Vem o
Brasil de comemorar o 437.° ano do seu descobrimento. Em todos os
centros culturais do País foi lembrada a célebre expedição de Álvares
Cabral, que, em marco de 1500, deixou Lisboa com as mais severas recomendações
para os régulos da Ásia e que aportou primeiramente na ilha de Vera
Cruz, cheia de árvores fartas e de rolas morenas cantando a inocência
das terras inexploradas e virgens, cujo domínio Portugal havia pleiteado
em Tordesilhas.
Os
naturais ainda pareciam permanecer com a bênção divina no paraíso
terrestre, pois não conheciam o sentimento que fizera Adão e Eva
buscarem a folha de parra, envergonhados dos seus pormenores anatômicos;
mas Frei Henrique de Coimbra na primeira missa celebrada naquele deserto maravilhoso tentou pregar
para as gentes de Porto-Seguro, que não lhe compreenderam as palavras,
tomando, logo após aquele ato católico, os seus arcos e os seus tacapes,
prosseguindo nas suas danças exóticas, sobre as ervas rasteiras da
praia.
Sobre
as grandes comemorações brasileiras destes últimos dias, não podemos
mencionar as da política administrativa, que, no momento, estava
preocupada com a eleição do Presidente da Câmara Federal, sendo de
destacar-se, somente, a Congregação Mariana no Rio de Janeiro.
A Igreja, conhecendo profundamente a psicologia das massas, reuniu mais
de dez mil católicos na capital do País, realizando os seus movimentos
com o apoio governamental. Mas, não nos surpreendemos. Não se tratou de
um congresso para a generalização do livro ou de novas facilidades da
vida. Como Frei Henrique de
Coimbra, no dia 3 de maio de 1500, entre as madeiras toscas da Bahia,
Monsenhor Leovigildo Franca, na Feira de Amostras do Rio de Janeiro,
dava explicações da missa ao povo do Brasil, com a diferença de que
falava pelo rádio e com pouca esperança de ser entendido pelos seus
patrícios, que, como outrora, se levantariam dali, com as suas cuícas e
os seus pandeiros, procurando a Favela ou a Mangueira, para um samba de
quintal. Aliás, semelhante fato não será estranhável, considerando-se
que o governo que apoiou a última concentração católica é o mesmo que
subvenciona as festas carnavalescas, incentivando, por essa forma, o
turismo no Brasil.
Todavia,
longe das apreciações superficiais, que teria feito a nação em mais de
quatrocentos anos de vida histórica e mais de um século de independência
política? Com um território imenso, onde caberá possivelmente toda a
população da Europa moderna, ela apenas conhece pouco mais de um décimo
de suas possibilidades econômicas. Do vale soberbo do Amazonas às
planícies do Prata, há um perfume de matas virgens na terra misteriosa e
o mesmo livro infinito de sua Natureza extraordinária espera ainda a
raça ciclópica que escreverá nas suas páginas, ainda em branco, a mais
bela talvez de todas as epopeias da Humanidade, nos triunfos do
Espírito.
É
lastimável que as paixões políticas aí permaneçam, intoxicando
inteligências e corações. A esses sentimentos nefastos deve-se a
sensação de angustiosa expectativa que o País vem experimentando, nestes
anos derradeiros, perturbando os seus surtos de trabalho e empobrecendo
as suas fontes de produção. Os espíritos, que aí se entregam ao vinho
sinistro do interesse e da ambição, andam esquecidos de que são
criminosos todos aqueles que destroem um abrigo diante da tempestade
furiosa sem apresentar um refúgio melhor aos náufragos desesperados.
Como inaugurar-se uma nova experiência de novos regimes políticos no
País, se o próprio princípio democrático ainda não foi devidamente
assimilado? Contudo, o que vemos no Brasil, nos últimos tempos, é a
tendência para a desagregação das forças construtivas da nacionalidade,
em lutas esterilizadoras.
Reza a História que, nos séculos passados, quando as hordas de bárbaros ameaçavam a Europa medieval, o sultão Amurat submeteu ao seu domínio as províncias gregas da Trácia, da Albânia e da Macedônia. Cheio de galardões e de vitórias, avançou para o norte em direção dos
sérvios e dos búlgaros que, comandados por Lázaro e Sísman, lhe opuseram
a mais encarniçada resistência. O orgulhoso sultão ganhou-lhes a grande
batalha de Kossovo, mas, quando vitorioso contemplava com feroz alegria o campo forrado de
sangue e de cadáveres, orgulhoso do seu feito e da sua glória, o sérvio
Miloch levantou-se, no silêncio da praça destruída, e, lesto, cravou-lhe
um punhal no coração.
A
política brasileira dos últimos anos tem sido a repetição do mesmo
quadro. Sempre um Amurat escalando o caminho da glória e da evidência,
sobre as humilhações dos seus semelhantes, e sempre um Miloch saindo do
seu anonimato para desferir-lhe o golpe supremo.
Mas… não falemos de assunto tão ingrato, quanto inoportuno.
No dia
de aniversário do Brasil, recordemos que o professor Tyndall acaba de
anunciar os dez problemas mais importantes que a ciência terrestre terá
de resolver nos próximos cem anos, neles incluindo a viagem à Lua e a
alimentação química, lembrando ao ilustre catedrático da Pensilvânia
que, não obstante as suas mestranças, esqueceu a questão da vitória do
Evangelho. E olhando o país maravilhoso onde todas as raças do planeta
se encontraram para a glorificação da fraternidade e do amor, saudemos,
com as emoções de nossa esperança, as terras afortunadas de Santa Cruz.
.Humberto de Campos
(.Irmão X)
7 de maio de 1937.