capítulo 21 - "A menina que chorava na calçada", no livro "Nossos Filhos são Espíritos". Leia, ainda, o capítulo que escrevi para o livro "O Espiritismo e os Problemas Humanos", do querido amigo e confrade Deolindo Amorim. É uma edição da USE, São Paulo.

É possível um espírito reencarnar em pouco tempo e dentro da mesma família onde viveu a última encarnação?

Resposta: É possível, sim, a uma entidade reencarnar-se na mesma família após alguma permanência na dimensão póstuma. A literatura espírita tem documentado numerosos e convincentes casos dessa natureza. Em "Twenty Cases Suggestive of Reincarnation", o professor Ian Stevenson apresenta (que me lembre) pelo menos dois. Um deles passou-se na geladas regiões da América do Norte, onde uma entidade reencarnou-se como filho de seu próprio filho. Ou seja, ele nasceu como neto (ou avô) de si mesmo e seus antigos filhos e filhas passaram a ser tios e tias na nova existência. Ele os reconheceu como reconheceu também seu antigo relógio de bolso que a família conservara. O outro caso narrado pelo dr. Stevenson nesse livro passou-se no Brasil, na família do professor Francisco Waldomiro Lorenz, no Rio Grande do Sul. Há uma tradução desse livro em português, mas não tenho comigo os dados. Se bem me lembro, chama-se Vinte Casos Que Sugerem a Reencarnação (Ou Sugestivos de Reencarnação).

Caro Hermínio, temos uma dúvida que até a presente data não conseguimos elucidação. No livro Evolução em Dois Mundos (André Luiz/Chico Xavier/Waldo Vieira), no capítulo sobre Simbiose Espiritual, encontramos: "Ninguém necessita, portanto, aguardar reencarnações futuras, entretecidas de dor e lágrimas, em ligações expiatórias, para diligenciar a paz com os inimigos trazidos do pretérito, porque, pelo devotamento ao próximo e pela humildade realmente praticada e sentida, é possível valorizar nossa prece, atraindo simpatias valiosas, com intervenções providenciais, em nosso favor."Nossa questão: Pode um Espírito em uma única reencarnação resgatar todos os seus débitos do passado e anular a vingança de seus inimigos espirituais, através do exemplo do amor puro aos semelhantes ?
Resposta: Parece-me que a pergunta deve ser reformulada. André Luiz está dizendo que não é necessário esperar por reencarnações futuras para nos reconciliarmos com nossos adversários ou com aqueles a quem prejudicamos; podemos começar desde já a tarefa, com a nossa própria reeducação, o hábito da prece, a prática do amor ao próximo, o reaprendizado da vida, enfim. Ele não diz que estaremos, dessa maneira, resgatando numa só existência, todos os erros cometidos. Temos testemunhado exemplos vivos disso, em nossos trabalhos mediúnicos, no decorrer de quase 40 anos. Entidades indignadas que conseguimos resgatar com paciente argumentação, compreensão e amor, tinham ligações conflituosas com membros do nosso próprio grupo. Não foi preciso, nesses casos, esperar futuras existências de atrito e sofrimento, para trabalhar nossas divergências. Em outras palavras: "adiantamos o serviço" da reconciliação, que teria de ser feito mais tarde, em futuras reencarnações.

Como se dão as reencarnações regidas pelo automatismo? Esta situação abrange os casos de reencarnação forçada que os espíritos de pouca luz unidos em falanges impõem a seus subjugados?

Resposta:Há reencarnações com um componente de compulsoriedade, obviamente em benefício da entidade reencarnante. O livro Prontuário da Obra de Allan Kardec, de Deoclécio de Demócrito, recomenda ler, sobre este aspecto, a Questão 262, em O Livro dos Espíritos.
Recorro, ainda, ao Indicador Espírita, compilado por outro meticuloso e competente confrade, João Gonçalves. Veja o que contém o verbete número 2155:"Reencarnações se processam muita vez sem qualquer consulta aos que necessitam segregação em certas lutas no plano físico, qual enfermos e criminosos que, pela própria condição ou conduta, perderam temporariamente a faculdade de resolver quanto à sorte que lhes convém. Incapazes de eleger o caminho de reajuste, são decididamente internando na cela física como doentes isolados sob assistência precisa. Vemo-los, assim, repontando de lares faustosos ou paupérrimos, ao lado daqueles que lh devem abnegação e carinho, contrariando por vezes até certo a hereditariedade, por representarem dolorosas exceções no caminho normal."São indicados, nesse verbete, as seguintes fontes de consulta: Evolução em Dois Mundos, Entre a Terra e o Céu, Missionários da Luz, Nosso Lar, No Mundo Maior, Obreiros da Vida Eterna, todos de André Luiz e mais: Autodescobrimento - uma busca interior, de Joanna de Ângelis e ainda, As Mil Faces da Realidade Espiritual, de Herminio C. Miranda, bem como Nascer e Renascer (?) e, finalmente, O Problema do Ser, de Léon Denis.Sobre a segunda parte de sua pergunta, lembro meu artigo "O médium do Anti-Cristo" (Reformador, março e abril de 1976), no qual é examinada a hipótese de reencarnações de um mesmo grupo de entidades em torno de Adolf Hitler.

Qual a participação da espiritualidade e do mentor do reencarnante, no retorno do espírito à carne?
Resposta: Pelo que sabemos, mentores e amigos espirituais participam da elaboração de nossos planos reencarnatórios, ajudando-nos na escolha das prioridades que nos convêm programar segundo nossas possibilidades e limitações. Mais uma vez, recomendo a leitura de André Luiz para melhor entendimento de tais aspectos.

Na sua opinião, quais benefícios reais o espírito obtém com a reencarnação? Ele não poderia evoluir apenas na erraticidade?
Resposta:Sobre o objetivo da encarnação, leia a Questão 132, de O Livro dos Espíritos. Quanto ao progresso na erraticidade, diz a Questão 230: "(O Espírito) pode melhorar-se muito (na erraticidade) tais sejam o desejo que tenha de consegui-lo. Todavia, na existência corporal é que põe em prática as idéia que adquiriu." Veja, ainda, a Questão 330 a).:
" Então, a reencarnação é uma necessidade da vida espírita, como a morte o é da vida espiritual?
Reposta: Certamente; assim é."

Allan Kardec, em A Gênese, postula que a consciência espiritual vai diminuindo com a proximidade do parto, sendo que no nascimento o espírito estaria completamente inconsciente. No seu livro "Nossos filhos são Espíritos", o Sr. transcreve narrativas, obtidas através de regressão, que algumas pessoas fazem sobre a situação na hora do nascimento. Como conciliar estas duas informações?
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Resposta: É pertinente a observação da leitora (ou leitor). No texto que escreveu para A Gênese, Kardec refere-se ao estado de perturbação do espírito a partir do momento em que é "apanhado pelo laço fluídico" que o prende ao corpo físico em início de formação. Prossegue o Codificador, declarando que esse estado de perturbação intensifica-se durante a gestação, "perdendo o Espírito, nos últimos momentos (quando começam os trabalhos de parto) toda a consciência de si próprio, de sorte que jamais presencia o seu nascimento. Quando a criança respira, começa o Espírito a recobrar as faculdades, que se desenvolvem à proporção que se formam e consolidam os órgãos que lhe hão de servir às manifestações." Na Questão 380, os Espíritos se haviam manifestado de modo semelhante, ao dizerem que "A perturbação que o ato da encarnação produz no Espírito não cessa de súbito, por ocasião do nascimento. Só gradualmente se dissipa, com o desenvolvimento dos órgãos."De qualquer modo, as técnicas regressivas e as regressões espontâneas da memória não confirmam generalizado estado de perturbação na entidade reencarnante, ao mesmo tempo em que demonstram nela perfeita consciência de si mesma durante a gravidez e no momento do parto. Alguma modalidade de consciência, portanto, está funcionando nessas fases.

LIÇÃO DE MARIA JOÃO DE DEUS

27/08/2012




Chico contava que, numa das vezes em que o espírito de sua mãe lhe apareceu, revelou a ele que estava aprendendo línguas no Mundo Espiritual, para que, quando reencarnasse, encontrasse maior facilidade no aprendizado de idiomas...
A lição, aparentemente singela, encerra profundos ensinamentos a encarnados e a desencarnados:
1º - dentro da Vida que é única, mostra a integração existente entre os Dois Planos em que ela se manifesta.
2º - esteja na Terra ou no Além, ninguém deve se imaginar “fora de tempo” para adquirir Conhecimento.
3º - para onde for, o espírito leva sempre consigo a bagagem intelecto-moral amealhada.
Portanto, em sã consciência, dentro da visão imortalista, o homem encarnado, ou desencarnado, não deve se considerar inapto para dar início a determinados empreendimentos que concorram para a sua evolução.
Equivocam-se os que alegam:
- Estou muito velho para voltar a estudar...
- Deixarei para começar na outra encarnação...
- Espero por condições que me sejam mais favoráveis...
- Agora, não dá mais...
- Não tenho como efetuar as mudanças que desejo...
Claro está que estamos nos referindo única e tão somente a todo e qualquer esforço que objetiva o crescimento do espírito.
Não nos esqueçamos de que Allan Kardec, sem saber disto, preparou-se para a tarefa a que deu início quando já contava com meio século de vida...
O próprio Cristo esperou trinta anos para descerrar o advento da Boa Nova em favor da Humanidade...
Em qualquer tempo que sejam plantadas, as sementes florescem e frutificam!
Maria João de Deus, segundo a palavra de Chico, estava semeando no Plano Espiritual para colher sobre a Terra, não obstante, são muitos os que semeiam sobre a Terra para colher no Mundo Espiritual!
Ninguém deve se afligir pela colheita, mas sim pela semeadura.
Sob esta lógica, ainda que, de um dos Dois Lados da Vida, estejamos vivenciando os nossos últimos momentos, prestes a desencarnar ou a reencarnar, não continuemos a desperdiçar tempo ante o aprendizado que nos compete realizar, que, quanto mais cedo for efetuado, mais depressa nos cumulará com as suas bênçãos, fazendo-se-nos alicerce para mais amplas e enriquecedoras conquistas ao espírito.

INÁCIO FERREIRA

Uberaba – MG, 27 de agosto de 2012.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Os Talismãs - Medalha cabalística


Revista Espírita, setembro de 1858
O senhor M... havia comprado de um quinquilheiro uma medalha que lhe pareceu notável pela sua singularidade. Ela é do tamanho de uma moeda de cinco libras. Seu aspecto é argênteo, embora um pouco cor de chumbo. Nas duas faces estão gravados uma multidão de sinais, entre os quais se notam os dos planetas, círculos entrelaçados, um triângulo, palavras ininteligíveis e iniciais em caracteres vulgares; além de outros caracteres bizarros tendo qualquer coisa de árabe, tudo disposto de um modo cabalístico no gênero dos livros de mágicos.
O senhor M..., tendo interrogado a senhorita J..., médium sonâmbula, quanto a essa medalha, respondeu-lhe que era composta de sete metais, que pertenceram a Cazotte, e tinha um poder particular para atrair os Espíritos e facilitar as evocações. O senhor de Caudenberg, autor de uma relação de comunicações que teve, disse ele, como médium, com a Virgem Maria, disse-lhe que era uma coisa má, própria para atrair os demônios. A senhorita de Guldenstube, médium, irmã do barão de Guldenstube, autor de uma obra sobre a Pneumatografia ou escrita direta, disse-lhe que ela tinha uma virtude magnética e poderia provocar o sonambulismo.
Pouco satisfeito com essas respostas contraditórias, o senhor de M... apresentou-nos essa medalha, pedindo a nossa opinião pessoal a respeito, e nos rogando igualmente interrogarmos um Espírito superior sobre seu valor real, do ponto de vista da influência que pode ter. Eis nossa resposta:
Os Espíritos são atraídos ou repelidos pelo pensamento, e não por objetos materiais que não têm nenhum poder sobre eles. Os Espíritos superiores, em todos os tempos, condenaram o emprego de sinais e de formas cabalísticas, e todo Espírito que lhes atribui uma virtude qualquer, ou que pretenda dar talismãs que aparentem a magia, revela, com isso, sua inferioridade, esteja agindo de boa fé ou por ignorância, em conseqüência de antigos preconceitos terrestres dos quais estejam imbuídos, seja porque queira conscientemente divertir-se com a credulidade, como Espírito zombeteiro. Os sinais cabalísticos, quando não são pura fantasia, são símbolos que lembram as crenças supersticiosas quanto à virtude de certas coisas, como os números, os planetas, e sua concordância com os metais, crenças nascidas nos tempos da ignorância, e que repousam sobre erros manifestos, dos quais a ciência fez justiça mostrando o que eram os pretensos sete planetas, sete metais, etc. A forma mística e ininteligível desses emblemas tinha por objetivo impor ao vulgo ver o maravilhoso naquilo que não compreendia. Quem estudou a natureza dos Espíritos, não pode admitir racionalmente, sobre eles, a influência de formas convencionais, nem de substâncias misturadas em certas proporções; isso seria renovar as práticas da caldeira dos feiticeiros, de gato preto, de galinha preta e outros feitiços. Não ocorre o mesmo com um objeto magnetizado que, como se sabe, tem o poder de provocar o sonambulismo ou certos fenômenos nervosos sobre a economia; mas, então, a virtude desse objeto reside unicamente no fluido do qual está momentaneamente impregnado e que se transmite, assim, por via mediata, e não em sua forma, em sua cor, nem sobretudo nos sinais com os quais pode estar sobrecarregado.
Um Espírito pode dizer Traçai tal sinal, e a esse sinal reconhecerei que chamais e virei; mas nesse caso o sinal traçado não é senão a expressão do pensamento; é uma evocação traduzida de um modo material; ora, os Espíritos, qualquer que seja sua natureza, não têm necessidade de semelhantes meios para se comunicarem; os Espíritos superiores não os empregam nunca; os Espíritos inferiores podem fazê-lo tendo em vista fascinar a imaginação de pessoas crédulas, que querem ter sob sua dependência. Regra geral: todo Espírito que liga mais importância à forma do que ao fundo é inferior, e não merece nenhuma confiança, ainda mesmo se, de tempo em tempo, disser algumas coisas boas; porque essas boas coisas podem ser um meio de sedução.
Tal era o nosso pensamento a respeito dos talismãs em geral, como meio de relações com os Espíritos. Vale dizer que ele se aplica igualmente àqueles que a superstição emprega como preservativos de doenças ou de acidentes.
Contudo, para a edificação do possuidor da medalha, e para melhor aprofundar a questão, na sessão da Sociedade, do dia 17 de julho de 1858, pedimos ao Espírito de São Luís, que consente comunicar conosco todas as vezes que se trata de nossa instrução, que nos desse a sua opinião a respeito. Interrogado sobre o valor dessa medalha, eis a sua resposta:
"Fizestes bem em não admitir que os objetos materiais possam ter uma virtude qualquer sobre as manifestações, seja para provocá-las, seja para impedi-las. Bem freqüentemente, dissemos que as manifestações eram espontâneas, e que finalmente, jamais nos recusamos em responder à vossa chamada. Por que pensais que possamos ser obrigados a obedecer a uma coisa fabricada por humanos?
P. - Com qual objetivo essa medalha foi feita? - R. Foi feita com o objetivo de chamar a atenção das pessoas que nela quisessem crer; mas não foi senão pelos magnetizadores que ela pôde ser feita com a intenção de magnetizar para adormecer uma pessoa. Os sinais não são senão coisas de fantasia.
P. - Diz-se que ela pertenceu a Cazotte; poderíamos evocá-lo, a fim de termos algumas informações dele a esse respeito? - R. Não é necessário; preferivelmente, ocupai-vos de coisas mais sérias.

Uma nova descoberta fotográfica


Revista Espírita, julho de 1858
Vários jornais narraram o fato seguinte:
"O senhor Badet, falecido em 12 de novembro último, depois de uma enfermidade de três meses, tinha o costume, diz o Union bourguignonne de Dijon, cada vez que suas forcas lhe permitiam, de se colocar numa janela do primeiro andar, com a cabeça constantemente voltada para o lado da rua, a fim de se distrair vendo os transeuntes. Há alguns dias, a senhora Peltret, cuja casa fica defronte a da viúva senhora Badet, percebeu, na vidraça dessa janela, o senhor Badet, ele mesmo, com seu boné de algodão, sua figura emagrecida, etc., enfim tal como o havia visto durante sua enfermidade. Grande foi sua emoção, para não dizer mais. Ela chamou, não somente seus vizinhos, cujo testemunho poderia ser suspeito, mas, ainda, homens sérios, que perceberam, bem distintamente, a imagem do senhor Badet sobre a vidraça da janela onde tinha o costume de se colocar. Mostrou-se também essa imagem à família do defunto, que imediatamente fez a vidraça desaparecer.
"Ficou, todavia, bem constatado que a vidraça tinha tomado a impressão da imagem da figura enferma, que aí estava como daguerreotipada, fenômeno que se poderia explicar se, do lado oposto à janela, houvesse tido uma outra por onde os raios solares pudessem chegar ao senhor Badet; mas não havia nada: o quarto não tinha senão uma única janela. Tal é a verdade toda nua sobre esse fato espantoso, cuja explicação se deve deixar aos sábios."
Confessamos que, à leitura desse artigo, nosso primeiro sentimento foi o de lhe dar a qualificação vulgar com a qual se gratificam as notícias apócrifas, e a ele não ligamos nenhuma importância. Poucos dias depois, o senhor Jobard, de Bruxelas, nos escreveu o que segue:
- À leitura do fato seguinte (o que acabamos de citar), que se passou em meu país, com um dos meus parentes, encolhi os ombros vendo o jornal que a relata remeter a explicação aos sábios, e essa brava família retirar a vidraça através da qual Badet via os transeuntes. Evocai-o para ver o que pensa disso."
Essa confirmação do fato por um homem do caráter do senhor Jobard, cujos mérito e honorabilidade todo o mundo conhece, e a circunstância particular de que um dos seus parentes dele fora o herói, não poderiam deixar dúvida sobre a sua veracidade. Em conseqüência, evocamos o senhor Badet na sessão da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, na terça-feira, 15 de junho de 1858, e eis as suas explicações que se seguem:
1. Peço a Deus Todo-poderoso permitir ao Espírito do senhor Badet, falecido em 12 de novembro último, em Dijon, de se comunicar conosco. - R. Estou aqui.
2. O fato que vos concerne e que acabamos de lembrar, é verdadeiro? - R. Sim, é verdadeiro.
3. Poderíeis dele nos dar a explicação? - R. É um dos agentes físicos desconhecidos agora, mas que se tornarão usuais mais tarde. É um fenômeno bastante simples, semelhante a uma fotografia combinada com forças que não foram ainda descobertas por vós.
4. Poderíeis apressar o momento dessa descoberta pelas vossas explicações? - R. Gostaria, mas é obra de outros Espíritos e do trabalho humano.
5. Poderíeis nos reproduzir uma segunda vez o mesmo fenômeno? - R. Não fui eu quem o produziu, foram as condições físicas, das quais sou independente.
6. Pela vontade de quem e com qual objetivo o fato ocorreu? -R. Produziu-se quando eu estava vivo e sem a minha vontade; um estado particular da atmosfera o revelou depois.
Estabelecida uma discussão entre os assistentes, sobre as causas prováveis desse fenômeno, e várias opiniões tendo sido emitidas sem que fossem dirigidas perguntas ao Espírito, este disse espontaneamente: E a eletricidade e a galvanoplastia que agem também sobre o perispírito, vós não as tendes em conta.
7. Foi-nos dito há pouco que os Espíritos não têm olhos; ora, se essa imagem é a reprodução do perispírito, como ocorreu que ela haja podido reproduzir os órgãos da visão? -- R. O perispírito não é o Espírito; a aparência, ou perispírito, tem olhos, mas o Espírito não os tem. Eu vos disse bem, falando do perispírito, que estava vivo.
Nota. - À espera de que essa nova descoberta seja feita, dar-lhe-emos o nome provisório de fotografia espontânea. Todo o mundo lamentará que, por um sentimento difícil de compreender, destruiu-se a vidraça sobre a qual estava reproduzida a imagem do senhor Badet; um tão curioso monumento teria podido facilitar as pesquisas e as observações próprias para o estudo da questão. Talvez viu-se nessa imagem a obra do diabo; em todo caso, se o diabo esteve para alguma coisa nesse assunto, foi seguramente na destruição da vidraça, porque ele é o inimigo do progresso.
Considerações sobre a fotografia espontânea.
Resulta das explicações acima, que o fato, em si mesmo, não é sobrenatural nem miraculoso. Quantos fenômenos desse mesmo caso, deveram, nos tempos da ignorância, ferir as imaginações muito propensas ao maravilhoso! E, pois, um efeito puramente físico, que pressagia um novo passo na ciência fotográfica.
O perispírito, como se sabe, é o envoltório semi-material do Espírito; não é somente depois da morte que o Espírito dele está revestido; durante a vida está unido ao corpo: é o laço entre o corpo e o Espírito. A morte não é senão a destruição do envoltório mais grosseiro; o Espírito conserva o segundo, que toma a aparência do primeiro, como se dele tivesse retido a impressão. O perispírito é geralmente invisível, mas, em certas circunstâncias, ele se condensa e, se combinando com outros fluidos, torna-se perceptível à visão, algumas vezes mesmo tangível; é ele que se vê nas aparições.
Quaisquer que sejam a sutilidade e imponderabilidade do perispírito, não deixa de ser uma espécie de matéria, cujas propriedades físicas nos são ainda desconhecidas. Desde que é matéria, pode agir sobre a matéria; essa ação é patente nos fenômenos magnéticos; acaba de se revelar sobre os corpos inertes pela impressão que a imagem do senhor Badet deixou sobre a vidraça. Essa impressão ocorreu durante a sua vida; conservou-se depois de sua morte; mas era invisível; foi preciso, ao que parece, a ação fortuita de um agente desconhecido, provavelmente atmosférico, para torná-la aparente. Que haveria nisso de espantoso? Não se sabe que se podem fazer desaparecer e reviver à vontade as imagens daguerreotipadas? Citamos isso como comparação, sem pretender a semelhança dos procedimentos. Assim, seria o perispírito do senhor Badet que, emanando do corpo deste último, teria com o tempo, e sob o império de circunstâncias desconhecidas, exercido uma verdadeira ação química sobre a substância do vidro, análoga à da luz. A luz e a eletricidade deveram, incontestavelmente, exercer um grande papel nesse fenômeno. Resta saber quais são esses agentes e essas circunstâncias; é o que, provavelmente, saber-se-á mais tarde, e essa não será uma das descobertas menos curiosas dos tempos modernos.
Se é um fenômeno natural, dirão aqueles que negam tudo, por que é a primeira vez que se produziu? Perguntaremos, por nossa vez por que as imagens daguerreotipadas não foram fixadas senão depois de Daguerre, por que não foi ele quem inventou a luz, nem as placas de cobre, nem a prata, nem os cloretos? Conhecem-se, há muito tempo, os efeitos do quarto escuro; uma circunstância fortuita colocou sobre o caminho da fixação, depois, com a ajuda do gênio, de perfeição em perfeição, chegou-se às obras primas que vemos hoje. Provavelmente, seria o mesmo fenômeno estranho que acaba de se revelar; e quem sabe se ele nunca se produziu, se não passou desapercebido pela falta de um observador atento? A reprodução de uma imagem sobre um vidro é um fato vulgar, mas a fixação dessa imagem em outras circunstâncias que as das fotografias, o estado latente dessa imagem, depois sua reaparição, eis o que deve marcar nas magnificências da ciência. Crendo os Espíritos nisso, deveremos nos emocionar com muitas outras maravilhas das quais várias nos foram assinaladas por eles. Honra, pois, aos sábios bastante modestos para não crerem que a Natureza virou para eles a última página do seu livro.
Se esse fenômeno se produziu uma vez, deverá se reproduzir. Provavelmente, é o que ocorrerá quando dele tivermos a chave. À espera disso, eis o que contou um dos membros da Sociedade na sessão da qual falamos:
"Eu habitava, disse ele, uma casa em Montrouge; era verão, o sol brilhava pela janela; sobre a mesa achava-se uma garrafa cheia de água, e sob a garrafa uma pequena esteira; de repente, a esteira pegou fogo. Se ninguém estivesse lá poderia ocorrer um incêndio sem que se lhe soubesse a causa. Experimentei cem vezes produzir o mesmo efeito, e nunca tive sucesso." A causa física do incêndio é bem conhecida: a garrafa produziu o efeito de um vidro ardente; mas, por que não se pôde reiterar a experiência? É que, independentemente da garrafa e da água, havia um concurso de circunstâncias que operaram, de um modo excepcional, a concentração dos raios solares: talvez o estado da atmosfera, dos vapores, as qualidades da água, a eletricidade, etc., e tudo isso, provavelmente, em certas proporções desejadas: donde a dificuldade de cair justo nas mesmas condições, e a inutilidade das tentativas para produzir um efeito semelhante. Eis, pois, um fenômeno inteiramente do domínio da física, do qual se toma conhecimento, quanto ao princípio, e que todavia não se pode repetir à vontade. Viria ao pensamento do cético mais endurecido negar o fato? Seguramente não. Por que, pois, esses mesmos céticos negam a realidade dos fenômenos espíritas (falamos das manifestações em geral), por que não podem manipulá-los à sua vontade? Não admitir que fora do conhecido possa haver agentes novos regidos por leis especiais; negar esses agentes, porque não obedecem às leis que conhecemos, em verdade, é fazer prova de bem pouca lógica e mostrar um espírito bem limitado.
Voltemos à imagem do senhor Badet; far-se-á, sem dúvida, como nosso colega com sua garrafa, numerosas tentativas infrutíferas antes de ter sucesso, e isso, até que um acaso feliz ou o esforço de um poderoso gênio haja dado a chave do mistério; então, provavelmente, isso se tornará uma arte nova com a qual se enriquecerá a indústria. Entendemos aqui uma quantidade de pessoas dizer-se: mas há um meio bem simples de ter essa chave: por que não é pedida aos Espíritos! É aqui o caso de revelar um erro no qual cai a maioria daqueles que julgam a ciência espírita sem conhecê-la. Lembramos primeiro esse princípio fundamental de que todos os Espíritos estão longe, como se acreditava antigamente, de tudo saberem.
A escala espírita nos dá a medida de sua capacidade e de sua moralidade, e a experiência confirma, cada dia, nossas observações a esse respeito. Os Espíritos, pois, não sabem tudo, e ocorre que, em certos assuntos, em todas as considerações, são bem inferiores a certos homens; eis o que não se deve jamais perder de vista. O Espírito do senhor Badet, o autor involuntário do fenômeno que nos ocupa, revela pelas suas respostas uma certa elevação, mas não uma grande superioridade; ele mesmo se reconhece inabilitado para dar uma explicação completa: Seriam, disse, a obra de outros Espíritos e do trabalho humano; essas últimas palavras são todo um ensinamento. Com efeito, seria muito cômodo não ter senão que interrogar os Espíritos para fazer as descobertas mais maravilhosas; onde estaria, então, o mérito dos inventores, se mão oculta viesse lhes facilitar a tarefa e poupar-lhes o trabalho de pesquisar? Mais de um, sem dúvida não se faria escrúpulo de tomar uma patente de invenção em seu nome pessoal, sem mencionar o verdadeiro inventor. Acrescentamos que semelhantes perguntas são sempre feitas com objetivo de interesse e na esperança de uma fortuna fácil, coisas que são más recomendações junto aos bons Espíritos; estes, aliás, não se prestam jamais a servir de instrumento para um negócio. O homem deve ter sua iniciativa, sem o que se reduz ao estado de máquina; deve-se aperfeiçoar pelo trabalho; é uma das condições de sua existência terrestre; é preciso também que cada coisa venha a seu tempo, e pelos meios que apraz a Deus empregar: Os Espíritos não podem desviar os caminhos da Providência. Querer forçar a ordem estabelecida é se pôr à mercê dos Espíritos zombadores que bajulam a ambição, a cupidez, a vaidade, para rirem em conseqüência das decepções das quais são causa. Muito pouco escrupulosos de sua natureza, dizem tudo o que se quer, dão todas as receitas que se lhes pedem, se for preciso as apoiarão em fórmulas científicas, salvo se tenham, no máximo, o valor da dos charlatões. Que aqueles, pois, que creram que os Espíritos viriam lhes abrir minas de ouro, se desenganem; sua missão é séria. Trabalhai, esforçai-vos, é o fundamento que menos falta, disse um célebre moralista, do qual daremos, logo, uma notável entrevista de além-túmulo; a essa máxima sábia, a Doutrina Espírita acrescenta: É a estes que os Espíritos sérios vêm em ajuda pelas idéias que sugerem, ou por conselhos diretos, e não aos preguiçosos que querem desfrutar sem nada fazerem, nem aos ambiciosos que querem ter o mérito sem a dificuldade. Ajuda-te e o céu te ajudará.

O Livro dos Espíritos - Apreciações diversas


Revista Espírita, janeiro de 1858
O LIVRO DOS ESPÍRITOS
CONTENDO OS PRINCÍPIOS DA DOUTRINA ESPÍRITA
Sobre a natureza dos seres do mundo incorpóreo, suas manifestações e suas relações com os homens; as leis morais, a vida presente, a vida futura, e o futuro da Humanidade;
ESCRITO SOB O DITADO E PUBLICADO POR ORDEM DE ESPÍRITOS SUPERIORES
Por ALLAN KARDEC
Esta obra, como o indica seu título, não é uma doutrina pessoal, é o resultado do ensinamento direto dos próprios Espíritos, sobre os mistérios do mundo onde estaremos um dia, e sobre todas as questões que interessam à Humanidade; nos dão, de alguma sorte, o código da vida em nos traçando o caminho da felicidade futura. Este livro, não sendo o fruto de nossas próprias idéias, uma vez que, sobre muitos pontos importantes, tínhamos um modo de ver muito diferente, nossa modéstia nada sofreria com os nossos elogios; preferimos, entretanto, deixar falar aqueles que são inteiramente desinteressados na questão.
O Courrier de Paris, de 11 de junho de 1857, continha, sobre esse livro, o artigo seguinte:

A DOUTRINA ESPÍRITA

O editor Dentu vem de publicar, há pouco tempo, uma obra muito notável; queríamos dizer muito curiosa, mas, há dessas coisas que repelem toda qualificação banal.
O Livro dos Espíritos, do senhor Allan Kardec, é uma página nova do grande livro do Infinito, e estamos persuadidos de que se colocará um marcador nessa página. Ficaríamos desolados se cressem que fazemos, aqui, um reclamo bibliográfico; se pudéssemos supor que assim fora, quebraríamos nossa pena imediatamente. Não conhecemos, de modo algum, o autor, mas, confessamos francamente que ficaríamos felizes em conhecê-lo. Aquele que escreveu a introdução, colocado no cabeçalho de O Livro dos Espíritos, deve ter a alma aberta a todos os nobres sentimentos.
Para que não se possa, aliás, suspeitar da nossa boa-fé e nos acusar de tomar partido, diremos, com toda sinceridade, que jamais fizemos um estudo aprofundado das questões sobrenaturais. Unicamente, se os fatos que se produziram nos espantaram, não nos fizeram, pelo menos, jamais dar de ombros. Somos um pouco dessas pessoas que se chamam de sonhadores, porque não pensam inteiramente como todo o mundo. A vinte léguas de Paris, à tarde sob as grandes árvores, quando não tínhamos ao nosso redor senão algumas cabanas disseminadas, pensamos, naturalmente, de qualquer outro modo do que na Bolsa, no macadame dos bulevares, ou nas corridas de Longchamps. Perguntamo-nos, com freqüência, e isso muito tempo antes de ter ouvido falar de médiuns, o que se passava nisso que se convencionou chamar lá no alto. Esboçamos mesmo, outrora, uma teoria sobre os mundos invisíveis, que havíamos guardado, cuidadosamente, para nós, e que ficamos bem felizes de reencontrar, quase inteiramente, no livro do senhor Allan Kardec.
A todos os deserdados da Terra, a todos aqueles que caminham ou que caem, molhando com suas lágrimas a poeira do caminho, diremos: lede O Livro dos Espíritos, isso vos tornará mais fortes. Aos felizes, também, aqueles que não encontram, em seu caminho, senão aclamações da multidão ou os sorrisos da fortuna, diremos: Estudai-o, ele vos tornará melhores.
O corpo da obra, diz o senhor Allan Kardec, deve ser reivindicado, inteiramente, pelos Espíritos que o ditaram. Está admiravelmente classificado por perguntas e por respostas: Estas últimas são, algumas vezes, verdadeiramente sublimes, isso não nos surpreende. Mas não foi preciso um grande mérito a quem soube provocá-las?
Desafiamos os mais incrédulos a rirem lendo esse livro, no silêncio e na solidão. Todo o mundo honrará o homem que lhe escreveu o prefácio.
A doutrina se resume em duas palavras: Não façais 'aos outros o que não quereríeis que se vos fizesse. Estamos tristes que o senhor Allan Kardec não tenha acrescentado: E fazei aos outros o que gostaríeis que vos fosse feito. O livro, de resto, di-lo claramente, e, aliás, a doutrina não estaria completa sem isso. Não basta jamais fazer o mal, é preciso, também, fazer o bem. Se não sois senão um homem honesto, não haveis cumprido senão a metade do vosso dever. Sois um átomo imperceptível dessa grande máquina que se chama o mundo, e onde nada deve ser inútil. Não nos digais, sobretudo, que se pode ser útil sem fazer o bem; ver-nos-íamos forçados a vos replicar com um volume.
Lendo as admiráveis respostas dos Espíritos, na obra do senhor Kardec, nos dissemos que haveria aí um belo livro para se escrever. Bem cedo reconhecemos que estávamos enganados: o livro está todo feito. Não poderíamos senão estragá-lo, procurando completá-lo.
Sois homem de estudo, e possuis a boa-fé que não pede senão para se instruir? Lede o livro primeiro sobre a Doutrina Espírita
Estais colocado na classe das pessoas que não se ocupam senão de si mesmas, fazem, como se diz seus pequenos negócios tranqüilamente, e não vêem nada ao redor de seus interesses? Lede as Leis morais.
A infelicidade vos persegue encarniçadamente, e a dúvida vos cerca, às vezes, com seu abraço glacial? Estudai o livro terceiro: Esperanças e Consolações.
Todos vós, que tendes nobres pensamentos no coração, que credes no bem, lede o livro inteiro.
Se se encontrar alguém que ache, no seu interior, matéria de gracejo, nós o lamentaremos sinceramente. g. ou chalard.
Entre as numerosas cartas que nos foram dirigidas, desde a publicação de O Livro dos Espíritos, não citaremos senão duas, porque resumem, de alguma sorte, a impressão que esse livro produziu, e o fim essencialmente moral dos princípios que encerra.
Bordeaux, 25 de abril de 1857.

SENHOR,
Colocásteis a minha paciência em uma grande prova, pela demora na publicação de O Livro dos Espíritos, anunciada desde há muito tempo; felizmente, não perdi por esperar, porque ele sobrepassa todas as idéias que pude dele formar, de acordo com o prospecto. Pintar-vos o efeito que produziu em mim seria impossível: sou como um homem que saiu da obscuridade; parece-me que uma porta fechada, até hoje, veio a ser, subitamente, aberta; minhas idéias cresceram em algumas horas! Oh! quanto a Humanidade, e todas as suas miseráveis preocupações, me parecem mesquinhas e pueris, depois desse futuro, do qual não duvido mais, mas que era para mim tão obscurecido pelos preconceitos que eu o imaginava a custo! Graças ao ensinamento dos Espíritos, ele se apresenta sob uma forma definida, compreensível, maior, bela, e em harmonia com a majestade do Criador. Quem ler, como eu, esse livro, meditando, nele encontrará tesouros inexauríveis de consolações, porque ele abarca todas as fases da existência. Eu fiz, na minha vida, danos que me afetaram vivamente; hoje, não me deixam nenhum remorso e a minha preocupação é a de empregar, utilmente, meu tempo e as minhas faculdades para apressar o meu adiantamento, porque o bem, agora, é um objetivo para mim, e compreendo que uma vida inútil é uma vida egoísta, que não pode nos fazer dar um passo, na vida futura.
Se todos os homens que pensam como vós e eu, e vós os encontrareis muitos, espero-o para a honra da Humanidade, pudessem se entender, se reunir, agir de acordo, que força não teriam para apressar essa regeneração que nos está anunciada! Quando for a Paris, terei a honra de vos ver, e se não for para abusar do vosso tempo, eu vos pedirei alguns desenvolvimentos sobre certas passagens, e alguns conselhos sobre a aplicação das leis morais, às circunstâncias que nos são pessoais. Recebei, até lá, eu vos peço, senhor, a expressão de todo o meu reconhecimento, porque haveis me proporcionado um grande bem, mostrando-me o único caminho da felicidade real, neste mundo, e, talvez, vos deverei, a mais, um melhor lugar no outro.
Vosso todo devotado, D.... capitão reformado.
Lyon, 4 de julho de 1857.
SENHOR,
Não sei como vos exprimir todo o meu reconhecimento, sobre a publicação de O Livro dos Espíritos, que tenho depois de relê-lo. O quanto nos fizésteis saber, é consolador para a nossa pobre Humanidade. Eu vos confesso, que da minha parte, estou mais forte e mais corajoso para suportar as penas e os aborrecimentos ligados à minha pobre existência. Partilhei, com vários de meus amigos, as convicções que hauri na leitura da vossa obra: todos estão muito felizes, compreendem, agora, as desigualdades das posições na sociedade, e não murmuram mais contra a Providência; na esperança certa de um futuro muito mais feliz, eles se comportam bem, consola-os e lhes dá coragem. Gostaria, senhor, de vos ser útil; não sou senão um pobre filho do povo, que se fez uma pequena posição pelo seu trabalho, mas que tem falta de instrução, tendo sido obrigado a trabalhar bem jovem; todavia, sempre amei muito a Deus, e fiz tudo o que pude para ser útil aos meus semelhantes; é por isso que procuro tudo o que pode ajudar na felicidade de meus irmãos. Iremos nos reunir, vários adeptos que estavam esparsos; faremos todos os nossos esforços para vos secundar, haveis levantado o estandarte, cabe a nós vos seguir, contamos com vosso apoio e vossos conselhos.
Sou, senhor, se ouso dizer meu confrade, vosso todo devotado, C....
Freqüentemente, se nos dirigem perguntas sobre a maneira pela qual obtivemos as comunicações que são objeto de O Livro dos Espíritos. Resumimos, aqui, tanto mais voluntariamente, as respostas que nos fizeram, a esse respeito, pois isso nos dará ocasião de cumprir um dever de gratidão, para com as pessoas que quiseram nos prestar seu concurso.
Como explicamos, as comunicações por pancadas, dito de outro modo, pela tiptologia, são muito lentas e muito incompletas, para um trabalho de longo fôlego, também não empregamos, jamais, esse meio; tudo foi obtido pela escrita e por intermédio de vários médiuns psicógrafos. Nós mesmos preparamos as perguntas e coordenamos o conjunto da obra; as respostas são, textualmente, as que nos foram dadas pelos Espíritos; a maioria, foi escrita sob nossos olhos, algumas foram tomadas de comunicações que nos foram dirigidas por correspondentes, ou que recolhemos, por toda parte onde estivemos, para estudá-las: os Espíritos parecem, para esse efeito, multiplicar, aos nossos olhos, os sujeitos de observação.
Os primeiros médiuns que concorreram para o nosso trabalho, foram a senhorita B***, cuja complacência nunca nos faltou; o livro foi escrito, quase por inteiro, por seu intermédio e na presença de um numeroso auditório, que assistia às sessões, e nelas tomavam o mais vivo interesse. Mais tarde, os Espíritos prescreveram-lhe a revisão completa em conversas particulares, para fazerem todas as adições e correções que julgaram necessárias. Essa parte essencial do trabalho foi feita com o concurso da senhorita Japhet (RuaTiquetonne, 14.), que se prestou, com a maior complacência e o mais completo desinteresse, a todas as exigências dos Espíritos, porque eram eles que determinavam os dias e as horas de suas lições. O desinteresse não seria, aqui, um mérito particular, uma vez que os Espíritos reprovam todo o tráfico que se possa fazer com sua presença; a senhorita Japhet, que é, igualmente, sonâmbula muito notável, tinha seu tempo utilmente empregado; mas compreendeu que era, igualmente, dele fazer um emprego aproveitável, consagrando-o à propagação da Doutrina. Quanto a nós, declaramos, desde o princípio, e nos apraz confirmar aqui, que jamais entendemos fazer, de O Livro dos Espíritos, objeto de uma especulação, devendo os produtos serem aplicados em coisas de utilidade geral; é, por isso, que seremos, sempre, reconhecidos para com aqueles que se associaram, de coração, e por amor ao bem, à obra à qual nos consagramos.
Allan Kardec

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O ADOLESCENTE E O PROBLEMA DAS DROGAS


Entre os impedimentos para a auto-identificação, no período da
adolescência, destaca-se a rejeição.
Caracterizado pelo abandono a que se sente relegado o jovem no lar,
esse estigma o acompanha na escola, no grupo social, em toda parte,
tornando-o tão amargurado quão infeliz.
Sentindo-se impossibilitado de auto-realizar-se, o adolescente, que vem
de uma infância de desprezo, foge para dentro de si, rebelando-se contra a
vida, que é a projeção inconsciente da família desestruturada, contra todos, o
que éuma verdadeira desdita. Daí ao desequilíbrio, na desarmonia psicológica
em que se encontra, é um passo.
Os exemplos domésticos, decorrentes de pais que se habituaram a usar
medicamentos sob qualquer pretexto, especialmente Valium e Librium, como
buscas de equilíbrio, de repouso, oferecem aos filhos estímulos negativos de
resistência para enfrentar desafios e dificuldades de toda natureza.
Demonstrando incapacidade para suportar esses problemas sem a ajuda de
mecanismos químicos ingeridos, abrem espaço na mente da prole, para que,
ante dificuldades, fuja para os recantos da cultura das drogas que permanece
em voga..
Por outro lado, a exuberante propaganda, a respeito dos indivíduos que
vivem buscando remédios para quaisquer pequenos achaques, sem o menor
esforço para vencê-los através dos recursos mentais e atividades
diferenciadas, produz estímulos nas mentes jovens para que façam o mesmo,
e se utilizem de outro tipo de drogas, aquelas que se transformaram em epidemia
que avassala a sociedade e a ameaça de violência e loucura.
O alcoolismo desenfreado, sob disfarce de bebidas sociais, levando os
indivíduos a estados degenerativos, a perturbações de vária ordem, torna-se
fator predisponente para as famílias seguirem o mesmo exemplo,
particularmente os filhos, sem estrutura de comportamento saudável.
O tabagismo destruidor, inveterado, responde pelas enfermidades graves
do aparelho respiratório, criando dependência irrefreável, transformando-se em
estímulo nas mentes juvenis para a usança de tais bengalas psicológicas, que
são porta de acesso a outras substâncias químicas mais perturbadoras.
A utilização da maconha, sob a justificativa de não ser aditiva,
apresentada como de conseqüências suaves e sem perigo de maiores
prejuízos, com muita propriedade também denominada erva do diabo, cria, no
organismo, estados de dependência, que facultarão a utilização de outras
substâncias mais pesadas, que dão acesso à loucura, ao crime, em
desesperadas deserções da realidade, na busca de alívio para a pressão
angustiante e devoradora da paz.
Todas essas drogas tornam-se convites-soluções para os jovens
desequipados de discernimento, que se lhes entregam inermes, tombando,
quase irremissivelmente, nos seus vapores venenosos e destruidores, que só a
muito custo conseguem superar, após exaustivos tratamentos e esforço
hercúleo.
Os conflitos, de qualquer natureza, constituem os motivos de
apresentação falsa para que o indivíduo se atire ao uso e abuso de substâncias
perturbadoras, hoje ampliadas com os barbitúricos, a heroína, a cocaína, o
crack e outros opiáceos.
E não faltam conflitos na criatura humana, principalmente no jovem que,
além dos fatores de perturbação referidos, sofre a pressão dos companheiros e
dos traficantes — que se encontram nos seus grupos sociais com o fim de os
aliciar; a rebelião contra os pais, como forma de vingança e de liberdade; a
fuga das pressões da vida, que lhe parece insuportável; o distúrbio emocional,
entre os quais se destacam os de natureza sexual...
A educação no lar e na escola Constitui o valioso recurso
psicoterapêutico preventivo em relação a todos os tipos de drogas e
substâncias aditivas, desvios comportamentais e sociais, bengalas psicológicas
e outros derivativos.
A estruturação psicológica do ser é-lhe o recurso de segurança para o
enfrentamento de todos os problemas que constituem a existência terrena,
realizando-se em plenitude, na busca dos objetivos essenciais da vida e
aqueloutros que são conseqüências dos primeiros
Quando se está desperto para as finalidades existenciais que conduzem
à auto-realização, à auto-identificação, todos os problemas são enfrentados
com naturalidade e paz, porqüanto ninguém amadurece psicologicamente sem
as lutas que fortalecem os valores aceitos e propõem novas metas a
conquistar.
Os mecanismos de fuga pelas drogas, normalmente produzem
esquecimento, fugas temporárias ou sentimento de maior apreciação da
simples beleza do mundo, o que é de duração efêmera, deixando pesadas
marcas na emoção e na conduta, no psiquismo e no soma, fazendo
desmoronar todas as construções da fantasia e do desequilíbrio.
É indispensável oferecer ao jovem valores que resistam aos desafios do
cotidiano, preparando-o para os saudáveis relacionamentos sociais, evitando
que permaneça em isolamento que o empurrará para as fugas, quase sem
volta, do uso das drogas de todo tipo, pois que essas fugas são viagens para
lugar nenhum.
Sempre se desperta desse pesadelo com mais cansaço, mais tédio, mais
amargura e saudade do que se haja experimentado, buscando-se retornar a
qualquer preço, destruindo a vida sob os aspectos mais variados.
Por fim, deve-se considerar que a facilidade com que o jovem adquire a
droga que lhe aprouver, tal a abundância que se lhe encontra ao alcance,
constitui-lhe provocação e estímulo, com o objetivo de fazer a própria avaliação
de resultados pela experiência pessoal. Como se, para conhecer-se a
gravidade, o perigo de qualquer enfermidade, fosse necessário sofrê-la,
buscando-lhe a contaminação e deixando-se infectar.
A curiosidade que elege determinados comportamentos
desequilibradores já é sintoma de surgimento da distonia psicológica, que deve
ser corrigida no começo, a fim de que se seja poupado de maiores conflitos ou
de viagens assinaladas por perturbações de vária ordem.
Em todo esse conflito e fuga pelas drogas, o amor desempenha papel
fundamental, seja no lar, na escola, no grupo social, no trabalho, em toda parte,
para evitar ou corrigir o seu uso e o comprometimento negativo.
O amor possui o miraculoso condão de dar segurança e resistência a
todos os indivíduos, particularmente os jovens, que mais necessitam de
atenção, de orientação e de assistência emocional com naturalidade e ternura.
Diante, portanto, do desafio das drogas, a terapia do amor, ao lado das
demais especializadas, constitui recurso de urgência, que não deve ser
postergado a pretexto algum, sob pena de agravar-se o problema, tornando-se
irreversível e de efeitos destruidores.


Livro: Adolescencia e Vida
Divaldo/ Joana de Angelis