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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Os opostos( Renovando Atitudes)


Capítulo 10, item 12
“... Como continuassem a interrogá-lo, ele se ergueu e lhes disse:
Aquele dentre vós que estiver sem pecado, lhe atire a primeira pedra.
Depois, abaixando-se de novo, continuou a escrever sobre a terra...”
(Capítulo 10, item 12.)
“Aquele dentre vós que estiver sem pecado, lhe atire a primeira pedra”,
assim enunciou Jesus Cristo diante da mulher surpreendida em adultério.
Ele conhecia a intimidade das criaturas humanas e as via como um livro
completamente aberto.
Sabia de suas carências e necessidades condizentes com seu grau
evolutivo, bem como conhecia todo o mecanismo proveniente de sua “sombra”,
quer dizer, a soma de tudo aquilo que elas não desejam ter e ver em si
mesmas.
O termo “sombra” foi desenvolvido por Carl Gustav Jung, eminente
psiquiatra e psicólogo suíço, para conceituar o somatório dos lados rejeitados
da realidade humana, que permanecem inconscientes por não querermos vêlos.
Jesus sabia que todos ali presentes fariam daquela mulher um “bode
expiatório” para aliviar suas consciências de culpa, projetando sobre ela seus
sentimentos e emoções não aceitos e apedrejando-a sumariamente, conforme
as leis da época.
Em conseqüência, todos ali reunidos sentiriam momentaneamente um
alívio ao executá-la, ou mesmo, “livres dos pecados”, pois nela seriam
projetados os chamados defeitos repugnantes e desprezíveis, como se
dissessem para si mesmos: “não temos nada com isso”.
O Mestre, porém, induziu-os a fazer uma “introspecção”, impulsionandoos
para uma viagem interior, indagando: “quem de vós não tem pecados?”
Somos, a todo instante, tentados a encobrir nossas vulnerabilidades ou
“pontos fracos” por não aceitarmos ser natural que parte de nós é segura e
generosa, enquanto outra duvida e éegoísta.
Faz-se necessario admitirmos nossos “pecados” porque somente dessa
forma iremos confrontar-nos com nossos “sótãos fechados” e promover nosso
amadurecimento espiritual.
Admitindo nossos lados positivo e negativo, em outras palavras, nossa
“polaridade”, passaremos a observar nossa ambivalência, rejeitando assim as
barreiras que nos impedem de ser autênticos. Urge que reconheçamos nossa
condição humana de pessoas em processo de desenvolvimento evolucional.
Ao assumirmos, porém, nossos “opostos” como elementos naturais da
estrutura humana (egoísmo-desinteresse, dominação-submissão, adulaçãoaversão,
ciúme-indiferença, malíciaingenuidade, vaidade-desmazeLo, apegoapatia),
aprendemos a não nos comportar como o pêndulo - ora num extremo,
ora no outro.
A balança volta sempre ao ponto de equilíbrio, e éjustamente essa a
nossa meta de aprendizagem na Terra. Nem avareza, nem esbanjamento, nem
preguiça, nem superentusiasmo, nem tanto lá, nem tanto cá, tudo com
“eqüanimidade”, isto é, dando igual importância aos lados, a fim de acharmos o
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meio-termo.
As polaridades unidas formam a totalidade, ou a unidade, mesmo
porque nossa visão depende de ambas as partes unidas, para que nossas
observações e estruturas não sejam claudicantes. Em suma, unir as
polaridades em nossa consciência nos torna unos ou seres totais.
Com essa determinação, vamos adquirir um bom nível de
permeabilidade e conseguir transcender os limites e interligar nossos opostos,
atingindo um estado de consciência elevada, o que permitirá que nosso
consciente e nosso inconsciente se fundam numa “unidade total”.
As pesquisas da atualidade analisaram as metades do cérebro e
chegaram à conclusão de que cada uma tem funções, capacidades e suas
respectivas áreas, onde atuam as diferentes responsabilidades da psique
humana.
O lado esquerdo cuida da lógica, da linguagem, da leitura, da escrita,
dos cálculos, do tempo, do pensamento digital e linear e do lado direito do
corpo, entre outras coisas, enquanto que o direito se prende às percepções da
forma, da sensação do espaço, da intuição, do simbolismo, da atemporidade,
da música, do olfato e do lado esquerdo do corpo, entre outras funções.
Usar a totalidade cerebral é ter uma visão real da vida que nos cerca;
portanto, com apenas metade do cérebro, teremos a bipartição da verdade, ou
melhor, a não-conexão dos opostos.
O Mestre afirmou-nos: “Eu e meu Pai somos um”, (1) querendo dizer
que Ele era pleno, pois enxergava tudo no Universo como um “todo”, através
de sua consciência iluminada e integralizada.
Jesus não agia dividido em “pares opostos “Não pensava e não sentia
como homem ou mulher, mas como espírito eterno; não visualizava o interior e
exterior, antes observava o Universo e a nós por inteiro, “dentro e fora”,
argumentando que o “Reino de Deus” e “as muitas moradas da Casa do Pai”
estavam no exterior e, ao mesmo tempo, no interior.
Por isso, não há nada a corrigir ou a consertar em nós, a não ser
melhorar a nossa própria forma de ver as coisas, aprendendo a conhecer
amplamente as interligações dos opostos, a fim de atingirmos o equilíbrio
perfeito.
“Pecado”, em síntese, são as extremidades de nossa polaridade
existencial. Daí decorre a afirmação de Jesus de Nazaré aos homens que
somente olhavam um dos lados do fato naquele julgamento e que, ao mesmo
tempo, escondiam sentimentos e emoções que gostariam que não existissem.
Em suma, a ferramenta vital para interligar os opostos chama-se amor,
porque amar é buscar a unificação das pessoas e das coisas, pois ele quer
fundir e não dividir, O amor tem que ser absolutamente incondicional porque,
enquanto for seletivo e preferencial, não será amor real. Quem ama realmente
constitui um “nós”, isto é, “une”, sem anular o próprio eu
O sol emite raios para todas as criaturas e não distribui sua
luminosidade segundo o merecimento de cada um. Assim também é o amor do
Mestre: não diferencia bons e maus, certos e errados, poderosos e simples,
não separa, nem divide, simplesmente ama a todos, pelo próprio prazer de
amar.
(1) João 10:30.

Lágrimas ( Renovando Atitudes)


Capítulo 5 item 1
“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bemaventurados
os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Bem-aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, porque o reino
dos céus é para eles.”
(Capítulo 5 item 1.)
Lágrimas são emoções materializadas que romperam as barreiras do
corpo físico. Em realidade, representam os excessos de energia que
necessitamos extravasar.
Nem sempre são as mesmas fontes que determinam as lágrimas, pois
variadas são as nascentes geradoras que as expelem através dos olhos.
Lágrimas nascidas do amor materno são vistas quase que
corriqueiramente nos olhos das mães apaixonadas pelos filhos.
Lágrimas de alegria marejam nos olhos dos enamorados, pelas emoções
com que traçam planos de felicidade no amor.
Lágrimas geradas pela dor de quem vê o ente querido partir nos braços da
morte física, entre as esperanças de reencontrá-lo logo mais, na vida eterna.
Lágrimas de amigos que apertam mãos nas realizações e uniões
prósperas são sempre nascentes puras de emotividade sadia oriundas do
coração.
Há, porém, lágrimas criadas pelos centros de desequilíbrio, que mais se
assemelham a gotas de fel, pois, quando jorram, congestionam os olhos,
tornando-os de aspecto agressivo, de cor carmim, entre energias danosas que
embrutecem a vida.
Lágrimas de inveja e revolta que brotam nos olhares dos orgulhosos e
despeitados, quando identificam criaturas que vencem obstáculos, alcançando
metas e exaltando as realizações ditosas que se propuseram edificar.
Lágrimas de angústia e desconforto que umedecem as pálpebras dos
inconformados e rebeldes, os quais, por não respeitarem a si mesmos e aos
outros, sofrem como conseqüência todos os tipos de desencontros nos
caminhos onde transitam desesperados.
Lágrimas de pavor e devassidão, em uma análise mais profunda, são
tóxicos destilados pela fisionomia dos corruptos, que lesam velhos, crianças e
famílias inteiras na busca desenfreada de ouro e poder.
Lágrimas dissimuladas que gotejam da face dos hipócritas e sedutores,
os quais, por fraudarem emoções, acreditam sair ilesos perante as leis naturais
da vida.Conta-se que lágrimas espessas rolaram dos olhos dos ladrões
crucificados entre o Senhor Jesus, no’Gólgota.
As gotas de lágrima do mau ladrão fecundaram, no terreno dos
sentimentos, as raízes da reflexão e do discernimento, que permitiram entender
o porque dos corações rígidos e inflexíveis. A humanidade aprendeu que há
hora de plantar e tempo de ceifar e que nem todos estão ainda aptos a
compreender a essência espiritual, nascendo, portanto, dessa percepção o
“perdão incondicional”.
Mas dos olhos do bom ladrão deslizaram as lágrimas dos que já
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admitiram seus próprios erros, vitalizando o solo abundantemente e fazendo
germinar as sementes poderosas que permitem às consciências em culpa usar
sempre “amor incondicional” para si mesmas e para os outros, como forma de
restaurar sua vida para melhor.
Isso fez com que os seres humanos se aproximassem cada vez mais do
patamar da reparação e do enorme poder de transformação que existem neles
mesmos, reformulando e reorganizando gradativamente suas vidas.
Estabeleceu-se assim, na Terra, o “arrependimento” - sentimento verdadeiro de
remorso pelas faltas cometidas e que serve para renovação de conceitos e
atitudes.
No teu mergulho interior, pondera tuas lágrimas, analisa-as e certifica-te
dos sentimentos que lhes deram origem.
Que sejam sadias tuas fontes geradoras de emoções e que esse líquido
cristalino que escorre sobre tuas faces te levem ao encontro da paz interior,
entre alicerces de uma vida plena.

Problemas morais sobre o suicídio


Revista Espírita, novembro de 1858
Questões dirigidas a São Luís, por intermédio do senhor C..., médium falante e vidente, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, sessão do dia 12 de outubro de 1858.
1. Por que o homem que tem a firme intenção de se destruir, se revolta com a idéia de ser morto por um outro, e se defenderia contra os ataques no próprio momento em que vai cumprir seu desígnio? - R. Porque o homem tem sempre medo da morte; quando se a dá a si mesmo, está superexcitado e tem a cabeça desarranjada, e cumpre esse ato sem coragem e medo, e sem, por assim dizer, ter o conhecimento do que faz, ao passo que, se tivesse a escolha, não veríeis tantos suicidas. O instinto do homem leva-o a defender a sua vida, e, durante o tempo que se escoa entre o instante que seu semelhante se aproxima para matá-lo e aquele no qual o ato é cometido, ele tem sempre um movimento de repulsão instintiva da morte que o leva a repelir esse fantasma, que não é apavorante senão para o Espírito culpado. O homem que se suicida não experimenta esse sentimento, porque está cercado de Espíritos que o impelem, que o ajudam em seus desejos, e lhe fazem perder completamente a lembrança do que não é ele, quer dizer, de seus parentes e daqueles que o amam, e de uma outra existência. O homem nesse momento é todo egoísmo.
2. Aquele que, desgostoso da vida, mas não quer suicidar-se e quer que sua morte sirva para alguma coisa, é culpável por procurá-la num campo de batalha, defendendo o seu país? - R. Sempre. O homem deve seguir o impulso que lhe é dado; qualquer que seja a carreira que abrace, qualquer que seja a vida que conduza, está sempre assistido por Espíritos que o conduzem e o dirigem com o seu desconhecimento; ora, procurar ir contra os seus conselhos é um crime, uma vez que aí estão colocados para nos dirigir, e que esses bons Espíritos, quando queremos agir por nós mesmos, aí estão para nos ajudar. Entretanto, se o homem conduzido por seu próprio Espírito, quer deixar esta vida, abandona-o, e reconhece sua falta mais tarde, quando se acha obrigado a recomeçar uma outra existência O homem deve ser provado para se elevar; deter seus atos, por entrave ao seu livre arbítrio, seria ir contra Deus, e as provas, nesse caso, se tomariam inúteis, uma vez que os Espíritos não cometeriam faltas. O Espírito foi criado simples e ignorante; é preciso, pois, para chegar às esferas felizes, que progrida, se eleve em ciência e em sabedoria, e não é senão na adversidade que o Espírito colhe sua elevação do coração e compreende melhor a grandeza de Deus.
3. Um dos assistentes observou que crê ver uma contradição entre essas últimas palavras de São Luís e as precedentes, quando disse que o homem pode ser levado ao suicídio por certos Espíritos que a isso o excitam. Nesse caso, cederia a um impulso que lhe seria estranho. - R. Não há contradição. Quando eu disse que o homem impelido ao suicídio, estava cercado de Espíritos que o solicitavam a isso, não falei dos bons Espíritos que fazem todos os esforços para disso desviá-lo; deveria estar subentendido; todos sabemos que temos um Anjo guardião, ou, se preferis, um guia familiar. Ora, o homem tem seu livre arbítrio; se, apesar dos bons conselhos que lhe são dados, persevera nessa idéia que é um crime, ele a cumpre e é ajudado nisso pelos Espíritos levianos e impuros que o cercam, que ficam felizes em verem que ao homem, ou Espírito encarnado, também lhe falta coragem para seguir os conselhos de seu bom guia, e, freqüentemente, do Espírito de seus parentes mortos que o cercam, sobretudo em circunstâncias semelhantes.

A Caridade


Revista Espírita, agosto de 1858
Pelo Espírito de São Vicente de Paulo.
Sociedade de estudos espíritas, sessão de 8 de junho de 1858.
Sede bons e caridosos, eis a chave dos céus que tendes em vossas mãos; toda a felicidade eterna está encerrada nessa máxima: amai-vos uns aos outros. A alma não pode se elevar às regiões espirituais senão pelo devotamento ao próximo; não encontra felicidade e consolação senão no impulso da caridade; sede bons, sustentai vossos irmãos, deixai de lado essa horrível chaga do egoísmo; esse dever cumprido deve vos abrir o caminho da felicidade eterna. De resto, dentre vós, quem não sentiu seu coração pulsar, sua alegria interior dilatar pela ação de uma obra caridosa? Não deveríeis pensar senão nessa espécie de volúpia, que uma boa ação proporciona, e permaneceríeis, sempre, no caminho do progresso espiritual. Os exemplos não faltam; não há senão a boa vontade, que é rara. Vede a multidão de homens de bem, dos quais vossa historia vos evoca a piedosa lembrança. Eu vo-los citaria aos milhares aqueles cuja moral não tinha por objetivo senão melhorar vosso globo. O Cristo não vos disse tudo o que concerne a essas virtudes de caridade e de amor? Por que deixar de lado esses divinos ensinamentos? Por que fechar os ouvidos às suas divinas palavras; o coração a todas essas doces máximas? Gostaria que as leituras evangélicas fossem feitas com mais interesse pessoal; abandona-se esse livro, dele se faz uma palavra oca. Uma carta fechada; deixa-se esse código admirável no esquecimento: vossos males não provêm senão do abandono voluntário em que deixais esse resumo das leis divinas. Lede, pois, essas páginas ardentes do devotamento de Jesus, e meditai-as. Estou envergonhado comigo mesmo, de ousar vos prometer um trabalho sobre a caridade, quando penso que nesse livro encontrareis todos os ensinamentos que devem vos conduzir, pela mão, às regiões celestes.
Homens fortes, cingi-vos; homens fracos, fazei vós armas de vossa doçura, de vossa fé; tende mais persuasão, mais constância na propagação de vossa nova doutrina; não é senão um encorajamento que viemos vos dar; senão para estimular vosso zelo e vossas virtudes que Deus nos permite nos manifestar a vós; mas, querendo, não se teria necessidade senão da ajuda de Deus e de sua própria vontade: as manifestações espíritas não são feitas senão para os de olhos fechados e os corações indóceis. Há, entre vós, homens que têm a cumprir missões de amor e de caridade; escutai-os, elevai sua voz; fazei resplandecer seus méritos, e vos exaltareis a vós mesmos pelo desinteresse e pela fé viva com a qual vos penetrarão.
As advertências detalhadas seriam muito longas para dar, sobre a necessidade de alargar o círculo da caridade, e dela fazer participar todos os infelizes, cujas misérias são ignoradas, todas as dores que devem ser procuradas, em seus redutos para consolá-los em nome desta virtude divina: a caridade. Vejo com felicidade quantos homens eminentes e poderosos ajudam esse progresso que deve ligar, entre elas, todas as classes humanas: os felizes e os infelizes. Os infelizes, coisa estranha! se dão todos a mão e sustentam suas misérias, uns pelos outros. Por que os felizes são mais retardatários para escutarem a voz dos infelizes? Por que é preciso que seja mão possante e terrestre que dê o impulso às missões caridosas? Por que não se responde com mais ardor a esses chamados? Por que deixar as misérias mancharem, como por prazer, o quadro da Humanidade?
A caridade é a virtude fundamental, que deve sustentar todo o edifício das virtudes terrestres; sem ela, as outras não existem: sem caridade, não há fé nem esperança; porque, sem a caridade, não há esperança em uma sorte melhor, nenhum interesse moral que nos guie. Sem a caridade, não há fé, porque a fé não é senão um raio puro que faz brilhar uma alma caridosa; é a sua conseqüência decisiva.
Quando deixar o coração se abrir ao pedido do primeiro infeliz que vos estende a mão; quando lhe der, sem perguntar se sua miséria não é fingida, ou se o mal num vício lhe é causa; quando deixar toda justiça nas mãos divinas; quando deixar o castigo das misérias mentirosas ao Criador; enfim, quando fizer a caridade tão-só pela felicidade que ela proporciona, e sem procurar a sua utilidade, então, sereis os filhos que Deus amará e que ele chamará para si.
A caridade é a âncora eterna da salvação em todos os globos: é a mais pura emanação do próprio Criador; é sua a própria virtude, que ele dá à criatura. Como desejaríeis desconhecer essa suprema bondade? Qual seria, com esse pensamento, o coração bastante perverso para pisotear e enxotar esse sentimento todo divino? Qual seria o filho bastante mau para se revoltar contra essa doce carícia: a caridade?
Não ouso falar daquilo que fiz, porque os Espíritos também têm o pudor das suas obras; mas creio que a obra que comecei, é uma daquelas que devem mais contribuir para o alívio de vossos semelhantes. Vejo, freqüentemente, Espíritos pedirem, por missão, para continuarem a minha obra; eu as vejo, minhas doces e caras irmãs, em seu piedoso e divino ministério; vejo-as praticar as virtudes, que vos recomendo, com toda a alegria que proporciona essa existência de devotamento e de sacrifício; é uma grande felicidade, para mim, ver quanto o seu caráter é honroso, quanto sua missão é amada e docemente protegida Homens de bem, de boa e forte vontade, uni-vos para continuar, grandemente, a obra de propagação de caridade; encontrareis a recompensa dessa virtude pelo seu próprio exercício; não há alegria espiritual que ela não dê desde a vida presente. Sede unidos; amai-vos uns aos outros, segundo os preceitos do Cristo. Assim seja.
Agradecemos a São Vicente de Paulo pela bela e boa comunicação que consentiu nos dar. - Gostaria que fosse proveitosa a todos.
Poderíeis nos permitir algumas perguntas complementares, a respeito do que acabais de nos dizer? - Eu o desejo muito; meu objetivo é vos esclarecer; perguntai o que quiserdes.
1. A caridade pode entender-se de dois modos: a esmola propriamente dita, e o amor aos semelhantes. Quando nos dissestes que é preciso deixar seu coração abrir ao pedido do infeliz que nos estende a mão, sem perguntar se sua miséria não é fingida, não quisestes falar da caridade do ponto de vista da esmola? - R. Sim, unicamente nesse parágrafo.
2. Dissestes que é preciso deixar à justiça de Deus a apreciação da miséria fingida; parece-nos, entretanto, que dar sem discernimento às pessoas que não têm necessidade, ou que poderiam ganhar sua vida por um trabalho honroso, é encorajar o vício e a preguiça. Se os preguiçosos encontrassem, muito facilmente, a bolsa dos outros aberta, eles se multiplicariam ao infinito, em prejuízo dos verdadeiros infelizes. - R. Podeis discernir aqueles que podem trabalhar, e então a caridade vos obriga tudo fazer para lhes proporcionar trabalho; mas há, também, pobres mentirosos que sabem simular o jeito das misérias que não têm; é para estes que é preciso deixar a Deus toda a justiça.
3. Aquele que não pode dar senão cinco francos, e deve escolher entre dois infelizes que lhe pedem, não tem razão em perguntar, quem tem, realmente, maior necessidade, ou deve dar sem exame ao primeiro que chega? - R. Deve dar àquele que pareça ser o mais sofredor.
4. Não se pode considerar, também, como fazendo parte da caridade, a maneira de praticá-la? - R. É, sobretudo, na maneira pela qual se presta o serviço, que a caridade é verdadeiramente meritória; a bondade é, sempre, o indício de uma alma bela.
5. Que gênero de mérito concedeis àqueles que chamam benfeitores ásperos? - R. Não fazem o bem senão pela metade. Recebem seus benefícios, mas eles não comovem.
6. Jesus disse: "Que vossa mão direita não saiba o que dá a vossa mão esquerda." Aqueles que dão por ostentação têm alguma espécie de mérito? - R. Não têm senão o mérito do orgulho, pelo qual serão punidos.
7. A caridade cristã, em sua mais larga acepção, não compreende também a doçura, a benevolência e a indulgência pelas fraquezas alheias? - R. Imitai Jesus; Ele vos disse tudo isso; escutai-o mais do que nunca.
8. A caridade é bem intencionada quando feita exclusivamente entre as pessoas de uma mesma seita, ou de um mesmo partido? - Não; é sobretudo esse Espírito de seita e de partido que é preciso abolir, porque todos os homens são irmãos. É sobre essa questão que concentramos nossos esforços.
9. Suponho um indivíduo que vê dois homens em perigo; deles não pode salvar senão um, mas um é seu amigo e o outro seu inimigo; a quem deve salvar? - Deve salvar seu amigo, porque esse amigo podia reclamar daquele que crê amá-lo; quanto ao outro, Deus se encarregará dele.

A inveja


Revista Espírita, julho de 1858
Dissertação moral ditada pelo Espírito de São Luís ao senhor D.....
São Luís nos havia prometido, em uma das sessões da Sociedade, uma dissertação sobre a Inveja. O senhor D..., que começava a se tornar médium, e que ainda duvidava um pouco, não da Doutrina da qual era um dos mais fervorosos adeptos, e que compreende em sua essência, quer dizer, do ponto de vista moral, mas da faculdade que nele se revelava, evocou São Luís, em seu nome particular, e lhe dirigiu a seguinte pergunta :
- Consentiríeis dissipar minhas dúvidas, minhas inquietações, sobre minha força medianímica, escrevendo, por meu intermédio, uma dissertação que havíeis prometido à Sociedade para a terça-feira, 1º de junho? - R. Sim; para tranqüilizá-lo, consinto.
Foi então que o trecho seguinte lhe foi ditado. Anotaremos que o senhor D... se dirigiu a São Luís com um coração puro e sincero, sem prevenção, condição indispensável para toda boa comunicação! Não era uma prova que fazia: ele não duvidava senão de si mesmo, e Deus permitiu que fosse atendido, a fim de lhe dar os meios de se tornar útil. O senhor D... é hoje um dos médiuns mais completos, não só por uma grande facilidade de execução, mas por sua aptidão para servir de intérprete a todos os Espíritos, mesmo aqueles de ordem mais elevada, que se exprimem fácil e voluntariamente por seu intermédio. Aí estão, sobretudo, as qualidades que se devem procurar num médium, e que este pode sempre adquirir com a paciência, a vontade e o exercício. O senhor D... não teve necessidade de muita paciência; ele tinha em si a vontade e o fervor unidos a uma aptidão natural. Alguns dias bastaram para levar sua faculdade ao mais alto grau. Eis o ditado que lhe foi feito sobre a Inveja:
"Vede este homem: seu Espírito está inquieto, sua infelicidade terrestre está em seu auge; ele inveja o ouro, o luxo, a felicidade aparente ou fictícia de seu semelhante; seu coração está destroçado, sua alma surdamente consumida por essa luta incessante do orgulho, da vaidade não satisfeita; ele carrega consigo, em todos os instantes de sua miserável existência, uma serpente que ele re-aquece, que lhe sugere, sem cessar, os mais fatais pensamentos: "Terei essa volúpia, essa felicidade? Isso me é devido, não obstante, como a estes; sou homem como eles; por que seria deserdado?" E se debate sob sua impotência, vítima dos horríveis suplícios da inveja. Feliz ainda se essas funestas idéias não o levarem para a beira de um abismo. Entrado nesse caminho, ele se pergunta se não deve obter pela violência o que acredita lhe ser devido; se não irá expor, a todos os olhos, o mal horrível que o devora. Se esse infeliz tivesse apenas olhado abaixo de sua posição, teria visto o número daqueles que sofrem sem se lamentar, ainda bendizendo o Criador; porque a infelicidade é um benefício do qual Deus se serve para fazer a pobre criatura avançar para o seu trono eterno.
Fazei vossa felicidade e vosso verdadeiro tesouro sobre a Terra em obras de caridade e de submissão, as únicas que devem contribuir para serdes admitidos no seio de Deus; essas obras do bem farão vossa alegria e vossa felicidade eternas; a Inveja é uma das mais feias e das mais tristes misérias do vosso globo; a caridade e a constante emissão da fé farão desaparecer todos esses males, que se irão um a um à medida que os homens de boa-vontade, que virão depois de vós, se multiplicarem. Amém."

A preguiça


Revista Espírita, junho de 1858
Dissertação moral ditada por São Luís à senhorita Hermance Dufaux
(5 de maio de 1858)

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Um homem saiu de madrugada e foi para a praça pública para ajustar trabalhadores. Ora, ele viu dois homens do povo que estavam sentados de braços cruzados. Foi a um deles e o abordou dizendo: "Que fazes tu aqui?" e este tendo respondido: "Não tenho trabalho", aquele que procurava trabalhadores lhe disse: "Tome tua enxada, e vá para o meu campo, sobre a vertente da colina, onde sopra o vento sul; cortarás a urze e revólveres o solo até que a noite chegue; a tarefa é rude, mas terás um bom salário." E o homem do povo carregou a enxada sobre os ombros, agradecendo-lho em seu coração.
O outro trabalhador, tendo ouvido isso, se ergueu do seu lugar e se aproximou dizendo: "Senhor, deixai-me também ir trabalhar em vosso campo;" e o senhor tendo dito a ambos para segui-lo, caminhou adiante para lhes mostrar o caminho. Depois, quando chegaram à beira da colina, dividiu a obra em duas partes e se foi dali.
Depois que partiu, o último dos trabalhadores que havia contratado, primeiramente pôs fogo nas urzes do lote que lhe coube em partilha, e trabalhou a terra com o ferro de sua enxada. O suor jorrou do seu rosto sob o ardor do sol. O outro o imitou primeiro murmurando, mas se cansou cedo do seu trabalho, e cravando sua enxada sob o sol, sentou-se perto, olhando seu companheiro trabalhar.
Ora, o senhor do campo veio perto da noite, e examinou a obra realizada, e tendo chamado a ele o obreiro diligente, cumprimentou-o dizendo: "Trabalhaste bem; eis teu salário," e lhe deu uma peça de prata, despedindo-o. O outro trabalhador se aproximou também e reclamou o preço de sua jornada; mas o senhor lhe disse: "Mau trabalhador, meu pão não acalmará tua fome, porque deixaste inculta a parte de meu campo que te havia confiado;" não é justo que aquele que nada fez seja recompensado como aquele que trabalhou bem; e o mandou embora sem nada lhe dar.

II

Eu vos digo, a força não foi dada ao homem, e a inteligência ao seu espírito, para que consuma seus dias na ociosidade, mas para que seja útil aos seus semelhantes. Ora, aquele cujas mãos sejam desocupadas e o espírito ocioso será punido, e deverá recomeçar sua tarefa.
Eu vos digo, em verdade, sua vida será lançada de lado como uma coisa que não foi boa em nada, quando seu tempo se tiver cumprido; compreendei isto por uma comparação. Qual dentre vós, se há em vosso pomar uma árvore que não produz bons frutos, não dirá ao seu servidor Cortai essa árvore e lançai-a ao fogo, porque seus ramos são estéreis. Ora, do mesmo modo que essa árvore será cortada por sua esterilidade, a vida do preguiçoso será posta de lado porque terá sido estéril em boas obras.

O orgulho


Revista Espírita, maio de 1858
DISSERTAÇÃO MORAL DITADA POR SÃO LUÍS À SENHORITA HERMANCE DUFAUX
(19 e 26 de janeiro de 1858.)

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Um orgulhoso possuía alguns hectares de boa terra; estava vaidoso com as pesadas espigas que cobriam o seu campo, e não abaixava senão um olhar de desdém sobre o campo estéril do humilde. Este se levantava ao canto do galo, e passava o dia todo curvado sobre o solo ingrato; recolhia pacientemente as pedras, e ia jogá-las à beira do caminho; revolvia profundamente a terra e extirpava, penosamente, os espinheiros que a cobriam. Ora, seus suores fecundaram seu campo e resultou em puro frumento.
No entanto, o joio crescia no campo do soberbo e sufocava o trigo, enquanto o senhor ia se glorificar da sua fecundidade, e olhava com um olhar de piedade os esforços silenciosos do humilde.
Eu vos digo, em verdade, o orgulho é semelhante ao joio que sufoca o bom grão. Aquele dentre vós que se crê mais do que seu irmão, e que se glorifica de si, é insensato; mas é sábio esse que trabalha em si mesmo, como o humilde em seu campo, sem tirar vaidade da sua obra.

II

Houve um homem rico e poderoso que detinha o favor do príncipe; habitava palácios, e numerosos servidores se apressavam sobre os seus passos a fim de prevenirem os seus desejos.
Um dia em que suas matilhas forçavam o cervo nas profundezas de uma floresta, percebeu um pobre lenhador que caminhava penosamente sob um fardo de lenha; chama-o e lhe diz:
- Vil escravo! por que passas em teu caminho sem te inclinares diante de mim? Eu sou igual ao soberano, minha voz decide nos conselhos da paz ou da guerra, e os grandes do reino se curvam diante de mim. Sabe que sou sábio entre os sábios, poderoso entre os poderosos, grande entre os grandes, e a minha elevação é a obra das minhas, mãos.
- Senhor! respondeu o pobre homem, temi que minha humilde saudação fosse uma ofensa para vós. Sou pobre e não tenho senão os meus braços por todo o bem, mas não desejo as vossas enganosas grandezas. Durmo o meu sono, e não temo, como vós, que o prazer do soberano me faça cair em minha obscuridade Ora, o príncipe se cansou do orgulho do soberbo; os grandes humilhados se reergueram sobre ele, que foi precipitado do auge do seu poder, como a folha seca que o vento varre do cume de uma montanha; mas o humilde continua pacificamente seu rude trabalho, sem preocupação com o futuro.

III

Soberbo, humilha-te, porque a mão do Senhor curvará o teu orgulho até o pó!
Escuta! Nasceste onde a sorte te colocou; saíste do seio de tua mãe fraco e nu como o último dos homens. De onde vem, pois, que eleves tua fronte mais alta do que teus semelhantes, tu que nasceste, como eles, para a dor e para a morte?
Escuta! Tuas riquezas e tuas grandezas, vaidades do nada, escaparão das tuas mãos quando o grande dia chegar, como as águas inconstantes das torrentes que o sol seca. Não carregarás de tua riqueza senão as tábuas do teu caixão, e os títulos gravados sobre a tua pedra tumular serão palavras vazias de sentido.
Escuta! O cão do coveiro brincará com os teus ossos, e eles serão misturados com os ossos do mendigo, e o teu pó se confundirá com o dele, porque um dia vós ambos não sereis senão pó. Então amaldiçoarás os dons que recebeste vendo o mendigo revestido com a sua glória, e chorarás o teu orgulho.
Humilha-te, soberbo, porque a mão do Senhor curvará o teu orgulho até o pó.
Por que, São Luís, nos falas em parábolas? - R. O espírito humano ama o mistério; a lição se grava melhor no coração, quando procurada.
- Pareceria que, hoje, a instrução deva ser dada de um modo mais direto, e sem que haja necessidade da alegoria? - R. Encontrá-la-eis no desenvolvimento. Desejo ser lido, e a moral tem necessidade de estar disfarçada sob o atrativo do prazer.

O Espiritismo entre os Druidas


Revista Espírita, abril de 1858
Sob esse título: O velho novo, o senhor Edouard Fournier publicou, no Século, há uns dez anos, uma série de artigos tão notáveis, do ponto de vista da erudição, quanto interessantes sob o aspecto histórico. O autor, passando em revista todas as invenções e descobertas modernas, prova que se nosso século tem o mérito da aplicação e do desenvolvimento, não tem, pelo menos para a maioria, o da prioridade. À época em que o senhor Edouard Fournier escrevia o seu folhetim, não havia, ainda, a questão dos Espíritos, sem o que não teria deixado de nos mostrar que tudo o que se passa hoje não é senão uma repetição do que os Antigos sabiam muito bem, e talvez melhor do que nós. E o lastimamos por nossa conta, porque as suas profundas investigações lhe teriam permitido pesquisar a antigüidade mística, como pesquisou-se a antigüidade industrial; fazemos coro para que um dia dirija para esse lado suas laboriosas pesquisas. Quanto a nós, nossas observações pessoais não nos deixam nenhuma dúvida sobre a antigüidade e a universalidade da doutrina que os Espíritos nos ensinam. Essa coincidência entre o que nos dizem hoje e as crenças dos mais recuados tempos, é um fato significativo da mais alta importância. Faremos notar, todavia, que, se encontramos por toda parte traços da Doutrina Espírita, em nenhuma parte a vemos completa: parece haver sido reservado à nossa época coordenar esses fragmentos esparsos entre todos os povos, para chegar à unidade de princípios, no meio de um conjunto mais completo e, sobretudo, mais geral de manifestações, que parecem dar razão ao autor do artigo que citamos mais acima, sobre o período psicológico no qual a Humanidade parece entrar.
A ignorância e os preconceitos, quase por toda parte, desfiguraram essa doutrina, cujos princípios fundamentais estão misturados a práticas supersticiosas de todos os tempos, exploradas para sufocar a razão. Mas sob esse montão de absurdos, germinam as mais sublimes idéias, como sementes preciosas ocultas sob os estorvos, e não esperando senão a luz vivificante do Sol para alçar seu vôo. Nossa geração, mais universalmente esclarecida, descarta os estorvos, mas um tal cultivo não pode se cumprir sem transição. Deixemos, pois, às boas sementes, o tempo de se desenvolverem, e às más ervas o de desaparecerem. A doutrina druídica nos oferece um curioso exemplo do que acabamos de dizer. Essa doutrina, da qual conhecemos somente as práticas exteriores, se elevava, sob certos aspectos, até as mais sublimes verdades; mas essas verdades eram apenas para os seus iniciados: o vulgo, terrificado pelos sangrentos sacrifícios, colhia com um santo respeito o visgo sagrado do carvalho, e não via senão a fantasmagoria. Isso se poderá julgar pela citação seguinte, extraída de um documento tanto mais precioso quanto é pouco conhecido, e que lança uma luz inteiramente nova sobre a verdadeira teologia de nossos pais.
"Entregamos, à reflexão dos nossos leitores, um texto céltico publicado há pouco e cuja aparição causou uma certa emoção no mundo sábio. É impossível saber, ao certo, quem lhe foi o autor, nem mesmo a que século remonta. Mas, o que é incontestável, é que pertence à tradição dos bardos do país de Galles, e essa origem basta para lhe conferir um valor de primeira ordem.
"Sabe-se, com efeito, que o país de Galles se constitui, ainda em nossos dias, no mais fiel abrigo da nacionalidade gaulesa, que, entre nós, experimentou modificações tão profundas. Apenas roçado pela dominação romana, que aí não toca senão por pouco tempo e fracamente; preservado da invasão dos bárbaros pela energia dos seus habitantes e pelas dificuldades do seu território; submetido, mais tarde, pela dinastia normanda, que deveu, todavia, lhe deixar um certo grau de independência, o nome de Galles, Gallia, que sempre ostentou, é um traço distintivo pelo qual ele se prende, sem descontinuidade, ao período antigo. A língua kymrique, falada outrora em toda a parte setentrional da Gaule, jamais cessou de aí estar em uso, e muitos dos costumes são igualmente gauleses. De todas as influências estrangeiras, a do Cristianismo foi a única que encontrou meio de aí triunfar plenamente; mas não o foi sem muitas dificuldades relativamente à supremacia da Igreja romana, cuja reforma do décimo-sexto século não fez mais do que determinar a queda, desde há muito tempo preparada, nessas regiões cheias de um sentimento indefectível de independência.
"Pode-se mesmo dizer que os druidas, convertendo-se inteiramente ao Cristianismo, não se extinguiram totalmente no país de Galles, como na nossa Bretagne, e em outros países de sangue gaulês. Tiveram, por conseqüência imediata, uma sociedade muito solidamente constituída, votada principalmente, em aparência, ao culto da poesia nacional, mas que, sob o manto poético, conservou com fidelidade notável a herança intelectual da antiga Gaule: foi a Sociedade bárdica do país de Galles, que, depois de se manter como sociedade secreta durante toda a duração da Idade Média, por uma transmissão oral dos seus monumentos literários e da sua doutrina, à imitação das práticas dos druidas, decidiu, entre o décimo-sexto e o décimo-sétimo século, confiar à escrita as partes mais essenciais dessa herança. Desse fundo, cuja autenticidade está assim atestada por uma cadeia tradicional ininterrupta, procede o texto do qual falamos; e seu valor, em razão dessas circunstâncias, não depende, como se vê, nem da mão que teve o mérito de colocá-lo por escrito, nem da época na qual a sua redação pôde ter adquirido sua última forma. O que nele respira, acima de tudo, é o espírito dos bardos da Idade Média, que, eles mesmos, eram os últimos discípulos dessa corporação sábia e religiosa que, sob o nome de druidas, dominou a Gaule, durante o primeiro período da sua história, quase do mesmo modo que o clero latino durante o da Idade Média.
"Estar-se-ia mesmo privado de toda luz sobre a origem do texto, do qual se trata, se não se o tivesse colocado, bastante claramente, no caminho, em face do seu acordo com as informações que os autores, gregos e latinos, nos deixaram relativamente à doutrina religiosa dos druidas. Esse acordo constitui pontos de solidariedade que não sofrem nenhuma dúvida, porque se apóiam sobre as razões tiradas da própria substância do escrito; e a solidariedade assim demonstrada pelos artigos capitais, os únicos dos quais os Antigos nos falaram, se estende, naturalmente, aos desenvolvimentos secundários. Com efeito, esses desenvolvimentos, penetrados do mesmo espírito, derivam necessariamente da mesma fonte; fazem corpo com o fundo e não podem se explicar senão por ele. E, ao mesmo tempo que remontam, por uma geração tão lógica, aos depositários primitivos da religião druídica, é impossível lhes assinalar algum outro ponto de partida; porque, fora da influência druídica, o país do qual provêm não conheceu senão a influência cristã, que é inteiramente estranha a tais doutrinas.
"Os desenvolvimentos contidos nas tríades, estão mesmo tão perfeitamente fora do Cristianismo que o pouco de emoções cristãs, que escapam aqui e ali, em seu conjunto se distinguem do fundo primitivo à primeira vista. Essas emanações, ingenuamente saídas da consciência dos bardos cristãos, puderam, se assim se pode dizer, se intercalar nos interstícios da tradição, mas não puderam nela se fundir. A análise do texto é, pois, tão simples quanto rigorosa, uma vez que pode se reduzir em se apartar tudo o que traz a marca do Cristianismo, e, uma vez operada a triagem, deve-se considerar como de origem druídica tudo o que ficar visivelmente caracterizado por uma religião diferente da do Evangelho e dos concilies. Assim, para não citar senão o essencial, partindo desse princípio bastante conhecido de que o dogma da caridade, em Deus e nos homens, é tão especial ao Cristianismo quanto o da migração das almas o é ao antigo druidismo, um certo número de tríades, nas quais respire um espírito de amor que a Gaule primitiva jamais conheceu, se trairiam imediatamente como sinais de um caráter comparativamente moderno; ao passo que as outras, animadas por um sopro diferente, deixam ver tanto melhor a marca da alta antigüidade que as distingue.
"Enfim, não é inútil fazer observar que a própria forma do ensinamento contido nas tríades é de origem druídica. Sabe-se que os druidas tinham uma predileção particular pelo número três, e o empregavam especialmente, assim como no-lo mostram a maioria dos monumentos gauleses, para a transmissão de suas lições que, mediante essa forma precisa, se gravavam mais facilmente na memória. Diogène Laérce nos conservou uma dessas tríades que resume, sucintamente, o conjunto dos deveres do homem para com a Divindade, para com seus semelhantes e para consigo mesmo: "Honrar os seres superiores, não cometer injustiça, e cultivar em si a virtude viril." A literatura dos bardos propagou, até nós, uma multidão de aforismos do mesmo gênero, tocando todos os ramos do saber humano: ciência, história, moral, direito, poesia. Não há de mais interessantes nem de mais próprias para inspirarem grandes reflexões do que aquelas das quais aqui publicamos o texto, segundo a tradução que foi feita pelo senhor Adolphe Pictet.
"Dessa série de tríades, as onze primeiras estão consagradas à exposição dos atributos característicos da Divindade. Foi nessa seção que as influências cristãs, como era fácil de se prever, tiveram maior ação. Se não se pode negar que o druidismo tenha conhecido o princípio da unidade de Deus, pode ser mesmo que, em conseqüência de sua predileção pelo número ternário, pôde se elevar a conceber, confusamente, alguma coisa da divina triplicidade; todavia, é incontestável de que o que completa essa alta concepção teológica - saber a distinção das pessoas e particularmente da terceira - deveu restar perfeitamente estranho a essa antiga religião. Tudo concorda em provar que os seus sectários estavam muito mais preocupados em estabelecer a liberdade do homem, do que em estabelecer a caridade; e foi mesmo em conseqüência dessa falsa posição de seu ponto de partida que pereceu. Também parece permitido se relacionar a uma influência cristã, mais ou menos determinada, todo esse início, principalmente a partir da quinta tríade.
"Em seguida aos princípios gerais, relativos à natureza de Deus, o texto passa a expor a constituição do Universo. O conjunto dessa constituição está superiormente formulado em três tríades que, mostrando os seres particulares em uma ordem absolutamente diferente da de Deus, completam a idéia que se deve formar do Ser único e imutável. Sob formas mais explícitas, essas tríades não fazem, de resto, senão o que já se sabia pelos testemunhos dos Antigos, da doutrina sobre a circulação das almas passando, alternativamente, da vida para a morte e da morte para a vida. Pode-se considerá-las como o comentário de um verso célebre da Pharsale, na qual o poeta se exclama, dirigindo-se aos sacerdotes da Gaule, que, se o que ensinam é verdadeiro, a morte não é senão o meio de uma longa vida: Longae vitae mors media est.

DEUS E O UNIVERSO

I. - Há três unidades primitivas, e de cada uma delas não se poderia ter senão uma só: um Deus, uma verdade, um ponto de liberdade, quer dizer, o ponto onde se encontra o equilíbrio de toda a oposição.
II. - Três coisas procedem de três unidades primitivas: toda vida, todo bem e todo poder.
III. - Deus é, necessariamente, três coisas, a saber: a maior parte da vida, a maior parte da ciência, e a maior parte do poder; e não poderia ter uma maior parte de cada coisa.
IV. - Três coisas que Deus não pode não ser: o que deve constituir o bem perfeito, o que deve querer o bem perfeito, e o que deve cumprir o bem perfeito.
V. - Três garantias daquilo que Deus fez e fará: seu poder infinito, sua sabedoria infinita, seu amor infinito; porque não há nada que não possa ser efetuado, que não possa se tornar verdadeiro, e que não possa ser desejado por um atributo.
VI. - Três fins principais da obra de Deus, como criador de todas as coisas: diminuir o mal, reforçar o bem, e pôr em evidência toda diferença; de tal sorte que se possa saber o que deve ser, ou, ao contrário, o que não deve ser.
VII. - Três coisas que Deus não pode não conceder: o que há de mais vantajoso, o que há de mais necessário, e o que há de mais belo para cada coisa.
VIII. - Três poderes da existência: não poder ser de outro modo, não ser necessariamente outro, não poder ser melhor pela concepção; e é nisso que está a perfeição de toda coisa.
IX. - Três coisas prevalecerão necessariamente: o supremo poder, a suprema inteligência, e o supremo amor de Deus.
X. - As três grandezas de Deus: vida perfeita, ciência perfeita, poder perfeito.
XI. - Três causas originais dos seres vivos: o amor divino de acordo com a suprema inteligência, a sabedoria suprema pelo conhecimento perfeito de todos os meios, e o poder divino de acordo com a vontade, o amor e a sabedoria de Deus.

OS TRÊS CÍRCULOS

XII. - Há três círculos da existência: o círculo da região vazia (ceugant), onde, exceto Deus, não há nada de vivo, nem de morto, e nenhum ser que Deus não possa atravessá-lo; o círculo da migração (abred), onde todo ser animado procede da morte, e o homem o atravessou; e o círculo da felicidade (gwynfyd), onde todo ser animado procede da vida, e o homem o atravessará no céu.
XIII. - Três estados sucessivos de seres animados: o estado de descida no abismo (annoufn), o estado de liberdade na humanidade, e o estado de felicidade no céu.
XIV. - Três fases necessárias de toda existência com relação à vida: o começo em annoufn, a transmigração em abred, e a plenitude em gwynfyd; e sem essas três coisas ninguém pode existir, exceto Deus.
"Assim, em resumo, sobre esse ponto capital da teologia cristã, de que Deus, pelo seu poder criador, tira as almas do nada, as tríades não se pronunciam de modo preciso. Depois de mostrarem Deus em sua esfera eterna e inacessível, mostram simplesmente as almas nascendo no fundo do Universo, no abismo (annoufn); daí, essas almas passam no círculo de migrações (abred), onde seu destino se determina através de uma série de existências, conforme o uso bom ou mau que fizerem da sua liberdade; enfim, elas se elevam ao círculo supremo (gwynfyd), onde as migrações cessam, onde não se morre mais, onde a vida se passa doravante na felicidade, conservando em tudo sua atividade perpétua e a plena consciência da sua individualidade. É preciso, para isso, com efeito, que o druidismo caia no erro das teologias orientais, que conduzem o homem a se absorverem finalmente no seio imutável da Divindade; porque distingue, ao contrário, um círculo especial, o círculo do vazio ou do infinito (ceugant), que forma o privilégio incomunicável do Ser supremo, e no qual nenhum ser, qualquer que seja o seu grau de santidade, jamais é admitido penetrar. É o ponto mais elevado da religião, porque marca o limite colocado ao vôo das criaturas.
"O traço mais característico dessa teologia, se bem que seja um traço puramente negativo, consiste na ausência de um círculo particular, tal qual o Tártaro da antigüidade paga, destinado à punição sem fim das almas criminosas. Entre os druidas, o inferno propriamente dito não existe. A distribuição dos castigos se efetua, aos seus olhos, no círculo das migrações pelo compromisso das almas em condições de existência mais ou menos infelizes, onde, sempre senhoras da sua liberdade, expiam suas faltas pelo sofrimento, e se dispõem, pela reforma dos seus vícios, a um futuro melhor. Em certos casos, pode mesmo ocorrer que as almas retrocedam até aquela região de annoufn, onde tomam nascimento, e à qual não parece muito possível dar outra significação que a da animalidade. Por esse lado perigoso (a retrogradação), e que nada justifica, uma vez que a diversidade das condições de existência no círculo da humanidade, basta perfeitamente à penalidade de todos os graus, o druidismo teria, pois, chegado a deslizar até à metempsicose. Mas esse extremismo deplorável, ao qual não conduz nenhuma necessidade da doutrina do desenvolvimento das almas pelo caminho de migrações, parece, como se julgará pela seqüência das tríades relativas ao regime do círculo de abred, não ter ocupado, no sistema da religião, senão um lugar secundário.
"À parte algumas obscuridades, que se prendem talvez às dificuldades de uma língua cujas profundezas metafísicas não nos são ainda bem conhecidas, as declarações das tríades, tocando as condições inerentes ao círculo de abred, derramam as mais vivas luzes sobre o conjunto da religião druídica. Nela se sente respirar o sopro de uma originalidade superior. O mistério que oferece à nossa inteligência o espetáculo da nossa existência presente, nela toma um jeito singular que não se vê em nenhuma parte, e se diria que um grande véu se rasgando, adiante e atrás da vida, a alma se sente, de repente, nadar, com uma força inesperada, através de uma extensão indefinida que, em seu cativeiro entre as portas espessas do nascimento e da morte, ela não era capaz de supor por si mesma. A qualquer julgamento que se detenha, sobre a verdade dessa doutrina, não se pode deixar de convir que não seja uma doutrina poderosa; e, refletindo no efeito que devia, inevitavelmente, produzir sobre as almas inocentes tais aberturas sobre a sua origem e o seu destino, é fácil se dar conta da imensa influência que os druidas, naturalmente, haviam adquirido sobre os espíritos de nossos pais. No meio das trevas da antigüidade, esses ministros sacros não podiam deixar de aparecer, aos olhos das populações, como os reveladores do céu e da terra.
"Eis o texto notável, do qual se trata:

O CÍRCULO DE ABRED

XV. - Três coisas necessárias no círculo de abred: o menor grau possível de toda a vida, e daí seu começo; a matéria de todas as coisas, e daí o crescimento progressivo, o qual não pode se operar senão no estado de necessidade; e a formação de todas as coisas da morte, e daí a debilidade das existências.
XVI. - Três coisas nas quais todo ser vivo participa, necessariamente, pela justiça de Deus: o socorro de Deus em abred, porque sem isso ninguém não poderia conhecer nenhuma coisa; o privilégio de ter parte no amor de Deus; e o acordo com Deus quanto ao cumprimento pelo poder de Deus, tanto quanto for justo e misericordioso.
XVII. - Três causas da necessidade do círculo de abred: o desenvolvimento da substância material de todo ser animado; o desenvolvimento do conhecimento de toda coisa; e o desenvolvimento da força moral .para superar todo contrário e Cythraul (o mau Espírito) e para se livrar de Droug (o mal). E sem essa transição de cada estado de vida, não poderia isso ter cumprimento por nenhum ser.
XVIII. - Três calamidades primitivas de abred: a necessidade, a ausência de memória, e a morte.
XIX. - Três condições necessárias para se chegar à plenitude da ciência: transmigrar em abred, transmigrar em gwynfyd, e recordar-se de todas as coisas passadas, até em annoufn.
XX. - Três coisas indispensáveis no círculo de abred: a transgressão da lei, porque isso não pode ser de outro modo; libertação pela morte, diante de Droug e Cythraul; o crescimento da vida e do bem pelo afastamento de Droug na libertação da morte; e isso pelo amor de Deus que abarca todas as coisas.
XXI. - Três meios eficazes de Deus em abred, para dominar Droug e Cythraul e superar sua oposição com relação ao círculo de gwynfyd: a necessidade, a perda da memória e a morte.
XXII. - Três coisas são primitivamente contemporâneas: o homem, a liberdade e a luz.
XXIII. - Três coisas necessárias para o triunfo do homem sobre o mal: a firmeza contra a dor, a transformação, a liberdade de escolher; e com o poder que tem o homem de escolher, não se pode saber, antecipadamente, com certeza onde irá.
XXIV. - Três alternativas oferecidas ao homem: abred e gwynfyd, necessidade e liberdade, mal e bem; o todo em equilíbrio, o homem pode, à vontade, se ligar a um ou ao outro.
XXV. - Por três coisas o homem cai sob a necessidade de abred: pela ausência de esforço até o conhecimento, pelo desapego ao bem, pelo apego ao mal. Em conseqüência dessas coisas, desce em abred até seu análogo, e recomeça o curso da sua transmigração.
XXVI. - Por três coisas o homem desce de novo, necessariamente, em abred, se bem que, a todo outro respeito esteja ligado ao que é bom: pelo orgulho, cai até annoufn: pela falsidade, até o ponto de demérito equivalente, e pela crueldade, até o grau correspondente de animalidade. Daí transmigra de novo para a humanidade, como antes.
XXVII. - As três coisas principais para se obter no estado de humanidade: a ciência, o amor, a força moral, no mais alto grau possível de desenvolvimento, antes que sobrevenha a morte. Isso não pode ser obtido anteriormente ao estado de humanidade, e não pode ser senão pelo privilégio da liberdade e da escolha. Essas três coisas são chamadas de três vitórias.
XXVIII. - Há três vitórias sobre Croug e Cythraul: a ciência, o amor, e a força moral; porque o saber, o querer e o poder, cumprem o que quer que seja em sua conexão com as coisas. Essas três vitórias começam na condição de humanidade e continuam eternamente.
XXIX. - Três privilégios da condição do homem: o equilíbrio do bem e do mal, e daí a faculdade de comparar; a liberdade na escolha, e daí o julgamento e a preferência; e o desenvolvimento da força moral, em conseqüência do julgamento, e daí a preferência. Essas três coisas são necessárias para cumprir o que quer que seja.
"Assim, em resumo, o início dos seres no seio do Universo ocorre no ponto mais baixo da escala da vida; e se não é levar muito longe as conseqüências da declaração contida na vigésima-sexta tríada, pode-se conjecturar que, na doutrina druídica, esse ponto inicial está considerado como situado no abismo confuso e misterioso da animalidade. Daí, por conseqüência, desde a própria origem da história da alma, há necessidade lógica do progresso, uma vez que os seres não estão destinados por Deus para demorarem numa condição tão baixa e tão obscura. Entretanto, nos estágios inferiores do Universo, esse progresso não se desenrola seguindo uma linha contínua; essa longa existência, nascida tão baixo para se elevar tão alto, se quebra em fragmentos, solidários no fundo da sua sucessão, mas do qual, graças ao defeito de memória, a misteriosa solidariedade escapa, ao menos por um tempo, à consciência do indivíduo. São as interrupções periódicas no curso secular da vida, que constituem o que chamamos a morte; de sorte que a morte e o nascimento que, por uma consideração superficial, formam acontecimentos tão diferentes, não são, em realidade, senão as duas faces do mesmo fenômeno, uma voltando para o período que se acaba, a outra para o período que se segue.
"Desde então a morte, considerada em si mesma, não é, pois, uma calamidade verdadeira, mas um benefício de Deus, que, rompendo os hábitos muito estreitos que havíamos contraído com nossa vida presente, nos transporta em novas condições e dá lugar, por aí, para nos elevarmos mais livremente a novos progressos.
"Do mesmo modo que a morte, a perda de memória que a acompanha não deve ser tomada não mais que por um benefício. É uma conseqüência do primeiro ponto; porque se a alma, no curso dessa longa vida, conservasse claramente essas lembranças de um período a outro, a interrupção não seria mais do que acidental, e não haveria, propriamente dito, nem morte, nem nascimento, uma vez que esses dois acontecimentos perderiam, desde então, o cará ter absoluto que os distingue e faz a sua força. E mesmo, não parece difícil perceber diretamente, tomando o ponto de vista dessa teologia, em que a perda da memória, no que toca aos períodos passados, pode ser considerada como um benefício relativamente ao homem, em sua condição presente; porque se esses períodos passados, como a posição atual do homem em um mundo de sofrimento se lhe torna a prova, foram infelizmente manchados de erros e de crimes, causa primeira das misérias e das expiações de hoje, é, evidentemente, uma vantagem para a alma de se encontrar descarregada da visão duma tão grande multidão de faltas e, ao mesmo tempo, de 'remorsos muito acabrunhantes que delas se originam. Não o obrigando a um arrependimento formal senão relativamente às culpas da sua vida atual, compadecendo-se, assim, de sua fraqueza, Deus lhe concede, efetivamente, uma grande graça.
"Enfim, segundo esse mesmo modo de considerar o mistério da vida, as necessidades de todas as naturezas às quais estamos sujeitos neste mundo, e que, desde o nosso nascimento, determinam, por uma sentença por assim dizer fatal, a forma da nossa existência no presente período, constituem um último benefício tão bastante sensível quanto os outros dois; porque são, em definitivo, essas necessidades que dão, à nossa vida, o caráter que melhor convém às nossas expiações e às nossas provas e, por conseguinte, ao nosso desenvolvimento moral; e são também essas mesmas necessidades, seja de nossa organização física, seja de circunstâncias exteriores ao meio no qual estamos colocados, que, em nos conduzindo forçosamente ao termo da morte, nos conduzem, por isso mesmo, à nossa suprema libertação. Em resumo, como dizem as tríades em sua enérgica concisão, está aí todo o conjunto e as três calamidades primitivas, e os três meios eficazes de Deus em abred.
"Entretanto, mediante qual conduta a alma se eleva, realmente, nesta vida, e merece alcançar, depois da morte, um mundo superior de existência? A resposta que o Cristianismo dá a essa questão fundamental é conhecida de todos: é sob a condição de desfazer, em si, o egoísmo e o orgulho, de desenvolver, na intimidade da sua substância, as forças da humildade e da caridade, únicas eficazes, únicas meritórias diante de Deus: Bem-aventurados os brandos, disse o Evangelho, bem-aventurados os humildes! A resposta do druidismo é bem diferente, e contrasta claramente com esta. Segundo suas lições, a alma se eleva na escala das existências sob a condição de fortificar, pelo seu trabalho, sobre ela mesma, sua própria personalidade, e é um resultado que ela obtém naturalmente, pelo desenvolvimento da força do caráter junto ao desenvolvimento do saber. É o que exprime a vigésima-quinta tríade, que declara que a alma cai na necessidade de transmigrações, quer dizer, em vidas confusas e mortais, não somente pela manutenção de más paixões, mas pelo hábito da frouxidão no cumprimento de ações justas, pela falta de firmeza na adesão ao que prescreve a consciência, em uma palavra, pela fraqueza de caráter; além desse defeito de virtude moral, a alma está ainda retida, em seu vôo para o céu, por falta do aperfeiçoamento do Espírito. A iluminação intelectual, necessária para a plenitude da felicidade, não se opera simplesmente, na alma bem-aventurada, por uma irradiação nela, do alto, toda gratuita; ela não se produz na vida celeste se a alma, ela mesma, não soube fazer esforços nesta vida para adquiri-la. Também a tríade não fala unicamente da falta de saber, mas da falta de esforços para saber, o que é, no fundo, como para a precedente virtude, um preceito de atividade e de movimento.
"Em verdade, nas tríades seguintes, a caridade se encontra recomendada, no mesmo título que a ciência e a força moral; mas aqui ainda, como ao que toca à natureza divina, a influência do Cristianismo é sensível. É a ele, e não à forte mas dura religião dos nossos pais, que pertence a pregação e a intronização, no mundo, da lei da caridade em Deus e no homem; e se essa lei brilha nas tríades, é por uma aliança com o Evangelho, ou, por melhor dizer, por um feliz aperfeiçoamento da teologia dos druidas pela ação da dos apóstolos, e não por uma tradição primitiva. Retiremos esse divino raio, e teremos, na sua rude grandeza, a moral da Gaule, moral que pôde produzir, na ordem do heroísmo e da ciência, poderosas personalidades, mas que não soube uni-las entre si com a multidão dos humildes (1). (1) Extraído do Magasin pittoresque, 1857.
A Doutrina Espírita não consiste somente na crença das manifestações dos Espíritos, mas em tudo o que nos ensinam sobre a natureza e o destino da alma. Se, pois, se quiser se reportar aos preceitos contidos em O Livro dos Espíritos, onde se encontra formulado todo o seu ensinamento, impressionar-se-á com a identidade de alguns princípios fundamentais com os da doutrina druídica, dos quais um dos mais salientes e sem contradita, é o da reencarnação. Nos três círculos, nos três estados sucessivos dos seres animados, encontramos todas as fases que apresenta a nossa escala espírita. O que é, com efeito, o círculo de abred ou da migração, senão as duas ordens de Espíritos que se depuram em suas existências sucessivas? No círculo de gwynfyd, o homem não transmigra mais, goza da suprema felicidade. Não é a primeira ordem da escala, a dos Espíritos que, tendo cumprido todas as provas, não têm mais necessidade de encanação e gozam da vida eterna? Anotemos, ainda, que, segundo a doutrina druídica, o homem conserva o seu livre arbítrio; se eleva gradualmente pela sua vontade, sua perfeição progressiva e as provas que suporta, de annoufn ou abismo, até a perfeita felicidade em gwynfyd, com a diferença, no entanto, de que o druidismo admite o retorno possível nas classes inferiores, ao passo que, segundo o Espiritismo, o Espírito pode permanecer estacionário, mas não pode degenerar. Para completar a analogia, teríamos que acrescentar à nossa escala, abaixo da terceira ordem, o círculo de annoufn, por caracterizar o abismo ou origem, desconhecida das almas, e, acima da primeira ordem, o círculo de ceugant, morada de Deus, inacessível às criaturas. O quadro seguinte torna essa comparação mais sensível.

ESCALA ESPÍRITA

ESCALA ESPÍRITA ESCALA DRUÍDICA
  Ceugant Morada de Deus
1ª Ordem 1ª classe Puros Espíritos
(Sem reencarnação)
  Gwynlyd Morada dos Bem-Aventurados.
Vida Eterna
2ª Ordem
Bons Espíritos
2ª classe Espíritos Superiores Depuram-se
e se elevam
pelas provas
da
reencarnação
Abred Círculos das migrações ou das diferentes existências corporais que as almas percorrem para chegarem de Annoufn em Gwynlyd
3ª classe Espíritos Sábios
4ª classe Espíritos Cultos
5ª classe Espíritos Benevolentes
3ª Ordem
Espíritos Imperfeitos
6ª classe Espíritos Neutros
7ª classe Espíritos Pseudo-sábios
8ª classe Espíritos Levianos
9ª classe Espíritos Impuros
  Annoufn abismo; ponto de partida das almas.

A fatalidade e os pressentimentos


Revista Espírita, março de 1858
INSTRUÇÕES DADAS POR SÃO LUÍS
Um dos nossos correspondentes nos escreveu o que segue:
"No mês de setembro último, uma embarcação leve, fazendo a travessia de Dunkerque à Ostende, foi surpreendida por um tempo agitado e pela noite; o barquinho soçobra, e das oito pessoas que o tripulavam, quatro perecem; as outras quatro, entre as quais me encontrava, conseguiram se manter sobre a quilha. Permanecemos toda a noite nessa horrível posição, sem outra perspectiva do que a morte, que nos parecia inevitável e da qual experimentamos todas as angústias. Ao amanhecer, tendo o vento nos levado à costa, pudemos ganhar a terra a nado.
"Por que nesse perigo, igual para todos, só quatro pessoas sucumbiram? Anotai que, por minha parte, é a sexta ou sétima vez que escapo de um perigo tão iminente, e quase nas mesmas circunstâncias. Sou verdadeiramente levado a crer que mão invisível me protege. Que fiz para isso? Não sei muito; sou sem importância e sem utilidade neste mundo, e não me gabo de valer mais do que os outros; longe disso: havia, entre as vítimas do acidente, um digno eclesiástico, modelo de virtudes evangélicas, e uma venerável irmã de São Vicente de Paulo, que iam cumprir uma santa missão de caridade cristã. A fatalidade me parece ter um grande papel no meu destino. Os Espíritos, nela não estariam para alguma coisa? Seria possível ter, por eles, uma explicação a esse respeito, perguntando-lhes, por exemplo, se são eles que provocam ou afastam os perigos que nos ameaçam?-"
Conforme o desejo de nosso correspondente, dirigimos as perguntas seguintes ao Espírito de São Luís que gosta de se comunicar conosco todas as vezes que há uma instrução útil para dar.
1. Quando um perigo iminente ameaça alguém, é um Espírito que dirige o perigo, e quando dele escapa, é um outro Espírito que o afasta?
Resp. Quando um Espírito se encarna, escolhe uma prova; escolhendo-a se faz uma espécie de destino, que não pode mais conjurar, uma vez que a ele está submetido; falo de provas físicas. Conservando o Espírito no seu livre arbítrio, sobre o bem e o mal, é sempre o senhor para suportar ou repelir a prova; um bom Espírito, vendo-o enfraquecer, pode vir em sua ajuda, mas não pode influir, sobre ele, de maneira a dominar a sua vontade. Um Espírito mau, quer dizer, inferior, mostrando-lhe, exagerando-lhe um perigo físico, pode abalá-lo e amedrontá-lo, mas, a vontade do Espírito encarnado não fica menos livre de todo entrave.
2. Quando um homem está no ponto de perecer por acidente, me parece que o livre arbítrio nisso não vale nada. Pergunto, pois, se é um mau Espírito que provoca esse acidente, que dele é, de algum modo, o agente; e, no caso em que se livra do perigo, se um bom Espírito veio em sua ajuda.
Resp. O bom Espírito ou o mau Espírito não pode senão sugerir bons ou maus pensamentos, segundo a sua natureza. O acidente está marcado no destino do homem. Quando a tua vida é posta em perigo, trata-se de uma advertência que tu mesmo a desejaste, a fim de te desviares do mal e de te tomares melhor. Quando tu escapas desse perigo, ainda sob a influência do perigo que correste, pensas mais ou menos fortemente, segundo a ação mais ou menos forte dos bons Espíritos, em te tomares melhor. O mau Espírito sobrevindo (digo mau subentendendo que o mal ainda está nele), pensas que escaparás do mesmo modo de outros perigos e deixas, de novo, tuas paixões se desencadearem.
3. A fatalidade que parece presidir aos destinos materiais de nossas vidas seria, pois, ainda o efeito do nosso livre arbítrio?
Resp. Tu mesmo escolheste tua prova: quanto mais ela é rude, melhor tu a suportes, mais tu te elevas. Aqueles que passam sua vida em abundância e na felicidade humana, são Espíritos frouxos que permanecem estacionários. Assim, o número dos infortunados sobrepuja em muito o dos felizes desse mundo, tendo em vista que os Espíritos procuram, em maior parte, a prova que lhes será a mais frutífera. Eles vêem muito bem a futilidade de vossas grandezas e de vossas alegrias. Aliás, a vida mais feliz é sempre agitada, sempre perturbada, não seria isso senão pela ausência da dor.
4. Compreendemos perfeitamente essa doutrina, mas isso não nos explica se certos Espíritos têm uma ação direta sobre a causa material do acidente. Suponhamos que no momento em que um homem passa sobre uma ponte, essa ponte se desmorona. Que impeliu o homem a passar nessa ponte?
Resp. Quando um homem passa sobre uma ponte que deve se romper, não é um Espírito que o conduz a passar nessa ponte, é o instinto do seu destino que para lá o leva.
5. O que fez desmoronar a ponte?
Resp. As circunstâncias naturais. A matéria tem nelas suas causas de destruição. No caso do qual se trata o Espírito, tendo necessidade de recorrer a um elemento estranho à sua natureza para mover as forcas naturais, recorrerá antes à intuição espiritual. Assim tal ponte adiante se rompe, a água tendo desconjuntado as pedras que a compõe, a ferrugem tendo corroído a corrente que a suspenda, o Espírito, digo eu, ensinará antes ao homem para que passe por essa ponte do que fazer romper uma outra sob seus passos. Aliás, tendes uma prova material do que eu adianto: qualquer acidente que chegue sempre naturalmente, quer dizer, de causas que se ligam umas as outras, e se conduzem insensivelmente.
6. Tomemos um outro caso no qual a destruição da matéria não seja a causa do acidente. Um homem mal intencionado atira sobre mim, a bala me roça, não me atinge. Um Espírito benevolente pode tê-la desviado?
Resp. Não.
7. Os Espíritos podem nos advertir diretamente de um perigo? Eis um fato que parece confirmá-lo: uma mulher saía de sua casa e seguia pelo boulevar. Uma voz íntima lhe diz: Vai-te; retorna para tua casa. Ela hesita. A mesma voz se faz ouvir várias vezes; então, ela volta sobre seus passos; mas, reconsiderando-se, ela se diz: que vou fazer em minha casa? Dela saí; é sem dúvida um efeito de minha imaginação. Então, ela continua o seu caminho. A alguns passos dali, uma viga que se soltou de uma casa, atinge-lhe a cabeça e a derruba inconsciente. Qual era essa voz? Não foi um pressentimento do que ia acontecer a essa mulher?
Resp. A do instinto; aliás, nenhum pressentimento tem tais caracteres: sempre são vagos.
8. Que entendeis pela voz do instinto?
Resp. Entendo que o Espírito, antes de se encarnar, tem conhecimento de todas as fases de sua existência; quando estas têm um caráter saliente, delas conserva uma espécie de impressão no foro íntimo, e essa impressão, despertando quando o momento se aproxima, torna-se pressentimento.
Nota. As explicações acima reportam-se à fatalidade dos acontecimentos materiais. A fatalidade morai está tratada, de modo completo, em O Livro dos Espíritos.

A avareza


Revista Espírita, fevereiro de 1858
DISSERTAÇÃO MORAL DITADA POR SÃO LUIS À SENHORITA HERMANCE DUFAUX
6 de janeiro de 1858

1.

Tu que possuis, escuta-me. Um dia, dois filhos de um mesmo pai receberam, cada um, um alqueire de trigo. O primogênito encerrou o seu num lugar oculto; o outro encontra, em seu caminho, um pobre que pede esmola; corre a ele, e vira, no pano do seu casaco, a metade do trigo que lhe foi dado, depois continuou sua rota, e foi semear o resto no campo paterno.
Ora, por esse tempo, veio uma grande fome, os pássaros do céu morriam ao lado do caminho. O irmão primogênito correu ao seu esconderijo, mas aí não encontra senão pó; o caçula, tristemente, ia contemplar o seu trigo, desanimado, quando encontra o pobre ao qual havia assistido. Irmão, disse-lhe o mendigo, ia morrer, tu me socorreste; agora, que a esperança secou em teu coração, segue-me. Teu meio alqueire quintuplicou em minhas mãos; apaziguarei a tua fome e viverás na abundância.

2.

Escuta-me, avaro! Conheces a felicidade? Sim, não é? Teu olhar brilha com um sombrio esplendor em tua órbita que a avareza cavou mais profundamente; os lábios se fecham; teu nariz treme e prestas atenção. Sim, ouço, é o ruído do ouro que a tua mão acaricia jogando-o em teu esconderijo. Tu dizes: É a volúpia suprema. Silêncio! Vem alguém. Fecha depressa. Bem! estás pálido! teu corpo estremece. Tranqüiliza-te; os passos se distanciam. Abre; olha, ainda, o teu ouro. Abre! não temas mais; estás bem sozinho. Ouves! não, nada; é o vento que geme passando sobre a soleira da porta.
Olha; quanto ouro! mergulha plenamente as mãos: faze soar o metal; tu és feliz.
Feliz, tu! mas a noite é sem repouso e o teu sono é atormentado por fantasmas.
Tens frio! Aproxima-te da chaminé; aquece-te nesse fogo que crepita tão alegremente. A neve cai; o viajor se envolve, friorento, em seu casaco, e o pobre tirita sob os seus andrajos. A chama do fogo se abranda; atire madeira. Mas não; pare! é o teu ouro que consomes com essa madeira; é o teu ouro que queima.
Tens fome! Tens, toma; sacia-te; tudo isso é teu, pagaste com o teu ouro. De teu ouro! Essa abundância te deixa indignado, esse supérfluo é necessário para sustentar a vida? Não, esse pequeno pedaço de pão basta; ainda é muito. Tuas vestes caem em farrapos; a casa fende-se e ameaça ruir; tu sofres de frio e de fome; mas que importa! tens o ouro.
Infeliz! Esse ouro, a morte dele te separará. Tu o deixarás à beira do túmulo, como o pó que o viajor sacode no limiar da porta onde a sua família bem-amada o espera para festejar o seu regresso.
Teu sangue enfraquece, envelhecido pela tua miséria voluntária, está frio nas veias. Os herdeiros ávidos acabam de atirar o teu corpo num canto do cemitério; te vês face a face com a eternidade. Miserável! Que fizeste desse ouro que te foi confiado para soerguer o pobre? Ouves essas blasfêmias? Vês essas lágrimas? Vês esse sangue? Essas blasfêmias são as do sofrimento que terias podido acalmar; essas lágrimas, tu as fizeste correr; esse sangue, foste tu que o verteste. Tens horror de ti; gostarias de fugir e não o podes. Sofres, condenado! Tu te contorces em teu sofrimento. Sofres! nada de piedade para ti. Não tiveste entranhas para o teu irmão infeliz; quem as terá para ti? Sofre! Sofre sempre! Teu suplício não terá fim. Deus quer, para te punir, que o CREIAS assim.
Nota. Escutando o fim dessas eloqüentes e poéticas palavras, nos surpreendemos ouvindo São Luís falar da eternidade dos sofrimentos, quando todos os Espíritos superiores concordam no combate a essa crença, mas estas últimas palavras: Deus quer, para te punir, que o CREIAS assim vieram tudo explicar. Nós as reproduzimos nos caracteres gerais dos Espíritos da terceira ordem. Com efeito, quanto mais os Espíritos são imperfeitos, mais as suas idéias são restritas e circunscritas; o futuro, para eles, está no vago: não o compreendem. Sofrem; seus sofrimentos são longos; e, para os que sofrem por longo tempo, é sofrer sempre. Esse próprio pensamento é um castigo.
Em um próximo artigo, citaremos fatos de manifestações que poderão nos esclarecer sobre a natureza dos sofrimentos além-túmulo.