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sábado, 11 de janeiro de 2014

Reflexões sobre o Centro Espírita

Reflexões sobre o Centro Espírita

Autor: J. Herculano Pires

Se os espíritas soubessem o que é o Centro Espírita, quais são realmente a sua função e a sua significação, o Espiritismo seria hoje o mais importante movimento cultural e espiritual da Terra.

Temos no Brasil – e isso é um consenso universal – o maior, mais ativo e produtivo movimento espírita do planeta. A expansão do Espiritismo em nossa terra é incessante e prossegue em ritmo acelerado. Mas o que fazemos, em todo este vasto continente espírita, é um imenso esforço de igrejificar o Espiritismo, de emparelhá-lo com as religiões decadentes e ultrapassadas, formando por toda parte núcleos místicos e, portanto fanáticos, desligados da realidade imediata. Dizia o Dr. Souza Ribeiro, de Campinas, nos últimos tempos de sua vida de lutas espíritas: "Não compareço a reuniões de espíritas rezadores! "E tinha razão, porque nessas reuniões ele só encontrava turba dos pedintes, suplicando ao Céu ajuda.

Ninguém estava ali para aprender a Doutrina, para romper a malha de teia de aranha do igrejismo piedoso e choramingas. A domesticação católica e protestante criara em nossa gente uma mentalidade de rebanho. O Centro Espírita tornou-se uma espécie de sacristia leiga em que padres e madres ignorantes indicavam aos pedintes o caminho do Céu. A caridade esmoler, fácil e barata, substituiu as gordas e faustosas doações à Igreja. Deus barateara a entrada a entrada do Céu, e até mesmo os intelectuais que se aproximam do Espiritismo e que tem o senso crítico, se transformam em penitentes. Associações espíritas, promissoramente organizadas, logo se transformam em grupos de rezadores pedinchões. O carimbo da igreja marcou fundo a nossa mentalidade em penúria. Mais do que subnutrição do povo, com seu cortejo trágico de endemias devastadoras, o igrejismo salvacionista depauperou a inteligência popular, com seu cortejo de carreirismo político – religioso, idolatria mediúnica, misticismo larvar, o que é pior, aparecimento de uma classe dirigente de supostos missionários e mestres farisaicos, estufados de vaidade e arrogância. São os guardiães dos apriscos do templo, instruídos para rejeitar os animais sacrificiais impuros, exigindo dos beatos a compra de oferendas puras nos apriscos sacerdotais. Essa tendência mística popular, carregada de superstições seculares, favorece a proliferação de pregadores santificados, padres vieiras sem estalo, tribunos de voz empostada e gesticulação ensaiada. Toda essa carga morta esmaga o nosso movimento doutrinário e abre as suas portas para a infestação do sincretismo religioso afro-brasileiro, em que os deuses ingênuos da selva africana e das nossas selvas superam e absorvem o antigo e cansado deus cristão.

Não há clima para o desenvolvimento da Cultura Espírita. As grandes instituições Espíritas Brasileiras e as Federações Estaduais investem-se por vontade própria de autoridade que não possuem nem podem possuir, marcadas que estão por desvios doutrinários graves, como no caso do roustainguismo da FEB e das pretensões retrógradas de grupelhos ignorantes de adulterados. Teve razões de sobra André Dumas, do Espiritismo Francês, em denunciar recentemente, em entrevista à revista Manchete, a situação católica e na verdade de anti-espírita do Movimento Espírita brasileiro. A domesticação clerical dos espíritas ameaça desfibrar todo o nosso povo, que por sua formação igrejeira tende a um tipo de alienação esquizofrênica que o Espiritismo sempre combateu, desde a proclamação de fé racional contra a fé cega e incoerente, submissa e farisaica das pregações igrejeiras.

Jesus ensinou a orar e vigiar, recomendou o amor e a bondade, pregou a humanidade, mas jamais aconselhou a viver de orações e lamúrias, santidade fingida, disfarçada em vãs aparências de humildade, que são sempre desmentidas pelas ambições e a arrogância incontroláveis do homem terreno.

Para restabelecermos a verdade espírita entre nós e reconduzirmos o nosso movimento a uma posição doutrinária digna e coerente, é preciso compreender que a Doutrina Espírita é um chamado viril à dignidade humana, à consciência do homem para deveres e compromissos no plano social e no plano espiritual, ambos conjugados em face das exigências da lei superior da Evolução Humana. Só nos aproximaremos da angelitude, o plano superior da Espiritualidade, depois de nos havermos tornado Homens.

Os espíritas atuais, na sua maioria, tanto no Brasil como no mundo, não compreenderam ainda que estão num ponto intermediário da filogênese da divindade. Superando os reinos inferiores da Natureza, segundo o esquema poético de Léon Denis, na seqüência divinamente fatal de Kardec: mineral, vegetal, animal e homem, temos o ponto neutro de gravidade entre duas esferas celestes, e esse ponto é o que chamamos ESPÍRITA. As visões fragmentárias da Realidade se fundem dialeticamente na concepção monista preparada pelo monoteísmo. Liberto, no ponto neutro, da poderosa reação da Terra, o espírita está em condições de se elevar ao plano angélico. Mas estar em condições é uma coisa, e dar esse passo para a divindade é outra coisa. Isso depende do grau de sua compreensão doutrinária e da sua vontade real e profunda, que afeta toda a sua estrutura individual. Por isso mesmo, surge então o perigo da estagnação no misticismo, plano ilusório da falsa divindade, que produz as almas viajoras de Plotino, que nada mais são do que os espíritos errantes de Kardec. Essas almas se projetam no plano da Angelitude, mas não conseguem permanecer nele, cedendo de novo a atração terrena da encarnação.

Muitas vezes repetem a tentativa, permanecendo errantes entre as hipóstases do Céu e da Terra. Plotino viu essa realidade na intuição filosófica e na vidência platônica. Mas Kardec a verificou em suas pesquisas espíritas, escudadas na observação racional dos fatos. Apoiado na Razão, essa bússola do Real, ele nos livrava dos psicotrópicos do misticismo, oferendo-nos a verdade exata da Doutrina Espírita. Nela temos a orientação precisa e segura dos planos ou hipóstases superiores, sem o perigo dos ciclos muitas vezes repetidos do chamado Círculo Vicioso das Reencarnações, que os ignorantes pretendem opor à realidade incontestável da reencarnação. Pois se existe esse círculo vicioso, é isso bastante para provar o processo reencarnatório. O vício não está no processo, mas na precipitação dos homens e dos espíritos não devidamente amadurecidos, que tentam forçar a Porta do Céu.

Se no Brasil sofremos os prejuízos do religiosismo ingênuo de nossa formação cultural, na França e nos demais países europeus -segundo as próprias declarações de André Dumas – o prejuízo provém de um cientificismo pretensioso, que despreza a tradição francesa da pesquisa científica espírita, procurando substituí-la pelas pesquisas e interpretações parapsicológicas. Esse menosprezo pedante pelo trabalho modelar de Kardec levou o próprio Dumas a desrespeitar a tradição secular da Revue Spirite, transformando-a num simulacro da revista científica do Ano 2.000. As pesquisas da parapsicologia seguiram o esquema de Kardec e foram cobrindo no tempo, sucessivamente, todas as conquistas do sábio francês. Pegada por pegada, Rhine e seus companheiros cobriram o rastro científico de Kardec. O mesmo já acontecera com Richet na metapsíquica, com Crookes e Zollner e todos os demais. Toda a pesquisa psíquica honesta é válida, nesse campo, até mesmo a dos materialistas russos atuais ficaram presas ao esquema de Kardec, o que prova a validade irrevogável desta. Começando pela observação dos fenômenos físicos, todas as Ciências Psíquicas, nascidas do Espiritismo fizeram a trajetória fatal traçada pelo gênio de Kardec e chegaram as suas mesmas conclusões.

As discordâncias interpretativas foram sempre marcadas indelevelmente pelos preconceitos e as precipitações da advertência de Descartes no Discurso do Método e pela sujeição aos interesses das Igrejas, como Kardec já assinalara em seu tempo. A questão da terminologia é puramente supérflua, e como dissera Kardec, serve apenas para provar a leviandade do espírito humano, mesmo dos sábios, sempre mais apegado à forma que ao fundo do problema. No Espiritismo o quadro fenomênico foi dividido por Kardec em duas seções: Fenômenos Físicos e Fenômenos Inteligentes. Na Metapsíquica, Richet apresentou o esquema de Metapsíquica objetiva e Metapsíquica subjetiva. Na Parapsicologia os fenômenos espíritas passaram a chamar-se Fenômeno Psi, com divisão de Psicapa ( objetivos ) e Psigama ( subjetivos ). Quanto aos métodos de pesquisa, Crookes e Richet ativeram-se à metodologia científica da época, e Rhine limitou-se a passar dos métodos qualitativos para os quantitativos, inventando aparelhagens apropriadas aos processos tecnológicos atuais, apelando à estatística como forma de controle e comprovação dos resultados, o que simplesmente corresponde às exigências atuais nas Ciências.

Kardec teve a vantagem de haver acentuado enfaticamente a necessidade de adequação do método ao objeto específico da pesquisa. O próprio método hipnótico de regressão da memória, para as pesquisas da reencarnação aplicado por Albert De Rochas do século passado, foi aproveitado pelo Prof. Vladimir Raikov. Na Romênia, o preconceito quanto ao Espiritismo gerou uma nova denominação para Parapsicologia: Psicotrônica. Com esse nome rebarbativo, os materialistas romenos pretendem exorcizar os perigos de renascimento espírita em seu país.

Todos esses fatos nos mostram que a Doutrina Espírita não chegou ainda a ser conhecida pelos seus próprios adeptos em todo o mundo. Integrado no processo doutrinário de trabalho e desenvolvimento, o Centro Espírita carecia até agora de um estudo sobre as suas origens, o seu sentido e a sua significação no panorama cultural do nosso tempo. É o que procuramos fazer neste volume, com as nossas deficiências, mas na esperança de que outros estudiosos procurem completar o nosso esforço. Lembrando o Apóstolo Paulo, podemos dizer que os espíritas estão no momento exato em que precisam desmamar das cabras celestes para se alimentarem de alimentos sólidos. Os que desejam atualizar a Doutrina, devem antes cuidar de se atualizarem nela.

Livro: O Centro Espírita

sábado, 14 de dezembro de 2013

Deus Existe?



Deus Existe?


Os teólogos do Cristianismo Ateu, da Teologia Radical da Morte de Deus, são anjos rebelados e decaídos do Paraíso Medieval. Nesta fase de inquietações e contradições que marca os flancos bovinos do Século XX com imenso sinal de interrogação em ferro e em brasa, a tese da Morte de Deus, oriunda da II Guerra Mundial e inspirada no episódio do louco de Nietzche, anuncia a liquidação final do espólio medieval no pensamento contemporâneo. Os bens desse espólio se constituem dos imóveis patrimoniais de um Cristianismo deformado, com as suas catedrais gigantescas, a estrutura econômico-financeira do Vaticano, os artigos da velha simonia contra a qual Lutero se rebelou e os inesgotáveis lotes de quinquilharias sagradas, vestes e paramentos ornamentais, símbolos e dogmas das numerosas Igrejas Cristãs. Essa a razão por que, matando Deus, os novos teólogos pretendem colocar o Cristo provisoriamente em seu lugar. A imensa literatura religiosa medieval, que superou de muito os absurdos dos sofistas gregos, destina-se ao arquivo milenar da estupidez humana.

O Materialismo e o Ateísmo do Renascimento, acolitados pelo Ceticismo, o Positivismo e o Pragmatismo, formam o cortejo do féretro gigantesco e sombrio, manchado de cinza e sangue, da pavorosa arrogância em que se transformou a pregação de humildade, os exemplos de tolerância e simplicidade do Messias crucificado. É o lixo do famoso Milênio, carreado para a Porta do Monturo do Templo de Jerusalém, para ser lançado nas geenas ardentes. Dispensa-se o inventário, porque não sobraram herdeiros. Nenhuma civilização morreu de maneira mais inglória do que essa, em que Deus figurou como o carrasco impiedoso da Humanidade ingênua e ignorante.

Apesar da rudeza dessa visão trágica, assim pintada em cores fortes na tela de um pintor primitivista (bem ao gosto do século), ela não implica a negação da necessidade histórica da Idade Média. Pelo contrário, o fundo histórico desse panorama, na perspectiva tumultuada das civilizações da mais remota antiguidade, todas fundadas na força, na violência e nos arbítrios das civilizações massivas que vêm da lendária Suméria até a Macedônia e a Pérsia, projetando-se num impacto em Esparta e Roma, e um clarão de beleza e consciência em Atenas (que também não escaparia aos eclipses da escravidão e da execução de Sócrates) justificam histórica e antropologicamente a tragédia humana desses séculos de primarismo e barbárie que sucederam ao estranho advento do Cristianismo. Nada se pode condenar nesse panorama monstruoso, em que as idéias cristãs, renovando tímidos lampejos de esperanças frustradas e revigorando-os na visão de esperanças futuras, penetravam na massa e a ela se misturavam como o fermento da parábola evangélica. As leis naturais da evolução criadora, segundo a expressão de Bergson e de acordo com a tese dialética de Hegel, levavam ao fogo de Prometeu (roubado ao Céu) o caldeirão implacável das fusões dantescas, na percepção intuitiva de Wilhelm Dilthey, os elementos conjugados das civilizações mortas. Os deuses mitológicos eram caldeados nas próprias chamas votivas de seus templos, fundindo-se com Iavé, o Deus Único dos hebreus, para modelagem futura do Deus Cristão, que nascera da palavra mágica do Messias: Pai.

Mas até que os homens pudessem compreender o sentido dessa breve palavra, desse átomo oral, os detritos ferventes do caldeirão medieval teriam de escorrer pelas muralhas do preconceito e da ignorância, queimando o solo do planeta e a frágil carne humana. Não é de admirar que as atrocidades da II Guerra Mundial tenham feito o mesmo. Em meados do Século XX estávamos ainda bem próximos das fogueiras da Inquisição e dos instintos ferozes dos antigos sátrapas das civilizações massivas, monstruosas expansões das tribos bárbaras, em que os ritos do sangue e do ódio ao semelhante purificavam a túnica dos sacerdotes e das vestais, manchadas pelos sacrifícios humanos e pela prostituição sagrada nos altares e nas escadarias dos templos. Os abutres da guerra devoravam Prometeu em cada vítima da loucura hitlerista e chafurdavam na prostituição sagrada dos mitos da violência, essa Górgora terrível e insaciável do Jardim das Hespérides nazista. A histeria e o sadismo, a brutalidade e o homossexualismo campeavam livres nas guarnições de heróis, como um Estige de lamas que escorresse do Fuherer para a Alemanha, asfixiando as mais belas conquistas da sua tradição cultural a invadir e contaminar as nações vencidas. Os campos de concentração e suas câmaras de gás destruíam a confiança no homem, revelavam a falência do Humanismo e a fé em Deus nas cinzas das incinerações brutais. Na Itália dos poetas e cantores tripudiavam os asseclas do Duce, submisso ao Fuherer, e no Japão das cerejeiras e dos Kaikais o fanatismo dos kamikazes desafiava a insensibilidade de Truman, que não tardou a lançar suas bombas atômicas sobre Nagasaki e Hiroshima, no mais monstruoso genocídio da História.

Não nos é possível sequer conceber o Nada, o vazio absoluto, do qual Deus teria saído como o Ser Absoluto. Tirar o Absoluto do Nada é uma contradição que nosso entendimento repele. A existência de Deus, como anterior à Criação é inconcebível. E se algo existia antes, temos um poder criador anterior a Deus. A tese budista do Universo incriado, que sempre existiu, subordina o poder de Deus a essa existência misteriosa e inexplicável. Nos limites da nossa mente esses problemas não cabem, são mistérios que serviram para todos os sofismas, jogos de palavras e conclusões monstruosas do pensamento teológico. Mas quando aplicamos o bom-senso, com a devida modéstia de criaturas finitas e efêmeras, diante do Infinito e da Eternidade, podemos reduzir o ilimitado aos limites da realidade inteligível. Então o raciocínio dedutivo, de ordem científica, que parte do chão da existência evidente, para alcançar pouco a pouco as alturas acessíveis, nos coloca diante de uma realidade que podemos dominar. Deus como Existente, que existe na nossa realidade humana, pode ser tocado com os dedos e sentido, captado pelo nosso sensório comum. Não necessitamos da percepção extra-sensorial para captar sua existência. O grande erro das religiões é apresentar Deus como enigma insolúvel e exigir que o amemos de todo o coração e todo o entendimento. Essa colocação contraditória levou-as a um absurdo ainda maior, o de transformar Deus num tirano sádico que nos criou para submeter-nos à tortura e à perdição. Por mais que se fale em amor, misericórdia e piedade, essas palavras nada valem diante das ameaças da escatologia religiosa.

Mas Deus como Existente é o Pai que Jesus nos apresenta em termos racionais, pronto a nos guiar e amparar, a nos dar pão e não cobras quando temos fome e a nos convidar incessantemente para o seu Reino de Harmonia e Beleza. Se podemos percebê-lo em nós mesmos, na nossa consciência e no nosso coração, se podemos vê-lo em seu poder criador numa folha de relva, numa flor, num grão de areia e numa estrela, se podemos conviver com ele e sentarmos com ele à mesa e partir o pão com os outros, então ele realmente existe em nossa realidade humana e o podemos amar, e de fato o amamos de todo o coração e de todo o entendimento. Deus como Existente é o nosso companheiro e o nosso confidente. Não dependemos de intermediários, de atravessadores do mercado da simonia para expor-lhe as nossas dificuldades e pedir a sua ajuda. A existência de Deus se prova então pela intimidade natural (não sobrenatural) que com ele estabelecemos em nossa própria existência.

Diante desse quadro horripilante, e particularmente dentro dele, nada mais se poderia esperar dos crentes e dos teólogos do que a pergunta amarga e geralmente irônica: Deus existe? Na Antiguidade os sátrapas eram considerados como investidos de prerrogativas divinas. Tudo quanto faziam vinha de Deus e a crendice popular não se atrevia a discutir os direitos humanos ante o perigo sempre iminente da Ira de Deus. Mas após o Renascimento, a Época das Luzes, a crendice transformou-se em crença sofisticada pelas racionalizações abusivas. O homem moderno escorava a sua fé no conceito hebraico da Providência, sempre vigilante e pronta a socorrer a fragilidade humana. Esse homem não poderia suportar a catástrofe que se abatia sobre ele de maneira implacável, ante a mudez comprometedora do Céu. Sua razão aprimorada condenava o passado e jamais supusera possível a sua ressurreição brutal, sob as asas metálicas dos aviões de bombardeio e das bombas voadoras. O ateísmo do passado parecia-lhe agora uma simples atitude pedante. O seu ateísmo, o seu materialismo e o seu pragmatismo, pelo contrário, assentavam-se agora nas bases sólidas de um horror que o deixara só e frágil em face dos carrascos poderosos. Os velhos teólogos não podiam explicar a indiferença divina, o desprezo de Deus pelas suas criaturas que, segundo eles, haviam sido criadas por amor. Os novos teólogos só encontraram uma explicação possível: a Morte de Deus.

Entretanto, por mais esmagado que esteja, o homem não pode ficar sem uma luz de esperança. Os novos teólogos lhe ofereceram então a figura humana de Cristo. Um Deus histórico, existencial, que sofrera e morrera por ele aqui mesmo, na Terra dos Homens. Não foi uma solução pensada, mas nascida das entranhas da desgraça total, das entranhas do horror. Homens que cresceram e se formaram nas crenças em Deus, alimentados pelas ilusões teológicas do Cristianismo, cobravam agora do Cristo as suas promessas frustradas. Ele, o Cristo, assumiria o lugar vazio de Deus em termos de emergência. Foi dessa situação premente que surgiu a aventura do Cristianismo Ateu. Por isso, quando lemos os livros brilhantes dos novos teólogos, transbordantes de uma inteligência vibrátil, mas impotente, que não consegue nem mesmo esclarecer o que é a Morte de Deus, perdendo-se em rodeios e sofismas que nunca atingem uma definição, compreendemos o desespero total a que chegou a inteligência humana ante os enigmas existenciais deste fim dos tempos. Na proporção em que a rotina da vida se restabelece no mundo arrasado, recompondo-se aos impulsos naturais da vitalidade humana, os tempos negros esmaecem na distância, introjetando-se na memória profunda da espécie como arcanos do inconsciente. As forças da vida reagem contra a destruição e a morte, a ponto de fazerem brotar redivivas – indiferentes às ameaças maiores que pesam no horizonte – as flores de antigas e esmagadas esperanças. Queremos todos confiar, queremos todos esperar.

Mas isso não acontece apenas pelo influxo das forças vitais. Acontece sobretudo pela certeza íntima, que todos trazemos em nós, de que cometemos um erro imperdoável ao alimentar nas gerações sucessivas um conceito falso de Deus. Muitas vezes essa certeza aparece como simples suspeita, desprovida de provas que lhe dêem validade ôntica. Mesmo assim ela nos sustenta no presente e nos faz esperar. Os reflexos dessa situação ocidental no Oriente não-cristão provocaram o mesmo abalo e a mesma desconfiança que sentimos. Os mestres indianos, os gurus e bonzos que viviam isolados em seu orgulhoso ascetismo, ciosos de seus segredos milenares, fizeram-se caixeiros viajantes perfumados e sorridentes, assessorados por técnicos em relações públicas, para venderem aos ocidentais os mistérios sagrados. Essa atitude, embora não seja geral, revela a suspeita insidiosa no inconsciente guru quanto à validade tradicional de suas técnicas religiosas. O pesadelo da guerra e o desespero posterior contribuíram de maneira decisiva para que o mundo se transformasse na Aldeia Global de Mac Luhan. Parece que pelo menos acreditamos todos, no Ocidente e no Oriente, que o mundo de comunicação de massa nos oferece a opção coletiva de esperar sem preocupações, pois todos sabemos que se apertarem os botões da guerra nuclear morreremos na solidariedade absoluta. A destruição não será mais tão dolorosa e lenta. Seremos aniquilados de um só golpe, na morte tecnológica.

Deus ressurge, se não no seu amor, ao menos na sua Justiça. Já será um consolo para os que sempre sofreram e morreram, enquanto outros vivem felizes no uso e abuso dos bens terrenos. A idéia de um Pai todo poderoso, e no entanto insensível à miséria e ao sofrimento da maioria dos filhos, sempre perturbou os que pensam e levou muitas criaturas à revolta e à descrença. De duas, uma: ou aceitavam a injustiça ou não admitiriam a existência de Deus. Bastaria isso para nos mostrar que o conceito de Deus, formulado pelas religiões e sustentado a ferro e fogo através dos milênios, não pode estar certo. Precisamos examinar esse grave problema enquanto não apertam os botões do Juízo Final.

Herculano Pires do Livro Concepção Existencial de Deus

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A MISSÃO DO CRISTO



Francisco Cândido Xavier

Em nossa reunião pública os estudos foram orientados pelo item 4 do capítulo I de O Evangelho Segundo o Espiritismo, sobre a missão do Cristo. A mensageira espiritual Maria Dolores trouxe-nos o poema Confidência de Natal. Muitos de nossos companheiros, que nos auxiliavam nas tarefas, solicitaram que a página poética de nossa irmã fosse enviada para a sua cobertura doutrinária, a fim de obtermos mais ampla complementação para os nossos estudos sobre o tema.
Faço isso com satisfação, agradecendo-lhe desde já a atenção que puder dispensar ao nosso pedido.
 
CONFIDÊNCIA  DE  NATAL

Maria Dolores

Senhor Jesus!
Vi o homem moderno
Em teu Natal,
Recordando viajor a deter-se em caminho
Junto de construção descomunal.
– Agradeço, Senhor, dizia ele,
O rio de progresso em que me inundo
De alegria esfuziante,
As maravilhas que enviaste ao mundo
Pelos canais do cérebro triunfante.
Agradeço à Ciência de alto nível,
Cintilação do Gênio a servir-me de rastros,
Que me conduz ao colo de outros astros
no foguete de força quase incrível.
Agradeço o avião, o carro, o asfalto,
O mundo todo em casa a circuito instantâneo,
O átomo cativo, as usinas de urânio,
O soro, a anestesia, o antígeno, o cobalto,
As máquinas de espécie diferente,
Desde o computador à enceradeira,
Que estendem reconforto a Terra inteira,
Impulsionando os povos para a frente.
Agradeço o auto-estudo a que me elevas,
Para que me conheça sem alarme,
A fim de imunizar-me
Contra o assalto das trevas.
Entretanto, Senhor, ao procurar-Te em prece
Que o sentimento forma e a palavra não diz,
Minha vida te busca e te deseja.
Guarda e inspira minh’alma, enfim, para que eu seja
Plenamente feliz!
Nisso, o homem calou-se em pranto mudo.
E entendi, afinal,
Que embora a inteligência brilhe em tudo
E em quase tudo se engrandeça, embora,
Eis que sem ti, Senhor,
O coração da Terra sofre e chora
Entre a fome de paz e a carência de amor.
        
 
O  CRISTO  MODERNO

Irmão Saulo

A modernidade da Cristo não está na figura de gravata e chapéu que tentaram sobrepor à sua imagem clássica. Está na interpretação nova do Cristo que surge das pesquisas históricas e da revelação espiritual que rompe o túmulo da letra. Sepultado na letra que mata, durante dois milênios, o Cristo ressuscita para o terceiro milênio no espírito que vivifica, segundo a expressão paulina. É a nova ressurreição no terceiro dia, cada dia correspondendo a um milênio.
O Cristo ressuscitado substitui o Cristo morto da tragédia grega da Paixão. Não mais o vemos pregado na cruz ou enterrado junto ao Calvário. O homem moderno sente o Cristo ao seu lado. Se todos ressuscitamos e continuamos atuantes na vida, por que motivo o Cristo, Nosso Senhor, continuaria morto? Essa tese é do apóstolo Paulo em sua I Epístola aos Coríntios, mas só agora se impõe à consciência do mundo. Porque só agora o mundo está preparado para compreendê-la. Os mitos do passado se dissolvem à luz da razão esclarecida e a fé se renova ante as conquistas da Ciência, até agora acusada de inimiga da Fé.
Graças a isso Maria Dolores pôde ver, neste Natal, o homem moderno, junto à sua construção descomunal, dialogar solitário com o Cristo moderno que é o seu contemporâneo de todas as encarnações e reencarnações, no passado, no presente e no futuro. A figura clássica do Cristo sobrevive intacta ao longo da História, porque não é a figura de um homem do passado, mas o ideal humano que todos buscamos, o arquétipo divino que nasce do mito para a realidade vivencial de todos os tempos.
O pranto mudo em que o homem se cala, nasce da fonte oculta das suas desilusões. De que valem as conquistas da Ciência e as construções descomunais, se a inteligência vitoriosa continua faminta de paz e amor? O reconhecimento dessa realidade áspera lembra o instante em que a vara de Moisés fez brotar a água do coração da rocha. Este é o Natal do reencontro. No fundo de si mesmo o homem moderno vê nascer o novo Cristo que, no entanto, é o companheiro de sempre a oferecer-lhe as diretrizes de paz e amor.
 
Do livro Diálogo dos Vivos. Espíritos Diversos.
Psicografia de Francisco Cândido Xavier e J. Herculano Pires.
 
 

NO MOMENTO DE JULGAR


                                               
Emmanuel

No momento de julgar alguém, como poderás julgar esse alguém, de todo, se não conheces tudo?
Terá sucedido um crime, estarrecendo a multidão.
Suponhamos que um homem desequilibrado haja posto uma bomba em certa casa, no intuito de destruir-lhe os moradores. Entretanto, por trás dele estão aqueles que fabricaram o engenho mortífero; os que o conservaram para utilização em momento oportuno; os outros que lhe identificaram o perigo, aprovando-lhe a existência; e aqueles outros ainda que, indiferentes,lhe acompanharam o fogo no estopim, se a mínima disposição de apagá-lo.
De que maneira medirias o remorso do espírito de um homem assassinado, na hipótese desse mesmo assassinado haver provocado o seu contendor até que o antagonista lhe furtasse o corpo, num instante de insanidade? E como observarias o pesar do semelhante, à vezes, ilhado no fundo de uma penitenciária, na posição de um vivo-morto, quando o imaginado morto permanece vivo? E com que metro verificarias o sofrimento de um e outro?
Com que pancadas ou palavras agressivas conseguirias punir, durante algumas horas, a criatura menos feliz que já carrega em si o tormento da culpa, à feição de suplício que lhe atenaza o coração, noite e dia?
Ante a queda moral de alguém, é mais razoável entrarmos para logo no assunto, na condição de partícipes dela, antes que nos alcemos à indébita função de censores.
Não precisaríamos tanto de justiça, se não praticássemos a injustiça e nem tanto de medicina se não tivéssemos doença.
Necessitaríamos, porventura, na Terra, de tantas e tão multiplicadas lições, em torno do bem, se o mal não nos armasse riscos, quase que em todas as direções do Planeta?
E onde estão aqueles que estejam usufruindo a glória da instalação segura no bem, sem o prejuízo de algum mal, ou aqueles outros que atravessam os espinheiros do mal, sem a vantagem de algum bem?
No momento de julgar, peçamos a Inspiração da Providência Divina para os magistrados que as circunstâncias vestiram com a toga, a fim de que acertem, nas suas decisões,em louvor do equilíbrio geral, porquanto é tão delicado o encargo de juiz chamado a interferir no corpo da ordem social, quão difícil é a tarefa do cirurgião convocado para interferir no corpo físico.
E quanto a nós outros, os que não somos trazidos a sentenças de lei, já que não nos achamos compromissados para isso, usemos a sobriedade e a compaixão em todos os nossos processos de vivência pessoal no cotidiano, conscientes, quanto devemos estar, de que os justos são as âncoras dos injustos e de que os bons constituem a esperança para todos aqueles que a maldade ensandece.
No momento de julgar, ainda que te coloquem no último banco, entre os últimos réus, e mesmo que se te negue o direito de defender a própria consciência edificada e tranqüila, a ninguém condenes, nem mesmo àqueles que, porventura, te condenem.
Usa sempre a misericórdia e acertarás.
Digitado por: Ismael Soares de Almeida

O TÚNEL MEDIÚNICO

Irmão Saulo

 Na hora em que a descoberta da antimatéria pela Física levanta a hipótese dos universos duplos, cientificamente elaborada, a imagem do túnel mediúnico reveste-se de maior expressão. Essa imagem é também uma elaboração científica, e por sinal do eminente físico inglês Sir Oliver Lodge que sustentou o seguinte: Vivemos num mundo só, num verdadeiro Universo, mas que deve ser compreendido como Universo, dividido em duas partes. De um lado fica a planície dos Homens e do outro o planalto dos Espíritos. Dividindo as duas regiões ergue-se a montanha desconhecida.
A curiosidade humana é imensa e desde todos os tempos os homens vêm cavando e perfurando a base da montanha no anseio de ver o que existe do outro lado.Pouco a pouco um túnel foi sendo aberto. E de súbito os homens começaram a ouvir pancadas surdas que vinham ao seu encontro. São os moradores do planalto que, impelidos pela mesma curiosidade, perfuram também o seu túnel. Dia a dia as pancadas se tornam mais audíveis de lado a lado. As duas equipes se aproximam e chegamos no momento em que a abertura do túnel se torna iminente.
Essa imagem encontra o referendo atual da hipótese físico-astronômica dos Universo duplos. Isaac Azimov, em seu livro “O Universo”, considerando que as partículas de antimatéria produzidas em laboratório explodem ao encontrar-se com partículas correspondentes de matéria,numa explosão dupla, em que as duas se desintegram, propõe a existência de um elemento intermediário que ao mesmo tempo separa e liga os dois universos. Esses elementos corresponde à teoria do fluido universal no Espiritismo, tendo as mesmas características genéticas, dinâmicas e funcionais desse fluido.
Por outro lado, essas características são as mesmas do perispírito, elemento procedente do fluido universal e que serve de ligação entre o espírito e o corpo,na constituição psicossomática do homem. E é graças a esse elemento intermediário que ocorrem os fenômenos mediúnicos, permitindo a comunicação dos Espíritos através de pessoas especialmente sensíveis,como no caso de Francisco Cândido Xavier. O túnel mediúnico se abre, assim, pelo duplo esforço dos médiuns e dos espíritos,no anseio recíproco de vencerem a morte e a separação, para atingirem a era cósmica da comunicação transespaciais e transtemporal.
Nesse irrefreável e surdo processo, que se desenvolve nas profundezas do próprio homem,à revelia da sua cultura sensorial e portanto exterior, os Espíritos se mostram mais interessados no desenvolvimento moral da Humanidade Terrena. Isso porque a evolução intelectual do homem já o capacita para a integração na Humanidade Cósmica, que povoa os Universos duplos pelo Infinito. Essa a razão por que Chico Xavier, no seu trabalho psicográfico de mais de 40 anos, tendo publicado até agora 116 livros, além de milhares de mensagens incursionando várias vezes pelo campo das Ciências - recebe maior quantidade de comunicações de natureza filosófica e moral.


Livro “Chico Xavier pede licença” Psicografia Francisco C. Xavier Autores diversos

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

ENTREVISTA PARA O FUTURO – 40 ANOS DEPOIS ( Em 1972 concedida por J.Herculano Pires)

ENTREVISTA PARA O FUTURO – 40 ANOS DEPOIS

Entrevista exclusiva que J. Herculano Pires concedeu a Jorge Rizzini, em 14 de julho de 1972, e que foi mantida inédita por 40 anos. A data lembra a Tomada da Bastilha, evento central da Revolução Francesa, ocorrido em 14 de julho de 1789.

J. Herculano PiresJorge Rizzini - Quem vos fala é Jorge Rizzini, e hoje é o dia 14 de julho do ano de 1972. E eu me encontro nesse momento na casa de Herculano Pires a fim de gravar, nesta fita, uma conversa assim, vamos dizer, que será julgada para a posteridade. Esta fita, não vamos divulgá-la na atualidade. É realmente o futuro; visa aos ouvintes do futuro. Isto é muito importante, porque é um depoimento que irá ficar na história do espiritismo, na história do movimento espírita de São Paulo e do Brasil. Informal, sem outro objetivo que não seja aquele de dar o parecer do Herculano Pires, o parecer atual de Herculano Pires, porém projetado no futuro. É uma visão, vamos dizer, à distância e vendo o futuro.
De modo que nós vamos, primeiramente, fazer a seguinte pergunta ao Herculano, porque se trata de um homem que tem realmente uma visão muito ampla, uma visão aprofundada das culturas de vários países e de várias épocas. Vamos perguntar ao Herculano o seguinte: suponhamos que Herculano Pires estivesse no século passado, vivendo na França, e visse nas livrarias de Paris O livro dos espíritos, de Allan Kardec, que então teria sido lançado neste dia. Como Herculano veria essa obra? Qual a impressão que teria após a leitura dessa obra?
J. Herculano Pires - Jorge Rizzini, você me dá uma oportunidade de fazer aqui, já que você não pretende divulgar imediatamente isto – esta é uma fita que vai ficar para o futuro –, eu nunca pensei que tivesse oportunidade de falar para o futuro. Acho que é uma pretensão muito grande, mas em todo caso, como você está abrindo esta porta, eu vou falar para o futuro.
Eu queria dizer a você que no século passado, e isto não é um sonho, uma ilusão, é uma convicção adquirida através de pesquisas que eu fiz – que nunca revelei a ninguém –, mas que eu fiz levado por uma revelação, uma revelação completamente inesperada através de um médium inteiramente ignorante no assunto, e que me abriu o caminho para uma possibilidade muito interessante. Vamos esclarecer isto. No século passado, eu estive na França realmente, mas não era francês; eu era português, eu morava em Portugal, tive uma encarnação em Portugal. Eu fui parar na França como exilado, e como exilado eu tomei conhecimento do espiritismo.
Mas não aceitei o espiritismo, porque eu era católico, e era um tipo de católico muito interessante – muito comum, aliás, em Portugal naquela época –, um católico que discordava dos padres, brigava com o clero e não aceitava muito o catolicismo. O meu desejo era encontrar uma forma de fazer o cristianismo voltar ao seu estado primitivo, quer dizer, voltar à verdade pura do Cristo. Era este o meu desejo. Como naquela época eu era também jornalista, como sou hoje, isso ficou gravado em alguns jornais portugueses – e se pode constatar –, de modo que isso me facilitou muito a verificação da realidade.
Jorge Rizzini - Um pormenor, Herculano: você se lembraria do nome que então você tinha?
J. Herculano Pires - Eu não quero dizê-lo Rizzini, você me perdoa isso; mas eu não quero dizer. Eu sei que nessa ocasião...
Jorge Rizzini - Mas é uma fita para o futuro!
J. Herculano Pires - Sim, mas o futuro depois verá. Mas eu tive então a oportunidade de saber que estava se processando uma nova revelação, aquela coisa toda. Mas como católico, eu tinha ideia de que Portugal era um país profundamente católico e que qualquer infiltração de outra religião lá seria prejudicial, porque o povo não estava à altura – segundo eu pensava – de aceitar uma nova concepção de Deus. Então eu não adotei o espiritismo, continuei católico até o fim, mas um católico às avessas porque completamente em luta com o próprio clero.
Então eu diria a você: eu não tenho certeza se eu vi algum livro espírita. Eu sei que tive conhecimento do espiritismo, mas se eu visse O livro dos espíritos em Paris nesse dia 14 de julho, naquela época, na Tomada da Bastilha, na data da Tomada da Bastilha, certamente não teria o impacto que hoje me provocaria essa visão. Porque não sabia ainda o que era o espiritismo, nem compreendia, nem tinha possibilidade de saber que o espiritismo realizava aquele meu sonho, o sonho da volta ao cristianismo primitivo. Só depois de passar para o mundo espiritual foi que eu tive contato pleno com a nova revelação.
E interessante: foi no espaço em que eu me tornei espírita. Quando eu vim para a Terra, portanto, nascendo aqui no Brasil, dessa vez, e nascendo em Avaré, no estado de São Paulo, no dia 25 de setembro de 1914...
Jorge Rizzini - Um menino católico também...
J. Herculano Pires - Também de uma família católica, tendo educação católica, eu, entretanto, já trazia ideias espíritas bem acentuadas, que foram se revelando em mim independentemente de qualquer influência exterior, de maneira que, agora sim, se eu tivesse depois disso um encontro com O livro dos espíritos, numa livraria de Paris, para mim seria uma grande emoção, uma emoção extraordinária.
Allan KardecJorge Rizzini - E se você encontrasse, nesta hipótese, por uma das ruas do centro de Paris, de súbito, ao dobrar uma esquina, a figura de Allan Kardec?
J. Herculano Pires - Bom, se eu encontrasse agora, nesta época, quer dizer, depois que sou espírita, então para mim seria uma coisa extraordinária, porque Allan Kardec representa para mim a figura exponencial dos novos tempos na Terra. Assim como Jesus veio para implantar no mundo o reino de Deus, e realmente realizou esse trabalho maravilhoso de implantação do reino de Deus, ele o implantou no coração e na consciência dos homens, dos poucos homens que foram capazes de compreendê-lo até hoje, mas implantou na Terra.
E esse reino de Deus vai se desenvolvendo lentamente através dos séculos e vai se realizando apesar dos homens, de maneira que Jesus representou essa figura extraordinária, e Kardec é o seu continuador. Kardec foi aquele que veio trabalhar na era decisiva da implantação do reino de Deus em maior amplitude, quando o reino de Deus vai se efetivar na Terra. Kardec é que trouxe – recebendo o amparo do Espírito da Verdade, a revelação que o Espírito da Verdade transmitiu – esta possibilidade extraordinária de abrir as perspectivas do mundo para uma era inteiramente nova, que está nascendo aos nossos olhos neste momento, neste século 20.
Jorge Rizzini - Muito bem, Herculano. Então se passaram cento e tantos anos que Allan Kardec fez a codificação da doutrina espírita no planeta Terra. Pois bem, como você vê hoje, cento e tantos anos depois, a doutrina espírita em face da humanidade atual?
J. Herculano Pires - Vejo a doutrina espírita, nesse momento, como a única solução para os problemas que afligem a nossa humanidade. Realmente é ela que traz o remédio para todos os males do planeta. Por quê? Porque ela indica os caminhos em todos os sentidos, ela representa, neste momento na Terra, o alicerce de uma nova civilização: a civilização do futuro – para a qual talvez nós estejamos falando nesse momento.
Essa civilização do futuro será construída pelos lineamentos da doutrina espírita. A doutrina espírita é o planejamento geral dessa civilização, e ela está se erguendo nesse sentido, sobre esses alicerces – os alicerces da codificação –, incluindo-se também na codificação, é conveniente dizer, os doze volumes da Revista Espírita do tempo de Allan Kardec, redigidos por ele. Incluindo-se aí, nós temos então um vasto alicerce sobre o qual se desenvolverá a civilização do futuro. Isso nós estamos vendo agora, Rizzini, neste momento, porque nós estamos vendo que tanto no campo das ciências, quanto da filosofia, quanto no campo da religião, os lineamentos do espiritismo estão sendo cumpridos, estão sendo seguidos para a construção de um novo edifício.
Jorge Rizzini - Bem, Herculano, você acaba de abrir um parêntese aqui. Nós vamos formular, de acordo com o que você disse, três perguntas que são básicas para esses ouvintes. Primeira pergunta: como você vê, em face da evolução dos nossos dias, o aspecto científico do espiritismo? É a primeira pergunta. A doutrina espírita responde aos anseios, às interrogações da ciência moderna, nesse momento em que o homem está buscando novos mundos através da astronáutica?
J. Herculano Pires - Você tocou no ponto importante para se desenvolver o problema. Realmente, a simples pesquisa cósmica que se está fazendo neste momento já vem confirmar um dos pontos básicos do espiritismo. É o espiritismo no campo do pensamento moderno, aquela doutrina que afirmou e que vem afirmando há quase um século e meio, vem sustentando a existência real dos mundos habitados no espaço. Assim, o espiritismo precedeu de mais de um século o advento da astronáutica.
Isto bastaria para mostrar que no campo das ciências, nós encontramos no espiritismo uma antecipação muito grande a todas as conquistas atuais, porque a astronáutica, ela não resulta apenas de uma tentativa isolada de penetração no cosmos; a astronáutica resulta de um conjunto de evoluções científicas, de processos de desenvolvimento em vários campos da ciência que permitiram então essa tentativa cósmica. Mas, considerando que a ciência que mais contribuiu para esse desenvolvimento foi a física, nós podemos examinar no campo da física o que se passa neste momento. Nós sabemos que depois da penetração, na estrutura da matéria através da física atômica e depois da física nuclear, nós agora já estamos além da matéria com a descoberta, pela física, da antimatéria.
Ora, a descoberta da antimatéria representa inegavelmente um rompimento de toda estrutura puramente materialista da física do século 18 e do século 19. A física perde, por assim dizer, a sua qualidade de ciência da matéria, porque ela já passou a investigar o campo da antimatéria, reconhecendo que essa antimatéria, não obstante esteja presente junto à matéria, não obstante se entranhe, por assim dizer, na matéria, interpenetrando-a, esta antimatéria não é matéria. Por isso mesmo que lhe dá o nome de antimatéria. Ela representa um outro elemento. E, além disso, nós sabemos que esta conquista da física projetou-se, por exemplo, na astronomia, de uma maneira bastante significativa, porque os astrônomos, diante das conquistas progressivas da física no campo na antimatéria, passaram a admitir a existência de mundos de antimatéria.
Esses mundos de antimatéria no cosmo podem ser considerados por nós, espíritas, como aqueles elementos que constituem o outro mundo, o mundo espiritual de que fala o espiritismo. Ora, descobrindo-se então a existência dos mundos espirituais no espaço, nós estamos em face de uma perspectiva inteiramente nova nas ciências e que vem confirmar princípios básicos do espiritismo. Mas, caminhando ainda no campo da astronomia, nós veremos que até certos enganos verificados nesse processo científico deram resultados favoráveis ao espiritismo.
Isaac AsimovEu quero lembrar aqui, por exemplo, uma teoria exposta no livro de Isaac Asimov sobre o universo, uma teoria que ele formulou para explicar a possibilidade da existência simultânea de mundos de matéria e de antimatéria no espaço. De acordo com o que pensavam os cientistas até há pouco tempo, até a questão de uns dois ou três anos atrás, de acordo com o que pensavam os cientistas, os mundos de antimatéria eram completamente isolados, distanciados dos mundos de matéria. Não poderia haver um encontro, um contato desses mundos, porque eles explodiriam. Isso em virtude do quê? Em virtude de pesquisas de laboratório, onde a criação, a produção de uma partícula que fosse, uma partícula mínima atômica de antimatéria, essa produção não tinha duração, porque ela mal se encontrava com a partícula contrária de matéria, da sua mesma natureza, mas oposta, e as duas explodiam e, dessa explosão, resultava a formação de raios gama.
Então os cientistas chegaram à conclusão de que como há fontes no espaço, grandes fontes distanciadas da Terra, de raios gama, que eram captados aqui, essas fontes deviam representar explosões de mundos materiais e antimateriais que se encontraram. Pois bem, esta teoria levou então os cientistas a procurarem uma hipótese para a explicação da possibilidade de mundos materiais e antimateriais permanecerem conjuntamente no espaço, sem explodir durante milhões e milhões de anos. E a conclusão foi a seguinte: a hipótese mais aventada e que mais conseguiu sustentação foi a que Isaac Asimov expõe nesse livro, a hipótese de que no seu estado natural, grandes massas de antimatéria constituindo mundos, e de matéria também, ao se encontrarem, elas não provocavam explosão imediata porque, agindo uma sobre a outra, produziam um terceiro elemento, que seria uma espécie de intermediário entre a matéria e a antimatéria. A este elemento eles deram o nome de fluido. Um fluido ainda desconhecido, que separava os dois mundos e permitia que eles vivessem conjuntamente.
A explicação de Asimov é muito curiosa, porque ele diz que quando uma gota d’água cai na chapa do fogão, a gota não se evapora imediatamente, porque ao tocar a chapa ela produz vapor; o vapor a levanta sobre a chapa, ela fica no ar, e então continua ainda a existir durante um certo tempo, graças ao vapor que separa a chapa do fogão da água. Esta é a explicação que ele deu para se ter a ideia da possibilidade da convivência dos dois mundos no espaço, de matéria e antimatéria. Pois bem, essa explicação coincide com a teoria espírita do perispírito, que permite a existência conjunta do espírito e da matéria, do corpo material.
O corpo perispiritual, que é considerado no espiritismo como semimaterial, segundo nós vemos no Livro dos espíritos – quer dizer, contendo elementos de matéria e elementos espirituais –, este corpo serve de intermediário entre o espírito e a matéria. Pois bem, a teoria física para explicação da convivência de mundos de antimatéria e mundos de matéria no espaço vem reproduzir simplesmente no plano cósmico a teoria espírita existente para o microcosmo, que é o nosso corpo.
Acho que este passo da ciência é de grande importância. Mas sabemos que posteriormente, dois ou três anos depois, os cientistas soviéticos materialistas descobriram, nas suas pesquisas de laboratório, que a antimatéria existe aqui mesmo na Terra, e ligada mesmo ao átomo; o antiátomo e o átomo estão interpenetrados. Esta outra descoberta traz uma posição também muito favorável ao espiritismo, porque vem confirmar a interpenetração de espírito e matéria, que é sustentada como fundamento da doutrina espírita.
Jorge Rizzini - E você acredita, Herculano Pires, que a ciência materialista dos nossos dias, que já fez essas descobertas formidáveis, que confirmam pelo menos em parte o que a doutrina espírita vem apregoando há mais de um século, você acredita que essa ciência materialista, em particular a parapsicologia, essa ciência irá comprovar todos os fenômenos que Allan Kardec, há mais de cem anos, comprovou e deu em miúdos, em trocados, no seu livro O livro dos médiuns?
Joseph Banks Rhine J. Herculano Pires - Nem há dúvida a respeito. Nem há dúvida pelo seguinte: porque você falou da parapsicologia. Bom, nós estamos falando da física. A física é, como disse o professor Rhine – que é um dos fundadores da parapsicologia moderna –, a física foi até agora a ditadora das ciências. Todas as ciências seguiram os métodos físicos de pesquisa e basearam-se sempre nos conceitos físicos para a sua formulação de hipóteses e as suas concepções. Pois bem. Apesar disso, a física, como nós vimos, já rompeu os limites físicos da sua estrutura, ela penetrou no campo do espírito.
Quanto à parapsicologia, ela não é propriamente uma ciência que possa ser incluída no campo materialista. Aliás, foi uma das declarações mais importantes dos seus fundadores, tanto o professor Willian McDougall, inglês, quanto o professor Joseph Banks Rhine, norte-americano, a declaração de que a parapsicologia era a ciência que dava o primeiro passo no rompimento do arcabouço materialista da nossa concepção científica do universo. Realmente era, porque quando ela provou, em 1940, depois de dez anos de pesquisa intensiva de laboratório, quando a parapsicologia provou a existência da telepatia e da clarividência, sendo em primeiro lugar a clarividência, ela já demonstrou aquilo que o professor Ernesto Bozzano dizia: demonstrou que existe no homem um conteúdo que não é físico, não é material.
William McDougall Então a parapsicologia deu um passo realmente anterior ao passo da física no rompimento do arcabouço materialista da nossa concepção do universo. Mas, na parapsicologia atual, nós já vemos que praticamente a escala de fenômenos paranormais, ou de fenômenos mediúnicos, registrados no Livro dos médiuns, desde a simples transmissão de pensamento até a clarividência, a precognição – ou visão do futuro –, a retrocognição e assim por diante, subindo essa escala, nós vamos passando pelos fenômenos teta, que são os fenômenos de manifestações do espírito, e vamos chegar até mesmo a este último fenômeno que está sendo investigado atualmente que é o da memória extracerebral, ou seja, chegamos ao campo da reencarnação.
Então vemos que a parapsicologia cobriu praticamente, a partir dos fenômenos mais simples, mais rudimentares, como a telepatia e a clarividência, cobriu todo o campo fenomênico do espiritismo. Quanto à materialização, que você lembrou, ela também está incluída, não só pelas pesquisas já feitas pela metapsíquica e que a parapsicologia atual aceita – mas pretende renovar no campo de pesquisas –, mas também pelas pesquisas feitas na parapsicologia sobre os fenômenos psicocinéticos, ou seja, de ação da mente sobre a matéria: os fenômenos chamados psi-kapa.
De maneira que no campo geral da fenomenologia espírita, a parapsicologia como ciência de tipo comum, ligada às ciências normais, sem nenhuma tentativa assim de colocação do problema em termos espíritas, ela já endossou praticamente toda a verdade espírita.
Jorge Rizzini - Perfeito. Vamos então à segunda pergunta, Herculano. E a sua resposta é dirigida aos ouvintes do futuro. Esta fita pretende ser guardada, ser doada ao Museu Espírita da Guanabara. Ela, portanto, pertence ao homem do futuro. Como você vê o espiritismo hoje, em 1972, em face da filosofia?
J. Herculano Pires - Esta pergunta é bastante interessante, Rizzini, porque realmente a filosofia espírita é uma filosofia de renovação, como nós já tivemos a ocasião de ver no início da conversa. É uma filosofia que pretende renovar inteiramente a nossa concepção do mundo, da vida e do homem, e que está – não apenas pretende –, porque ela está realmente na prática promovendo essa transformação.
Nós sabemos que no nosso século, o século 20 em que estamos, a filosofia característica desse século, considerada por todos os que conhecem o assunto, é a chamada filosofia da existência, a filosofia existencial ou, como alguns chamam, o existencialismo. Pois bem, no campo da filosofia da existência, nós temos várias divisões: temos o seu nascimento, por exemplo, no meio puramente protestante, com Søren Kierkegaard. Mas temos também o seu desenvolvimento no campo católico, com Gabriel Marcel, na França, e temos o desenvolvimento também na Alemanha, no campo protestante dessa filosofia, com grandes pastores e grandes pensadores.
E temos, como sabemos, na França, ainda, o grande desenvolvimento dessa filosofia no campo, não digo materialista, mas pelo menos no campo do ceticismo e ligada praticamente ao ateísmo, que é a corrente que tem à sua frente Jean Paul Sartre. O existencialismo sartriano é a filosofia da negação, a filosofia do nada. Mas quando nós investigamos o problema do existencialismo em relação com o espiritismo, nós vemos que o espiritismo se antecipou mais de cem anos ao aparecimento, ao desenvolvimento desta filosofia em nosso tempo. Não digo propriamente o aparecimento, porque Kierkegaard é praticamente um contemporâneo de Kardec.
Søren KierkegaardMas Kierkegaard não fundou uma filosofia; ele apenas deu as notas fundamentais que seriam desenvolvidas posteriormente e que tomariam então, em nosso século, o aspecto de filosofia da existência. Portanto, o problema foi colocado, mas não desenvolvido. Ora, nós verificamos o seguinte: a filosofia da existência tem por finalidade examinar o problema do ser através da existência. A existência nos oferece a possibilidade de uma investigação do ser, não apenas no campo do pensamento abstrato, através da cogitação filosófica, mas diretamente no estudo do homem. O homem é o ser que está concretizado na Terra, manifestado na Terra. Esse homem manifestado na Terra, ele nos oferece uma possibilidade de abordagem para o estudo filosófico do ser, de maneira, podemos dizer, quase concreta.
Pois bem, essa tentativa da filosofia da existência, que inverte os termos da filosofia clássica, em vez de partir do exame dos problemas puramente espirituais para a indagação filosófica, parte da existência viva do homem na Terra – essa posição é precisamente a posição espírita. Quando Kardec afirmou que nós temos de investigar a natureza do homem através da mediunidade – porque a mediunidade oferece um novo campo para a descoberta dessa verdadeira natureza humana –, ele já se colocava na mesma posição de Kierkegaard, com uma diferença: que Kierkegaard partia, como teólogo, de uma posição abstrata, ao passo que Kardec partia, como cientista, de uma posição concreta.
Ele submetia a criatura humana a todas as experiências necessárias para investigar a realidade essencial do homem. E foi através dessa investigação que ele descobriu não só o espírito humano encarnado, mas também a possibilidade das comunicações e manifestações dos espíritos desencarnados. Isto é de importância muito grande. A filosofia da existência implica ainda no exame da importância da existência do homem na Terra, e do seu destino, o seu destino após o terminar a existência.
Podemos lembrar, por exemplo, que Martin Heidegger, na Alemanha, que foi praticamente um dos mestres de Sartre, Martin Heidegger na sua filosofia do ser – ele que se nega a se chamar existencialista, mas que se inclui na filosofia da existência, porque a sua posição é tipicamente existencial –, ele na sua filosofia do ser afirma o seguinte: que o homem, ou melhor, o ser se completa na morte... [inaudível] E de experiências de vital importância para ele, e ele completa realmente um ciclo da sua evolução, partindo então para uma experiência no espaço, da qual voltará em nova existência na Terra. Como vemos, a filosofia, no campo da filosofia, o espiritismo está também confirmado pela mais recente corrente de filosofias atuais, sem contar as confirmações anteriores, que vêm desde Platão, desde os gregos, através de todo espiritualismo na filosofia clássica.
Jorge Rizzini - Perfeito, Herculano Pires. E vamos então à terceira pergunta básica, para os ouvintes do futuro. Como você enxerga, qual a visão que você tem do espiritismo, do ponto de vista religioso, em face do mundo moderno e em face das religiões atuais, em geral?
J. Herculano Pires - Nesse campo também nós assistimos aquilo que podemos dizer uma verdadeira corrida do pensamento contemporâneo em direção aos princípios espíritas. Poderíamos lembrar, por exemplo, inicialmente, no campo do catolicismo, o catolicismo romano, que tem sido o mais renitente, o mais teimoso em permanecer no passado. Nós vemos que a Igreja Católica Apostólica Romana apresenta-se fragmentada e profundamente abalada em nosso tempo. E fragmentada não apenas na sua estrutura religiosa, social e política, mas também fragmentada no tocante ao seu pensamento, à sua solidez teológica, que desapareceu ao impacto do mundo moderno.
Então nós vemos as renovações que se passam no catolicismo, todas elas na direção da verdade espírita. Poderíamos falar exteriormente, no tocante ao culto, à liturgia, às transformações, seguindo essa tese famosa, que se tornou famosa em nosso tempo, do esvaziamento da Igreja, no sentido de esvaziar a Igreja de todos os acessórios que lhe foram dados através dos séculos, para que ela possa voltar ao cristianismo primitivo. A eliminação das imagens, dos altares excessivos, de todos os enfeites que existem na Igreja, a eliminação do ritualismo, de tudo isso que está realmente desaparecendo. Isso tudo está mostrando que, do ponto de vista exterior, as religiões – isto não se passa apenas no catolicismo, como sabemos, mas nas demais religiões –, estão caminhando para aquela simplicidade primitiva do cristianismo que o espiritismo sustenta, defende e prega. Mas no campo teológico, que é o mais importante porque é o substancial, é o campo do pensamento dirigindo as igrejas, nós encontramos essa revolução extraordinária que está aí.
Pierre Teilhard de ChardinPor exemplo, a teologia do padre Teilhard de Chardin no catolicismo. O padre Teilhard de Chardin foi quase fulminado pelos anátemas dos seus contemporâneos. No entanto, agora, a Igreja está caminhando rapidamente para a aceitação de todas as teses do padre Chardin. E quais são essas teses? Basta dizer que o padre Chardin nos parece, quando nós lemos o seu livro fundamental, O fenômeno humano, ou qualquer outro dos seus livros, nos parece um decalque, ou simplesmente uma cópia carbono, modificada um pouco para se adaptar ao pensamento católico, dos livros de Léon Denis, que foi o continuador de Allan Kardec, o discípulo dele.
Jorge Rizzini - Aproveitando essa deixa, vamos abrir um parêntese: você acredita então, Herculano Pires, que a doutrina espírita, avançando como está, avançando dia a dia por toda a superfície da Terra, acredita que o espiritismo, pelo seu desenvolvimento no sentido da amplitude do movimento espírita de todos os países, acredita que o espiritismo irá dominar totalmente, as religiões irão desaparecendo aos poucos, em face das conversões do povo, das massas?
J. Herculano Pires - Rizzini, eu não encaro precisamente assim. Eu acredito que a função do espiritismo, como, aliás, queria Kardec desde o princípio, ele não pretendeu, segundo ele declara positivamente, inclusive no livro O que é o espiritismo, ele não pretendeu de maneira alguma fazer uma nova religião, entre tantas religiões existentes na Terra. Ele queria, como codificador do espiritismo, dar uma contribuição para a modificação das religiões, para a modificação da concepção humana a respeito da vida na Terra.
Essa contribuição é que era importante, era a que ele dava grande importância. Mas nós sabemos que o Espírito da Verdade, em suas comunicações com Kardec, e outros espíritos pertencentes à sua falange, deram grande importância ao problema religioso. Por quê? Porque o problema religioso é fundamental. O homem que não estiver integrado numa concepção religiosa profunda, ele não tem as possibilidades da evolução necessária, não se abrem diante dele as perspectivas do futuro como devem se abrir. É necessário que haja religião.
Eu entendo que o espiritismo não irá dominar a Terra, como uma forma religiosa. Entendo que ele fará o que o cristianismo fez, com relação à transformação do mundo antigo, o mundo clássico greco-romano. Nós sabemos que o cristianismo modificou esse mundo em todos os seus aspectos; modificou no campo da política, modificou no campo jurídico, no campo filosófico, no campo das estruturas sociais, enfim, em todos os sentidos ele modificou, de acordo com os seus lineamentos, os lineamentos cristãos. Estes lineamentos não eram perfeitos, a modificação não foi total. Mas o espiritismo está realizando o completamento dessa obra; o espiritismo está transformando tudo através da influência dos seus princípios fundamentais, porque esses princípios correspondem à realidade, correspondem à verdade.
Jorge Rizzini - Mas o espiritismo, dominando, penetrando em toda a humanidade, reformando, trazendo à humanidade uma nova cultura, uma nova visão de Deus, uma nova visão do destino, uma nova visão cósmica, as religiões irão subsistir?
J. Herculano Pires - Acredito que as religiões podem subsistir. Não todas, é claro, porque há religiões ainda tão retrogradas, tão atrasadas mesmo no seu desenvolvimento, que não podem atingir o futuro, a não ser que se reformulem totalmente. Mas nós sabemos que uma característica do ser, ou seja, da criatura, seja ela humana ou divina, uma característica é a sua individualidade. Cada criatura humana é uma posição na corrente do tempo, assim como um barqueiro na corrente de um rio tem a sua posição própria e o outro tem outra. Cada consciência humana tem, portanto, a sua própria posição diante da vida, do mundo e dos problemas humanos.
Então, nós sabemos que os homens nunca poderiam ser totalmente aglomerados numa posição única. E essas diferenças individuais produzem também as diferenças de agrupamentos. Assim como, apesar do domínio do cristianismo durante os dois mil anos decorridos – apesar do domínio do cristianismo, nós vimos que ele se fragmentou em numerosas posições, determinadas pelas seitas religiosas –, também acredito que a modificação produzida pelo espiritismo não será igualitária do homem, não irá estabelecer uma igualdade absoluta, mas irá criar a possibilidade de uma sintonia, no tocante aos problemas fundamentais. Isto sim. Isto caracterizará a era espírita que, para nós, está surgindo agora no século 20.
Essa era espírita está marcando já os pontos fundamentais, para os quais estão convergindo todas as correntes do conhecimento, como nós vimos no campo da ciência, da filosofia e da religião. É nesse sentido que eu acredito que haja uma igualdade, não total, não massiva, por assim dizer, mas uma igualdade num plano abstrato do pensamento, numa concentração de todos os espíritas para os pontos fundamentais da doutrina espírita.
Jorge Rizzini Jorge Rizzini - Todavia, Herculano, ainda abordando esse aspecto, que é muito importante: com a evolução da técnica, com a evolução da sociedade, da humanidade em geral, escolas, faculdades, universidades, a humanidade alfabetizada, porque está marchando para isso, o problema da fome sendo resolvido no futuro com a técnica, com a ciência, e todos os povos tendo conhecimento da doutrina espírita, espalhando-se centros por todo o nosso orbe, você não acredita que esta humanidade lúcida, culta, consciente da sua posição em face do universo, você não crê que não haverá então, em nosso planeta, condição para as religiões vigentes?
J. Herculano Pires - Acho, Rizzini, que realmente a transformação será tão grande, que nós não podemos prever certos aspectos. E é até uma temeridade nós querermos falar deste assunto para o futuro. Mas em todo o caso, nós estamos dando a medida do nosso alcance no presente.
Jorge Rizzini - Mas eu estou me referindo ao futuro sem marcar data, lembre-se disso.
J. Herculano Pires - Sim, não há dúvida. Mas de qualquer forma, o futuro sempre virá trazendo coisas em que nós nem sequer pensamos hoje. Mas eu acredito que realmente não haverá necessidade de insistirmos no domínio, por exemplo, do pensamento espírita, no sentido como nós o conhecemos hoje, para todo mundo. O importante é que o espiritismo sirva de fermento, aquele fermento de que fala Jesus no Evangelho, o fermento que modifica, que leveda a massa do mundo e a transforma. É esta a grande função do espiritismo.
E ele não tem mesmo pretensões a um domínio religioso, porque ele acha – e os seus postulados são bem claros nesse sentido – que deve haver sempre, como base fundamental para a evolução das criaturas, o princípio da liberdade, sem o qual não haverá também o princípio da responsabilidade. Ora, a liberdade de cada indivíduo e a liberdade de grupos de indivíduo é que possibilitará, dentro mesmo da concepção espírita da vida, que irá dominar o planeta – a concepção espírita sim, esta irá dominar totalmente o planeta –, haverá a possibilidade de formações, de agrupamentos, de ponto de vista religioso, que possam divergir de outros agrupamentos. Acho que poderá haver realmente diversidade de religiões, mas sempre dentro de uma norma geral, que será a norma espírita.
Jorge Rizzini - Bom, de qualquer maneira, é a implantação da doutrina espírita, não nos seus detalhes, mas no seu conjunto na Terra. Seria?
Humberto MariottiJ. Herculano Pires - Sim, o espiritismo, como nós analisamos ao falar da ciência, filosofia e religião, o espiritismo está, como aquilo que escreveu Humberto Mariotti, o nosso companheiro da Argentina: o espiritismo está como uma estrela de amor no horizonte do mundo, esperando que todas as correntes do conhecimento cheguem até ela. A ciência está chegando, a filosofia está chegando, a religião está chegando, a estética está chegando, a técnica está chegando, a descoberta, por exemplo, agora recentemente pelos russos – pelos russos no seu pensamento materialista de Estado, sustentado pelo Estado –, a descoberta que eles fizeram do perispírito é um passo gigantesco no campo da técnica, mostrando que a técnica também está evoluindo para a pesquisa além da matéria e no campo espiritual.
Jorge Rizzini - E sem esquecer, Herculano, a contribuição dos próprios espíritos, através do fenômeno mediúnico.
J. Herculano Pires - Sim, é claro. É como dizia Sir Oliver Lodge: nós estamos trabalhando dos dois lados de uma montanha, furando um túnel, dizia ele. Do lado de lá está o mundo espiritual, do lado de cá o mundo material. Nós cavoucamos o túnel através da montanha, do lado de cá, mas os espíritos estão cavoucando do lado de lá. E vamos nos encontrar no meio do túnel.
Jorge Rizzini – Bem, Herculano, hoje, dia 14 de julho do ano de 1972 – até vamos dar a hora: exatamente às duas horas da madrugada –, vou pedir a você que dê a sua mensagem aos ouvintes, ao povo do futuro, sem data marcada, porque essa fita será apresentada através dos séculos. Nós, Herculano, lutamos muito, estamos em 1972, nós lutamos vinte, trinta anos consecutivos na defesa da doutrina espírita, em polêmicas, na defesa do Cristo, na defesa de Kardec, na defesa dos nossos princípios, na rádio, na televisão, nos jornais. Então eu peço a você, que traz este lastro, esse currículo maravilhoso na defesa da doutrina, que dê a sua mensagem de estímulo aos espíritas do futuro.
J. Herculano Pires - Eu acho, Rizzini, que a minha mensagem não poderá ser de estímulo a eles. Acredito que essa gente do futuro será tão superior a nós, terá tantas possibilidades maiores diante dela, que essa gente do futuro dispensaria qualquer palavra de estímulo de nossa parte.
Eu quero apenas saldar, nesses elementos do futuro, nesses homens maravilhosos de amanhã, nessas criaturas que irão povoar não só o nosso país, o Brasil, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, mas que irão povoar todos os países do mundo, quero saldar neles a aurora do novo mundo que está raiando na Terra. E quem sabe, Rizzini, se nós teremos a esperança de estar também presente nessa humanidade nova. Se nós fizermos jus a essa situação, quem sabe se estaremos participando daqueles que irão realmente efetivar na Terra a construção do reino de Deus, iniciada pelo Cristo há dois mil anos. É bem possível que isso aconteça.
Então, eu, deixando gravadas aqui essas minhas palavras, despretensiosamente – porque o problema delas serem reproduzidas no futuro não é nosso, é um problema que depende apenas dos organismos que forem guardar essa fita –; deixando essas palavras aqui, eu quero dizer a essa gente de amanhã que nós trabalhamos para que o amanhã se realizasse, nós lutamos aqui no Brasil, como lutaram outros na Europa, lutaram outros na América do norte, lutaram outros na América do sul, lutaram outros na Ásia, na África, por toda parte. Lutamos para que o espiritismo pudesse ser estabelecido na Terra como fundamento da nova civilização, do mundo do futuro.
Assim, nós temos de certa maneira um orgulho antecipado, uma satisfação, um encantamento prévio por aquilo que essa gente do futuro estará realizando. Porque nós todos fizemos o nosso esforço, e demos tudo o quanto pudemos para transformar o mundo bárbaro em que vivemos hoje, o mundo do século 20, que é ainda um mundo bárbaro, um mundo de violências, um mundo de guerras, um mundo de provas duríssimas, de tristes e amargos sofrimentos; transformar este mundo bárbaro naquele mundo de maravilhosa civilização, de elevação espiritual, de fraternidade humana, anunciado pelo Cristo no seu Evangelho. Nós procuramos fazer o possível, nas nossas imperfeições, com as nossas deficiências e dificuldades, nós batalhamos sem cessar para isso e continuaremos a batalhar.
Prise de la Bastille, por Jean-Pierre HouëlÉ assim que envio daqui, nessa noite de 14 de julho de 1972, em São Paulo, Brasil, no momento em que nós lembramos as lutas da Revolução Francesa, as lutas para a implantação no mundo do regime político mais suave, melhor; quando os pioneiros do momento em que nós estamos, no presente, também lutaram e sofreram como nós; lembrando a epopeia da queda da Bastilha e lembrando também que, na Revolução Francesa, nos ideólogos dessa Revolução, nas transformações que ela produziu no mundo, nós podemos encontrar muitas raízes, por assim dizer, do pensamento espírita, que se desenvolveram através do tempo – problema esse que eu procurei colocar no meu livro O espírito e o tempo, mostrando a Revolução Francesa como um episódio alegórico da história do mundo, um episódio em que o mito e a história se misturam de tal forma que muitas vezes se confundem.
Lembrando tudo isso, nós queremos dirigir também a nossa saudação neste momento à França de amanhã, à França que viu Kardec nascer, à França que viu o espiritismo nascer em seu seio, na cidade de Paris – que era então o cérebro do mundo –, à França que teve Léon Denis – aquele que Conan Doyle dizia ser um lutador contínuo através do espaço e do tempo –, de Gabriel Delanne, de Alexandre Delanne e de todos os demais, Flammarion, o grande Flammarion, que anteviu a era cósmica com tanta visão, tanta grandeza de visão.
À França de todos esses gênios e de todos os gênios que realmente lutaram para que o mundo se transformasse, nós queremos enviar daqui a nossa saudação à França de amanhã, à França do futuro, na esperança de que ela – que neste momento, no século 20, está ainda numa situação bastante inferior em face do desenvolvimento do espiritismo –, que ela tenha readquirido no futuro o seu elã espiritual, e através disso tenha realmente feito jus à sua condição de berço do espiritismo ao mundo, de berço da doutrina que trouxe a nova civilização. Esperamos muito da França, e temos a certeza de que, se Deus quiser, brilhará sobre a França, no futuro, o triunfo do espiritismo.
Jorge Rizzini - E aqui, ouvintes do futuro, fica o depoimento de José Herculano Pires. Que você possa tirar dessas palavras, saídas da inteligência e do coração de Herculano Pires, o melhor proveito. Que essas palavras sejam para você um estímulo, para que continue a praticar e a divulgar, a propagar a doutrina espírita, que é a redenção da humanidade, dessa humanidade que vai marchando gradativamente a caminho de Deus, que é o criador do universo, o criador da vida e o nosso verdadeiro pai. Que Deus nos abençoe hoje e sempre.

Fonte:http://www.herculanopires.org.br/entrevistaparaofuturo