O MORDOMO INFIEL
E'
admirável a maneira simples e clara com que o Mestre da Galiléia
abordava certos assuntos, tidos, até hoje, como complexos e difíceis
de serem apreendidos e solucionados. Jesus tudo esclarecia em poucas e concisas
palavras. Os homens, porém, acham que as medidas propostas pelo Instrutor
e Guia da Humanidade, acerca de vários problemas sociais, são
impraticáveis.
Mas a grande verdade, verdade que cada vez mais e mais se impõe, é
que os homens não conseguem resolver seus perturbadores problemas pelos
processos e meios que se afastam daqueles, indicados e preconizados por Jesus.
E' excusado tergiversar e contornar os casos. Os homens hão-de chegar
à conclusão de que só seguindo as pegadas daquele que "é
o caminho da verdadeira vida", lograrão sair do caos em que se acham.
A diferença entre os métodos humanos e aqueles adotados pelo divino
Mestre, está em que os homens experimentam, procurando acertar, enquanto
que Jesus vai, seguro e certo, ferindo o alvo, sem vacilações
nem delongas; está ainda em que os homens agem influenciados pelo egoísmo,
ao passo que o Filho de Deus atua sempre iluminado pelas claridades do amor,
visando ao bem coletivo.
Vamos, pois, meditar a Parábola do Mordomo Infiel. Vejamos como o Senhor
a concebeu, segundo o relato de Lucas — Cap. XVI, l a 13.
"Havia um homem rico que tinha um administrador; e este lhe foi denunciado
como esbanjador dos seus bens. Chamou-o, então, e lhe disse: Que é
isto que ouço dizer de ti? dá conta da tua administração;
pois já não podes mais ser meu administrador.
Disse o feitor consigo: Que hei-de fazer, já que o meu amo me tira a
administração? Não tenho forças para cavar, e de
mendigar tenho vergonha. Eu sei o que farei, para que, quando despedido do meu
emprego, tenha quem me receba em suas casas. Convocando os devedores do seu
amo, perguntou ao primeiro: Quanto deves ao meu amo ? Respondeu ele: Cem cados
de azeite. Disse-lhe então: Toma a tua conta; senta-te depressa e escreve
cinquenta.
Depois perguntou a outro: Quanto deves tu? Respondeu ele: Cem coros de trigo.
Disse-Ihe: Toma a tua conta e escreve oitenta. E o amo, sabendo de tudo, louvou
o mordomo infiel, por haver procedido sabiamente; porque os filhos do século
são mais sábios na sua geração do que os filhos
da luz. E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da iniquidade, para que,
quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos.
Quem é fiel no pouco, também será no muito; e quem é
infiel no pouco, também o será no muito. Se, pois, não
fostes fiéis nas riquezas iníquas, quem vos confiará as
verdadeiras? E se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará
o que é vosso?Nenhum servo pode servir a dois senhores; pois há-de
aborrecer a um e amar a outro, ou há-de unir-se a este e desprezar aqueles.
Não podeis servir a Deus e as riquezas.
Em tal importa, em sua literalidade, a Parábola do Mordo infiel. Para
sermos sintéticos, como é aconselhável que sejamos em crônicas
desta natureza, comecemos por interpretar as personagens que figuram neste conto
evangélico. Quem é o rico proprietário? Onde a sua propriedade
agrícola? Quem é o administrador infiel? Quem são os devedores
beneficiados pela astúcia do mordomo demissionário?
O proprietário prefigura indubitavelmente Aquele que é a Causa
Suprema e Soberana, Aquele que é a Causa donde procede o Universo: Deus.
Ele é o Senhor, criador, plasmador e mantenedor dos seres, dos mundos
e dos sóis. Nele vivemos e nos movemos, porque dele somos geração
— como disse Paulo de Tarso.
A propriedade a que alude a parábola é o planeta que habitamos:
a Terra. O mordomo infiel — somos nós; é o homem. A nossa
infidelidade procede do fato de nos apossarmos dos bens que nos foram confiados
para administrar. Somos mordomos dolosos porque praticamos o delito que juridicamente
se denomina — apropriação indébita.
Deste caráter são todos os haveres que retemos em mãos,
considerando-os nossa propriedade. A realidade, no entanto, é que daqui,
da Terra, nada é nosso. Não passamos de simples administradores.
Tanto assim, que o dia de prestação de contas chega para todos.
E' o que na parábola representa — a demissão. Todo mordomo
infiel será, com a morte, despedido da mordomia, despojando-se, então,
muito a contragosto, dos bens materiais em cuja posse se achava.
A despeito dos homens saberem que é assim, visto como estão vendo,
todos os dias, os abastados serem privados das suas riquezas, as quais passam
a pertencer, temporariamente, a terceiros, eles dedicam o melhor de sua inteligência
e dos seus esforços na conquista e na retenção dos bens
temporais. Iludem-se, deixando-se sugestionar com a idéia de posse. E,
nesse delírio, os homens vivem, porfiam e lutam há milênios,
sem que se convençam de que tudo, neste mundo, é precário
e instável.
Não
só as riquezas e fazendas não nos pertencem, como não são
igualmente nossos aqueles que estão ligados a nós pelos laços
da carne e do sangue. A esposa diz: meu marido. Este, de igual modo, reportando-se
à companheira, diz: minha esposa. De fato, porém, não é
assim. O estado de viuvez em que ficam homens e mulheres reflete, penosamente,
a grande verdade: daqui, nada é nosso.
Com que profundo e sagrado apego as mães dizem: meu filho! Eis que esse
filho das suas entranhas, carne da sua carne e sangue de seu sangue, é
chamado para o Além, e a mãe fica sem ele! O próprio corpo
com que nos apresentamos, essa vestidura carnal que nos dá a forma sob
a qual somos conhecidos, também não nos pertence, pois podemos
ser privados da sua posse.
E' assim tudo neste meio em que ora vivemos: nada é nosso. Somos meros
depositários e usufrutuários, por tempo limitado e incerto, de
tudo que nos vem às mãos, inclusive parentes, amigos, mocidade,
saúde, beleza até mesmo o indumento físico com que nos
achamos vestidos.
Não obstante, todos nos apegamos às coisas terrenas, como se realmente
constituíssem legítima propriedade nossa. O egoísmo age
em nós como velho instinto de conservação, determinando
nossa conduta. Pois bem, já que nos apossamos indevidamente da propriedade
que nos foi confiada para administrar, façamos, então, como o
mordomo da parábola em apreço. Que fez ele? Conquistou amigos
com a riqueza do seu amo. De que maneira? Convocando os devedores daquele, e
reduzindo as suas dívidas, para que, após a demissão do
cargo que exercia, pudesse contar com amigos que o favorecessem.
O
amo, sabendo desse procedimento, longe de censurar, louvou a prudência
e a sabedoria do mordomo. E Jesus termina a parábola, dizendo: Assim,
eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da iniquidade, para que, quando
estas vos faltarem, vos recebam eles, nos tabernáculos eternos.
E' bastante claro o conselho do Mestre, o qual pode ser assim resumido: já
que vos apoderais das riquezas terrenas como se fossem vossas, fazei ao menos
como este mordomo — isto é, beneficiai os que sofrem, atentai para
os necessitados, minorando as suas angústias e padecimentos. Toda vez,
pois, que acudimos as necessidades do nosso próximo, reduzimos a conta
dos devedores, de vez que toda a sorte de sofrimento importa, quase sempre,
em resgate de débitos passados.
Procedendo
desta maneira, quando, despojados dos bens terrenos, partirmos para os tabernáculos
eternos, teremos ali quem nos receba e acolha com bondade e gratidão.
Cumpre notarmos esta frase do Mestre: "Porque os filhos deste século
são mais sábios na sua geração do que os filhos
da luz. Quer isto dizer que o século, foi mais sábio, preparando
o seu futuro, aqui no mundo, dos que os filhos da luz, no que respeita ao modo
como procedem para assegurar o porvir que os espera após a morte.
Realmente, se os já esclarecidos sobre a vida futura agissem, procurando
garantir a sua felicidade vindoura com o afã e o denodo com que os homens
do século procedem no terreno utilitário, para satisfazerem suas
ambições, certamente aqueles já teriam galgados planos
superiores, deixando uma esteira de luz após a sua passagem por este
orbe de trevas.
Basta
considerarmos a soma dos esforços, de engenho, de arte, arrojo e sacrifício
que os homens empregam na guerra, para ver como os filhos do século vão
ao extremo, na loucura das suas ambições. Ora, o que não
conseguiriam os filhos da luz, se, na esfera do bem, agissem com tamanha dedicação?
Razão
tem o Mestre em proclamar que os homens
do século são mais esforçados e diligentes, nas suas empresas,
do que os filhos da luz em seus empreendimentos. Ratificando a assertiva de
que toda riqueza é iníqua, Jesus borda as seguintes considerações
: "Quem é fiel no pouco, também o será no muito; e
quem se mostra infiel no pouco, por certo o será também no muito.
Se, pois, não fostes fiéis nas riquezas iníquas, quem vos
confiará as verdadeiras? E se não fostes fiéis no alheio,
quem vos dará o que é vosso?
Nenhum servo pode servir a dois senhores: a Deus e às riquezas."
Está visto que o pouco, o iníquo e o alheio — que nos foram
confiados — representam os bens terrenos; ao passo que o muito, as nossas
legítimas riquezas estão expressas nos dons do espírito
— tais como a sabedoria e a virtude. Estes, porém, só nos
serão concedidos quando o merecermos, isto é, quando, experimentados
no pouco, tenhamos dado boas contas.
Conforme vemos, a moralidade desta parábola é clara e edificante,
envolvendo interessante caso de sociologia. Quando os homens se inteirarem de
seu espírito, deixarão de ser ávidos e cúpidos,
prestando o seu concurso aos menos favorecidos, não com aquela jactância
e vaidade dos que buscam aplausos da sociedade, nem com a falsa visão
dos que pretendem negociar com a Divindade uma posição de destaque
no Céu —, mas como o cumprimento de um dever natural, de quem sabe
que os bens terrenos não constituem privilégio de ninguém,
mas devem ser utilizados por todos os filhos de Deus que envergaram a libré
da carne neste mundo, a fim de resgatar as culpas do passado, elaborando, ao
mesmo tempo, as premissas de um futuro auspicioso.
Ao gesto de dar esmolas, eivado de egoísmo, e, não raro, de hipocrisia,
teremos a idéia de Justiça, derivada da compreensão das
responsabilidades assumidas pelos detentores de riquezas, provindas desta ou
daquela origem, pouco importa, visto como, consoante o critério evangélico,
elas são sempre iníquas. E o meio de justificá-las está
em proceder como o mordomo infiel, reduzindo a conta dos devedores, isto é,
minorando as angústias materiais do próximo.
São esses os ensinamentos que nos dão os Espíritos do Senhor,
que são as virtudes do Céu. Eles assim agem no desempenho do mandato
que lhes foi confiado, consoante a seguinte promessa de Jesus:— "Em
tempo oportuno, eu vos enviarei o Espírito da Verdade. Ele vos lembrará
as minhas palavras e vos revelará novos conhecimentos, à medida
que puderdes comportá-los."
Essa plêiade de Espíritos está em atividade. Não
há forças nem traças humanas capazes de sustar a sua ação,
a qual se exercerá; mau grado os interesses contrariados. Sua finalidade
é esclarecer as consciências, revivendo, em espírito e verdade,
a doutrina inconfundível de Jesus, o único Mestre, Senhor e Guia
da Humanidade, luz do mundo e caminho da verdadeira vida!
Vinícius
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