Estudo da questão 59 do Livro dos Espíritos.
Comparação entre a Genese Mosaica e a Genese Ciência descrita no Livro a Genese por Kardec logo abaixo:
Os Seis Dias
CAPÍTULO 1º _ 1. No princípio Deus criou o céu e a
terra. _ 2.A terra era uniforme e toda nua; as trevas cobriam a face do
abismo, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. _ 3. Ora, Deus
disse: Faça-se a luz e a luz se fez. _ 4. Deus viu que a luz era boa, e
separou a luz das trevas. _ 5. Deu à luz o nome de dia, e às trevas
chamou noite; e da tarde e da manhã se fez o primeiro dia.
6. Disse também Deus: Faça-se o firmamento no meio
das águas, e haja separação entre águas e águas. _ 7. E Deus fez o
firmamento; e separou as águas que estavam embaixo das que estavam em
cima do firmamento. E assim foi. _ 8. E Deus deu ao firmamento o nome de
céu; e foi a tarde e a manhã o dia segundo.
9. Disse ainda Deus: Que as águas que estão sob o céu
se reúnam em um só lugar, e que surja o elemento árido. E assim se fez.
_ 10. Deus deu ao elemento árido o nome de terra, e chamou mares as
águas reunidas. E viu que era bom. _ 11. Disse ainda Deus: Que a terra
produza erva verde que dê grãos, e árvores frutíferas que dêem frutos
cada um segundo sua espécie, e nelas mesmas encerrem sementes para se
reproduzirem sobre a terra. E assim foi feito. _ 12. A terra produziu
pois ervas verdes que traziam grãos segundo sua espécie, e árvores
frutíferas que encerravam suas sementes em si mesmas, cada uma segundo
sua espécie. E Deus viu que era bom. _ 13. E da tarde e da manhã se fez o
terceiro dia.
14. E disse Deus: Haja luminares no firmamento do
céu, a fim de que separem o dia da noite; e que eles sirvam de sinais
para marcar o tempo e as estações, os dias e os anos. _ 15. E sejam para
luzir nos céus, e que eles clareiem a terra. E assim se fez. _ 16. Deus
fez, pois, dois grandes corpos luminosos, o maior para presidir ao dia,
e o menor para presidir à noite; fez também as estrelas. _ 17. E as
colocou no firmamento do céu para luzir sobre a terra. _ 18. Para
presidir ao dia e à noite, e para separar a luz das trevas. E Deus viu
que era bom. _ 19. E da tarde e da manhã se fez o quarto dia.
20. Disse ainda Deus: Que as águas produzam animais
viventes que nadem nas águas, e pássaros que voem sobre a terra, sob o
firmamento do céu. _ 21. Deus criou pois, os grandes peixes, e todos os
animais que têm vida e movimento, que as águas produziram cada um
segundo sua espécie, e criou também todos os pássaros segundo sua
espécie. E viu que isso era bom. _ 22. E os abençoou dizendo: Crescei e
multiplicai-vos e enchei as águas do mar; e que os pássaros se
multipliquem sobre a terra. _ 23. E da tarde e da manhã se fez o quinto
dia.
24. Deus disse também: Que a terra produza animais
viventes, cada um segundo sua espécie, os animais domésticos, os répteis
e os animais selvagens da terra segundo suas diferentes espécies. E
isso assim se fez. _ 25. Deus fez, pois, as bestas selvagens da terra
segundo suas espécies, os animais domésticos e todos os répteis, cada um
segundo sua espécie. E Deus viu que era bom.
26. Disse em seguida: Façamos o homem à nossa imagem e
semelhança, e que ele domine sobre os peixes do mar, os pássaros do
céu, as bestas, a toda a terra e aos répteis que se movem sobre a terra.
_ 27. Deus criou então o homem à sua imagem, e o criou à imagem de
Deus, e os criou macho e fêmea. _ 28. Deus os abençoou e lhes disse:
Crescei e multiplicai-vos, enchei a terra e a submetei, e dominai sobre
os peixes do mar, sobre os pássaros do céu, e sobre os animais que se
movem sobre a terra. _ 29. Deus disse ainda: Eu vos dei todas as ervas
que trazem seus grãos sobre a terra e todas as árvores que encerram
nelas mesmas sua semente cada uma segundo sua espécie, a fim de que vos
servissem de alimento. _ 30. E a todos os animais da terra, a todos os
pássaros do céu, a tudo quanto se move sobre a terra, e que seja vivente
e animado, a fim de que tenham do que se nutrir.
E assim se fez. _ 31. Deus viu todas as coisas que
havia feito; e eram muito boas. _ 32. E da manhã e da tarde se fez o
sexto dia.
CAPÍTULO 2º _ 1. O céu e a terra foram assim acabados
com todos os seus ornamentos. _ 2. Deus terminou no sétimo dia todas as
obras que tinha feito, e repousou no sétimo dia, depois de haver
terminado todas as suas obras. _ 3. Abençoou o sétimo dia, e o
santificou; porque havia cessado naquele dia de produzir todas as obras
que havia criado. _ 4. Tal é a origem do céu e da terra, e assim é que
foram criados no dia em que o Senhor os fez, a um e a outro. _ 5. E que
ele criou todas as plantas dos campos antes que tivessem saído da terra,
e todas as ervas das planícies antes que elas houvessem germinado. Pois
o Senhor Deus ainda não tinha feito chover sobre a terra, e não havia
ainda o homem para a trabalhar. _ 6. Mas da terra se elevava uma fonte
que lhe regava toda a superfície. _ 7. O Senhor Deus formou, pois, o
homem do limo da terra e insuflou sobre seu rosto um sopro de vida; e o
homem tornou-se vivente e provido de alma.
2. Após as explanações contidas nos capítulos
anteriores, a respeito da origem e da constituição do universo conforme
os dados fornecidos pela ciência, quanto à parte material, e pelo
Espiritismo, quanto à parte espiritual, será de utilidade colocá-los em
paralelo ao próprio texto da Gênese de Moisés, a fim de que cada um
possa estabelecer uma comparação e julgar com conhecimento de causa;
algumas explicações complementares serão suficientes para fazer
compreender as partes que têm necessidade de esclarecimentos especiais.
3. Sobre alguns pontos há certamente uma concordância
notável entre a Gênese de Moisés e a doutrina científica; porém seria
um erro acreditar que seria suficiente substituir-se, aos seis dias de
vinte e quatro horas da criação, seis períodos indeterminados para
encontrar uma completa analogia; seria um erro não menor acreditar que,
afora o sentido alegórico de algumas palavras, a Gênese e a ciência
seguem uma à outra passo a passo, e não são senão a paráfrase uma da
outra.
4. Para começar, observemos que, tal como já foi dito
(Cap. VII, nº 14), que o número dos seis períodos geológicos é
arbitrário pois que se enumeram mais de vinte e cinco formações bem
caracterizadas. Este número apenas marca as grandes fases gerais; no
princípio, apenas foi adotado para encaixar as coisas, o mais possível,
no texto bíblico, numa época, aliás pouco distante, na qual se
acreditava que se devia controlar a ciência pela Bíblia. É por isso que
os autores da maior parte das teorias cosmogônicas, a fim de serem mais
facilmente aceitos, esforçaram-se em se colocar de acordo com o texto
sagrado. Quando a ciência passou a apoiar-se sobre o método
experimental, ela sentiu-se mais forte, e emancipou-se; hoje, é a Bíblia
que se afere pela ciência.
Por outro lado, a Geologia, tomando como seu ponto de
partida, apenas a observação da formação dos terrenos graníticos, não
compreende, no número de seus períodos, o estado primitivo da Terra. Ela
não se ocupa com o Sol, a Lua e as estrelas, nem com o conjunto do
Universo, que diz respeito à Astronomia. Para entrar no quadro da
Gênese, convém pois acrescentar um primeiro período que abranja esta
ordem de fenômenos, e que poderia ser denominado período astronômico.
Além disso, nem todos os geólogos consideram o
período diluviano como formando um período distinto, e sim como um fato
transitório e passageiro que não alterou de maneira sensível o estado
climático do globo, nem marcou uma nova fase nas espécies vegetais e
animais, eis que, com pequenas exceções, as mesmas espécies existiam,
antes e depois do dilúvio. Pode-se, pois, abstrair dele, sem se afastar
da verdade.
5. O quadro comparativo seguinte, no qual estão
resumidos os fenômenos que caracterizam a cada um dos seis períodos,
permite abarcar o conjunto, e julgar as relações e as diferenças que
existem entre eles e a Gênese bíblica:
Os Seis Dias
Gênese Ciência
1º DIA _ O céu e a terra. _ A luz.
I _ PERÍODO ASTRONÔMICO. Aglomeração da matéria
cósmica universal sobre um ponto do espaço em uma nebulosa que, pela
condensação da matéria sobre diversos pontos, deu nascimento às
estrelas, ao Sol, à Terra, à Lua e a todos os planetas. _ Estado
primitivo fluídico e incandescente da Terra. _ Atmosfera imensa
carregada de toda a água em estado de vapor, e de todas as matérias
volatilizáveis.
II _ PERÍODO PRIMÁRIO. Endurecimento da superfície da
Terra pelo seu resfriamento; formação das camadas graníticas. _
Atmosfera espessa e queimante, impenetrável aos raios do sol. _
Precipitação gradual da água e das matérias sólidas volatilizadas no ar.
_ Ausência de toda vida orgânica.
III _ PERÍODO DE TRANSIÇÃO. As águas cobrem toda a
superfície do globo. _ Primeiros depósitos de sedimentos formados pelas
águas. _ Calor úmido. _ O sol começa a atravessar a atmosfera brumosa. _
Primeiros seres organizados da constituição a mais rudimentar. _
Líquens, musgos, fetos, licopódios, plantas erbáceas. _ Vegetação
colossal. _ Primeiros animais marinhos: zoófitos, pólipos, crustáceos. _
Depósitos hulhíferos.
IV _ PERÍODO SECUNDÁRIO. Superfície da Terra pouco
acidentada; águas pouco profundas e pantanosas. _ Temperatura menos
abrasadora; atmosfera mais purificada. _ Depósitos consideráveis de
calcáreos das águas. _ Vegetações menos colossais; novas espécies;
plantas lenhosas; primeiras árvores. _ Peixes; cetáceos; animais de
conchas; grandes répteis aquáticos e anfíbios.
2º DIA _ Separação das águas que estão sob o firmamento das que estão embaixo.
3º DIA _ As águas que estão sob o firmamento se ajuntam; o elemento árido aparece. _ A terra e os mares. _ As plantas.
4º DIA _ O Sol, a Lua e as estrelas.
5º DIA _ Os peixes e os pássaros.
V _ PERÍODO TERCIÁRIO. Grandes alçamentos da crosta
sólida; formação dos continentes. _ Acumulação das águas nos lugares
baixos; formação dos mares. _ Atmosfera purificada; temperatura atual
produzida pelo calor solar. _ Animais terrestres gigantescos. _ Vegetais
e animais atuais. _ Pássaros.
DILÚVIO UNIVERSAL.
VI _ PERÍODO QUATERNÁRIO OU PÓS-DILUVIANO. Terrenos de aluvião. _ Vegetais e animais atuais. _ O homem.
6º DIA _ Os animais terrestres. _ O homem.
6. O primeiro fato que ressalta do quadro comparativo
acima, é que o trabalho de cada um dos seis dias não corresponde de
maneira rigorosa, como muitos o crêem, a cada um dos períodos
geológicos. A concordância mais notável é a da sucessão dos seres
orgânicos, que com pequena aproximação é quase a mesma, e na aparição do
homem em último lugar; eis aqui um fato importante.
Igualmente há coincidência, não com a ordem numérica
dos períodos, mas com o fato, na passagem onde se diz que, no terceiro
dia, "as águas que estão sob o céu se juntaram num só lugar, e o
elemento árido apareceu". É esta a expressão do que sucedeu no período
terciário, quando os alçamentos da crosta puseram a descoberto os
continentes, e fizeram recuar as águas que formaram os mares. Somente
então é que apareceram os animais terrestres, segundo a Geologia e
segundo Moisés.
7. Quando Moisés diz que a criação foi feita em seis dias, teria ele significado dias de vinte e quatro horas, ou
teria compreendido sob esta palavra, o sentido de
período, duração? A primeira hipótese é a mais provável, o que se
observa pelas referências ao próprio texto; para começar, porque tal é o
sentido exato da palavra hebraica "iom", traduzida por dia; depois, a
especificação da tarde e da manhã, as quais limitam cada um dos seis
dias, dá toda base de supor-se que ele quis falar de dias comuns. Não se
pode mesmo conceber qualquer dúvida a tal respeito, quando ele diz, no
versículo 5: "Ele deu à luz o nome de dia, e às trevas chamou noite; e
da tarde e da manhã se fez o primeiro dia." Isto evidentemente só se
pode aplicar a um dia de vinte e quatro horas, dividido pela luz e pelas
trevas. O sentido é ainda mais preciso quando ele diz, no versículo 17,
falando do Sol, da Lua e das estrelas: "Ele as colocou no firmamento do
céu para luzir sobre a terra; para presidir ao dia e à noite, e para
separar a luz das trevas. E da tarde e da manhã se fez o quarto dia."
Aliás, na criação, tudo era miraculoso, e desde que
se envereda na senda dos milagres, pode-se perfeitamente acreditar que a
terra foi feita em seis dias de vinte e quatro horas sobretudo quando
se desconhecem as primeiras leis naturais. Esta crença tem sido bem
adotada por todos os povos civilizados, até o momento em que veio a
Geologia, com seus materiais à mão, demonstrar sua impossibilidade.
8. Um dos pontos que têm sido dos mais criticados na
Gênese, é a criação do Sol depois da luz. Com os próprios dados da
Geologia, tem sido procurada a explicação que justifique essa afirmação,
dizendo que nos primeiros tempos de sua formação, a atmosfera
terrestre, estando carregada de vapores densos e opacos, não permita ver
o Sol, o qual, devido a isso, não existia para a Terra. Essa razão
seria talvez admissível se, nessa época, houvesse habitantes para julgar
da presença ou da ausência do Sol; ora, segundo o próprio Moisés,
apenas havia plantas, as quais, todavia, não teriam podido crescer e
multiplicar-se, sem a ação do calor do Sol.
É, pois, evidente, o anacronismo na ordem que Moisés
indica para a criação do Sol; o fato persiste no sentido de que,
voluntariamente ou não, ele não cometeu erro quando disse que a luz
havia precedido o Sol.
O Sol não é o princípio da luz universal, mas sim,
uma concentração do elemento luminoso sobre um ponto, por outro modo de
dizer, do fluido que, nas circunstâncias dadas, adquire propriedades
luminosas. Esse fluido, que é a causa, devia necessariamente preceder o
Sol, o qual não passa de um efeito. O Sol é a causa da luz que espalha,
porém é o efeito em relação à que recebeu.
Num cômodo escuro, uma vela acesa é um pequeno sol. O
que se fez para acender a vela? Desenvolveu-se a propriedade iluminante
do fluido luminoso, e concentrou-se tal fluido sobre um ponto; a vela é
a causa da luz difundida no cômodo; mas se o princípio luminoso não
existisse antes da vela, esta não poderia ter sido acesa.
O mesmo sucede com o Sol. O erro provém da idéia
falsa na qual por longo tempo se mantiveram os homens, de que o Universo
todo inteiro começou com a Terra e não se compreende que o Sol pudesse
ter sido criado depois da luz. Atualmente é sabido que antes de nosso
Sol e nossa Terra, existiram milhões de sóis e de terras, as quais por
conseguinte gozavam de luz. A afirmativa de Moisés é pois, perfeitamente
exata em princípio; é falsa quando faz crer que a Terra houvesse sido
criada antes do Sol; a Terra, sendo sujeita ao Sol em seu movimento de
translação, deve ter sido formada depois dele: é o que Moisés não podia
ter sabido, pois ignorava a lei da gravitação.
O mesmo pensamento se encontra na Gênese dos antigos
persas. No primeiro capítulo do Vendedad, Ormuzd, contando a origem do
mundo, diz: "Criei a luz que foi iluminar o Sol, a Lua e as estrelas".
(Dicionário da mitologia universal). A forma está aqui certamente mais
clara e mais científica do que em Moisés e não necessita de comentário.
9. É evidente que Moisés compartilha das crenças as
mais primitivas referentes à cosmogonia. Tal como os homens de seu
tempo, acreditava na solidez da abóbada celeste, e em reservatórios
superiores para as águas. Esse pensamento está expresso sem alegoria nem
ambigüidade nesta passagem (versículos 6 e seguintes): "Deus disse:
Faça-se o firmamento no meio das águas e que haja separação de águas e
águas. Deus fez o firmamento, e separou as águas que estavam embaixo,
das que estavam em cima do firmamento". (Ver o cap. V. Sistemas antigos e
modernos do mundo, Ns. 3, 4 e 5).
Uma antiga crença fazia considerar a água como o
princípio, o elemento gerador primitivo; também Moisés não fala da
criação das águas, as quais parecem já existir. "As trevas cobriam o
abismo." Isto é, as profundezas do espaço que a imaginação representava
vagamente ocupada pelas águas, em trevas antes da criação da luz; eis
porque Moisés diz: "O Espírito de Deus era levado (ou planava) por sobre
as águas." A terra, sendo supostamente formada no meio das águas, era
necessário isolá-la; supõe-se pois que Deus fizera o firmamento, abóbada
sólida que separava as águas do alto, das que estavam sobre a Terra.
Para compreender certas partes do Gênese,
necessariamente será preciso colocar-se no ponto de vista das idéias
cosmogônicas do tempo da qual é o reflexo.
10. Em face aos progressos da Física e da Astronomia,
uma tal teoria é insustentável.(1) Todavia, Moisés empresta tais
palavras ao próprio Deus; ora, visto que elas exprimem um fato
notoriamente falso, de duas coisas uma: ou Deus se enganou no relato que
fez de sua obra ou tal relato não é uma revelação divina. Não sendo
admissível a primeira suposição, necessariamente se deve concluir que
Moisés exprimiu suas próprias idéias (Cap. I, nº 3).
11. Moisés está mais conforme à verdade, quando
afirma que Deus formou o homem com o limo da Terra. (2) Com efeito, a
ciência nos mostra (Cap. X), que o corpo do homem é composto de
elementos hauridos na matéria inorgânica, o que de outro modo se diz, do
limo da terra.
A mulher, formada de uma costela de Adão é uma
alegoria, pueril na aparência, se for tomada ao pé da letra, porém
profunda no sentido. Tem por finalidade mostrar que a mulher é da mesma
natureza do homem, sua igual, por conseguinte, diante de Deus, e não uma
criatura à parte, feita para ser usada como escrava e tratada como se
fosse uma pária. Saída de sua própria carne, a imagem da igualdade é bem
mais expressiva do que se ela tivesse sido formada separadamente do
mesmo limo; o sentido é dizer ao homem que ela é sua igual, e não sua
escrava, que ele deve amar como parte de si mesmo.
12. Para os espíritos incultos, sem noção alguma das
leis gerais, incapazes de abarcar o conjunto e de conceber o infinito,
essa criação milagrosa e instantânea tinha qualquer coisa de fantástico,
que feria a imaginação. O quadro do Universo tirado do nada em alguns
dias, por um único ato da vontade criadora, era para eles o sinal mais
evidente do poder de Deus. Que pintura, com efeito, mais sublime e mais
poética de tal poder, que estas palavras: "Deus disse:
Faça-se a luz, e a luz foi feita!" Deus, criando o
Universo pelo desempenho lento e gradual das leis da Natureza, lhes
teria parecido menor e menos poderoso; era-lhes mister algo de
maravilhoso, que fugisse dos caminhos ordinários e comuns; de outro
modo, teriam dito que Deus não era mais hábil que os homens. Uma teoria
científica e raciocinada da criação, os teria deixado frios e
indiferentes.
Não rejeitemos, pois, a Gênese bíblica; estudemo-la,
ao contrário, como se estuda a história da infância dos povos. É uma
época rica de alegorias, das quais é preciso procurar o sentido oculto;
ela deve ser comentada e explicada com o auxílio das luzes da razão e da
ciência. Fazendo, porém, ressaltar as belezas poéticas e as instruções
veladas sob a forma imaginária, é preciso demonstrar firmemente seus
erros, no próprio interesse da religião. Esta será mais respeitada
quando tais erros não forem impostos à fé como se fossem verdades e Deus
aparecerá maior e mais poderoso, quando seu nome não for misturado a
fatos controversos.
(1) Embora muito grosseiro o erro de tal crença, ela
ainda é incutida no cérebro das crianças, como se se tratasse de uma
verdade sagrada. Só a tremer ousam os educadores aventurar-se a uma
tímida interpretação. Como podem pretender que, mais tarde, essa atitude
não faça incrédulos?
(2) A palavra hebraica "haadam", homem, de que se fez Adão, e a palavra "haadamá", terra, têm a mesma radical.
A GeneseAllan Kardec