quarta reunião
Meimei
Naquele domingo, o segundo
de maio, considerado Dia das Mães, o aposento mostrava-se adornado de
flores.
Quando Dona
Zilda trouxe o jarro de água pura, sorriu imensamente feliz, percebendo
que os filhos lhe haviam preparado afetuosa surpresa.
No justo
momento, Veloso penetrou no recinto, em companhia da sogra, Dona Rosália,
senhora simples e amável, que abraçava os netos, Lina e Cláudio, a lhe
apertarem as mãos.
Marta
compareceu logo após, e, fosse para agradar Dona Rosália ou para
homenagear o Dia das Mães, Dona Júlia e Silvia entraram na sala, sendo
recebidas com carinho e respeito.
PRECE INICIAL
Vindo o silêncio, Veloso orou,
sensibilizado:
-Pai
Celeste, nós te agradecemos a bênção do lar em que nos reúnes. Ensina-nos
que ele não é apenas o retângulo de paredes que nos asila os corpos, mas o
santuário que nos concedeste para aproximação de almas.
Ajuda-nos, ó Deus de Infinita Bondade, a fim de que nossos olhos
espirituais se mantenham abertos para as nossas responsabilidades em
família, e aprendamos, assim, com a tua bênção, a amar-nos realmente uns
aos outros. Assim seja.
LEITURA
Terminada a oração, o chefe da casa
passou o Novo Testamento a Dona Rosália, que o abriu, restituindo-o ao
genro.
Veloso fez
minuciosa busca, à maneira de um examinador de pedras preciosas,
procurando a mais bela, e, em seguida, leu o versículo 7, do capítulo 13,
da Epístola do Apóstolo Paulo aos Romanos: “Portanto, daí a cada um o
que deveis: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem
temor, temor; a quem honra, honra”.
Completando
a tarefa, como de hábito, o diretor do culto pediu à esposa trouxesse a
estudo a parte de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que deveria
enriquecer as meditações daquela hora, e a lição extraída, ao acaso, foi a
página intitulada “A Virtude”, de autoria do mensageiro Francisco
Nicolau Madalena, entre as “Instruções dos espíritos”, no capítulo XVII.
COMENTÁRIO
Falou, então, Veloso com inflexão
de sentimento profundo:
-Meus
filhos; tenho hoje a minha garganta como que embargada de emoção.
Nesta data,
comemoramos o Dia das Mães.
Diz-nos a
Epístola, na palavra do Apóstolo Paulo, que nos cabe entregar a cada um
aquilo que devemos e, no livro de Allan Kardec, encontramos formosa
exortação à virtude.
Lembro-me,
assim, do débito irresgatável para com nossas mãezinhas, depositárias da
virtude celeste. Sem elas, sem a coragem sublime com que nos acolhem nos
braços, não teríamos passagem pela escola deste mundo.
É preciso
ser por si próprias dons inefáveis de Deus para suportarem os sacrifícios
a que se impõem por nossa causa, em verdade, os corações maternos, para
ver-nos felizes, não hesitaria em transformar-se no prato que nos
alimenta, na veste nos que agasalha, nos brinquedos que nos alegram ou no
leito que nos propicia repouso...
Há preço,
meus filhos, para todas as utilidades da vida, menos para o amor dos anjos
maternais, que se entregam à morte, pouco a pouco, na intimidade do lar,
para que possamos efetivamente viver.
O dinheiro
pode pagar o trabalho de todas as profissões conhecidas no mundo, menos o
ofício das mães que se levantam com a luz da alvorada, a fim de que não
nos falte pão à mesa, e que prolongam a vigília e o cansaço noite adentro,
para que a enfermidade não nos domine e para que o rumor não nos perturbe
o descanso...
Em razão
disso, nenhum de nós pode ou sabe recompensar-lhes o ministério que, à
força de crescer em abnegação e ternura, se torna verdadeiramente divino.
Louvaremos,
pois, neste dia, essas heroínas obscuras que se escondem na luta
doméstica, prometendo honrá-las o melhor que pudermos, não somente lhes
cercando a presença com as flores de nosso carinho, mas também cumprindo,
com lealdade, os nossos próprios deveres.
Respeitando-as, a elas que exprimem com tanto brilho a Divina Bondade,
cultivaremos no lar o primeiro campo de nossas obrigações. Sem que
sejamos, ai, corretos e nobres, é impossível venhamos, algum dia, a ser
corretos e nobres para com o mundo.
Ninguém
olvide que a nossa tranqüilidade e segurança, originariamente, são frutos
do pesado labor de nossas mães, constantemente inclinadas à própria
renunciação, a favor de nossa felicidade.
Dir-se-ia
que estão sempre dispostas a desaparecer para que nos mostremos, a se
rebaixarem para que nos ergamos, a monopolizarem a dor ara que não nos
escasseie alegria e também a morrer para que vivamos.
Faremos,
assim, do nosso culto de hoje uma oração gratuitória a Deus, nosso Pai
Celestial, por nos haver concedido o tesouro da devoção materna neste
mundo.
E
lembrar-nos-emos de todas as mães que peregrinam na Terra... Das que
respiram sob dourados tetos, padecendo, quase sempre, a traição dos entes
mais caros; das que se enfeitam de ouro e pérolas, trazendo, muitas vezes,
o coração semelhante a uma concha de lágrimas a se lhes encravar no peito
dorido; das que gemem, na soledade, sob trabalho rude, para que os filhos
conquistem alimento e remédio, higiene e instrução; das que residem sob as
arcadas de pontes abandonadas ou em sombrios recantos das vias públicas,
estendendo as mãos à generosidade pública, a fim de que os rebentos do
próprio seio não se extingam de fome; das que enlouqueceram de sofrimento
no santuário doméstico, perante as cruzes que, em muitas ocasiões, esposos
e filhos lhes algemem às costas, e daquelas que, soluçando, se apartaram
dos filhos queridos para fia-los à cinza do túmulo... Todas são
missionárias do Senhor, chorando e padecendo, servindo e amando.
Recebam, por
toda a parte, os nossos pensamentos de gratidão e carinho, e, porque não
contamos com palavras adequadas à nossa necessidade de reconhecimento,
peçamos à Mãe Santíssima – anjo guardião de Jesus – a todas envolva em seu
manto constelado de virtudes excelsas para que nunca lhes faltem as
bênçãos da paz e da alegria, seja onde for.
CONVERSAÇÃO
Via-se que o orientador queria
continuar e que a pequena assembléia desejava prosseguir ouvindo; no
entanto, a emoção era visível em todos os rostos.
Silvia, a
filha mais velha, que participava do culto pela primeira, levantou-se e,
abeirando-se do Senhor Veloso, beijou-lhe a mão direita que descansava nas
páginas do Evangelho.
O pai,
comovido, retirou os óculos e limpou uma lágrima.
Em seguida,
pediu que fosse iniciada a conversação da noite.
Pesava o
silêncio, mas as crianças se incumbiram de rompê-lo:
LINA –
(Voltando-se para Cláudio) – Fale alguma coisa.
CLÁUDIO –
(Que estivera ausente na véspera, em busca da vovó) – Estou sentindo falta
de Dona Romualda e de Milota...
VELOSO –
Fomos ontem, sábado, assistir à iniciação do culto do Evangelho, na
residência dessas nossas amigas... Dona Romualda decidiu organizar o mesmo
serviço; entretanto, de vez em quando estará conosco.
LINA –
Milota disse-nos que hoje ficariam em casa por ser Dia das Mães.
D. ROSÁLIA –
O culto do Evangelho em casa é uma bênção que todos devemos cultivar. O
contacto com o pensamento de Nosso Senhor Jesus-Cristo ilumina os nossos
próprios pensamentos. Tornamo-nos mais calmos, mais compreensivos, mais
operosos e, sobretudo, mais irmãos...
D. JÚLIA –
(Dirigindo-se especialmente a Dona Rosália) – Estou muito surpreendida,
pois não pensava que os espíritas dedicassem tanto amor às lições do
Divino Mestre.
D. ROSÁLIA –
Minha filha, nós, na Religião Espírita, não podíamos conservar raízes
diferentes das do Evangelho. Aliás, você, também cristã, embora adotando
interpretações diversas da nossa, não pode esquecer que Nosso Senhor
Jesus-Cristo deixou o sepulcro vazio e foi o verdadeiro restaurador da
doutrina da imortalidade da alma e da comunicação dos Espíritos,
entretendo-se, muito tempo, depois da morte, com os próprios discípulos.
D. JÚLIA –
Sem dúvida. Não se pode negar o fato. (Nesse momento, alguém bate à porta.
O dono da casa ausenta-se e volta, esclarecendo tratar-se de assunto
alusivo à sua profissão, motivo por que não introduzira o visitante na
sala, marcando-lhe encontro noutro horário).
LINA –
Papai, desejo perguntar ao senhor se posso recitar para mãezinha uma
quadra que aprendi ontem com uma colega na escola...
VELOSO –
como não, minha filha?
LINA –
(Levantando-se e colocando-se diante de Dona Zilda):
Mãezinha terna e querida,
Estrela sempre a brilhar,
Seu amor é a nossa vida
Na
vida de nosso lar.
CLÁUDIO –
Papai, eu posso falar também?
VELOSO –
Perfeitamente, meu filho.
CLÁUDIO –
(Encaminhando-se igualmente para perto de Dona Zilda) – Mãezinha, a
senhora é o tesouro de nossos corações!
D. ZILDA –
(Chorando e abraçando os filhos) – Meus filhos! Meus filhos!... Deus
abençoe a todos nós.
(Alguém
bate, de novo, à porta e ergue-se Veloso para atender. Dessa vez, porém,
regressa trazendo um senhor descalço, humildemente trajado, que penetrou
na sala, com singelo chapéu às mãos).
VELOSO –
(Falando particularmente com Dona Zilda) –É o nosso Glicério.
D. ZILDA –
Muito bem. Boa-noite, Glicério. Sente-se conosco.
GLICÉRRIO –
Dona Zilda, apesar de muito constrangido, venho comunicar à senhora que
minha mulher e meus dois filhos caíram doentes de uma só vez e estamos
muitos necessitados...
D. ZILDA –
Confiemos em Deus, Glicério. Espere um pouco e, no término de nossas
orações, providenciaremos o que nos seja possível.
(O visitante
toma lugar ao lado das crianças, que o acolhem com simpatia).
D. ROSÁLIA –
(Voltando-se para o genro) – Sinto bastante que Lisbela, tão febril hoje,
não tenha podido vir às nossas preces.
(A estimada
senhora referia-se à jovem que a auxiliava nos serviços domésticos e que,
ao chegar à residência da filha, na véspera, aí se acamara, sob a pressão
de forte gripe).
VELOSO –
Lembrá-la-emos, rogando aos Benfeitores Espirituais nos ajudem a vê-la
melhorada e mais forte. Além disso, depois de nossa reunião, poderemos,
juntos, envolve-la nas vibrações do passe curativo.
Lina,
Cláudio e Marta solicitaram permissão para se ausentarem do aposento,
alguns instantes.
Com a
aprovação de Veloso, demandaram saleta próxima e voltaram, em momentos
rápidos: lina e Cláudio trazendo rosas que ofereceram a Dona Zilda e a
Dona Rosália, e Marta, um lindo bolo que entregou a dona da casa.
As senhoras
homenageadas agradeceram, contentes.
A
emotividade reinante predispunha à reflexão, e, tudo, indicando que a
palestra alcançava o termo, Cláudio pediu fosse Dona Rosália indicada para
contar a história edificante da noite.
NOTA SEMANAL
A bondosa vovó sorriu e falou:
-Recordarei
para nós um antigo conto de Andersen (Hans Christian Andersen, poeta e
contista dinamarquês), o grande amigo das crianças. Trata-se da
HISTÓRIA DE UMA MÃE
Havia uma sofredora mulher que
velava aflita, à cabeceira do filhinho doente, quando a Morte chegou para
busca-lo.
Sem que
ela pudesse ensaiar qualquer defesa, a Morte arrebatou o menino da cabana.
Desesperada, a mãezinha saiu a gritar para reaver o pequenino, mas a Morte
veloz desaparecera.
Chorando,
avançou a infeliz, estrada fora, quando, em plena noite, encontrou uma
mulher que poderia encaminha-la; esta, todavia, em troca da informação,
pediu-lhe cantar todas as canções com que a pobre embalava o filhinho.
Embora em
lágrimas, ela repetiu todas as cantigas com que afagava o pequenino, ao pé
do berço.
A mulher
ensinou-lhe, então, que a Morte se dirigira para certo espinheiro.
Sem
vacilar, a desditosa mãezinha enlaçou-o, aquecendo-lhe os espinhos que a
noite enregelara...
Quando o
seu corpo já se mostrava coberto de chagas, o espinheiro explicou que a
Morte seguira no rumo de grande lago.
A
peregrina ensangüentada chegou ao lago, mas o lago fazia coleção de
pérolas e, para prestar-lhe o serviço, pediu-lhe os belos olhos.
A
infortunada viajante arrancou os próprios olhos e lhes deu.
O lago,
desse modo, transportou-a, ferida e cega, para o outro lado da terra, onde
a Morte costumava guardar as criancinhas.
Era um
grande cemitério, guardado por monstruosa mulher que, para ensinar-lhe o
lugar exato onde a Morte aportaria naquela noite, lhe reclamou a linda
cabeleira.
Sem
qualquer hesitação, ela deixou-se tosar e, logo após, quase
irreconhecível, foi colocada em posição de perceber a chegada do pequeno
que procurava.
Esperou... Esperou...
Em dado
instante ouviu que a Morte regressava com os meninos que recolhera.
Atenta,
escutava as vozes diversas, qual se registrasse a presença de um bando de
passarinhos, quando, dentre todas, distinguiu o choro de seu próprio filho
e, apesar de cega, avançou para ele, gritando, jubilosa:
-Meu
filhinho!... Meu filhinho!... – E agarrou-o nos braços, a beija-lo,
enternecidamente.
A própria
Morte, emocionada, perguntou-lhe então:
-Como
fizeste para chegar aqui, antes de mim?
Ela,
chorando e rindo, pôde apenas dizer:
-Sou mãe.
ENCERAMENTO
Quando Dona Rosália terminou, todos
choravam...
Veloso,
enxugando as lágrimas, conseguiu simplesmente balbuciar a prece final:
-Deus de Infinita Bondade, nós te
agradecemos o amor de nossas mães!... Guarda-as para sempre sob tua
Bênção, conferindo-lhes a felicidade que não lhes sabemos dar.
Louvado
sejas, Pai Nosso! Assim seja.
*
Depois da oração, por muito tempo,
ninguém pôde articular palavra..
Dona Zilda,
no entanto, após distribuir a água fluidificada, serviu aos presentes
saboroso café, acompanhado com as fatias do bolo de que Marta lhe fizera
oferta.
A seguir,
rumou para o casebre de Glicério, a fim de ali ajudar no que lhe fosse
possível.
Da Obra “EVANGELHO
EM CASA” – Espírito: MEIMEI –
Médium: FFRANCISCO
CÂNDIDO XAVIER