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sábado, 4 de maio de 2013

Conhecendo o Livro O Céu e o Inferno "Da proibição de evocar os mortos"

CAPÍTULO XI

Da proibição de evocar os mortos


1. - A Igreja de modo algum nega a realidade das manifestações. Ao contrário, como vimos nas citações precedentes, admite-as totalmente, atribuindo-as à exclusiva intervenção dos demônios. É debalde invocar os Evangelhos como fazem alguns para justificar a sua interdição, visto que os Evangelhos nada dizem a esse respeito. O supremo argumento que prevalece é a proibição de Moisés. A seguir damos os termos nos quais se refere ao assunto a mesma pastoral que citamos nos capítulos precedentes:
"Não é permitido entreter relações com eles (os Espíritos), seja imediatamente, seja por intermédio dos que os evocam e interrogam. A lei mosaica punia os gentios. Não procureis os mágicos, diz o Levítico, nem procureis saber coisa alguma dos adivinhos, de maneira a vos contaminardes por meio deles. (Cap. XIX, v. 31.) Morra de morte o homem ou a mulher em quem houver Espírito pitônico; sejam apedrejados e sobre eles recaia seu sangue. (Cap. XX, v. 27.) O Deuteronômio diz: Nunca exista entre vós quem consulte adivinhos, quem observe sonhos e agouros, quem use de malefícios, sortilégios, encantamentos, ou consultem os que têm o Espírito pitônico e se dão a práticas de adivinhação interrogando os mortos. O Senhor abomina todas essas coisas e destruirá, à vossa entrada, as nações que cometem tais crimes." (Cap. XVIII, vv. 10, 11 e 12.)
2. - É útil, para melhor compreensão do verdadeiro sentido das palavras de Moisés, reproduzir por completo o texto um tanto abreviado na citação antecedente. Ei-lo:
"Não vos desvieis do vosso Deus para procurar mágicos; não consulteis os adivinhos, e receai que vos contamineis dirigindo-vos a eles. Eu sou o Senhor vosso Deus." (Levítico, cap. XIX, v. 31.) O homem ou a mulher que tiver Espírito pitônico, ou de adivinho, morra de morte. Serão apedrejados, e o seu sangue recairá sobre eles." (Idem, cap. XX, v. 27.) Quando houverdes entrado na terra que o Senhor vosso Deus vos há de dar, guardai-vos; tomai cuidado em não imitar as abominações de tais povos; - e entre vós ninguém haja que pretenda purificar filho ou filha passando-os pelo fogo; que use de malefícios, sortilégios e encantamentos: que consulte os que têm o Espírito de Píton e se propõem adivinhar, interrogando os mortos para saber a verdade. O Senhor abomina todas essas coisas e exterminará todos esses povos, à vossa entrada, por causa dos crimes que têm cometido. ( Deuteronômio, cap. XVIII, vv. 9, 10, 11 e 12.)
3. - Se a lei de Moisés deve ser tão rigorosamente observada neste ponto, força é que o seja igualmente em todos os outros. Por que seria ela boa no tocante às evocações e má em outras de suas partes? É preciso ser conseqüente. Desde que se reconhece que a lei mosaica não está mais de acordo com a nossa época e costumes em dados casos, a mesma razão procede para a proibição de que tratamos.
Demais, é preciso expender os motivos que justificavam essa proibição e que hoje se anularam completamente. O legislador hebreu queria que 'o seu povo abandonasse todos os costumes adquiridos no Egito, onde as evocações estavam em uso e facilitavam abusos, como se infere destas palavras de Isaías: "O Espírito do Egito se aniquilará de si mesmo e eu precipitarei seu conselho; eles consultarão seus ídolos, seus adivinhos, seus pítons e seus mágicos." (Cap. XIX, v. 3.)
Os israelitas não deviam contratar alianças com as nações estrangeiras, e sabido era que naquelas nações que iam combater encontrariam as mesmas práticas. Moisés devia pois, por política, inspirar aos hebreus aversão a todos os costumes que pudessem ter semelhanças e pontos de contacto com o inimigo. Para justificar essa aversão, preciso era que apresentasse tais práticas como reprovadas pelo próprio Deus, e dai estas palavras: - "O Senhor abomina todas essas coisas e destruirá, à vossa chegada, as nações que cometem tais crimes."
4. - A proibição de Moisés era assaz justa, porque a evocação dos mortos não se originava nos sentimentos de respeito, afeição ou piedade para com eles, sendo antes um recurso para adivinhações, tal como nos augúrios e presságios explorados pelo charlatanismo e pela superstição. Essas práticas, ao que parece, também eram objeto de negócio, e Moisés, por mais que fizesse, não conseguiu desentranhá-las dos costumes populares.
As seguintes palavras do profeta justificam o asserto: - "Quando vos disserem: Consultai os mágicos e adivinhos que balbuciam encantamentos, respondei: - Não consulta cada povo ao seu Deus? E aos mortos se fala do que compete aos vivos?" (Isaías, cap. VIII, v. 19.) "Sou eu quem aponta a falsidade dos prodígios mágicos; quem enlouquece os que se propõem adivinhar, quem transtorna o espírito dos sábios e confunde a sua ciência vã." (Cap. XLIV, v. 25.)
"Que esses adivinhos, que estudam o céu, contemplam os astros e contam os meses para fazer predições, dizendo revelar-vos o futuro, venham agora salvar-vos. -Eles tornaram-se como a palha, e o fogo os devorou; não poderão livrar suas almas do fogo ardente; não restarão das chamas que despedirem, nem carvões que possam aquecer, nem fogo ao qual se possam sentar. - Eis ao que ficarão reduzidas todas essas coisas das quais vos tendes ocupado com tanto afinco: os traficantes que convosco traficam desde a infância foram-se, cada qual para seu lado, sem que um só deles se encontre que vos tire os vossos males." (Cap. XLVII, vv. 13, 14 e 15.)
Neste capítulo Isaías dirige-se aos babilônios sob a figura alegórica "da virgem filha de Babilônia, filha de caldeus". (v. 1.) Diz ele que os adivinhos não impedirão a ruína da monarquia. No seguinte capítulo dirige-se diretamente aos israelitas.
"Vinde aqui vós outros, filhos de uma agoureira, raça dum homem adúltero e de uma mulher prostituída. - De quem vos rides vós? Contra quem abristes a boca e mostrastes ferinas línguas? Não sois vós filhos perversos de bastarda raça - vós que procurais conforto em vossos deuses debaixo de todas as frontes, sacrificando-lhes os tenros filhinhos nas torrentes, sob os rochedos sobranceiros? Depositastes a vossa confiança nas pedras da torrente, espalhastes e bebestes licores em sua honra, oferecestes sacrifícios. Depois disso como não se acender a minha indignação?" (Cap. LVII, vv. 3, 4, 5 e 6.)
Estas palavras são inequívocas e provam claramente que nesse tempo as evocações tinham por fim a adivinhação, ao mesmo tempo que constituíam comércio, associadas às práticas da magia e do sortilégio, acompanhadas até de sacrifícios humanos. Moisés tinha razão, portanto, proibindo tais coisas e afirmando que Deus as abominava.
Essas práticas supersticiosas perpetuaram-se até à Idade Média, mas hoje a razão predomina, ao mesmo tempo que o Espiritismo veio mostrar o fim exclusivamente moral, consolador e religioso das relações de além-túmulo.
Uma vez, porém, que os espíritas não sacrificam criancinhas nem fazem libações para honrar deuses; uma vez que não interrogam astros, mortos e augures para adivinhar a verdade sabiamente velada aos homens; uma vez que repudiam traficar com a faculdade de comunicar com os Espíritos; uma vez que os não move a curiosidade nem a cupidez, mas um sentimento de piedade, um desejo de instruir-se e melhorar-se, aliviando as almas sofredoras; uma vez que assim é, porque o é - a proibição de Moisés não lhes pode ser extensiva.
Se os que clamam injustamente contra os espíritas se aprofundassem mais no sentido das palavras bíblicas, reconheceriam que nada existe de análogo, nos princípios do Espiritismo, com o que se passava entre os hebreus. A verdade é que o Espiritismo condena tudo que motivou a interdição de Moisés; mas os seus adversários, no afã de encontrar argumentos com que rebatam as novas idéias, nem se apercebem que tais argumentos são negativos, por serem completamente falsos.
A lei civil contemporânea pune todos os abusos que Moisés tinha em vista reprimir.
Contudo, se ele pronunciou a pena última contra os delinqüentes, é porque lhe faleciam meios brandos para governar um povo tão indisciplinado. Esta pena, ao demais, era muito prodigalizada na legislação mosaica, pois não havia muito onde escolher nos meios de repressão. Sem prisões nem casas de correção no deserto, Moisés não podia graduar a penalidade como se faz em nossos dias, além de que o seu povo não era de natureza a atemorizar-se com penas puramente disciplinares. Carecem portanto de razão os que se apóiam na severidade do castigo para provar o grau de culpabilidade da evocação dos mortos. Conviria, por consideração à lei de Moisés, manter a pena capital em todos os casos nos quais ele a prescrevia? Por que, então, reviver com tanta insistência este artigo, silenciando ao mesmo tempo o principio do capítulo que proíbe aos sacerdotes a posse de bens terrenos e partilhar de qualquer herança, porque o Senhor é a sua própria herança? (Deuteronômio, cap. XXVIII, vv. 1 e 2.)
5. - Há duas partes distintas na lei de Moisés: a lei de Deus propriamente dita, promulgada sobre o Sinal, e a lei civil ou disciplinar, apropriada aos costumes e caráter do povo. Uma dessas leis é invariável, ao passo que a outra se modifica com o tempo, e a ninguém ocorre que possamos ser governados pelos mesmos meios por que o eram os judeus no deserto e tampouco que os capitulares de Carlos Magno se moldem à França do século XIX. Quem pensaria hoje, por exemplo, em reviver este artigo da lei mosaica: "Se um boi escornar um homem ou mulher, que disso morram, seja o boi apedrejado e ninguém coma de sua carne; mas o dono do boi será julgado inocente"? ( Êxodo, cap. XXI, vv. 28 e seguintes.)
Este artigo, que nos parece tão absurdo, não tinha, no entanto, outro objetivo que o de punir o boi e inocentar o dono, equivalendo simplesmente à confiscação do animal, causa do acidente, para obrigar o proprietário a maior vigilância. A perda do boi era a punição que devia ser bem sensível para um povo de pastores, a ponto de dispensar outra qualquer; entretanto, essa perda a ninguém aproveitava, por ser proibido comer a carne. Outros artigos prescrevem o caso em que o proprietário é responsável.
Tudo tinha sua razão de ser na legislação de Moisés, uma vez que tudo ela prevê em seus mínimos detalhes, mas a forma, bem como o fundo, adaptavam-se às circunstâncias ocasionais Se Moisés voltasse em nossos dias para legislar sobre uma nação civilizada, decerto não lhe daria um código igual ao dos hebreus.
6. - A esta objeção opõem a afirmativa de que todas as leis de Moisés foram ditadas em nome de Deus, assim como as do Sinal. Mas julgando-as todas de fonte divina, por que ao decálogo limitam os mandamentos? Qual a razão de ser da diferença? Pois não é certo que se todas essas leis emanam de Deus devem todas ser igualmente obrigatórias? E por que não conservaram a circuncisão, à qual Jesus se submeteu e não aboliu? Ah! esquecem que, para dar autoridade às suas leis, todos os legisladores antigos lhes atribuíam uma origem divina. Pois bem: Moisés, mais que nenhum outro, tinha necessidade desse recurso, atento o caráter do seu povo; e se, a despeito disso, ele teve dificuldade em se fazer obedecer, que não sucederia se as leis fossem promulgadas em seu próprio nome!
Não veio Jesus modificar a lei mosaica, fazendo da sua lei o código dos cristãos?
Não disse ele: - "Vós sabeis o que foi dito aos antigos, tal e tal coisa, e eu vos digo tal outra coisa?" Entretanto Jesus não proscreveu, antes sancionou a lei do Sinai, da qual toda a sua doutrina moral é um desdobramento. Ora, Jesus nunca aludiu em parte alguma à proibição de evocar os mortos, quando este era um assunto bastante grave para ser omitido nas suas prédicas, mormente tendo ele tratado de outros assuntos secundários.
7. - Finalmente convém saber se a Igreja coloca a lei mosaica acima da evangélica, ou por outra, se é mais judia que cristã. Convém também notar que, de todas as religiões, precisamente a judia é que faz menos oposição ao Espiritismo, porquanto não invoca a lei de Moisés contrária às relações com os mortos, como fazem as seitas cristãs.
8. - Mas temos ainda outra contradição: - Se Moisés proibiu evocar os mortos, é que estes podiam vir, pois do contrário inútil fora a proibição. Ora, se os mortos podiam vir naqueles tempos, também o podem hoje; e se são Espíritos de mortos os que vêm, não são exclusivamente demônios. Demais, Moisés de modo algum fala nesses últimos.
É duplo, portanto, o motivo pelo qual não se pode aceitar logicamente a autoridade de Moisés na espécie, a saber: - primeiro, porque a sua lei não rege o Cristianismo; e, segundo, porque é imprópria aos costumes da nossa época. Mas, suponhamos que essa lei tem a plenitude da autoridade por alguns outorgada, e ainda assim ela não poderá, como vimos, aplicar-se ao Espiritismo. É verdade que a proibição de Moisés abrange a interrogação dos mortos, porém de modo secundário, como acessória às práticas da feitiçaria..
O próprio vocábulo interrogação, junto aos de adivinho e agoureiro, prova que entre os hebreus as evocações eram um meio de adivinhar; entretanto, os espíritas só evocam mortos para receber sábios conselhos e obter alivio em favor dos que sofrem, nunca para conseguir revelações ilícitas. Certo, se os hebreus usassem das comunicações como fazem os espíritas, longe de as proibir, Moisés acoroçoá-las-ia, porque o seu povo só teria que lucrar.
9. - É certo que alguns críticos jucundos ou mal-intencionados têm descrito as reuniões espíritas como assembléias de negromantes ou feiticeiros, e os médiuns como astrólogos e ciganos, isto porque talvez quaisquer charlatães tenham afeiçoado tais nomes às suas práticas, que o Espiritismo não pode, aliás, aprovar.
Em compensação, há também muita gente que faz justiça e testemunha o caráter essencialmente moral e grave das reuniões sérias. Além disso, a Doutrina, em livros ao alcance de todo o mundo, protesta bem alto contra os abusos, para que a calúnia recaia sobre quem merece.
10. - A evocação, dizem, é uma falta de consideração para com os mortos, cujas cinzas devem ser respeitadas. Mas quem é que diz tal? São os antagonistas de dois campos opostos, isto é, os incrédulos que nas almas não crêem, e os crédulos que pretendem que só os demônios, e não as almas, podem vir.
Quando a evocação é feita com recolhimento e religiosamente; quando os Espíritos são chamados, não por curiosidade, mas por um sentimento de afeição e simpatia, com desejo sincero de instrução e progresso, não vemos nada de irreverente em apelar-se para as pessoas mortas, como se fizera com os vivos. Há, contudo, uma outra resposta peremptória a essa objeção, e é que os Espíritos se apresentam espontaneamente, sem constrangimento, muitas vezes mesmo sem que sejam chamados. Eles também dão testemunho da satisfação que experimentam por comunicar-se com os homens, e queixam-se às vezes do esquecimento em que os deixam. Se os Espíritos se perturbassem ou se agastassem com os nossos chamados, certo o diriam e não retornariam; porém, nessas evocações, livres como são, se se manifestam, é porque lhes convém.
11. - Ainda uma outra razão é alegada: - As almas permanecem na morada que a justiça divina lhes designa - o que equivale dizer no céu ou no inferno. Assim, as que estão no inferno, de lá não podem sair, posto que para tanto a mais ampla liberdade seja outorgada aos demônios. As do céu, inteiramente entregues à sua beatitude, estão muito superiores aos mortais para deles se ocuparem, e são bastantemente felizes para não voltarem a esta terra de misérias, no interesse de parentes e amigos que aqui deixassem. Então essas almas podem ser comparadas aos nababos que dos pobres desviam a vista com receio de perturbar a digestão? Mas se assim fora essas almas se mostrariam pouco dignas da suprema bem-aventurança, transformando-se em padrão de egoísmo!
Restam ainda as almas do purgatório, porém, estas, sofredoras como devem ser, antes que doutra coisa, devem cuidar da sua salvação. Deste modo, não podendo nem umas nem outras almas corresponder ao nosso apelo, somente o demônio se apresenta em seu lugar.
Então é o caso de dizer: se as almas não podem vir, não há de que recear pela perturbação do seu repouso.
12. - Mas aqui reponta uma outra dificuldade. Se as almas bem-aventuradas não podem deixar a mansão gloriosa para socorrer os mortais, por que invoca a Igreja a assistência dos santos que devem fruir ainda maior soma de beatitude? Por que aconselha invocá-los em casos de moléstia, de aflição, de flagelos? Por que razão e segundo essa mesma Igreja os santos e a própria Virgem aparecem aos homens e fazem milagres? Estes deixam o céu para baixar à Terra; entretanto os que estão menos elevados não o podem fazer!
13. - Que os cépticos neguem a manifestação das almas, vá, visto que nelas não acreditam; mas o que se torna estranhável é ver encarniçar-se contra os meios de provar a sua existência, esforçando-se por demonstrar a impossibilidade desses meios, aqueles mesmos cujas crenças repousam na existência e no futuro das almas! Parece que seria mais natural acolherem como benefício da Providência os meios de confundir os cépticos com provas irrecusáveis, pois que são os negadores da própria religião. Os que têm interesse na existência da alma deploram constantemente a avalancha da incredulidade que invade, dizimando-o, o rebanho de fiéis: entretanto, quando se lhes apresenta o meio mais poderoso de combatê-la, recusam-no com tanta ou mais obstinação que os próprios incrédulos. Depois, quando as provas avultam de modo a não deixar dúvidas, eis que procuram como recurso de supremo argumento a interdição do assunto, buscando, para justificá-la, um artigo da lei mosaica do qual ninguém cogitara, emprestando-lhe, à força, um sentido e aplicação inexistentes. E tão felizes se julgam com a descoberta, que não percebem que esse artigo é ainda uma justificativa da Doutrina Espírita.
14. - Todas as razões alegadas para condenar as relações com os Espíritos não resistem a um exame sério. Pelo ardor com que se combate nesse sentido é fácil deduzir o grande interesse ligado ao assunto. Daí a insistência. Em vendo esta cruzada de todos os cultos contra as manifestações, dir-se-ia que delas se atemorizam.
O verdadeiro motivo poderia bem ser o receio de que os Espíritos muito esclarecidos viessem instruir os homens sobre pontos que se pretende obscurecer, dando-lhes conhecimento, ao mesmo tempo, da certeza de um outro mundo, a par das verdadeiras condições para nele serem felizes ou desgraçados. A razão deve ser a mesma por que se diz à criança: - "Não vá lá, que há lobisomens." Ao homem dizem: -" Não chameis os Espíritos: - São o diabo." - Não importa, porém: - impedem os homens de os evocar, mas não poderão impedi-los de vir aos homens para levantar a lâmpada de sob o alqueire.
O culto que estiver com a verdade absoluta nada terá que temer da luz, pois a luz faz brilhar a verdade e o demônio nada pode contra esta.
15. - Repelir as comunicações de além-túmulo é repudiar o meio mais poderoso de instruir-se, já pela iniciação nos conhecimentos da vida futura, já pelos exemplos que tais comunicações nos fornecem. A experiência nos ensina, além disso, o bem que podemos fazer, desviando do mal os Espíritos imperfeitos, ajudando os que sofrem a desprenderem-se da matéria e a se aperfeiçoarem. Interdizer as comunicações é, portanto, privar as almas sofredoras da assistência que lhes podemos e devemos dispensar.
As seguintes palavras de um Espírito resumem admiravelmente as conseqüências da evocação, quando praticada com fim caritativo:
"Todo Espírito sofredor e desolado vos contará a causa da sua queda, os desvarios que o perderam. Esperanças, combates e terrores; remorsos, desesperos e dores, tudo vos dirá, mostrando Deus justamente irritado a punir o culpado com toda a severidade. Ao ouvi-lo, dois sentimentos vos acometerão: o da compaixão e o do temor! compaixão por ele, temor por vós mesmos. E se o seguirdes nos seus queixumes, vereis então que Deus jamais o perde de vista, esperando o pecador arrependido e estendendo-lhe os braços logo que procure regenerar-se. Do culpado vereis, enfim, os progressos benéficos para os quais tereis a felicidade e a glória de contribuir, com a solicitude e o carinho do cirurgião acompanhando a cicatrização

Livro : O Céu e o Inferno

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Conhecendo o Livro O Céu e o Infernos " Suicidas" parte 6

LUÍS E A PESPONTADEIRA DE BOTINAS

Havia sete para oito meses que Luís G..., oficial sapateiro, namorava uma jovem, Victorine R..., com a qual em breve deveria casar-se, já tendo mesmo corrido os proclamas do casamento.
Neste pé as coisas, consideravam-se quase definitivamente ligados e, como medida econômica, diariamente vinha o sapateiro almoçar e jantar em casa da noiva.
Um dia, ao jantar, sobreveio uma controvérsia a propósito de qualquer futilidade, e, obstinando-se os dois nas opiniões, foram as coisas ao ponto de Luís abandonar a mesa, protestando não mais voltar.
Apesar disso, no dia seguinte velo pedir perdão. A noite é boa conselheira, como se sabe, mas a moça, prejulgando talvez pela cena da véspera o que poderia acontecer quando não mais a tempo de remediar o mal, recusou-se à reconciliação. Nem protestos, nem lágrimas, nem desesperos puderam demovê-la. Muitos dias ainda se passaram, esperando Luís que a sua amada fosse mais razoável, até que resolveu fazer uma última tentativa: - Chegando a casa da moça, bateu de modo a ser reconhecido, mas a porta permaneceu fechada, recusaram abrir-lha. Novas súplicas do repelido, novos protestos, não ecoaram no coração da sua pretendida. "Adeus, pois, cruel! - exclamou o pobre moço - adeus para sempre. Trata de procurar um marido que te estime tanto como eu." Ao mesmo tempo a moça ouvia um gemido abafado e logo após o baque como que de um corpo escorregando pela porta. Pelo silêncio que se seguiu, a moça julgou que Luís se assentara à soleira da porta, e protestou a si mesma não sair enquanto ele ali se conservasse.
Decorrido um quarto de hora é que um locatário, passando pela calçada e levando luz, soltou um grito de espanto e pediu socorro.
Depressa acorre a vizinhança, e Victorine, abrindo então a porta, deu um grito de horror, reconhecendo estendido sobre o lajedo, pálido, inanimado, o seu noivo. Cada qual se apressou em socorrê-lo, mas para logo se percebeu que tudo seria inútil, visto como ele deixara de existir. O desgraçado moço enterrara uma faca na região do coração, e o ferro ficara-lhe cravado na ferida.
(Sociedade Espírita de Paris, agosto de 1858)
1. - Ao Espírito S. Luís. - A moça, causadora involuntária do suicídio, tem responsabilidade? - R. Sim, porque o não amava.
2. - Então para prevenir a desgraça deveria desposá-lo a despeito da repugnância que lhe causava? - R. Ela procurava uma ocasião de descartar-se, e assim fez em começo da ligação o que viria a fazer mais tarde.
3. - Neste caso, a sua responsabilidade decorre de haver alimentado sentimentos dos quais não participava e que deram em resultado o suicídio do moço? - R. Sim, exatamente.
4. - Mas então essa responsabilidade deve ser proporcional à falta, e não tão grande como se consciente e voluntariamente houvesse provocado o suicídio... - R. É evidente.
5. - E o suicídio de Luís tem desculpa pelo desvario que lhe acarretou a obstinação de Victorine? - R. Sim, pois o suicídio oriundo do amor é menos criminoso aos olhos de Deus, do que o suicídio de quem procura libertar-se da vida por motivos de covardia.
Ao Espírito Luís G..., evocado mais tarde, foram feitas as seguintes perguntas:
1. - Que julgais da ação que praticastes? - R. Victorine era uma ingrata, e eu fiz mal em suicidar-me por sua causa, pois ela não o merecia.
2. - Então não vos amava? - R. Não. A princípio iludia-se, mas a desavença que tivemos abriu-lhe os olhos, e ela até se deu por feliz achando um pretexto para se desembaraçar de mim.
3. - E o vosso amor por ela era sincero? - R. Paixão somente, creia; pois se o amor fosse puro eu me teria poupado de lhe causar um desgosto.( grifo do blog)
4. - E se acaso ela adivinhasse a vossa intenção persistiria na sua recusa? - R. Não sei, penso mesmo que não, porque ela não é má. Mas, ainda assim, não seria feliz, e melhor foi para ela que as coisas se passassem de tal forma.
5. - Batendo-lhe à porta, tínheis já a idéia de vos matar, caso se desse a recusa? - R. Não, em tal não pensava, porque também não contava com a sua obstinação. Foi somente à vista desta que perdi a razão.
6. - Parece que não deplorais o suicídio senão pelo fato de Victorine o não merecer... E realmente o vosso único pesar? - R. Neste momento, sim; estou ainda perturbado, afigura-se-me estar ainda à porta, conquanto também experimente outra sensação que não posso definir.
7. - Chegareis a compreendê-la mais tarde? - R. Sim, quando estiver livre desta perturbação. Fiz mal, deveria resignar-me... Fui fraco e sofro as conseqüências da minha fraqueza. A paixão cega o homem a ponto de praticar loucuras, e infelizmente ele só o compreende bastante tarde.(grifo do blog)
8. - Dizeis que tendes um desgosto... qual é? - R. Fiz mal em abreviar a vida. Não deveria fazê-lo. Era preferível tudo suportar a morrer antes do tempo. Sou portanto infeliz; sofro, e é sempre ela que me faz sofrer, a ingrata. Parece-me estar sempre à sua porta, mas... não falemos nem pensemos mais nisso, que me incomoda muito. Adeus.
    Nota - Por isso se vê ainda uma nova confirmação da justiça que preside à distribuição das penas, conforme o grau de responsabilidade dos culpados É à moça, neste caso, que cabe a maior responsabilidade, por haver entretido em Luís, por brincadeira, um amor que não sentia. Quanto ao moço, este já é de sobejo punido pelo sofrimento que lhe perdura, mas a sua pena é leve, porquanto apenas cedeu a um movimento irrefletido em momento de exaltação, que não à fria premeditação dos suicidas que buscam subtrair-se às provações da vida.

sábado, 30 de março de 2013

Conhecendo o Livro o Céu e o Inferno parte 5-"...A intenção de não faltar aos deveres era, efetivamente, honrosa, e lhes será levada em conta mais tarde, mas o verdadeiro mérito consistiria na resistência, tendo eles procedido como o desertor que se esquiva no momento do perigo..." ,



Duplo Suicídio por Amor e por Dever
É de um jornal de 13 de junho de 1862 a seguinte narrativa:
"A jovem Palmira, modista que residia com seus pais, era dotada de aparência encantadora e de caráter afável. Por isso também muito requestada a sua mão. Entre todos os pretendentes ela escolheu o Sr. B., que lhe retribuía essa preferência com a mais viva das paixões. Não obstante essa afeição, por deferência aos pais, Palmira consentiu em desposar o Sr. D., cuja posição social se afigurava mais vantajosa do que a do seu rival.
Os Srs. B. e D. eram amigos íntimos e posto não houvesse entre eles quaisquer relações de interesse, jamais deixaram de se avistar. O amor recíproco de B. e Palmira, que passou a ser a Sra. D., de modo algum se atenuara e como se esforçassem ambos por contê-lo, aumentava-se ele de intensidade na razão direta daquele esforço.
Visando extingui-lo, B. tomou o partido de se casar, e desposou, de fato, uma jovem possuidora de eminentes predicados, fazendo o possível por amá-la.
Cedo, contudo, percebeu a impossibilidade do expediente. Decorreram quatro anos sem que B. ou a Sra. D. faltassem aos seus deveres.
O que padeceram, só eles o sabem, pois D., que estimava deveras o seu amigo, atraía-o sempre ao seu lar, insistindo para que nele ficasse quando tentava retirar-se.
Aproximados um dia por circunstâncias fortuitas e independentes da própria vontade os dois amantes deram-se ciência do mal que os torturava e acharam que a morte era, no caso, o único remédio que se lhes antolhava. Assentaram que se suicidariam juntamente, no dia seguinte, em que o Sr. D., estaria ausente de casa mais prolongadamente.
Feitos os últimos preparativos, escreveram longa e tocante missiva, explicando a causa da sua resolução, para não prevaricarem. Essa carta terminava pedindo que lhes perdoassem e, mais, que os enterrassem na mesma sepultura.
De regresso à casa, o Sr. D. encontrou-os asfixiados. Respeitou-lhes os últimos desejos, e, assim, não consentiu fossem os corpos separados no cemitério."
Sendo esta ocorrência submetida à Sociedade de Paris, como assunto de estudo, um Espírito respondeu:
"Os dois amantes suicidas não vos podem responder ainda. Vejo-os imersos na perturbação e aterrorizados pela perspectiva da eternidade. As conseqüências morais da falta cometida lhes pesarão por migrações sucessivas, durante as quais suas almas separadas se buscarão incessantemente, sujeitas ao duplo suicídio de se pressentirem e desejarem em vão.
Completada a expiação, ficarão reunidos, no seio do amor eterno. Dentro de oito dias, na próxima sessão, podereis evocá-los. Eles aqui virão sem contudo se avistarem, porque profundas trevas os separarão por muito tempo."
1. Evocação da suicida. — Vedes o vosso amado, com o qual vos suicidastes?
R. Nada vejo, nem mesmo os Espíritos que comigo erram neste mundo. Que noite! Que noite! E que véu espesso me circunda a fronte!
2. Que sensação experimentastes ao despertar no outro mundo?
R. Singular! Tinha frio e escaldava. Tinha gelo nas veias e fogo na fronte! Coisa estranha, conjunto inaudito! Fogo e gelo pareciam consumir-me! E eu julgava que ia sucumbir uma segunda vez!...
3. Experimentais qualquer dor física?
R. Todo o meu sofrimento reside aqui, aqui...
— Que quereis dizer por aqui, aqui?
R. Aqui no meu cérebro, aqui no coração...
É provável que, visível, o Espírito levasse a mão à cabeça e ao coração.
4. Acreditais na perenidade dessa situação?
R. Oh! Sempre! Sempre! Ouço às vezes risos infernais, vozes horríficas que bradam sempre assim!
5. Pois bem, podemos com segurança dizer-vos que nem sempre assim será. Pelo arrependimento obtereis o perdão.
R. Que dizeis? Não ouço.
6. Repetimos que os vossos sofrimentos terão um termo, que os podereis abreviar pelo arrependimento, sendo-nos possível auxiliar-vos com a prece.
R. Não ouvi, além de sons confusos, mais que uma palavra. Essa palavra é — graça! Seria efetivamente graça o que pronunciastes? Falastes em graça, mas sem dúvida o fizestes à alma que por aqui passou junto de mim, pobre criança que chora e espera.
Uma senhora, presente à reunião, declarou que fizera fervorosa prece pela infeliz, o que sem dúvida a comoveu, e que de fato, mentalmente, havia implorado em seu favor a graça de Deus.
7. Dissestes estar em trevas e nada ouvir?
R. Me é permitido ouvir algumas das vossas palavras, mas o que vejo é apenas um crepe negro, no qual de quando em quando se desenha um semblante que chora.
8. Mas, uma vez que ele aqui está sem o avistardes, nem sequer vos apercebeis da presença do vosso amado?
R. Ah! Não me faleis dele. Devo esquecê-lo presentemente para que do crepe se extinga a imagem retratada.
9. Que imagem é essa?
R. A de um homem que sofre e cuja existência moral na Terra aniquilei por muito tempo.
Da leitura dessa narrativa logo se depreende haver neste suicídio circunstâncias atenuantes, encarando-o como ato heróico provocado pelo cumprimento do dever. Mas reconhecesse, também, que, contrariamente ao julgado, longa e terrível deve ser a pena dos culpados por se terem voluntariamente refugiado na morte para evitar a luta. A intenção de não faltar aos deveres era, efetivamente, honrosa, e lhes será levada em conta mais tarde, mas o verdadeiro mérito consistiria na resistência, tendo eles procedido como o desertor que se esquiva no momento do perigo.
A pena consistirá, como se vê, em se procurarem debalde e por muito tempo, quer no mundo espiritual, quer noutras encarnações terrestres; pena que ora é agravada pela perspectiva da sua eterna duração. Essa perspectiva, aliada ao castigo, faz que lhes seja defeso ouvirem palavras de esperança que porventura lhes dirijam. Aos que acharem esta pena longa e terrível, tanto mais quanto não deverá cessar senão depois de várias encarnações, diremos que essa duração não é absoluta, mas depende da maneira porque suportarem as futuras provações, além do que podem eles ser auxiliados pela prece. E serão assim, como todos, os árbitros do seu destino. Não será isso, ainda assim, preferível à eterna condenação, sem esperança, a que ficam irrevogavelmente submetidos segundo a doutrina da Igreja, que os considera votados ao inferno e para sempre, a ponto de lhes recusar, com certeza por inúteis, as últimas preces?

quarta-feira, 13 de março de 2013

Conhecendo o Livro Céu e o Inferno " Os Suicidas" parte 4

MÃE E FILHO

Em março de 1865, o Sr. M. C..., negociante em pequena cidade dos arredores de Paris, tinha em sua casa, gravemente enfermo, o mais velho dos seus filhos, que contava 21 anos de idade. Este moço, prevendo o desenlace, chamou sua mãe e teve forças ainda para abraçá-la. Esta, vertendo copiosas lágrimas, disse-lhe: "Vai, meu filho, precede-me, que não tardarei a seguir-te." Dito isto, retirou-se, escondendo o rosto entre as mãos.
As pessoas presentes a essa cena desoladora consideravam simples explosão de dor as palavras da Sra. C ..., dor que o tempo acalmaria. Morto o doente, procuraram-na por toda a casa e foram encontrá-la enforcada num celeiro. O enterro da suicida foi juntamente feito com o do filho.
Evocação deste, muitos dias depois do fato. - P. Sabeis do suicídio de vossa mãe, em conseqüência do desespero que lhe causou a vossa perda? - R. Sim, e, sem o pesar causado por essa fatal resolução da parte dela, julgar-me-ia completamente feliz. Pobre, excelente mãe! Não pôde suportar a prova dessa separação momentânea, e tomou, para se unir ao filho, o caminho que dele mais deveria afastá-la. E por quanto tempo! Assim, retardou indefinidamente uma reunião que tão pronta teria sido se sua alma se conformasse submissa às vontades do Senhor; se fosse resignada, humilde, arrependida diante da provação que se lhe impunha, da expiação que deveria purificá-la! Orai, oh! orai por ela!. .. e sobretudo não a imiteis, vós outras, mães que vos comoveis com a narrativa da sua morte. - Não acrediteis que ela amasse mais que as outras mães, a esse filho que era o seu orgulho, não; é que lhe faltaram a coragem e a resignação. Mães, que me ouvis, quando a agonia empanar o olhar dos vossos filhos, lembrai-vos de que, como o Cristo, eles sobem ao cimo do Calvário, donde deverão alçar-se à glória eterna. Benjamin C...
Evocação da mãe. - R. Quero ver meu filho. Tendes o poder de dar-mo? Cruéis!... Tomaram-mo para levá-lo à luz, e a mim me deixaram em trevas. Quero-o... quero-o porque me pertence!... Nada vale então o amor materno? Pois quê! tê-lo carregado no ventre por nove meses; tê-lo amamentado; nutrido a carne da sua carne, sangue do seu sangue; guiado os seus primeiros passos; ensinado a balbuciar o sagrado nome de Deus e o doce nome de mãe; ter feito dele um homem cheio de atividade, de inteligência, de probidade, de amor filial, para perdê-lo quando realizava as esperanças concebidas a seu respeito, quando brilhante futuro se lhe antolhava! Não, Deus não é justo; não é o Deus das mães, não lhes compreende as dores e desesperos ... E quando me dava a morte para me não separar de meu filho, eis que novamente mo roubam!... Meu filho! meu filho, onde estás?
Evocador. - Pobre mãe, compartilhamos da vossa dor. Buscastes, no entanto, um triste recurso para vos reunirdes ao vosso filho: - O suicídio é um crime aos olhos de Deus, e deveis saber que Deus pune toda infração das suas leis. A ausência do vosso filho é a vossa punição.
Ela. - Não; eu julgava Deus melhor que os homens; não acreditava no seu inferno, porém cria na reunião das almas que se amaram como nós nos amávamos... Enganei-me... Deus não é justo nem bom, por isso que não compreende a grandeza da minha dor como do meu amor!... Oh! quem me dará meu filho? Tê-lo-ei perdido para sempre? Piedade! piedade, meu Deus!
Evocador. - Vamos, acalmai o vosso desespero; considerai que, se há um meio de rever vosso filho, não é blasfemando de Deus, como ora o fazeis. Com isso, em vez de atrairdes a sua misericórdia, fazeis jus a maior severidade.
Ela. - Disseram-me que não mais o tornaria a ver, e compreendi que o haviam levado ao paraíso. E eu estarei, acaso, no inferno? no inferno das mães? Ele existe, demais o vejo...
Evocador. - Vosso filho não está perdido para sempre; certo tomareis a vê-lo, mas é preciso merecê-lo pela submissão à vontade de Deus, ao passo que a revolta poderá retardar indefinidamente esse momento. Ouvi-me: Deus é infinitamente bom, mas é também infinitamente justo. Assim, ninguém é punido sem causa, e se sobre a Terra Ele vos infligiu grandes dores, é porque as merecestes. A morte de vosso filho era uma prova à vossa resignação; infelizmente, a ela sucumbistes quando em vida, e eis que após a morte de novo sucumbis; como pretendeis que Deus recompense os filhos rebeldes? A sentença não é, porém, inexorável, e o arrependimento do culpado é sempre acolhido. Se tivésseis aceito a provação com humildade; se houvésseis esperado com paciência o momento da vossa desencarnação, ao entrardes no mundo espiritual, em que vos achais, teríeis imediatamente avistado vosso filho, o qual vos receberia de braços abertos. Depois da ausência, vê-lo-íeis radiante. Mas. o que fizestes e ainda agora fazeis, coloca entre vós e ele uma barreira. Não o julgueis perdido nas profundezas do Espaço, antes mais perto do que supondes - é que véu impenetrável o subtrai à vossa vista.
Ele vos vê e ama sempre, deplorando a triste condição em que caístes pela falta de confiança em Deus e aguardando ansioso o momento feliz de se vos apresentar. De vós, somente, depende abreviar ou retardar esse momento. Orai a Deus e dizei comigo: "Meu Deus, perdoai-me o ter duvidado da vossa justiça e bondade; se me punistes, reconheço tê-lo merecido. Dignai-vos aceitar meu arrependimento e submissão à vossa santa vontade."
Ela. - Que luz de esperança acabais de fazer despontar em minha alma! É um como relâmpago em a noite que me cerca. Obrigada, vou orar... Adeus.
    Nota - A morte, mesmo pelo suicídio, não produziu neste Espírito a ilusão de se julgar ainda vivo. Ele apresenta-se consciente do seu estado: - é que para outros o castigo consiste naquela ilusão, pelos laços que os prendem ao corpo. Esta mulher quis deixar a Terra para seguir o filho na outra vida: era, pois, necessário que soubesse aí estar realmente, na certeza da desencarnação, no conhecimento exato da sua situação. Assim é que cada falta é punida de acordo com as circunstâncias que a determinam, e que não há punições uniformes para as faltas do mesmo gênero.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Conhecendo o Livro Céu e o Inferno " Suicidas" 3a Parte

FRANÇOIS-SIMON LOUVET

(Do Havre)
A seguinte comunicação foi dada espontaneamente, em uma reunião espírita no Havre, a 12 de fevereiro de 1863:
"Tereis piedade de um pobre miserável que passa de há muito por cruéis torturas?! Oh! o vácuo... o Espaço..... despenho-me... caio... morro... Acudam-me! Deus, eu tive uma existência tão miserável... Pobre diabo, sofri fome muitas vezes na velhice; e foi por isso que me habituei a beber, a ter vergonha e desgosto de tudo.
"Quis morrer, e atirei-me... Oh! meu Deus! Que momento! E para que tal desejo, quando o termo estava tão próximo? Orai, para que eu não veja incessantemente este vácuo debaixo de mim.... Vou despedaçar-me de encontro a essas pedras! Eu vo-lo suplico, a vós que conheceis as misérias dos que não mais pertencem a esse mundo. Não me conheceis, mas eu sofro tanto... Para que mais provas? Sofro! Não será isso o bastante? Se eu tivera fome, em vez deste sofrimento mais terrível e aliás imperceptível para vós, não vacilaríeis em aliviar-me com uma migalha de pão. Pois eu vos peço que oreis por mim... Não posso permanecer por mais tempo neste estado... Perguntai a qualquer desses felizes que aqui estão, e sabereis quem fui. Orai por mim. François-Simon Louvet."
O guia do médium. - "Esse que acaba de se dirigir a vós foi um pobre infeliz que teve na Terra a prova da miséria; vencido pelo desgosto, faltou-lhe a coragem, e, em vez de olhar para o céu como devia, entregou-se à embriaguez; desceu aos extremos últimos do desespero, pondo termo à sua triste provação: atirou-se da Torre Francisco I, no dia 22 de julho de 1857. Tende piedade de sua pobre alma, que não é adiantada, mas que lobriga da vida futura o bastante para sofrer e desejar uma reparação. Rogai a Deus lhe conceda essa graça, e com isso tereis feito obra meritória."
Buscando-se informes a respeito, encontrou-se no Journal du Havre, de 23 de julho de 1857, a seguinte notícia local:
"Ontem, às 4 horas da tarde, os transeuntes do cais foram dolorosamente impressionados por um horrível acidente: - um homem atirou-se da torre, vindo despedaçar-se sobre as pedras. Era um velho puxador de sirga, cujo pendor à embriaguez o arrastara ao suicídio. Chamava-se François-Victor-Simon Louvet. O corpo foi transportado para a casa de uma das suas filhas, à rua de la Corderie. Tinha 67 anos de idade."
    Nota - Seis anos fazia que esse homem morrera e ele se via ainda cair da torre, despedaçando-se nas pedras... Aterra-o o vácuo, horroriza-o a perspectiva da queda... e isso há 6 anos! Quanto tempo durará tal estado? Ele não o sabe, e essa incerteza lhe aumenta as angústias. Isso não equivale ao inferno com suas chamas? Quem revelou e inventou tais castigos? Pois são os próprios padecentes que os vem descrever, como outros o fazem das suas alegrias. E fazem-no, muita vez, espontaneamente, sem que neles se pense - o que exclui toda hipótese de sermos nós o joguete da própria imaginação.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Conhecendo O Livro Céu e o Inferno. Cap. 5 Os Suicidas parte 2

O PAI E O CONSCRITO

No começo da guerra da Itália, em 1859, um negociante de Paris, pai de família, gozando de estima geral por parte dos seus vizinhos, tinha um filho que fora sorteado para o serviço militar. Impossibilitado de o eximir de tal serviço, ocorreu-lhe a idéia de suicidar-se a fim de o isentar do mesmo, como filho único de mulher viúva. Um ano mais tarde, foi evocado na Sociedade de Paris a pedido de pessoa que o conhecera, desejosa de certificar-se da sua sorte no mundo espiritual.
(A S. Luís.) - Podereis dizer-nos se é possível evocar o Espírito a que vimos de nos referir? - R. Sim, e ele ganhará com isso, porque ficará mais aliviado.
1. - Evocação. - R. Oh! obrigado! Sofro muito, mas... é justo. Contudo, ele me perdoará.
    Nota - O Espírito escreve com grande dificuldade; os caracteres são irregulares e mal formados; depois da palavra mas, ele pára, e, procurando em vão escrever, apenas consegue fazer alguns traços indecifráveis e pontos. É evidente que foi a palavra Deus que ele não conseguiu escrever.
2. - Tende a bondade de preencher a lacuna com a palavra que deixastes de escrever. - R. Sou indigno de escrevê-la.
3. - Dissestes que sofreis; compreendeis que fizestes muito mal em vos suicidar; mas o motivo que vos acarretou esse ato não provocou qualquer indulgência? - R. A punição será menos longa, mas nem por isso a ação deixa de ser má.
4. - Podereis descrever-nos essa punição? - R. Sofro duplamente, na alma e no corpo; e sofro neste ultimo, conquanto o não possua, como sofre o operado a falta de um membro amputado.
5. - A realização do vosso suicido teve por causa unicamente a isenção do vosso filho, ou concorreram para ele outras razões? - R. Fui completamente inspirado pelo amor paterno, porém, mal inspirado. Em atenção a isso, a minha pena será abreviada.
6. - Podeis precisar a duração dos vossos padecimentos? - R. Não lhes entrevejo o termo, mas tenho certeza de que ele existe, o que é um alivio para mim.
7. - Há pouco não vos foi possível escrever a palavra Deus, e no entanto temos visto Espíritos muito sofredores fazê-lo: será isso uma conseqüência da vossa punição? - R. Poderei fazê-lo com grandes esforços de arrependimento.
8. - Pois então fazei esses esforços para escrevê-lo, porque estamos certos de que sereis aliviado. (O Espírito acabou por traçar esta frase com caracteres grossos, irregulares e trêmulos: - Deus é muito bom.)
9. - Estamos satisfeitos pela boa-vontade com que correspondestes à nossa evocação, e vamos pedir a Deus para que estenda sobre vós a sua misericórdia. - R. Sim, obrigado.
10. - (A S. Luís.) - Podereis ministrar-nos a vossa apreciação sobre esse suicídio? - R. Este Espírito sofre justamente, pois lhe faltou a confiança em Deus, falta que é sempre punível. A punição seria maior e mais duradoura, se não houvera como atenuante o motivo louvável de evitar que o filho se expusesse à morte na guerra. Deus, que é justo e vê o fundo dos corações, não o pune senão de acordo com suas obras.
    OBSERVAÇÕES - À primeira vista, como ato de abnegação, este suicídio poder-se- ia considerar desculpável. Efetivamente assim é, mas não de modo absoluto. A esse homem faltou a confiança em Deus, como disse o Espírito S. Luís. A sua ação talvez impediu a realização dos destinos do filho; ao demais, ele não tinha a certeza de que aquele sucumbiria na guerra e a carreira militar talvez lhe fornecesse ocasião de adiantar-se. A intenção era boa, e isso lhe atenua o mal provocado e merece indulgência; mas o mal é sempre o mal, e se o não fora, poder-se-ia, escudado no raciocínio, desculpar todos os crimes e até matar a pretexto de prestar serviços.
    A mãe que mata o filho, crente de o enviar ao céu, seria menos culpada por tê-lo feito com boa intenção? Aí está um sistema que chegaria a justificar todos os crimes cometidos pelo cego fanatismo das guerras religiosas.
    Em regra, o homem não tem o direito de dispor da vida, por isso que esta lhe foi dada visando deveres a cumprir na Terra, razão bastante para que não a abrevie voluntariamente, sob pretexto algum. Mas, ao homem - visto que tem o seu livre-arbítrio - ninguém impede a infração dessa lei. Sujeita-se, porém, às suas conseqüências. O suicídio mais severamente punido é o resultante do desespero que visa a redenção das misérias terrenas, misérias que são ao mesmo tempo expiações e provações. Furtar-se a elas é recuar ante a tarefa aceita e, às vezes, ante a missão que se devera cumprir. O suicídio não consiste somente no ato voluntário que produz a morte instantânea, mas em tudo quanto se faça conscientemente para apressar a extinção das forças vitais. Não se pode tachar de suicida aquele que dedicadamente se expõe à morte para salvar o seu semelhante: primeiro, porque no caso não há intenção de se privar da vida, e, segundo, porque não há perigo do qual a Providência nos não possa subtrair, quando a hora não seja chegada. A morte em tais contingências é sacrifício meritório, como ato de abnegação em proveito de outrem. (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, itens nos. 5, 6, 18 e 19.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Conhecendo o Livro Céu e o Inferno-Cap. V " Suicidas"

O SUICIDA DA SAMARITANA

A 7 de abril de 1858, pelas 7 horas da noite, um homem de cerca de 50 anos e decentemente trajado apresentou-se no estabelecimento da Samaritana, de Paris, e mandou que lhe preparassem um banho. Decorridas cerca de 2 horas, o criado de serviço, admirado pelo silêncio do freguês, resolveu entrar no seu gabinete, a fim de verificar o que ocorria.
Deparou-se-lhe então um quadro horroroso: o infeliz degolara-se com uma navalha e todo o seu sangue misturava-se à água da banheira. E como a identidade do suicida não pôde ser averiguada, foi o cadáver removido para o necrotério.
1. - Evocação. (Resposta do guia do médium.) - Esperai, ele aí está.
2. - Onde vos achais hoje? - R. Não sei... dizei-mo.
3. - Estais numa reunião de pessoas que estudam o Espiritismo e que são benévolas para convosco. - R. Dizei-me se vivo, pois este ambiente me sufoca.
    Nota - Sua alma, posto que separada do corpo, está ainda completamente imersa no que poderia chamar-se o turbilhão da matéria corporal; vivazes lhe são as idéias terrenas, a ponto de se acreditar encarnado.
4 - Quem vos impeliu a vir aqui? - R. Sinto-me aliviado.
5. - Qual o motivo que vos arrastou ao suicídio? - R. Morto? Eu? Não... que habito o meu corpo... Não sabeis como sofro!... Sufoco-me... Oxalá que mão compassiva me aniquilasse de vez!
6. - Por que não deixastes indícios que pudessem tornar-vos reconhecível? - R. Estou abandonado; fugi ao sofrimento para entregar-me à tortura.
7. - Tendes ainda os mesmos motivos para ficar incógnito? - R. Sim; não revolvais com ferro candente a ferida que sangra.
8. - Podereis dar-nos o vosso nome, idade, profissão e domicilio? - R. Absolutamente não.
9. - Tínheis família, mulher, filhos? - R. Era um desprezado, ninguém me amava.
10. - E que fizestes para ser assim repudiado? - R. Quantos o são como eu!... Um homem pode viver abandonado no seio da família, quando ninguém o preza.
11. - No momento de vos suicidardes não experimentastes qualquer hesitação? - R. Ansiava pela morte... Esperava repousar.
12. - Como é que a idéia do futuro não vos fez renunciar a um tal projeto? - R. Não acreditava nele, absolutamente. Era um desiludido. O futuro é a esperança.
13. - Que reflexões vos ocorreram ao sentirdes a extinção da vida? - R. Não refleti, senti... Mas a vida não se me extinguiu... minha alma está ligada ao corpo... Sinto os vermes a corroerem-me.
14. - Que sensação experimentastes no momento decisivo da morte? - R. Pois ela se completou?
15. - Foi doloroso o momento em que a vida se vos extinguiu? - R. Menos doloroso que depois. Só o corpo sofreu.
16. - (Ao Espírito S. Luís.) - Que quer dizer o Espírito afirmando que o momento da morte foi menos doloroso que depois? - R. O Espírito descarregou o fardo que o oprimia; ele ressentia a volúpia da dor.
17. - Tal estado sobrevém sempre ao suicídio? - R. Sim. O Espírito do suicida fica ligado ao corpo até o termo dessa vida. A morte natural é a libertação da vida: o suicídio a rompe por completo.
18. - Dar-se-á o mesmo nas mortes acidentais, embora involuntárias, mas que abreviam a existência? - R. Não. Que entendeis por suicídio? O Espírito só responde pelos seus atos.
    Nota - Esta dúvida da morte é muito comum nas pessoas recentemente desencarnadas, e principalmente naquelas que, durante a vida, não elevam a alma acima da matéria. É um fenômeno que parece singular à primeira vista, mas que se explica naturalmente. Se a um indivíduo, pela primeira vez sonambulizado, perguntarmos se dorme, ele responderá quase sempre que não, e essa resposta é lógica: o interlocutor é que faz mal a pergunta, servindo-se de um termo impróprio. Na linguagem comum, a idéia do sono prende-se à suspensão de todas as faculdades sensitivas; ora, o sonâmbulo que pensa, que vê e sente, que tem consciência da sua liberdade, não se crê adormecido, e de fato não dorme, na acepção vulgar do vocábulo. Eis a razão por que responde não, até que se familiariza com essa maneira de apreender o fato. O mesmo acontece com o homem que acaba de desencarnar; para ele a morte era o aniquilamento do ser, e, tal como o sonâmbulo, ele vê, sente e fala, e assim não se considera morto, e isto afirmando até que adquira a intuição do seu novo estado. Essa ilusão é sempre mais ou menos dolorosa, uma vez que nunca é completa e dá ao Espírito uma tal ou qual ansiedade. No exemplo supra ela constitui verdadeiro suplício pela sensação dos vermes que corroem o corpo, sem falarmos da sua duração, que deverá equivaler ao tempo de vida abreviada. Este estado é comum nos suicidas, posto que nem sempre se apresente em idênticas condições, variando de duração e intensidade conforme as circunstâncias atenuantes ou agravantes da falta. A sensação dos vermes e da decomposição do corpo não é privativa dos suicidas: sobrevém igualmente aos que viveram mais da matéria que do espírito. Em tese, não há falta isenta de penalidades, mas também não há regra absoluta e uniforme nos meios de punição

sábado, 29 de dezembro de 2012

Conhecendo o Livro Céu e o Inferno " Criminosos Arrependidos" parte 5: ..."Não posso acreditar que, no mundo dos Espíritos, a dor diminua pouco a pouco à força de hábito. Não. O que eu depreendo é que as vossas preces salutares me aumentaram as forças, de modo que, pelas mesmas dores, com mais resignação, eu menos sofro..."

JACQUES LATOUR
(Assassino condenado pelo júri de Foix e executado em setembro de 1864)
Em reunião íntima de sete a oito pessoas, havida em Bruxelas a 13 de setembro de 1864 e à qual assistíamos, foi pedido a um médium que tomasse do lápis, sem que aliás houvéssemos feito qualquer evocação especial.
Possuído de extraordinária agitação, ei-lo a traçar caracteres muito grossos, e depois, rasgando o papel,
exclama:
“Arrependo-me! arrependo-me! Latour!”
Surpreendidos com a inesperada comunicação, de modo algum provocada, visto como ninguém pensara nesse infeliz, cuja morte até então era ignorada por uma parte dos assistentes, dirigimos ao Espírito palavras de conforto e comiseração, fazendo-lhe em seguida esta pergunta:
— Que motivo vos levou a manifestar-vos aqui, de preferência a outro lugar, quando não vos evocamos?
Responde o médium de viva voz:
Vi que, almas compassivas, teríeis piedade de mim, ao passo que outros ou me evocavam mais por curiosidade que por caridade, ou de mim se afastavam horrorizados.”
Depois começou por uma cena indescritível que não durou mais de meia hora. O médium, juntando os gestos e a expressão da fisionomia à palavra, deixava patente a identificação do Espírito com a sua pessoa; às vezes, esses gestos de cruel desespero desenhavam vivamente o seu sofrimento;
o tom da sua voz era tão compungido, as súplicas tão veementes, que ficávamos profundamente comovidos. Alguns estavam mesmo aterrorizados com a superexcitação do médium, mas nós sabíamos que a manifestação de um  ente arrependido, que implora piedade, nenhum perigo poderia
oferecer. Se ele buscou os órgãos do médium, é que melhor desejava patentear a sua situação, a fim de que
mais nos interessássemos pela sua sorte, e não como os Espíritos obsessores e possessores, que visam apoderar-se dos médiuns para os dominarem. Tal manifestação lhe fora talvez permitida não só em benefício próprio, como também para edificação dos circunstantes.
Ei-lo a exclamar:
“Oh! sim, piedade... muito necessito dela... Não sabeis o que sofro... Não o sabeis, e não podereis compreendê-lo.
É horrível! A guilhotina!... Que vale a guilhotina comparada a este sofrimento de agora? Nada! — é um instante. Este fogo que me devora, sim, é pior, porque é uma morte contínua, sem tréguas nem repouso... sem-fim!... E as minhas vítimas, ali estão ao redor, a mostrar-me os ferimentos, a perseguir-me com seus olhares...
“Aí estão, e vejo-as todas... todas... sem poder fugir- -lhes! E este mar de sangue?! E este ouro manchado de sangue?! Tudo aí está... tudo... e sempre ante meus olhos! E o cheiro de sangue... Não o sentis? Oh! Sangue e sempre sangue! Ei-las que imploram, as pobres vítimas, e eu a feri-
-las sempre... sempre... impiedosamente!... O sangue inebria-
-me... Acreditava que depois da morte tudo estaria terminado, e assim foi que afrontei o suplício e afrontei o próprio Deus, renegando-O!... Entretanto, quando me julgava aniquilado para sempre, que terrível despertar... oh! sim, terrível, cercado de cadáveres, de espectros ameaçadores, os pés
atolados em sangue!!... Acreditava-me morto, e estou vivo!
Horrendo! horrendo! mais horrendo que todos os suplícios da Terra! Ah! se todos os homens pudessem saber o que há para além da vida, saberiam também quanto custam as conseqüências do mal! Certo não haveria mais assassínios, nem criminosos, nem malfeitores! Eu só quisera que todos os assassinos pudessem ver o que eu vejo e sofro...
“Oh! então não mais o seriam, porque é horrível este sofrimento! Bem sei que o mereci, oh! meu Deus, porque também eu não tive compaixão das minhas vítimas; repelia as mãos súplices quando imploravam que as poupasse...
Sim, fui cruel, decerto, matando-as covardemente para roubá-las! E fui ímpio, e fui blasfemo também, renegando o vosso sacratíssimo Nome... Quis enganar-me, porque eu queria persuadir-me de que Vós não existíeis... Meu Deus, eu sou grande criminoso! Agora o compreendo. Mas... não tereis piedade de mim?... Vós sois Deus, isto é, a bondade, a misericórdia! Sois onipotente! Piedade, Senhor! Piedade!
Eu vo-lo peço, não sejais inexorável; libertai-me destes olhares odiosos, destes espectros horríveis... deste sangue... das minhas vítimas... olhares que, quais punhaladas, me varam o coração.
“Vós outros que aqui estais, que me ouvis, sede bondosos, almas caritativas. Sim, eu o vejo, sei que tendes piedade de mim, não é verdade? Haveis de orar por mim...
“Oh! eu vo-lo suplico, não me abandoneis como fiz outrora aos outros. Pedireis a Deus que me tire este horrível espetáculo de ante os olhos, e Ele vos ouvirá porque sois bons... Imploro, orai por mim.”
Os assistentes, sensibilizados, dirigiram-lhe palavras
de conforto e consolação. Deus, disseram-lhe, não é inflexível; apenas exige do culpado um arrependimento sincero, aliado à vontade de reparar o mal praticado. Uma vez que o vosso coração não está petrificado e que lhe pedis o perdão dos vossos crimes, a sua misericórdia baixará sobre vós.
Preciso é, pois, que persevereis na boa resolução de reparar o mal que fizestes. Certo, não podeis restituir às vítimas as vidas que lhes arrancastes, mas, se o impetrardes com fervor, Deus permitirá que as encontreis em uma nova encarnação, na qual lhes podereis patentear tanto devotamento quanto o mal que lhes fizestes. E quando a reparação lhe parecer suficiente, para logo entrareis na sua santa graça.
Assim, a duração do vosso castigo está nas vossas mãos, dependendo de vós o abreviá-lo. Comprometemo-nos a auxiliar- vos com as nossas preces e invocar para vós a assistência
dos bons Espíritos. Vamos pronunciar em vossa intenção a prece que se contém em O Evangelho segundo o
Espiritismo, referente aos Espíritos sofredores e arrependidos.
Não pronunciaremos a que se refere aos maus Espíritos, porque desde que vos arrependeis, que implorais, que renunciais ao mal, não passais para nós de um Espírito infeliz e não mau.
Feita essa prece, o Espírito continua, depois de breves instantes de calma:
“Obrigado, meu Deus!... Oh! obrigado! Tivestes piedade
de mim... Eis que se afastam os espectros... Não me abandoneis, enviai-me os vossos bons Espíritos para me sustentarem... Obrigado...
Depois desta cena o médium fica alquebrado, abatido, os membros lassos por algum tempo. A princípio, apenas tem vaga idéia do que se há passado, mas pouco a pouco vai-se lembrando de algumas das palavras que pronunciou sem querer, reconhecendo que não era ele quem falara.
No dia seguinte, em nova reunião, o Espírito tornou a manifestar-se, reencetando a cena da véspera, porém por minutos apenas, e isso com a mesma gesticulação expressiva, posto que menos violenta. Depois, tomado de agitação febril, escreveu:
“Grato às vossas preces. Experimento já uma sensível melhora. Foi tal o fervor com que orei, que Deus me concedeu um momentâneo alívio; não obstante, terei de ver ainda as minhas vítimas... Ei-las! Ei-las! Vedes este sangue?...”
(Repetiu-se a prece da véspera. O Espírito continua dirigindo- se ao médium.)
Perdoai o ter-me apossado de vós. Obrigado pelo alívio que proporcionais aos meus sofrimentos. Perdoai o mal que vos causei, mas eu tenho necessidade de me comunicar, e só vós o podeis...
“Obrigado! obrigado! que já sinto algum alívio, posto não tenha atingido o fim das provações. As minhas vítimas voltarão dentro em breve. Eis a punição a que fiz jus, mas, Deus meu, sede indulgente.
“Orai todos vós por mim, tende piedade. Latour.”
Um membro da Sociedade Espírita de Paris, que tinha orado por este infeliz, evocando-o, obteve intervaladamente as seguintes comunicações:
I
Fui evocado quase imediatamente depois da minha morte, porém não pude manifestar-me logo, de modo que muitos Espíritos levianos tomaram-me o nome e a vez. Aproveitei a estada em Bruxelas do Presidente da Sociedade de Paris, e comuniquei-me, com a aquiescência de Espíritos superiores.
Voltarei a manifestar-me na Sociedade, a fim de fazer revelações que serão um começo de reparação às minhas faltas, podendo também servir de ensinamento a todos os criminosos que me lerem e meditarem na exposição dos meus sofrimentos. É somente sobre o Espírito dos homens fracos ou das crianças que a narrativa de penas infernais pode produzir efeitos terroristas. Ora; um grande malfeitor
não é um Espírito pusilânime, e o temor de um polícia é para ele mais real que a descrição dos tormentos do inferno.
Eis por que todos os que me lerem ficarão comovidos com as minhas palavras e com os meus padecimentos, que não são ficções. Não há um só padre que possa dizer que viu o que tenho visto, porque tenho assistido às torturas dos danados. Mas, quando eu vier dizer: —“Eis o que se
passou após a minha morte, a morte do corpo; eis a minha enorme decepção ao reconhecer-me vivo, ao contrário do que supunha e tinha tomado pelo termo dos suplícios, quando
era o começo de outras torturas, aliás indescritíveis!” —então, mais de um ser estará à borda do precipício em que ia despenhar-se, e cada um dos desgraçados, desviados por mim da senda criminosa, concorrerá para o resgate das minhas faltas.
Foi-me permitido libertar-me do olhar das minhas vítimas transformadas em carrascos, a fim de comunicar
convosco; ao deixar-vos, entretanto, tornarei a vê-las e só esta idéia me causa tal sofrimento que eu não poderia descrevê-lo. Sou feliz quando me evocam, porque assim deixo o meu inferno por alguns instantes.
Orai sempre ao Senhor por mim, pedi-lhe que me liberte do olhar das minhas vítimas.
Sim, oremos juntos. A prece faz tanto bem... Estou mais aliviado; não sinto tão pesado o fardo que me acabrunha.
Vejo um resquício de esperança luzindo-me aos olhos e, contrito, exclamo: Bendita a mão do Senhor e seja feita a sua vontade!
II
O médium. — Em vez de pedir a Deus para vos furtar ao olhar das vossas vítimas, eu vos convido a pedir comigo para que vos dê a força necessária a fim de suportardes essa tortura expiatória.
Latour. — Eu preferiria livrar-me de tais olhares. Se soubésseis o quanto sofro... O homem mais insensível comover- se-ia vendo impressos na minha fisionomia, como que a fogo, os sofrimentos de minha alma. Farei, entretanto, o que me aconselhais, pois compreendo ser esse um meio de expiar um pouco mais rapidamente as minhas faltas.
É qual dolorosa operação que viesse curar um corpo gravemente adoentado. Ah! Pudessem ver-me os culpados da Terra, e ficariam apavorados das conseqüências de seus crimes, desses crimes que, ignorados dos homens, são, no entanto, vistos pelos Espíritos. Como a ignorância é fatal para tantas pessoas!
Que responsabilidade assumem os que recusam instrução às classes pobres da sociedade! Acreditam que com polícia e soldados se previnem crimes... Que grande erro!
III
Terríveis são os meus sofrimentos, porém, depois que por mim orais, sinto-me confortado por bons Espíritos, os quais me dizem tenha esperança. Compreendo a eficácia do remédio heróico que me aconselhastes e peço a Deus me dê forças para suportar esta dura expiação, aliás igual, posso
afirmá-lo, ao mal que fiz. Não quero escusar-me das minhas atrocidades; mas o certo é que, para nenhuma das minhas vítimas, salvo a precedência de alguns instantes,na morte, a dor não existia, e as que tinham terminado a provação terrena foram receber a recompensa que as aguardava.
Para mim, entretanto, ao voltar ao mundo dos Espíritos, só houve sofrimentos infernais, excetuados os curtos instantes em que me manifestava.
Em que pesem aos seus quadros terroristas, os padres só têm uma fraca noção dos verdadeiros sofrimentos que a justiça divina reserva aos infratores da lei do amor e da caridade.
Como insinuar a pessoas sensatas que uma alma, isto é, uma coisa imaterial, possa sofrer ao contacto do fogo material? É absurdo, e por isso tantos e tantos criminosos se riem desses painéis fantásticos do inferno. O mesmo porém não se dá quanto à dor moral do condenado, após a morte física. Orai para que o desespero não se aposse de mim.
IV
Muito grato vos sou pela perspectiva que me trouxestes e a cujo fim glorioso sei que devo chegar quando purificado.
Sofro muito, mas parece-me que os sofrimentos diminuem.
Não posso acreditar que, no mundo dos Espíritos, a dor diminua pouco a pouco à força de hábito. Não. O que eu depreendo é que as vossas preces salutares me aumentaram as forças, de modo que, pelas mesmas dores, com mais resignação, eu menos sofro.

O pensamento se me volve então para a última existência e vejo as faltas que teria conjurado se soubesse orar.
Hoje compreendo a eficácia da prece; compreendo o valor dessas mulheres honestas e piedosas, fracas pela carne, porém fortes pela fé; compreendo, enfim, esse mistério ignorado pelos supostos sábios da Terra. Preces! palavra que por si só provoca o riso dos espíritos fortes. Aqui os espero no mundo espiritual, e, quando a venda que encobre a verdade se romper para eles, então, a seu nuto se prosternarão aos pés do Eterno a quem desprezaram e serão felizes em se humilhar para que seus pecados e crimes
sejam revelados! Hão de compreender então a virtude da prece.
Orar é amar, e amar é orar! E eles amarão o Senhor e lhe dirigirão preces de reconhecimento e de amor, regenerados pelo sofrimento. E, pois que devem sofrer, pedirão como eu peço a força necessária ao sofrimento e à expiação.
Em deixando de sofrer, hão de orar ainda para agradecero perdão merecido por sua submissão e resignação.
Oremos, irmão, para que mais me fortaleça... Oh! obrigado à tua caridade, meu irmão, pois que estou perdoado. Deus me liberta do olhar das minhas vítimas. Oh! meu Deus! Bendito sejais vós por toda a eternidade, pela graça que me concedeis! Oh! meu Deus! Sinto a enormidade dos meus
crimes e curvo-me ante a vossa onipotência. Senhor! eu vos amo de todo o meu coração e vos suplico a graça de me permitirdes, ao vosso arbítrio, sofrer novas provações na Terra; voltar a ela como missionário da paz e da caridade, ensinando as crianças a pronunciar com respeito o vosso nome. Peço-vos que me seja possível ensinar que vos amem, a vós, Pai que sois de todas as criaturas. Obrigado, meu Deus! Sou um Espírito arrependido, e sincero é o meu arrependimento.
Tanto quanto meu impuro coração pode comportá-lo, eu vos amo com esse sentimento que é pura emanação da vossa divindade. Irmão, oremos, pois meu coração transborda de reconhecimento. Estou livre, quebrei os grilhões, não sou mais um réprobo.
Sou um Espírito sofredor, mas arrependido, a desejar que o meu exemplo pudesse conter nos umbrais do crime todas as mãos criminosas que vejo prestes a levantarem-se.
Oh! para trás, recuai, irmãos, pois as torturas que preparais serão atrozes! Não acrediteis que o Senhor se
deixará tão prontamente submeter à prece dos seus filhos.
São séculos de torturas que vos esperam.
O guia do médium. — Dizes que não compreendes as palavras do Espírito. Procura ter uma idéia da sua emoção e do seu reconhecimento para com o Senhor, coisas que ele acredita não poder testemunhar melhor do que tentando demover todos esses criminosos por ele vistos, mas que tu não podes ver. Aos ouvidos desses, quereria ele que chegassem as suas palavras; mas o que te não disse ele, porque o ignora ainda, é que lhe será permitido o início de missões reparadoras. Irá para junto dos que lhe foram cúmplices,
procurando inspirar-lhes arrependimento, implantando em seus corações o gérmen do remorso.
Freqüentemente se vêem na Terra pessoas, tidas por honestas, lançarem-se aos pés de um sacerdote para se acusarem de um crime.
É o remorso quem lhes dita a confissão da culpa. Pois se o véu que te encobre o mundo invisível se desfizesse, verias muitas vezes o Espírito cúmplice ou instigador de um crime, tal como o fará Jacques Latour, inspirando o remorso ao Espírito encarnado, no afã de reparar a própria falta.

Teu guia protetor.
Mais tarde, o médium de Bruxelas, o mesmo que recebera o primeiro ditado, obteve o seguinte:
“Nada mais receeis de mim, que estou tranqüilo, em que pese ao sofrimento que ainda tenho. Vendo o meu arrependimento, Deus teve compaixão de mim. Agora sofro por causa desse arrependimento, que me demonstra a enormidade dos meus crimes. Bem aconselhado na vida, eu não teria jamais praticado todo esse mal, mas, sem repressão, obedeci cegamente aos meus instintos. Se todos os homens
pensassem mais em Deus, ou, antes, se nele acreditassem, tais faltas não seriam cometidas.
“Falha é, porém, a justiça dos homens; uma falta muita vez passageira leva o homem ao cárcere, que não deixa de ser um foco de perversão. Daí sai ele completamente corrompido pelos maus exemplos e conselhos. Dado porém que a sua índole seja boa e forte para se não corromper,
ainda assim, de lá saído, ele vai encontrar fechadas todas as portas, retraídas todas as mãos, indiferentes todos os corações! Que lhe resta pois? O desprezo, a miséria, o abandono e o desespero, se é que o assistem boas resoluções de se corrigir. Então a miséria o leva aos extremos, e assim é
que também ele se toma de desprezo por seu semelhante, assim é que o odeia e perde a noção do bem e do mal, por isso que repelido se encontra, a despeito das suas boas intenções. Para angariar o necessário, rouba, mata às vezes, e depois... depois o executam! Meu Deus, ao ser presa novamente das minhas alucinações, sinto que a vossa mão se estende por sobre mim; sinto que a vossa bondade me
envolve e protege.
“Obrigado, meu Deus! na próxima existência empregarei toda a minha inteligência no socorro aos desgraçados que sucumbiram, a fim de os preservar da queda. Obrigado a vós que não desdenhais de comunicar comigo; nada receeis, pois bem o vedes, eu não sou mau. Quando pensardes em mim, não vos figureis o meu retrato pelo que de mim vistes, mas o de uma alma angustiada que agradece a
vossa indulgência.
“Adeus; evocai-me ainda e orai a Deus por mim.
Latour.”

(Estudo sobre o Espírito de Jacques Latour)
Não se pode desconhecer a profundeza e a alta significação de algumas das frases encerradas nessa comunicação.
Além disso, ela oferece um dos aspectos do mundo dos Espíritos em castigo, pairando ainda assim sobre ele a misericórdia divina. A alegoria mitológica das Eumênides não é tão ridícula como parece, e os demônios, carrascos oficiais do mundo invisível, que as substituem perante as
modernas crenças, são menos racionais com seus cornos e forcados, do que estas vítimas que servem elas próprias ao castigo do culpado.
Admitindo-se a identidade deste Espírito, talvez se estranhe tão pronta mudança do seu moral. É o caso da ponderação já feita, de que pode um Espírito brutalmente mau ter em si melhores predicados do que o dominado pelo orgulho ou pela hipocrisia. Esta reversão a sentimentos mais benéficos indica uma natureza mais selvagem que perversa, à qual apenas faltava boa direção. Comparando esta linguagem com a de outro Espírito, adiante consignada sob
a epígrafe: castigo pela luz, é fácil concluir qual dos dois seja mais adiantado moralmente, apesar da disparidade de instrução e hierarquia social, obedecendo um ao natural instinto de ferocidade, a uma espécie de superexcitação, ao passo que o outro empresta à perpetração dos seus crimes a calma e sangue-frio inerentes às lentas e obstinadas combinações, afrontando ainda depois de morto o castigo, por
orgulho. Este sofre e não o confessa, ao passo que aquele prontamente se submete. Também por aí podemos prever qual deles sofrerá por mais tempo.
Diz o Espírito de Latour: “Eu sofro por causa desse arrependimento, que me demonstra a extensão dos meus crimes.”
Aí está um pensamento profundo. O Espírito só compreende a gravidade dos seus malefícios depois que se
arrepende.
O arrependimento acarreta o pesar, o remorso, o sentimento doloroso, que é a transição do mal para o bem, da doença moral para a saúde moral. É para se furtarem a isso que os Espíritos perversos se revoltam contra a voz da consciência, quais doentes a repelirem o remédio que os há de curar. E assim procuram iludir-se, aturdir-se e persistir no mal. Latour chegou a esse período no qual se extingue o
endurecimento, acabando por ceder. Entra-lhe o remorso pelo coração, o arrependimento o assedia, e, compreendendo o mal que fez, vê a sua degradação e sofre dela. Eis por
que ele diz: “Sofro por causa desse arrependimento.” Na precedente encarnação, ele devia ter sido pior que na última, visto que, se se tivesse arrependido como agora, melhor lhe teria sido a vida subseqüente. As resoluções, por ele ora tomadas, influirão sobre a sua vida terrestre no futuro; e a encarnação que teve nem por ser criminosa deixou de assinalar-lhe um estádio de progresso. E é muito provável que antes de a iniciar ele fosse na erraticidade um desses muitos Espíritos rebeldes, obstinados no mal. A muitas pessoas ocorre perguntar qual seja o proveito dessa anterioridade de existência, desde que dela nos não lembramos
e nem temos idéia do que fomos nem do que fizemos.
Esta questão está assaz liquidada pela razão de que tal lembrança seria inútil, visto como de todo apagado o
mal cometido, sem que dele nos reste um traço no coração, também com ele não nos devemos preocupar.
Quanto aos vícios de que porventura não estejamos inteiramente despojados, nós os conhecemos pelas nossas tendências atuais, e para elas é que devemos voltar todas as atenções. Basta saber o que somos, sem que seja necessário
saber o que fomos.
Se considerarmos as dificuldades que há na existência para a reabilitação do Espírito, por maior que seja o seu arrependimento, as reprovações de que se torna objeto, devemos louvar a Deus por ter cerrado esse véu sobre o passado.
Condenado a tempo ou absolvido que fosse, os antecedentes de Latour fá-lo-iam um enjeitado da sociedade.
Quem o acolheria com intimidade, apesar do seu arrependimento?
Entretanto, as intenções que ora patenteia, como Espírito, nos dão a esperança de que venha a ser na
próxima encarnação um homem honesto e estimado. Suponhamos que soubessem que esse homem honesto fora Latour, e a reprovação continuaria a persegui-lo. Esse véu sobre o passado é que lhe franqueia a porta da reabilitação, porque pode sem receio e sem pejo ombrear-se com os mais
honestos. Quantos há que desejariam poder apagar da memória de outrem certas fases da própria vida?
Qual a doutrina que melhor se concilia com a bondade e justiça de Deus? Demais, esta doutrina não é uma teoria, porém o resultado de observações. Por certo não foram os Espíritos que a imaginaram, porém eles viram e observaram as situações diferentes que muitos Espíritos apresentam, e daí o procurarem explicá-las, originando-se então a doutrina.
Aceitaram-na, pois, como resultante dos fatos, e ainda por lhes parecer mais racional que todas as emitidas até hoje relativamente ao futuro da alma.
Não se pode recusar a estas comunicações um grande fundo moral. O Espírito poderia ter sido auxiliado nesses raciocínios e, sobretudo, na escolha das suas expressões, por outros mais adiantados; mas o fato é que estes apenas influem na forma, que não na essência, e jamais fazem que
o Espírito inferior esteja em contradição consigo mesmo.
Assim é que em Latour poderiam ter poetizado a forma do arrependimento, mas não lho insinuaram contra sua vontade, porque o Espírito tem o seu livre-arbítrio.
Em Latour lobrigaram o gérmen dos bons sentimentos e por isso o auxiliaram a exprimir-se, contribuindo assim para desenvolvê-lo, ao mesmo tempo que em seu favor imploravam
comiseração.
Que há de mais digno, mais moralizador, capaz de impressionar mais vivamente, do que o espetáculo deste grande criminoso exprobrando-se a si mesmo o desespero e os remorsos?
Desse criminoso que, perseguido pelo incessante olhar de suas vítimas e torturado, eleva a Deus o pensamento implorando misericórdia? Não será isso um exemplo salutar para os culpados? Posto que simples e desprovidos de fantasmagóricas encenações, compreende-se a natureza
dessas angústias, porque elas, apesar de terríveis, sãoracionais.
Poder-se-ia talvez estranhar tão grande transformaçãonum homem como Latour... Mas por que havia de ser
inacessível ao arrependimento? Por que não possuir tambémele a sua corda sensível? O pecador seria, pois, votadoao mal eternamente? Não lhe chegaria, por fim, um momento
em que a luz se lhe fizesse nalma? Era justamenteessa hora que chegara para Latour; e ali está precisamente
o lado moral dos seus ditados; é a compreensão que ele temdo seu estado, são os seus pesares, os seus planos de reparação,que tornam tais mensagens eminentemente instrutivas.
Que haveria de extraordinário se Latour confessasse um arrependimento sincero antes da morte, se dissesse
antes da morte o que veio dizer depois? Não há, quanto a isso, inúmeros exemplos? Uma regeneração antes da morte passaria, aos olhos do maior número dos seus iguais, por fraqueza; mas essa voz de além-túmulo é seguramente a revelação daquilo mesmo que os aguarda. Ele está em absoluto com a verdade, quando afirma ser o seu exemplo mais eficaz que a perspectiva das chamas do inferno, e até
do cadafalso.
Por que não lhes ministrar esses sentimentos no cárcere?
Eles fariam refletir, do que aliás já temos alguns exemplos.
Mas como crer nas palavras de um morto, quando ninguém acredita que para além da morte não esteja tudo
acabado? Entretanto, dia virá em que se reconheça esta verdade: — os mortos podem vir instruir os vivos.
Outras muitas instruções importantes se podem tirar dessas comunicações; assim, a confirmação deste princípio de eterna justiça, pelo qual ao culpado não basta o arrependimento
apenas, sendo este o primeiro passo para a reabilitação que atrai a divina misericórdia. O arrependimento é o prelúdio do perdão, o alívio dos sofrimentos, mas porque Deus não absolve incondicionalmente, faz-se mister
a expiação, e principalmente a reparação. Assim o entende Latour, e para tanto se predispõe. Se compararmoseste criminoso àquele de Castelnaudary, veremos ainda uma
diferença nos castigos. Naquele o arrependimento foi tardio,e, conseqüentemente, mais longa a pena. Além disso,essa pena era quase material, ao passo que para Latour o foi antes moral, porque, como acima dissemos, havia grandediferença intelectual entre eles.
Ao outro, impunha-se coisa que pudesse ferir-lhe os sentidos obliterados; mas é preciso notar que as penas
morais não serão menos pungentes para todo aquele que esteja em condições de compreendê-las. Podemos inferi-lo dos clamores do próprio Latour, que não são de cólera, mas antes a expressão dos remorsos, de perto seguidos de arrependimento e desejo de reparação, visando o progresso.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Conhecendo o Livro Céu e o Inferno."Criminosos Arrependidos"


O Espírito de Castelnaudary
Rumores e outras estranhas e várias manifestações ocorridas numa casinha perto de Castelnaudary, faziam-na crer habitada por fantasmas, mal-assombrada, etc. Assim foi dita casa exorcizada em 1848, aliás sem resultado. O proprietário Sr. D., pretendendo habitá- la, faleceu repentinamente alguns anos depois; e seu filho, animado do mesmo desejo, ao penetrar-lhe um dos compartimentos, recebeu de mão desconhecida vigorosa bofetada e, como estivesse só, não teve a menor dúvida de uma origem oculta, razão esta que o levou a abandonar a casa definitivamente. No lugar corria uma versão segundo a qual um grande crime fora cometido ali.
O Espírito que dera a bofetada foi evocado na Sociedade de Paris, em 1859, e manifestou-se por sinais de tamanha violência, que foram improfícuos todos os esforços para acalmá-lo. Interrogado S. Luís a respeito do assunto, respondeu: "É um Espírito da pior espécie, verdadeiro monstro; fizemo-lo comparecer, mas não obstante tudo quanto lhe dissemos não foi possível obrigá-lo a escrever. Ele possui o seu livre-arbítrio, do qual o infeliz tem feito triste uso".
P. Este Espírito é passível de melhora?
R. Por que não? Pois não o são todos, este como os outros?
É possível entretanto que haja nisso dificuldades, porém a permuta do bem pelo mal acabará por sensibilizá-lo. Orai em primeiro lugar e, se o evocardes daqui a um mês, vereis a transformação operada.
Novamente evocado mais tarde, o Espírito mostrou-se mais brando e, pouco a pouco, submisso e arrependido. Explicações posteriores, ministradas não só por ele como por outros Espíritos, deram em resultado ficarmos sabendo que, em 1608, habitando aquela casa, assassinara um irmão por motivos de terrível ciúme, degolando-o durante o sono. Alguns anos decorridos, também assassinara a esposa.

Criminosos Arrependidos (continuação)
O seu falecimento ocorreu em 1659, na idade de 80 anos, sem que houvesse respondido por estes crimes, que pouca atenção despertaram naquela época de balbúrdias. Depois da morte, jamais cessara de praticar o mal, provocando vários acidentes, ocorridos naquela casa.
Um médium vidente que assistiu à primeira evocação o viu no momento em que pretendiam forçá-lo a escrever, quando sacudiu violentamente o braço do médium. De medonha catadura, trajava uma camisa ensangüentada, tendo na mão um punhal.
1. P. (A S. Luís) — Tende a bondade de nos descrever o gênero de suplício deste Espírito.
R. É atroz, porque está condenado a habitar a casa em que cometeu o crime, sem poder fixar o pensamento noutra coisa a não ser no crime, tendo-o sempre ante os olhos e acreditando na eternidade dessa tortura. Está como no momento do próprio crime, porque qualquer outra recordação lhe foi retirada e interdita toda comunicação com qualquer outro Espírito. Sobre a Terra, só pode permanecer naquela casa, e no Espaço só lhe restam solidão e trevas.
2. Haveria um meio de o desalojar dessa casa? Qual seria esse meio?
R. Quando alguém quer ficar livre de obsessões de semelhantes Espíritos, o meio é fácil — orar por eles. Contudo é precisamente isso que se deixa de fazer muitas vezes: prefere-se intimidá-los com exorcismos que, aliás, muito os divertem.
3. Insinuando às pessoas interessadas essa idéia de orar por ele, fazendo-o também nós, conseguiríamos desalojá-lo?
R. Sim, mas reparai que eu disse para orar e não para mandar orar.
4. Estando em tal situação há dois séculos, apreciará ele todo esse tempo como se fora encarnado, isto é, o tempo parecer-lhe-á tanto ou menos longo do que quando na Terra?
R. Mais longo; o sono não existe para ele.
5. Disseram-nos que o tempo não existe para os Espíritos e que um século, para eles, não passa de um instante na eternidade. Dar-se-á efetivamente esse fato para com todos os Espíritos?
R. Não, por certo, porquanto isso só se dá com os Espíritos que têm atingido elevadíssimo grau de adiantamento; para os inferiores, porém, o tempo é freqüentemente moroso, sobretudo quando sofrem.
6. Donde vinha esse Espírito antes da sua encarnação?
R. Tivera uma existência entre tribos das mais ferozes e selvagens e, precedentemente, em planeta inferior à Terra.
7. Severamente punido agora por esse crime, se-lo-ia igualmente pelos que porventura tivesse cometido, como é de supor, quando vivendo entre selvagens?
R. Sim, porém não tanto, uma vez que, por ser mais ignorante, menos alcançava a extensão do delito.
8. O estado em que se vê esse Espírito é o dos seres vulgarmente designados por danados?
R. Não, em absoluto, pois há condições ainda mais horrorosas. Os sofrimentos estão longe de ser os mesmos para todos, variando conforme seja o culpado mais ou menos acessível ao arrependimento. Para este, aquela casa é o seu inferno, outros trazem esse infer no em si mesmos, pelas paixões que os atormentam sem que possam saciá-las.
9. Não obstante a sua inferioridade, este Espírito é sensível aos efeitos da prece, o que também temos verificado com Espíritos da mesma forma perversos e da mais ínfima natureza; entretanto, Espíritos há que, esclarecidos, de inteligência mais desenvolvida, demonstram completa ausência de bons sentimentos e zombam de tudo o que há de mais sagrado; a nada se comovendo e até não dando tréguas ao seu cinismo...
R. A prece só aproveita ao Espírito que se arrepende; para aqueles que, cheios de orgulho, se revoltam contra Deus e que persistem no erro, exagerando-o mesmo, tal como procedem os infelizes; para eles a prece nada adianta nem adiantará senão quando tênue vislumbre de arrependimento começar a germinar-lhes na consciência. A ineficácia da prece também é para eles um castigo. Enfim, ela só alivia os não totalmente endurecidos.
10. Vendo-se um Espírito insensível à ação da prece, será motivo para que se deixe de orar por ele?
R. Não, porquanto, cedo ou tarde, a prece poderá triunfar do seu endurecimento e sugerir-lhe benéficos pensamentos. O mesmo acontece com determinados doentes nos quais a ação medicamentosa só se torna sensível depois de muito tempo, e vice-versa. Compenetrando-nos bem de que todos os Espíritos são capazes de progresso, e que nenhum é fatal e eternamente condenado, fácil nos será compreender a eficácia da prece em quaisquer circunstâncias. Por mais ineficaz que ela possa parecer-nos à primeira vista, a verdade é que contém germes em si mesma, bastante benéficos, para bem predisporem o Espírito, quando o não afetem imediatamente. Erro seria, pois, desanimarmos por não colher dela imediato resultado.
11. Quando esse Espírito for reencarnar, qual será a sua categoria?
R. Depende dele e do arrependimento que então tiver. Muitos colóquios com esse Espírito deram em resultado notável transformação do seu moral.
Eis aqui algumas das respostas dele.
12. (Ao Espírito). Por que não pudestes escrever da primeira vez que vos evocamos?
R. Porque não queria.
P. Mas por que?
R. Ignorância e embrutecimento.

13. Agora podeis deixar, quando vos apraz, a casa de Castelnaudary?
R. Permitem-me isso, porque aproveito os vossos conselhos.
P. Sentis algum alívio?
R. Começo a ter esperança.
14. Se nos fosse possível ver-vos, qual a vossa aparência?
R. Ver-me-íeis com a camisa, mas sem o punhal.
P. Por que não mais com o punhal? Que sumiço lhe destes?
R. Amaldiçoando-o, Deus arrebatou-me das vistas.
15. Se o filho do Sr. D. (o da bofetada) tornasse àquela casa, que lhe faríeis?
R. Nada, porque estou arrependido.
P. E se ele pretendesse ainda desafiar-vos?
R. Não me façais essa pergunta! Eu não me dominaria, isso está acima das minhas forças, pois sou um miserável.
16. Vislumbrais um termo aos vossos padecimentos?
R. Oh! Ainda não. É já muito o saber, graças à vossa intercessão, que esses padecimentos não serão eternos.
17. Tende a bondade de nos descrever a vossa situação antes de vos havermos evocado pela primeira vez. Não é preciso acrescentarmos que este pedido tem por fim sabermos como ser-vos úteis e não a simples e fútil curiosidade.
R. Disse-vos já que nada mais compreendia além do meu crime e que não podia abandonar a casa em que o cometi, a não ser para vagar no Espaço, solitário e desconhecido; disso não poderia eu dar-vos uma idéia, porque nunca pude compreender o que se passava. Desde que me alçava ao Espaço, era tudo negrume e vácuo ou, antes, não sei mesmo o que era...
Hoje o meu remorso é muito maior e no entanto não sou constrangido a permanecer naquela casa fatal, sendo-me permitido vagar na Terra e orientar-me pela observação de quanto aí vejo; compreendo melhor, assim, a enormidade dos meus crimes e, se menos sofro por um lado, por outro aumentam as torturas do remorso... Mas... ainda bem que tenho esperança.
18. Se tivésseis de reencarnar, que existência preferiríeis?
R. Não tenho meditado suficientemente acerca disso.
19. Durante o vosso longo insulamento — quase podemos dizer cativeiro — experimentastes algum remorso?
R. Nenhum e por isso sofri tão longamente. Somente quando o senti, foi que ele provocou, sem que disso me apercebesse, as circunstâncias determinantes da vossa evocação ao meu Espírito, para início da libertação. Obrigado, pois, a vós que de mim vos apiedastes e me esclarecestes.
Realmente temos visto avaros sofrerem à vista do ouro, que para eles não passava de verdadeira quimera; orgulhosos, atormentados pelo ciúme das honrarias prestadas a outros e não a eles; homens que dominavam na Terra, humilhados pela potência invisível, constrangidos à obediência, em presença de subordinados, que não mais lhes faziam curvaturas; ateus atônitos pela dúvida em face da imensidade, no mais absoluto insulamento, sem um ser que os esclarecesse.
No mundo dos Espíritos há recompensas para todas as virtudes, mas há também penalidades para todas as faltas; destas, aquelas que escaparam às leis dos homens são infalivelmente alcançadas pelas leis de Deus. Devemos ainda notar que as mesmas faltas, conquanto cometidas em circunstâncias idênticas, são diversamente punidas, conforme o grau de adiantamento do Espírito delinqüente.
Aos Espíritos mais atrasados, de natureza mais grosseira, como aquele de que acabamos de nos ocupar, são infligidos castigos de algum modo mais materiais que morais, ao passo que o contrário se dá para com aqueles cuja inteligência e sensibilidade estejam mais desenvolvidas. Aos primeiros impõe-se o castigo adequado à rudeza do seu discernimento, para compreenderem o erro e dele se libertarem. Assim é que a vergonha, por exemplo, causando pouca ou nenhuma impressão para estes, torna-se para aqueles intolerável.
No divino código penal, a sabedoria, a bondade, a providência de Deus para com as suas criaturas revelam-se até nas mínimas particularidades, sendo tudo proporcionado e disposto com admirável solicitude para facilitar ao culpado os meios de reabilitação. As mínimas aspirações são consideradas e recolhidas.
Pelos dogmas das penas eternas, ao contrário, são no inferno confundidos os grandes e pequenos criminosos, os culpados de momento e os reincidentes contumazes, os endurecidos e os arrependidos. Além disso, nenhuma tábua de salvação lhes é oferecida; a falta momentânea pode acarretar uma condenação eterna e, o que mais é, qualquer benefício que porventura hajam feito de nada lhes valerá. De que lado, pois, estará a verdadeira justiça, a verdadeira bondade?

Esta evocação nada tem de fortuita e como deveria aproveitar a esse infeliz, visto que ele já começava a compreender a enormidade do seu crime, os Espíritos guias julgaram oportuno esse socorro eficaz e facilitaram-lhe as circunstâncias propícias. É este um fato que temos visto reproduzir-se freqüentemente. Perguntar-se-á o que seria desse Espírito se não fosse evocado, o que será de todos os sofredores que o não podem ser, bem como daqueles em quem ninguém pensa... Poderíamos redarguir que os meios de que Deus dispõe para salvar as criaturas são inumeráveis, sendo a evocação um dentre esses meios, porém, não único certamente. Deus não deixa ninguém esquecido, além de que nos Espíritos suscetíveis de arrependimento, as preces coletivas devem exercer alguma influência.
O destino dos Espíritos sofredores não poderia ser por Deus subordinado à boa vontade e aos conhecimentos humanos.
Desde que os homens puderam estabelecer relações regulares com o mundo invisível, uma das primeiras conseqüências do Espiritismo foi o ensino dos serviços que por meio dessas relações podem prestar aos seus irmãos desencarnados.
Deus patenteia por esse modo a solidariedade existente entre todos os seres do Universo, ao mesmo tempo que dá a lei da natureza por base ao princípio da fraternidade. Deus demonstra-nos a feição verdadeira, útil e séria das evocações, até então desviadas da sua finalidade providencial pela ignorância e pela superstição.
Nunca faltaram socorros aos sofredores em qualquer época e, se evocações lhes proporcionam uma nova via de salvação, aproveitam ainda mais, talvez, aos encarnados, por lhes proporcionar novos meios de fazer o benefício e instruir-se ao mesmo tempo acerca das condições da vida futura.



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Conhecendo o Livro Céu e o Inferno " Criminosos Arrependidos" parte 3


Benoist
(Bordéus, março de 1862)
Um Espírito apresenta-se espontaneamente ao médium sobre o nome de Benoist, dizendo ter morrido em 1704 e padecer horríveis sofrimentos.
1 . Que fostes na Terra?
R. Frade sem fé.
2. Foi a descrença a vossa única falta?
R. Só ela é bastante para acarretar outras.
3. Podereis dar-nos alguns pormenores acerca da vossa vida? Ser-vos-á levada em boa conta a sinceridade da confissão.
R. Pobre e indolente, ordenei-me para ter uma posição, sem pendor aliás para encargo dessa natureza. Inteligente, consegui essa posição; influente, abusei do meu poderio; vicioso, corrompi aqueles que tinha por missão salvar; cruel, persegui aqueles que me pareciam querer verberar os meus excessos; os pacíficos foram por mim inquietados.
As torturas da fome de muitas vítimas eram extintas amiúde pela violência. Agora sofro todas as torturas do inferno e as vítimas me ateiam fogo que me devora. A luxúria e a fome insaciáveis perseguem-me; abrasa-me a sede os lábios escaldantes sem que uma gota caia neles como refrigério. Orai pelo meu Espírito.
4. As preces feitas pelos finados deverão ser atribuídas a vós como aos outros?
R. Acreditais que sejam edificantes e no entanto elas têm para mim o valor daquelas que eu simulava fazer. Não executei o meu trabalho e, assim, recebo o salário.
5. Nunca vos arrependestes?
R. Há muito tempo; mas ele só veio pelo sofrimento. E como fui surdo ao clamor de vítimas inocentes, o Senhor também é surdo aos meus clamores. Justiça!
6. Reconheceis a Justiça do Senhor; pois bem, confiai na sua bondade e socorrei-vos do auxílio dele.
R. Os demônios berram mais do que eu; seus gritos sufocam-me; enchem-me a boca de betume fervente!... Eu o fiz, grande... (O Espírito não pode escrever a palavra Deus).
7. Não estais suficientemente liberto das idéias terrenas de modo que essas torturas são todas morais?
R. Sofro-as... sinto-as... vejo os meus carrascos, que tem todos uma cara conhecida, um nome que repercute em meu cérebro.
8. Mas que poderia impelir-vos ao cometimento de tantas infâmias?
R. Os vícios de que me achava saturado, a brutalidade das paixões.
9. Nunca implorastes a assistência dos bons Espíritos para vos ajudarem a sair dessa contingência?
R. Apenas vejo os demônios do inferno.
10. Quando estáveis na Terra temíeis esses demônios?
R. Não, absolutamente, visto que só cria em o nada. Os prazeres a todo transe constituíam o meu culto. E, já que lhes consagrei a vida, as divindades do inferno não mais me abandonaram, nem abandonarão!
11. Então não lobrigais um termo para esses sofrimentos?
R. O infinito não tem termo.
12. Mas Deus é infinito na sua misericórdia e tudo pode ter um fim quando lhe aprouver.
R. Se Ele o quisesse!
13. Por que vos viestes inscrever aqui?
R. Não sei mesmo como, mas eu queria falar e gritar para que me aliviassem.
14. E esses demônios não vos impedem de escrever?
R. Não, mas conservam-se à minha frente, e esperam-me... Também por isso eu desejaria não terminar.

15. É a primeira vez que deste modo escreveis?
R. Sim.
P. E sabíeis que os Espíritos podiam assim aproximar-se dos homens?
R. Não.
P. Como pois o percebestes?
R. Não sei.
16. Que sensações experimentastes ao acercar-vos de mim?
R. Um como entorpecimento dos meus terrores.
17. Como vos apercebestes da vossa presença aqui?
R. Como quando se desperta de um sono.
18. Como procedestes para comunicar comigo?
R. Não posso compreender, mas tu também não sentiste?
19. Não se trata de mim, porém de vós... Procurai assegurar-vos do que fazeis enquanto eu escrevo.
R. És o meu pensamento em tudo, eis tudo.
20. Não tivestes pois o desejo de me fazer escrever?
R. Não, sou eu quem escreve e tu pensas por mim.
21. Procurai assegurar-vos do vosso estado, porque os bons Espíritos que vos cercam vos ajudarão.
R. Não, que os anjos não vêm ao inferno. Tu não estás só?
P. Vedes em torno.
R. Sinto que me auxiliam a atuar sobre ti... a tua mão obedece-me... não te toco, aliás, e seguro-te... Como? Não sei...
22. Implorai a assistência dos vossos protetores. Vamos pedir a ambos.
R. Queres deixar-me? Fica comigo, porque vão reapossar-se de mim. Eu te peço... Fica! Fica!...
23. Não posso demorar-me por mais tempo. Voltai diariamente para orarmos juntos e os bons Espíritos vos auxiliarão.
R. Sim, desejo o perdão. Orai por mim, que não posso fazê-lo.
(O Guia do médium) — Coragem, meu filho, porque lhe será concedido o que pedes, se bem que longe esteja ainda o fim da expiação. As atrocidades por ele cometidas não têm número nem conta e maior é a sua culpa porque possuía inteligência, instrução e luzes para guiar-se. Tendo falido com conhecimento de causa, mais terríveis lhe são os sofrimentos, os quais, não obstante, se suavizarão com o auxílio e o exemplo da prece, de modo que lhes possa ver o fim, confortado pela esperança. Deus o vê no caminho do arrependimento e já lhe concedeu a graça de poder comunicar-se a fim de ser encorajado e confortado.
Pensa nele muitas vezes, pois nós te o entregamos para fortalecer-se nas boas resoluções que lhe poderão advir dos teus conselhos. Ao seu arrependimento sucederá o desejo da reparação, e pedirá então uma nova existência para praticar o bem como compensação do mal praticado. Quando Deus estiver satisfeito a respeito dele e o vir resoluto e firme, far-lhe-á entrever as divinas luzes que o hão de conduzir à salvação, recebendo-o no Seu seio como pai ao filho pródigo. Tem fé e nós te ajudaremos a completar o teu trabalho.
Paulino.
Colocamos este Espírito entre os criminosos, posto que não atingido pela justiça humana, porque o crime se contém nos atos e não no castigo infligido pelos homens. O mesmo se dá com o que se segue.