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sexta-feira, 21 de abril de 2017

CURA DE BARTIMEU Segundo Carlos Pastorino "Jesus "manda que o tragam até Ele". O espírito leviano da alma coletiva demonstra sua psicologia: já não mais o repreendem para que se cale; ao invés, o encorajam e ajudam, como se tudo proviesse da generosidade deles![...] o cego arroja de si o manto, para não atrapalhá-lo na rapidez dos movimentos, e levanta-se de um salto, lépido e esperançoso. Jesus pergunta-lhe o que quer Dele: dinheiro? A resposta do cego é clara: "Senhor (Marcos manteve o arameu Rabboni) que eu veja de novo"! O verbo anablépô dá a entender que não se tratava de cego de nascença.[...]O mendigar a plenos pulmões, diante da multidão, sem deixar vencer-se pelas vozes que nos querem obrigar a calar, tem esse resultado: "entramos no reino dos céus", seguindo o Cristo na estrada, sem mais largá-Lo. Realmente, é esse o primeiro passo para o início da caminhada na Senda: VER com o intelecto aberto e com a alma liberta dos preconceitos mundanos. E, uma vez obtida a luz, saber abandonar tudo, para seguir o Mestre excelso.







Mat. 20:29-34
29. E saindo eles de Jericó,
acompanhou-o grande multidão.
30. E eis dois cegos sentados à
beira da estrada, ouvindo
que Jesus passa, gritaram,
dizendo: "Compadece-te de
nós, senhor filho de David”!
31. A multidão repreendia-os,
para que se calassem, mas
eles gritavam mais, dizendo:
"Senhor, filho de David,
compadece-te de nós"!
32. Parando, Jesus chamou-os
e disse: "Que quereis que
vos faça"?
33. Disseram-lhe: "Senhor, que
se abram nossos olhos"!
34. Compadecido, pois, Jesus
tocou-lhes os olhos e imediatamente
enxergaram de
novo e o seguiam.


Marc. 10:46-52
46. E chegaram a Jericó. E
saindo ele de Jericó com
seus discípulos, e bastante
gente, o filho de Timeu,
Bartimeu, cego e mendigo,
estava sentado à beira da
estrada.
47. E ouvindo que era Jesus o
Nazareno, começou a gritar
e dizer: "Jesus, filho de
David, compadece-te de
mim"!
48. E muitos mandaram que se
calasse, mas ele gritava
mais ainda: "Filho de David,
compadece-te de
mim"!
49. E parando, Jesus disse:
"Chamai-o". E chamaram
o cego, dizendo-lhe: "Confia,
levanta-te, ele te chama".
50. Alijando a capa e saltando,
ele veio para Jesus.
51. E falou-lhe Jesus, dizendo:
"Que queres que te faça"?
O cego disse-lhe: "Rabboni,
que eu veia de novo"!
52. E disse-lhe Jesus: "Vai, tua
fé te salvou". E imediatamente
viu de novo e o
acompanhou pela estrada.

Luc. 18:35-43
35. Aconteceu pois, ao aproximar-
se ele de Jericó, um
cego estava sentado, mendigando,
à beira da estrada.
36. Ouvindo passar uma multidão,
indagava o que era
aquilo.
37. Disseram-lhe que era Jesus,
o Nazareno, que passava.
38. E gritava, dizendo: "Jesus,
filho de David compadecete
de mim”!
39. E Os que iam à frente
mandavam que se calasse,
ele porém gritava mais ainda:
"Filho de David, compadece-
te de mim"!
40. Detendo-se, pois, Jesus
mandou que o conduzissem
a ele. Tendo chegado, perguntou-
lhe:
41. "Que queres que te faca"?
Ele disse: "Senhor , que eu
veja de novo".
42. E Jesus disse-lhe: “Vê. Tua
fé te salvou".
43. E de pronto viu de novo e
seguiu-o, louvando a Deus.
E, vendo, todo o povo deu
louvor a Deus.



De início precisamos resolver uma dificuldade. Mateus e Marcos dizem que a cura foi efetuada ao sair de Jericó e Lucas que foi ao entrar na cidade. Estudemos a topografia.
A cerca de 26 ou 30 km de Jerusalém, havia uma cidade antiquíssima, chamada Jericó, construída perto da fonte de Eliseu. Cidade desde Números e Deuteronômio, ficou célebre quando os israelitas, sob o comando de Josué, a tomaram, ao entrar na Terra Prometida, tendo sido derrubadas suas muralhas
ao som das trombetas e dos gritos dos soldadas hebreus. Era chamada a "cidade das palmeiras" (Deut. 34:3), pois estava num oásis fértil. Suas ruínas foram descobertas nas escavações de 1908-1910.
Acontece que Herodes o Grande, e mais tarde Arquelau, aproveitando o oásis, construíram outra cidade mais ao sul, com o mesmo nome, no local em que o Ouadi eI-Kelt desemboca na planície. Local maravilhoso para morar no inverno, porque as montanhas da Judéia o protegiam contra os ventos frios de oeste. Foram construídos grandes palácios suntuosos, com piscinas luxuosas, um anfiteatro e um hipódromo, termas e templos, etc. Jericó tornou-se a segunda cidade da Palestina em importância e extensão, depois de Jerusalém.
Para os israelitas Mateus e Marcos, a Jericó verdadeira era a "velha", pois a nova era "pagã". Para o grego Lucas, Jericó era a cidade nova. Compreende-se, então, que ao sair da velha e entrar na nova cidade, tenha o cego encontrado Jesus. Tanto assim que, logo a seguir Lucas narra o episódio de Zaqueu, que habitava a cidade nova.
Mas os cegos eram dois ou só havia um? Mateus diz que eram dois, contra a opinião de Marcos e de Lucas, que afirmam ter sido um, sendo que o primeiro lhe dá até o nome, demonstrando estar muito bem informado do que ocorreu. Alguns exegetas alegam que de fato os cegos costumavam andar em duplas, para se distraírem conversando durante as longas horas de espera, e para se consolarem de seu infortúnio. Observamos, entretanto, que Mateus gosta de dobrar, como no caso dos dois cegos, narrado em 9:27, dos dois obsidiados de Gerasa (8:28), embora Marcos (5:1-20) e Lucas (8:26-36) digam ter sido um (cfr. vol. 3).
Também aqui os exegetas dividem suas opiniões, procurando justificar: um dos cegos, Bartimeu, tomou
a iniciativa e chamou sobre si a atenção; o outro, que o acompanhava, nem foi quase notado, a não ser por Mateus, presente à cena, pois Marcos ouviu o relato de Pedro, e Lucas só veio a saber dos fatos muito mais tarde, pela tradição oral. É o que diz Agostinho: hinc est ergo quod ipsum solum voluit commemorare Marcus, cujus illuminatio tam claram famam huic miráculo comparavit, quam erat illius nota calámitas, isto é, "daí porque Marcos só quis recordar aquele único, cuja cura adquiriu uma fama tão grande com esse prodígio, quanto era conhecida a calamidade dele" (Patrol. Lat. vol. 34, col.1138).
De qualquer forma, a anotação de Marcos e Lucas, de que se tratava de "mendigos" (prosaítês), confirma a realidade, já que, àquela época, não havia preocupação de aproveitar os estropiados: desde que a criança nascesse defeituosa, só havia um caminho: a mendicância.
O local escolhido pelos dois era excelente: passagem obrigatória para todos os peregrinos que, por ocasião da Páscoa que se aproximava, vinham da Transjordânia e da Galiléia, dirigindo-se para Jerusalém.
Quanto ao nome, dado em arameu, observamos que geralmente (cfr. Marc. 3:17; 7:11, 34; 14:26, etc.) é dado primeiro o nome, e depois o significado; no entanto aqui se inverte: primeiro aparece a tradução, "filho de Timeu", e depois o nome "Bartimeu". Portanto, nome patronímico, como tantos outros (cfr. Barjonas, Bartolomeu, Barjesus, Barnabé, Baraquias, Barrabás, Barsabás, etc.).
Ao perceber a pequena multidão bulhenta que passava, o cego indagou de que se tratava, e foi informado de que era o taumaturgo-curador Jesus o Nazareno, filho de David.
A Palavra "Nazareno" aparece com mais frequência sob a forma "Nazoreu" (nâshôray e nazôraios, em hebr. e grego). Porém, não se confunda essa palavra com "nazireu"! Com efeito, nos evangelhos temos onze vezes a forma nazoreu (Mt. 2:23 e 26:71; João, 18:5,7, e 19:19; Atos, 2:22; 3:6; 4:10; 6:14; 22:8;
24:5 e 26:9) contra seis vezes a forma "nazareno" (Marc. 1:24; 10:47; 14:67 e 16:6, e Luc. 4:34 e 24:19). Mesmo neste local o texto de Mateus varia nos códices entre nazarenus (Vaticano e outros) e nazoreu (Sinaítico e outros).
Ao saber de quem se tratava, o cego gritou em altos brados, pedindo compaixão. A multidão tenta fazê-lo calar-se, mas ele não quer perder aquela oportunidade e grita mais forte ainda.
Marcos dá pormenores vivos: Jesus pára e manda chamá-lo. Lucas, médico, é mais preciso na linguagem:
Jesus "manda que o tragam até Ele". O espírito leviano da alma coletiva demonstra sua psicologia: já não mais o repreendem para que se cale; ao invés, o encorajam e ajudam, como se tudo proviesse da generosidade deles!
Ao saber-se chamado, o cego arroja de si o manto, para não atrapalhá-lo na rapidez dos movimentos, e levanta-se de um salto, lépido e esperançoso. Jesus pergunta-lhe o que quer Dele: dinheiro? A resposta do cego é clara: "Senhor (Marcos manteve o arameu Rabboni) que eu veja de novo"! O verbo anablépô dá a entender que não se tratava de cego de nascença.
Como sempre, Jesus atribui a cura, que foi instantânea, à fé ou confiança (pistis) do cego. A certeza de obter o favor era tão firme, que foi possível curá-lo.
E o cego "acompanhou Jesus pela estrada", feliz de estar novamente contemplando a luz e de poder ver o homem que o tirara das trevas.
Aqui novamente deparamos com um fato que simboliza uma iluminação obtida por um espírito que sabe o que quer e que quer o que sabe. Não é pedida nenhuma vantagem pessoal, mas a luz da compreensão. Bartimeu (filho do "honorável"), embora mergulhado nas trevas em que o lançaram seus erros, ainda sabe reconhecer o momento propício de uma invocação, para obter a visão plena do espírito, e sabe seguí-la depois que a obteve, acompanhando Jesus pela estrada da vida.
Apesar de muita gente querer impedir que o cego grite por compaixão, este não desiste de sua pretensão.
Sua confiança é ilimitada; e esse espírito está enquadrado na primeira bem-aventurança: "felizes os que mendigam o espírito, porque deles é o reino dos céus".
O mendigar a plenos pulmões, diante da multidão, sem deixar vencer-se pelas vozes que nos querem obrigar a calar, tem esse resultado: "entramos no reino dos céus", seguindo o Cristo na estrada, sem mais largá-Lo. Realmente, é esse o primeiro passo para o início da caminhada na Senda: VER com o intelecto aberto e com a alma liberta dos preconceitos mundanos. E, uma vez obtida a luz, saber abandonar tudo, para seguir o Mestre excelso.
Hoje não temos mais o Mestre Jesus em corpo a perambular pelas ruas de nossas cidades. Mas quantas vezes passa o Cristo por nós e, distraídos, deixamos escapar a oportunidade.
Passa o Cristo no meio da multidão azafamada, preocupada pelos negócios, interesseira de vantagens materiais, e não sabemos descobri-Lo, e deixamos desvanecer-se o ensejo.
Passa o Cristo entre os furacões e as tempestades de nossa alma, e nós, atormentados e dominados pelas emoções, nem reparamos em Sua passagem.
Passa o Cristo silencioso nas solidões tristes das horas vazias, nos abandonos cruéis de todos os amigos, nas fugas amedrontadas de nossos companheiros, e não percebemos Sua vibração misteriosa e profunda a convocar-nos ao Seu coração amoroso.
Quantas vezes já terá passado o Cristo, sem que o tenhamos percebido!

Sabedoria do Evangelho volume 6 - Carlos Pastorino

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Pedro, o Apóstolo [...]Ignoro a razão por que revestiram a minha figura, na Terra, de semelhantes honrarias. Como homem, não fui mais que um obscuro pescador da Galileia e, como discípulo do Divino Mestre, não tive a fé necessária nos momentos oportunos. O Senhor não poderia portanto, conferir-me privilégios, quando amava todos os seus apóstolos com igual amor.[...] Nada desejais dizer ao mundo sobre a autenticidade dos Evangelhos? — Expressão autêntica da biografia e dos atos do Divino Mestre, não seria possível acrescentar qualquer coisa a esse livro sagrado. Muita iniquidade se tem verificado no mundo em nome do estatuto divino, quando todas as hipocrisias e injustiças estão nele sumariamente condenadas. — E no capítulo dos milagres? — Não é propriamente milagre o que caracterizou as ações práticas do Senhor. Todos os seus atos foram resultantes do seu imenso poder espiritual. Todas as obras a que se referem os Evangelistas são profundamente verdadeiras.[...]Qual o vosso objetivo, atualmente, no Brasil? — Venho visitar a obra do Evangelho aqui instituída por Ismael, filho de Abraão e de Agar e dirigida dos Espaços por abnegados apóstolos da fraternidade cristã.[...]O Reino de Deus ainda é a promessa para todos os pobres e para todos os aflitos da Terra. A Igreja romana, cujo chefe se diz possuidor de um trono que me pertence, está condenada no próprio Evangelho, com todas as suas grandezas bem tristes e bem miseráveis. A cadeira de São Pedro é para mim uma ironia muito amarga… Nestes templos faustosos não há lugares para Jesus, nem para os seus continuadores…



Enquanto a Capital dos mineiros, dirigida pelos seus elementos eclesiásticos, se prepara, esperando as grandes manifestações de fé do segundo congresso Eucarístico Nacional,  chegam os turistas elegantes e os peregrinos invisíveis. Também eu quis conhecer de perto as atividades religiosas dos conterrâneos de Augusto de Lima. 
Na praça Raul Soares,  espaçosa e ornamentada, vi o monumento dos congressistas, elevando-se em forma de altar, onde os atos religiosos serão celebrados. No topo, a custódia, rodeada de arcanjos petrificados, guardando o símbolo suave e branco da eucaristia, e, cá em baixo, nas linhas irregulares da terra, as acomodações largas e fartas, de onde o povo assistirá, comovido, às manifestações de Minas católica.
Foi nesse ambiente que a figura de um homem trajado à israelita, lembrando alguns tipos que em Jerusalém se dirigem, frequentemente, para o lugar sagrado das lamentações, aguçou a minha curiosidade incorrigível de jornalista.
— Um judeu?! — exclamei, aguardando as novidades de uma entrevista.
— Sim, fui judeu, há algumas centenas de anos — respondeu laconicamente o interpelado.
Sua réplica exaltou a minha bisbilhotice e procurei atrair a atenção da singular personagem.
— Vosso nome? — continuei.
— Simão Pedro.
— O Apóstolo?
E a veneranda figura respondeu afirmativamente, colando ao peito os cabelos respeitáveis da barba encanecida.
Surpreso e sedento da sua palavra, contemplei aquela figura hebraica, cheia de simplicidade e simpatia. Ao meu cérebro afluíam dezenas de perguntas, sem que pudesse coordená-las devidamente.
— Mestre — disse-lhe, por fim —, vossa palavra tem para o mundo um valor inestimável. A cristandade nunca vos julgou acessível na face da Terra, acreditando que vos conserváveis no Céu, de cujas portas resplandecentes guardáveis a chave maravilhosa. Não teríeis algumas mensagens do Senhor para transmitir à Humanidade, neste momento angustioso que as criaturas estão vivendo?
E o Apóstolo venerável, dentro da sua expressão resignada e humilde, começou a falar:
— Ignoro a razão por que revestiram a minha figura, na Terra, de semelhantes honrarias. Como homem, não fui mais que um obscuro pescador da Galileia e, como discípulo do Divino Mestre, não tive a fé necessária nos momentos oportunos. O Senhor não poderia portanto, conferir-me privilégios, quando amava todos os seus apóstolos com igual amor.
— É conhecida, na história das origens do Cristianismo, a vossa desinteligência com Paulo de Tarso. Tudo isso é verdadeiro?
— De alguma forma, tudo isso é verdade — declarou bondosamente o Apóstolo. — Mas, Paulo tinha razão. Sua palavra enérgica evitou que se criasse uma aristocracia injustificável, que, sem ele, teria de desenvolver-se fatalmente entre os amigos de Jesus, que se haviam retirado de Jerusalém para as regiões da Bataneia.
— Nada desejais dizer ao mundo sobre a autenticidade dos Evangelhos?
— Expressão autêntica da biografia e dos atos do Divino Mestre, não seria possível acrescentar qualquer coisa a esse livro sagrado. Muita iniquidade se tem verificado no mundo em nome do estatuto divino, quando todas as hipocrisias e injustiças estão nele sumariamente condenadas.
— E no capítulo dos milagres?
— Não é propriamente milagre o que caracterizou as ações práticas do Senhor. Todos os seus atos foram resultantes do seu imenso poder espiritual. Todas as obras a que se referem os Evangelistas são profundamente verdadeiras.
E, como quem retrocede no tempo, o apóstolo monologou:
— Em Cafarnaum, perto de Genesaré, e em Betsaida, muitas vezes acompanhei o Senhor nas suas abençoadas peregrinações. Na Samaria, ao lado de Cesareia de Filipe, vi suas mãos carinhosas dar vista aos cegos e consolação aos desesperados. Aquele sol claro e ardente da Galileia ainda hoje ilumina toda a minha alma e, decorridos tantos séculos depois de minhas lutas no mundo, ao lado de alguns companheiros procuro reivindicar para os homens a vida perfeita do Cristianismo, com o advento do Reino de Deus, que Jesus desejou fundar, com o seu exemplo, em cada coração.
— Os filósofos terrenos são quase unânimes em afirmar que o Cristo não conhecia a evolução da ciência grega, naquela época, e que as suas parábolas fazem supor a sua ignorância acerca da organização política do Império Romano; seus apóstolos falam de reis e príncipes que não poderiam ter existido.
— A ação do Cristo — retrucou o apóstolo — vai mais longe que todas as atividades e investigações das filosofias humanas. Cada século que passa imprime um brilho novo à sua figura e um novo fulgor ao seu ensinamento. Ele não foi alheio aos trabalhos do pensamento dos seus contemporâneos. Naquele tempo, as teorias de Lucrécio, expendidas alguns anos antes da obra do Senhor, e as lições de Filon em Alexandria eram muito inferiores às verdades celestes que ele vinha trazer à Humanidade atormentada e sofredora…
E, quando a figura veneranda de Simão parecia prestes a prosseguir na sua jornada, inquiri, abruptamente:
— Qual o vosso objetivo, atualmente, no Brasil?
— Venho visitar a obra do Evangelho aqui instituída por Ismael,  filho de Abraão  e de Agar  e dirigida dos Espaços por abnegados apóstolos da fraternidade cristã.
— E estais igualmente associado às festas do segundo Congresso Eucarístico Nacional? — perguntei.
Mas, o bondoso Apóstolo expressou uma atitude de profunda incompreensão, ao ouvir as minhas derradeiras palavras.
Foi quando, então, lhe mostrei o rico monumento festivo, as igrejas enfeitadas de ouro, os movimentos de recepção aos prelados, exclamando ele, afinal:
— Não, meu filho!… Esperam-me longe destas ostentações mentirosas os humildes e os desconsolados. O Reino de Deus ainda é a promessa para todos os pobres e para todos os aflitos da Terra. A Igreja romana, cujo chefe se diz possuidor de um trono que me pertence, está condenada no próprio Evangelho, com todas as suas grandezas bem tristes e bem miseráveis. A cadeira de São Pedro é para mim uma ironia muito amarga… Nestes templos faustosos não há lugares para Jesus, nem para os seus continuadores…
— E que sugeris, Mestre, para esclarecer a verdade?
Mas, nesse momento, o Apóstolo venerando enviou-me um gesto compassivo e piedoso, continuando o seu caminho, depois de amarrar, resignadamente, o cordão das sandálias.

.Humberto de Campos
(.Irmão X)


25 de agosto de 1936.

sábado, 15 de abril de 2017

Em sessão prática


A situação no grupo doutrinário apresentava anormalidades significativas. Desentendiam-se os companheiros entre si. Olvidando obrigações respeitáveis, confiavam-se a críticas acerbas. Acentuavam-se hostilidades mal-disfarçadas de cizânia, orientadas pela incompreensão. Ninguém se lembrava d’Aquele humilde e divino servidor que lavara os pés dos próprios companheiros. Cada aprendiz da comunidade chamava a si a posição de comando e o direito de julgar asperamente.
Debalde os mentores espirituais da casa convidavam à ponderação e ao entendimento recíproco.
Os operários descuidados recebiam-lhes as palavras, sem maior atenção pelas advertências educativas.
É que Cláudio e Elias, os dois abnegados diretores invisíveis do agrupamento, não se inclinavam a exortações contundentes.
Entre os desencarnados de nobre estirpe, há também fidalguia, cavalheirismo e gentileza e, na opinião deles, não deviam tratar os irmãos de trabalho como se fossem crianças inconscientes.
Certa noite em que as vibrações antagônicas se fizeram mais fortes, anulando os melhores esforços no campo da espiritualidade edificante, Elias dirigiu-se a Cláudio, sugerindo, esperançoso:
— Creio de grande eficácia a visita de alguns sofredores ao núcleo dos nossos amigos encarnados. Poderiam assim observar, de perto, os efeitos escuros da vaidade e da indisciplina. Amanhã, teremos sessão prática, de há muito tempo esperada, e admito a oportunidade de semelhante lição.
— Excelente medida! — exclamou o colega, satisfeito — não seria razoável recordar obrigações comuns, de modo direto, a cooperadores nossos que estudam o Evangelho, todos os dias. Afinal de contas, não obstante mergulhados na carne, possuem tantos deveres para com Jesus quanto nós, e, se já receberam inúmeras mensagens sobre as necessidades de ordem e concurso fraterno, como insistir com eles no serviço a fazer? O alvitre é, portanto, providencial. Traremos à reunião alguns infelizes, desviados da reta conduta. Observando-lhes os padecimentos, é provável que sintam a lição, com segurança, tornando aos rumos legítimos…
Com efeito, na, noite imediata, duas entidades perturbadas foram trazidas à sessão.
Mais de trinta frequentadores passaram a ouvir a palestra dolorosa.
O doutrinador Silvério Matoso fazia paciente esforço para acalmar os desventurados que choravam ruidosamente, através das organizações mediúnicas.
— Desgraçado de mim! — comentava um deles — sou um réprobo, amaldiçoado de todos! onde o meu equilíbrio? perdi tudo… Não tenho recursos para a locomoção, quanto antigamente!… Vivo no seio de tempestade sem bonança…
Enquanto as lágrimas lhe corriam, copiosas, da face, clamava o outro:
— Que será de mim, relegado às trevas? para onde se foram os miseráveis que me ataram ao poste do martírio? Malditos sejam!.
Acostumado à doutrinação, Matoso dizia, fraternalmente:
— Meus amigos, abstende-vos da desesperação e da revolta! confiemos no Divino Poder! Inspirado diretamente por Elias, o benfeitor espiritual que se esforçava intensamente por gravar a lição da hora, prosseguia, enérgico:
— Viveis presentemente as realidades da alma. Notastes agora que o relaxamento interior no mundo ocasiona grandes males. Desditosos todos aqueles que conhecem o bem e o não praticam! desventurados os rebeldes, os hipócritas e os indiferentes, porque a morte do corpo revela a verdade pura, e as almas transviadas não encontram senão abismos e trevas, lágrimas e tormentos. Jesus, porém, é a fonte inesgotável das bênçãos de paz renovadora. Tende calma e esperança!…
— Sou, todavia, um infame — soluçava uma das entidades comunicantes —, repetidamente escutei palavras da fé santificante e do bem salvador, mas nunca cedi a ninguém. Quis viver as minhas fraquezas, alimentá-las e defendê-las com todas as forças. Nunca ponderei, intimamente, quanto às realidades eternas. Ao alcance de meu coração, fluíam ensinamentos e socorros de toda sorte. Fui muita vez convidado ao Evangelho do Cristo; entretanto, zombei de todas as oportunidades de renovação espiritual. Considerava meus melhores amigos, no capítulo da religião, tão egoístas e mentirosos quanto eu mesmo. Agora… quantas lágrimas devo chorar, eu que desprezei a paz divina e preferi as vibrações infernais?
— E eu? — exclamava o mais revoltado poderá haver trevas mais densas que as minhas? haverá dor maior que esta a devastar-me? Sinto-me desequilibrado, sem direção… Um náufrago perdido no abismo é mais feliz que eu… Rodeiam-me quadros de horror… Experimento fogo e gelo ao mesmo tempo… Podereis, acaso, compreender-me, a mim que penetrei o vale fundo da desgraça?!…
Matoso, porém, orientado espiritualmente por Elias, interferiu, solícito:
— Olvidai, meus irmãos, as algemas da vida material e ligai-vos ao Senhor, pelo coração. É indispensável extirpar a raiz dos enganos adquiridos na Terra! A vida não se resume a impressões físicas, a fantasia corporal; é vibração da eternidade, da divina eternidade! acalmai os sentimentos em desequilíbrio para recolherdes a dádiva dos conhecimentos superiores. Esquecei o mal, tornai ao caminho reto! Atravessais, agora, a zona escura das consequências do erro. É necessário renovar as próprias forças, a fim de reacenderdes a lâmpada da fé.
Assim, Matoso, devagarinho, convenceu as pobres almas desiludidas e desesperadas. Exaltou a necessidade de disciplina, com a desistência do egoísmo e da vaidade, azorragando os maus costumes e os vícios vulgares.
Em terminando a longa palestra, ambos os comunicantes se revelavam diferentes. Despediram-se, revestidos de coragem, esperança e bom ânimo.
A assembleia de ouvintes encarnados mantinha-se sob forte impressão e, entre os invisíveis, Elias e Cláudio aguardavam, ansiosos, a colheita de ensinamentos.
Teriam os circunstantes compreendido que as lições se destinavam a eles mesmos? que ainda se encontravam na carne, com sublimes oportunidades em mão? guardariam as experiências ouvidas? ponderariam sobre as lutas que aguardam os rixosos e imprevidentes, além do túmulo? modificariam as diretrizes?
Ambos os orientadores, benevolentes e sábios, esperavam a manifestação dos amigos, por identificarem o aproveitamento havido, quando a Senhora Costa quebrou o silêncio, murmurando:
— Viram vocês quanta dureza e intransigência?
— É… é… — comentou o velho Silva Torres — pregam eles numerosas peças neste mundo para chorarem no outro..
— E nós, os médiuns — acrescentou Dona Segismunda Fernandes —, devemos suportar semelhantes Espíritos como se fôssemos caixas de pancada.
— Esses infelizes não chegaram a ser identificados — observou Alberto Lima, um dos companheiros mais entusiastas do núcleo —, e foi pena. Pareciam muito cultos e, sobremaneira, versados em matéria religiosa.
— Notei, porém — aduziu outro confrade —, que se não fora a palavra convincente de Matoso teríamos sofrido desastre. Tenho a ideia de que tratamos com entidades não somente sofredoras, mas igualmente perversas.
E o próprio doutrinador da casa,, que recebera a inspiração brilhante de Elias, partilhando a conversação, afiançou, contente:
— Em suma, estou satisfeito. Guardo a convicção de que esses desventurados integram a falange perturbadora que me persegue o lar.
Elias e Cláudio, invisíveis ao raio de observação comum, entreolhavam-se com indizível desapontamento.
Os companheiros encarnados mantinham-se prontos para o comentário cintilante e vivo. Qualificavam os comunicantes, queixavam-se dos sacrifícios a que eram obrigados por semelhantes visitas, reclamavam-lhes a ficha individual, situavam-nos entre os verdugos da vida privada; todavia, não houve um só que entendesse a lição legítima da noite, nela reconhecendo uma advertência do Alto para reajustamento de roteiro, enquanto era tempo.
Ninguém percebeu que, doutrinando os Espíritos, o grupo estava sendo igualmente doutrinado.

.Irmão X
(.Humberto de Campos)
Livro: Pontos e Contos

O CALVÁRIO E A OBSESSÃO



Ele viera para "que os que não criam, cressem", e, para tanto, deveria doar a vida num supremo sacrifício.
 Sabia que os homens, sanguissedentos, diante do Seu holocausto, passariam a encarar melhor a excelência do amor, entregando-se, posteriormente, em imitação ao seu gesto.
 Para uma tão grandiosa oferenda, porém, conjugaram-se as forças díspares em luta no coração das criaturas.
 Claro que não se fariam necessárias as acusações indébitas, a fuga dos amigos, a traição. . . Aos contumazes perseguidores da verdade não faltariam argumentos e manobras hábeis com que colimariam
 as suas metas nefárias.
 Ele sabia que aquela seria a derradeira jornada a Jerusalém. . .
 Ante a algaravia com que O saudaram à entrada, não entremostrou qualquer júbilo. Enquanto os amigos encaravam os aplausos como sinal evidente de triunfo, nEle ressoavam quais prenúncios das grandes dores. . .
 A ternura e passividade de que dava mostras durante aqueles dias inquietavam os mais afoitos, os discípulos mais invigilantes, os que anelavam pela glória terrena, não obstante as incessantes demonstrações e provas de que não estabeleceria no mundo as balizas do reino de Deus, nem tão-pouco a felicidade real. . .
 A precipitação armou Judas de ansiedade, interiormente visitado pela indução hipnótica de Entidades perversas que lhe aproveitaram o desalinho da emoção, interessadas em desnaturar a mensagem e anular a força do amor pacificante.
 As mesmas mentes desarticuladas pelo ódio, contrapondo-se ao "reino do Cordeiro", ante os receios gerais, perturbaram Pedro logo após a prisão do Amigo, fazendo-o pusilânime, em face da negação que se permitiu repetidas vezes. ..
 As mesmas forças da injunção criminosa em aguerrido combate reuniram-se, açoadas pela inveja e despeito, desde o domingo do triunfo aparente, à entrada de Jerusalém, a fim de converterem o Enviado de Deus, no Excelso Crucificado. . .
 Os ódios, confraternizando com os ciúmes, espalharam injúrias que eram glosadas pela ingratidão de muitos que lhe foram comensais da ternura e receberam de Suas mãos o pábulo da vida estuante.
 Fervilhando as constrições obsidentes que se impunham, os adversários da liberdade espiritual da Terra, em desgoverno no Mundo Espiritual, dominaram os que se não armaram de vigilância e equilíbrio, tornando-se fáceis presas do anti-Cristo, a fim de que a tragédia do Gólgota se consumasse. . .
 Jesus, porém, houvera asseverado: "Quando eu for erguido atrairei todos a mim."
 Nenhuma surpresa, portanto, no Senhor, diante dos contornos volumosos da hecatombe que tomava forma contra Ele.
 Em expressiva serenidade esperou o eclodir apaixonado da força violenta dos fracos.
 A noite fria e angustiante, antes da prisão, não lhe abatera o ânimo. Içara-0 a Deus através da oração e dulcificara-O, fazendo-O atingir a plenitude da auto-doação. ..
 As hordas desenfreadas da Espiritualidade inferior galvanizam no ódio os que se permitem as licenças das paixões dissolventes.
 Sempre se repetirão aquelas cenas nos linchamentos das ruas, nas prisões arbitrárias, nas injustiças tornadas legais, quando as massas afluem aos espetáculos hediondos e se asselvajam, tornando-se homicidas incomparáveis. . .
 Como podiam aquelas gentes desconhecer a brandura do Pastor Divino, esquecer Suas concessões e "prodígios"?
 Como puderam selar os lábios aqueles beneficiários da Sua misericórdia e complacência, ante a arbitrariedade dos crimes que presenciavam?
 A covardia moral, abrindo as faculdades psíquicas ao intercâmbio com os Espíritos imperfeitos e obsessores, todo o bem recebido negou, a fim de poupar-se. Transformou o inocente em algoz, em revolucionário desnaturado e elegeu o crime como elemento de justiça. O grande espetáculo da loucura coletiva se aproxima do Calvário. A obsessão coletiva, como tóxico morbífico, domina os participantes da inominável atuação infeliz.
 Ele não se defende, não reclama, nada pede. Submete-se e confia em Deus.
 As aragens da Natureza, de raro em raro na tarde abafada, saturam-se das vibrações do desespero e do ódio que assomam e dominam os corações entenebrecendo as mentes e explodindo no ar.
 Sempre os homens exigirão uma vítima para a sanha dos seus tormentos.
 Jesus é o exemplo máximo, o ideal para a consunção do desar que vencerá os séculos como a mais horrenda explosão coletiva que pastará à História.
 No bárbaro espetáculo, os pretensos dominadores da Erraticidade inferior crêem-se vitoriosos. . . Supõem estabelecidos os parâmetros dos seus domínios no mundo.
 No entanto, quando o clímax da tarde de horror atemoriza as testemunhas da tragédia, Ele relanceia o olhar dorido e lobriga apenas João, Sua mãe e as poucas mulheres abnegadas aos pés da Cruz, fiéis, macerados e intimoratos, confiando. . .
 É o bálsamo da alegria que Iene as imensas exulcerações que O dilaceram.
 Nem todos desertaram. A fúria possessiva da treva não alcançara os que tiveram acesa a luz da abnegação e do amor.
 Olhou além e mais profundamente os presentes e os que se refugiaram longe deles, os que armaram as cenas, os que se locupletam em gozos mentirosos sobre a fugidiça vitória. Seu olhar penetrou os promotores reais do testemunho, aqueles que transitavam livres das roupagens físicas. . .
 No ápice da dor arquejante, bradou Jesus:
— "Perdoa-os, meu Pai! Eles não sabem o que fazem."
 A sinfonia patética logrou, então, o máximo. Toda a orquestração de dor converteu-se em musicalidade de esperança e amor.
 Ele não perdoava apenas os crucificadores, mas, também, os desertores, os negadores, os receosos e pusilânimes, os ingratos e maledicentes, os insensatos e rebeldes... Na imensa gama dos acolhidos pelo Seu perdão, alcançava os promotores desencarnados dos mil males que engendraram nos homens a prova das suas mazelas e o agravamento das suas penas. . .
 Sua voz alcançou os penetrais do Infinito e lucilou nos báratros das consciências inditosas dos anti-Cristos de todos os tempos, abrindo-lhes os braços da oportunidade ao recomeço e à redenção.
A conspiração para que se consumasse o holocausto do Calvário, em que o Filho de Deus testemunhou seu amor pelos homens, foi tramada pelos inimigos impenitentes desencarnados, vencidos pelo despeito na luta pela vitória da violência com que sintonizaram os transitórios donatários da posição governamental e religiosa da Terra, como daqueles que se lhe entregaram a soldo.
 O perdão doado da culminância da Cruz é a aliança inquebrável da união do Seu amor com todos nós, os caminhantes retardatários da via da evolução, convocando-nos à perene vigilância contra a obsessão e qualquer natureza que nos sitia e persegue implacavelmente. . .
 Amélia Rodrigues