Do livro Novas Mensagens no
capítulo 2, D.Pedro II nos traz suas reflexões sobre os seus enganos, quanto a
peculiaridade do povo brasileiro, da proclamação
da República, sobre a economia e o momento político daquele período em que foi
publicado a obra. Segue abaixo trechos da conversa entre Humberto de Campos e
Dom Pedro II
Acerquei-me
da sua individualidade, com um misto de curiosidade e de profundo respeito,
procurando improficuamente identificar os dois companheiros que o rodeavam.
—
Majestade! — tentei chamar-lhe a atenção com a minha palavra humilde e obscura.
—
Aproximem-se, meus amigos! — respondeu-me com benevolência e carinho. — Aqui
não existe nenhuma expressão de majestade. Cá estão, fraternalmente comigo, o
Afonso
e o Luís,
como três irmãos, sentindo eu muito prazer na companhia de ambos. Se o mundo
nos irmana sobre a Terra, a morte nos confraterniza no Espaço infinito, sob as
vistas magnânimas do Senhor.
E, fazendo uma pausa, como quem reconhece que
há tempo de falar e tempo de ouvir, conforme nos aconselha a sabedoria da
Bíblia, exclama o Imperador com bondade:
— A que
devo o obséquio da sua interpelação?
— Majestade! — respondi,
confundido com a sua delicadeza — desejara colher a vossa opinião com respeito
ao Brasil e aos brasileiros. Estamos no limiar do cinquentenário de República e
seria interessante ouvir o vosso conselho paternal para os vivos de boa
vontade. Que pensais destes quarenta e tantos anos de novo regime?(...) Do
Plano Invisível, para o mundo, prosseguimos no mesmo labor de construção da
nacionalidade. As convenções políticas
dos homens não atingem os Espíritos desencarnados. O exílio termina sempre na
sepultura, porque a única realidade é o amor, e o amor, eliminando todas as
fronteiras, nos ligou para sempre ao torrão brasileiro. Não tenho o direito de
criticar a República, mesmo porque todos os fenômenos políticos e sociais do
nosso país tiveram os seus pródromos no mundo espiritual, considerando-se a
missão do Brasil dentro do Evangelho. Apenas quero dizer que não só os
republicanos, mas também nós, os da monarquia, estávamos redondamente
enganados. O erro da nossa visão, quando na Terra, foi supor no Brasil o mesmo
espírito anglo-saxônio que a Inglaterra legara aos norte-americanos. Eu também
fui apaixonado pelo liberalismo, mas a verdade é que, em nossa terra,
prevaleciam outros fatores mesológicos e, até agora, não temos sabido conciliar
os interesses da nação com esses imperativos. A ausência de tradição
nos elementos de nossa origem, como povo, estabeleceu uma descentralização de
interesses, prejudicial ao bem coletivo do pais. Para a formação nacional, não
vieram da metrópole os espíritos mais cultos. Pesando, de um lado, os
africanos, revoltados com o cativeiro, e, de outro, os índios, revoltados com a
invasão do estrangeiro na terra que era propriedade deles, a balança da
evolução geral ficou seriamente comprometida. Sentimentos excessivos de
liberdade não nos permitiram um refinamento de educação política. Todos querem
mandar e ninguém se sente na obrigação de obedecer. Quando no Império, possuíamos a autoridade centralizadora
da Coroa, prevalecendo sobre as ambições dos grupos partidários que povoavam os
nossos oito milhões e meio de quilômetros quadrados; mas, quando os
republicanos sentiram de perto o peso das responsabilidades que tomaram à sua
conta, os espíritos mais educados reconheceram o desacerto das nossas
concepções administrativas. Enquanto as nações da Europa e os Estados
Unidos podiam empregar livremente em nosso país os seus capitais, a título de
empréstimos vultosos que desbaratavam compulsoriamente a nossa economia, o
Brasil podia descansar na monocultura, fazer a política dos partidos e adiar a
solução dos seus problemas para o dia seguinte, dentro de um regime para o qual
não se achava preparado em 1889. Mas,
quando se manifestou a crise mundial de 1929, todas as instituições políticas
sofreram as mais amplas renovações, dentro dos movimentos revolucionários de
1930. Os capitais estrangeiros não puderam mais canalizar suas disponibilidades
para a nossa terra, controlados pelos governos autárquicos dos tempos que
correm, e o Brasil acordou para a sua própria realidade. Aliás, nós, os
desencarnados há muito tempo procuramos auxiliar os vivos na sua tarefa. — Quer dizer que também tendes inspirado
os labores dos estadistas brasileiros?
— Sim, de modo indireto, pois
não podemos interferir na liberdade deles. Há alguns anos, procurei auxiliar
Alberto Torres nas suas elucubrações de ordem social e política. Em geral, nós,
os desencarnados, buscamos influenciar, de preferência, os organismos mais
sensíveis à nossa ação e Torres era o instrumento de nossas verdades para a
administração. A realidade, porém, é que ele falou como Jeremias [Oh!
Jerusalém!…]. Somente a gravidade da situação conseguiu despertar o espírito
nacional para novas realizações.
—
Majestade, as vossas palavras me dão a entender que aprovais o novo estado de
coisas do Brasil. Aplaudistes, então, a queda da denominada república velha,
sob as vibrações revolucionárias de 1930?
— Com as minhas palavras —
disse ele bondosamente — não desejo exaltar a vaidade de quem quer que seja,
nem deprimir o esforço de ninguém. Não posso aplaudir nenhum movimento de
destruição, pois entendo que, sobre a revolução, deve pairar o sentimento nobre
da evolução geral de todos, dentro da maior concórdia espiritual. Considere que, examinando a minha consciência,
não me lembro de haver fortalecido nenhum sentimento de rebeldia nos meus
tempos de governo; entretanto, muito sofri, verificando que eu poderia ter
suavizado a luta entre os nossos estadistas e os políticos da América
espanhola. Outra forma
de ação
poderíamos ter empregado no caso de Rosas e de Oribe e mesmo em face do próprio
Solano López, cuja inconsciência nos negócios do povo ficou evidentemente
patenteada. E note-se que o problema se constituía de graves questões
internacionais. O nosso mal foi sempre o desconhecimento da realidade
brasileira. Os nossos períodos históricos têm sofrido largamente os reflexos da
vida e da cultura europeias. Nos tempos do Império, procurei saturar-me dos
princípios democráticos da política francesa, tentando aplicá-los, amplamente,
ao nosso meio, longe das nossas realidades práticas. Os republicanos, como
Benjamim Constant, Deodoro, etc., deram-se a estudar a “República Americana”,
de Bryce, distantes dos nossos problemas essenciais. Quando
regressei das lutas terrestres, procurei imediatamente colaborar na
consolidação do novo regime, a fim de que a divisão e os desvarios de muitos
dos seus adeptos não terminassem no puro e simples desmembramento do País.
Graças a Deus, conseguimos conduzir Prudente de Morais ao poder constitucional,
para acabarmos reconhecendo agora as nossas realidades; mais fortes. Devo, todavia, fazer-lhe
sentir que não me reconheço com o direito de opinar sobre os trabalhos dos
homens públicos do País. Cabe-me, sim, rogar a Deus que os inspire, no
cumprimento de seus austeros deveres, diante da pátria e do mundo. O grande
caminho da atualidade é a organização da nossa Economia, em matéria de
política, e o desenvolvimento da Educação, no que concerne ao avanço
sociológico dos tempos que passam. Os demais elementos de nossas expressões
evolutivas dependem de outros fatores de ordem espiritual, longe de todas as
expressões transitórias da política dos homens.
A essa altura, notei que a minha curiosidade
jornalística começava a magoar a venerável entidade e mudei repentinamente de
assunto.
— Majestade, que dizeis da
grande figura hoje lembrada?
— O vulto de José Bonifácio
foi sempre objeto de meu respeito e de minha amizade. E olhe que foi ele o mais
sensato organizador da nacionalidade brasileira, cujo progresso acompanha,
carinhosamente, com a sua lealdade sincera. Hoje, que se comemora o centenário
de sua desencarnação, devemos relembrar o seu regresso de novo ao Brasil, em
meados do século passado, tendo sido uma das mais elevadas expressões de
cultura, na Constituinte de 1891.(...) mas o Imperador, acompanhado
de amigos, retirava-se quase que abruptamente da nossa companhia,
correspondendo fraternalmente a outros apelos sentimentais.(...) Daí a momentos, o meu companheiro
quebrava o silêncio de minha meditação:
— Humberto, os monarquistas
tinham razão!… Este velho é um poço de verdade e de experiência da vida! Você
deve registar esta entrevista, oferecendo aos vivos estas palavras quentes de
conhecimento e de sabedoria!
Fonte : Novas Mensagens - Humberto de Campos por Chico Xavier