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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

MULTIDÃO E JESUS "Por muitos séculos soarão as vozes das multidões necessitadas e torpes, no festival demorado das lágrimas.Mesmo hoje, evocando os acontecimentos de Genesaré, defrontam-se as multidões buscando as soluções imediatas para o corpo, no pressuposto de que estão tentando atender o espírito exculpando-se das paixões, aparentando manter os compromissos com Jesus mediante um comércio infeliz para com as informações e conquistas imperecíveis."

 


A multidão! Sempre o Senhor esteve visitado pela multidão.


A multidão, porém, são as chagas sociais, as dores superlativas, as agonias e decepções, as lutas e angústias, as dificuldades.


Em toda parte o Mestre esteve sempre cercado pela multidão.


Através das Suas mãos perpassavam as misericórdias, as blandícias, manifestava-se o amor. . .


O seu dúlcido e suave olhar penetrava a massa amorfa sob a dor repleta de aflitos e ansiosos lenindo as desesperações e angústias que penetram as almas como punhais afiados e doridos.


A multidão são o imenso vale de mil nonadas(argueiros) e muitas necessidades humanas mesquinhas, onde fermentam os ódios, e os miasmas da morte semeiam luto e disseminam a peste em avalanche desesperadora num contágio de longo porte. . .


Ele viera para a multidão, que somos todos nós, os sedentos de paz, os esfaimados de justiça, os atormentados pelo pão do corpo e na alma. ..


Todos os grandes Missionários desceram das altas planuras para as multidões que são o nadir da Humanidade.


Por isto sempre encontraremos Jesus cercado pela multidão.


Ele é paz.


Sua presença acalma, diminuindo o fragor da batalha, amainando guerras de fora quanto conflitos de dentro.


Ele é amor.


O penetrar do seu magnetismo dulcifica, fazendo que os valores negativos se convertam em posições refletidas, em aquisições de bênçãos.


Quando Ele passa, asserenam-se as ansiedades. Rei Solar, onde esteja, haverá sempre a claridade de um perene amanhecer.


Ele tomara a barca com os Amigos do ministério e vencera o mar na serenidade do dia.


As águas tépidas, aos ósculos do Astro-rei, refletem o céu azul de nuvens brancas e garças. . .


Há salmodias que cantam no ar, expectativas que dormem e despertam nos espíritos. . .


Chegando às praias de Genesaré, a notícia voa nos pés alígeros da ansiedade e a multidão se adensa. ..


As informações se alargam pelas aldeias vizinhas, pelos povoados ribeirinhos. . .


Todos trazem os seus. . . Os seus pacientes, familiares e conhecidos, problemas e querelas. . .


Exibem chagas purulentas, paralisias, dificuldades morais, misérias e tormentos de toda espécie.


Obsessos ululam e leprosos choram, cegos clamam e surdos-mudos atordoam-se.


A atroada (estrondo) dos atropelos que o egoísmo desatrelado produz, a inquietação individual, o medo de perder-se a oportunidade tumultua todos, os semblantes se angustiam, os ruídos se fazem perturbadores, enquanto Ele, impávido, sereno, acerca-se e toca, deixando-se tocar. . .


Transfiguram-se as faces, sorriem os rostos antes deformados, inovimentam-se os membros hirtos e os sorrisos, em lírios brancos ngastados nas molduras dos lábios arroxeados, abrem-se, exaltam o Rabi, cantam aleluias.


A música da saúde substitui a patética da enfermidade, a paz adorna a fronte fatigada dos guerreiros inglórios.


Partem os que louvam, chegam os que rogam. . .


Há silêncios que se quebram em ribombar de solicitações contínuas. Há vozes que emudecem na asfixia das lágrimas.


Das fímbrias(franjas) das suas vestes, que brilham em claridade desconhecida, desprendem-se as virtudes e estas curam, libertam, asserenam, felicitam. . .


Genesaré encontra o seu apogeu, encanta-se com o Profeta. . . O Rabi, o Aguardado, reveste-se de misericórdia e todos exultam.


Narram os evangelistas que naquela visita à cidade formosa e humilde ocorreram todos os milagres que o amor produz.


No entanto, por cima de tais expectativas e conquistas transitórias, Jesus alonga o olhar para o futuro e descortina, além dos painéis porvindouros, a Nova Humanidade destituída das cangas atribulatórias, constringentes e justiçadoras com que o homem se libera, marchando na direção do Pai.


Até este momento, o Senhor sabe que os homens ainda são as suas necessidades imediatas e tormentosas em cantochões de agonia lenta. . .


Por muitos séculos soarão as vozes das multidões necessitadas e torpes, no festival demorado das lágrimas.


Mesmo hoje, evocando os acontecimentos de Genesaré, defrontam-se as multidões buscando as soluções imediatas para o corpo, no pressuposto de que estão tentando atender o espírito exculpando-se das paixões, aparentando manter os compromissos com Jesus mediante um comércio infeliz para com as informações e conquistas imperecíveis. . .


Cristianismo, todavia, é Jesus em nós, insculpido no santuário dos sentimentos, esflorando esperança e fé.


Atendamos à enfermidade, à viuvez, ao abandono, à solidão e à fome sem nos esquecermos de que, revivendo o Mestre Insuperável, os Imortais que ora retornam, buscam, essencialmente, libertar o homem de si mesmo, arrebentando os elos escravocratas que os fixam às mansardas soezes do primitivismo espiritual de cada um, a fim de alçá-lo à luz perene e conduzi-lo às praias da nova Genesaré do amor, onde Ele, até hoje, espera por todos nós, a aturdida multidão de todos os tempos.


(*) Mateus 14:34-36. Marcos 6:53-56. (Notas da Autora espiritual).


Amélia Rodrigues

Psicografia de Divaldo Franco

segunda-feira, 26 de abril de 2021

JOÃO À PAULO DE TARSO : A CAUSA É DO CRISTO!

 Em Éfeso, após uma noite tumultuada, com violências , onde a massa ,inconsciente,  foi lograda, por um grande comerciante, através de  boatos, disseminados por amotinadores pagos , no enredo, de  que Paulo e seus seguidores iriam destruir o templo de Diana e seus artefatos , prejudicando, assim, o trabalho. Paulo lamentou o ocorrido ,sobretudo com as prisões de Áquila e Prisca, e com muita tristeza , junto a João, desabafou: 




[...] " com os olhos mareados de lágrimas.

— ( Paulo ) Como tudo isto me contrista! Áquila e Prisca têm sido meus companheiros de luta, desde as primeiras horas da minha conversão a Jesus. Por eles devia eu sofrer tudo, pelo muito amor que lhes devo; assim, não julgo razoável que sofram por minha causa.

A causa é do Cristo! — respondeu João com acerto.

O ex-rabino pareceu conformar-se com a observação e sentenciou:


— Sim, o Mestre nos consolará.


E, depois de concentrar-se longamente, murmurou:


Estamos em lutas incessantes na Ásia, há mais de vinte anos… Agora, preciso retirar-me da Jônia,  sem demora. Os golpes vieram de todos os lados. Pelo bem que desejamos, fazem-nos todo o mal que podem. Ai de nós se não trouxéssemos as marcas do Cristo Jesus!


O pregador valoroso, tão desassombrado e resistente, chorava! João percebeu, contemplou-lhe os cabelos prematuramente encanecidos e procurou desviar o assunto:


Não te vás por enquanto — disse solícito —, ainda és necessário aqui.


— Impossível — respondeu com tristeza


 

—, a revolução dos artífices continuaria. Todos os irmãos pagariam caro a minha companhia.


Mas não pretendes escrever o Evangelho, consoante as recordações de Maria? — perguntou melifluamente o filho de Zebedeu.


— É verdade — confirmou o ex-rabino com serenidade amarga —, entretanto, é forçoso partir. Caso não mais volte, enviarei um companheiro para colher as devidas anotações.


— Contudo, poderias ficar conosco.


O tecelão de Tarso fitou o companheiro com tranquilidade e explicou, em atitude humilde:


— Talvez estejas enganado. Nasci para uma luta sem tréguas, que deverá prevalecer até ao fim dos meus dias. Antes de encontrar as luzes do Evangelho, errei criminosamente, embora com o sincero desejo de servir a Deus. Fracassei, muito cedo, na esperança de um lar. Tornei-me odiado de todos, até que o Senhor se compadecesse de minha situação miserável, chamando-me às portas de Damasco.
Então, estabeleceu-se um abismo entre minha alma e o passado. 


 Abandonado pelos amigos da infância, tive de procurar o deserto e recomeçar a vida. Da tribuna do Sinédrio,   regressei ao tear pesado e rústico. 


 Quando voltei a Jerusalém, o judaísmo considerou-me doente e mentiroso. Em Tarso experimentei o abandono dos parentes mais caros. Em seguida, recomecei em Antioquia a tarefa que me conduzia ao serviço de Deus. Desde então, trabalhei sem descanso, porque muitos séculos de serviço não dariam para pagar quanto devo ao Cristianismo. E saí às pregações. 


 Peregrinei por diversas cidades, visitei centenas de aldeias, mas de nenhum lugar me retirei sem luta áspera. Sempre saí pela porta do cárcere, pelo apedrejamento, pelo golpe dos açoites. Nas viagens por mar, já experimentei o naufrágio mais de uma vez; nem mesmo no bojo estreito de uma embarcação, tenho podido evitar a luta. Mas Jesus me tem ensinado a sabedoria da paz interior, em perfeita comunhão de seu amor.


Essas palavras eram ditas em tom de humildade tão sincera que o filho de Zebedeu não conseguia esconder sua admiração.


— És feliz, Paulo — disse ele convicto —, porque entendeste o programa de Jesus a teu respeito. Não te doa a recordação dos martírios sofridos, porque o Mestre foi compelido a retirar-se do mundo pelos tormentos da cruz. Regozijemo-nos com as prisões e sofrimentos. Se o Cristo partiu sangrando em feridas tão dolorosas, não temos o direito de acompanhá-lo sem cicatrizes…


O Apóstolo dos gentios prestou enorme atenção a essas palavras consoladoras e murmurou:


— É verdade!…


— Além do mais — acrescentou o companheiro emocionado —, devemos contar com calvários numerosos. Se o Cordeiro Imaculado padeceu na cruz da ignomínia, de quantas cruzes necessitaremos para atingir a redenção? Jesus veio ao mundo por imensa misericórdia. Acenou-nos brandamente, convocando-nos a uma vida melhor… Agora, meu amigo, como os antepassados de Israel, que saíram do cativeiro do Egito à custa de sacrifícios extremos, precisamos fugir da escravidão dos pecados, violentando-nos a nós mesmos, disciplinando o espírito, a fim de nos juntarmos ao Mestre, correspondendo à sua imensa bondade.


Paulo meneou a cabeça, pensativo, e acentuou:


Desde que o Senhor se dignou convocar-me ao serviço do Evangelho, não tenho meditado noutra coisa.


Nesse ritmo cordial conversaram muito tempo, até que o Apóstolo dos gentios concluiu mais confortado:


— O que de tudo concluo é que minha tarefa no Oriente está finda. O espírito de serviço exige que me vá além… Tenho a esperança de pregar o Evangelho do Reino, em Roma, na Espanha e entre os povos menos conhecidos…


Seu olhar estava cheio de visões gloriosas e João murmurou humildemente:

— Deus abençoará os teus caminhos


fonte: 
LIVRO:Paulo e Estevão-28ª edição.
Ditado por Emmanuel em parceria com Francisco Cândido Xavier.


Trecho retirado do capítulo 7 - As

Epístolas - pág.439-441

sábado, 20 de fevereiro de 2021

O ESCÂNDALO E SEUS INSTRUMENTOS: "Os homens se assemelham a certos reservatórios dágua. Olhando-se esta, superficialmente, decantada como está, parece límpida, cristalina e pura; mas, tomando-se uma vara e revolvendo o fundo do tanque, eis que se turva, escurece[...] O indivíduo que se estuda e se analisa, procurando sondar os arcanos profundos do seu ser, fica conhecendo as tendências e as inclinações viciosas que lhe são próprias. De posse desse importante dado, o homem, vigiando e orando, como recomenda o Condutor por excelência da Humanidade, pode perfeitamente afastar de si as possibilidades de provocar escândalo. É de grande sabedoria o prolóquio que diz: É melhor prevenir que remediar"".


         





           O ESCÃNDALO E SEUS INSTRUMENTOS





Comecemos por trasladar, a propósito deste tema de grande interesse para todos nós, o texto evangélico de Mateus, Cap. XVII, v. 7 a 9.


"Ai do mundo por causa dos escândalos ! porque é necessário que haja escândalos; mas aí daquele homem por quem vem o escândalo! Portanto, se a tua mão, ou o teu pé, te escandaliza, ou te serve de tropeço, corta-o e lança-o fora de ti; melhor é entrares na vida manco ou aleijado do que, tendo duas mãos ou dois pés, seres lançado no fogo eterno. Se o teu olho te serve de pedra de tropeço, arranca-o e lança-o fora de ti; é preferível entrares na vida com um olho só do que, tendo dois, seres lançado na Geena de fogo".


Só mesmo que conhece a fundo as fraquezas e as mazelas humanas pode nos proporcionar um ensinamento tão eloquente e de tanta relevância.


Aí do mundo por causa dos escândalos ! Porque é necessário que haja escândalos; mas, ai daquele homem por quem vem o escândalo!


O Mestre quer dizer com estas palavras que o mundo está na contingência de ser, como realmente é, teatro de escândalos. Habitada por Espíritos atrasados, tanto na esfera dos encarnados, como no seu ambiente exterior, onde pululam as almas daquela mesma categoria, aguardando o ensejo de vestirem a libré da carne, a Terra tem sido, e ainda é, cenário de lutas fratricidas, de rivalidades soezes, de inveja com seu cortejo de perfídias; de orgulho, sempre melindrado, assumindo aspectos, ora de ferocidade, ora de ridicularia, ora, ainda, de estupidez; de ambições desaçaimadas, provocando a ruína de uns para gáudio de outros, a pobreza e a miséria para o enriquecimento de poucos; finalmente, da hipocrisia e da filáucia dos intrujões de baixo e alto coturnos, agindo por conta própria, ou como representantes de instituições poderosas e, porque poderosas, privilegiadas.


Assim, pois, como orbe expiatório, não admira que os escândalos se sucedam, sem solução de continuidade, em seu seio. O escândalo, como é sabido, se caracteriza nos atos indecorosos, nas atitudes impudicas e até mesmo na conduta ou procedimento que destoa do uso e das convenções adotadas pela maioria. Pondo de parte esta última modalidade, a qual nada tem que afete a moral, o escândalo nada mais é que a exteriorização das sujidades morais ocultas no interior dos homens.


É do coração, diz o Evangelho, em sua linguagem simples e concisa, que vem o roubo, o adultério, o homicídio, a inveja, o dolo e as loucuras. O escândalo, portanto, é a manifestação daquilo que jazia oculto nos meandros dos corações, nas profundezas da alma humana. Uma circunstância qualquer, um momento azado, um choque inesperado se incumbe de pôr a descoberto o que se achava encoberto, tornando do domínio público o que estava em segredo. O escândalo, pois, é a revelação de um mal existente no indivíduo, revelação provocada pelos atritos da vida de relação, pelos entrechoques de interesses e vaidades, ou por simples circunstâncias ocasionais.


Daí a sábia observação do Instrutor da Humanidade: É preciso que haja escândalos, mas ai daquele por quem o escândalo vem! Sim, é necessário que os homens se revelem, que mostrem o que realmente são, que se venha a saber e conhecer as suas intenções e pensamentos reservados. Provocando o escândalo e suportando as consequências que do mesmo decorrem, o homem acaba corrigindo-se, mudando de atitude e de proceder. Este fato justifica plenamente a moralidade da sentença: É necessário que haja escândalos.


Os homens se assemelham a certos reservatórios dágua. Olhando-se esta, superficialmente, decantada como está, parece límpida, cristalina e pura; mas, tomando-se uma vara e revolvendo o fundo do tanque, eis que se turva, escurece, assumindo aparência desagradável e até repugnante. Por quê? Simplesmente porque veio à tona a imundície que se achava acamada nas paredes do reservatório. Este é o meio e o processo de limpá-los: não existe outro. É o que sucede com as nossas almas. Sua purificação se processa, agitando-se, pondo em suspensão as espurcícias que ela traz escondida em seus escaninhos mais íntimos.


As impurezas do Espírito são ainda comparáveis àquelas de que a lues impregna o sangue, originando enfermidades várias, chagas e tumores que se localizam nesta ou naquela região do corpo. Esses tumores devem ser abertos e drenados para que o pus escoe até a derradeira gota, embora escandalize a vista e o olfato dos circunstantes.


S. Paulo, no seu zelo pelas igrejas que fundava, dirigiu à de Corinto uma epístola da qual extratamos o seguinte trecho, que muito se relaciona com o assunto em apreço: Sei que há contendas e dissídios em vossa igreja... Pois é necessário mesmo que haja divisões e até heresias entre vós, para que os aprovados fiquem manifestos. (Aos Coríntios, 11-18 e 19). Aqui se trata do escândalo no seio de uma comunidade. Paulo não estranha o caso. Reputa como acontecimento natural, mostrando seu prisma favorável, através da seleção que determina, separando os aprovados daqueles que o não são. Esse método seletivo é benéfico às instituições que colimam ideais nobres e elevados, escoimados dos elementos inconvenientes e irredutíveis que perturbam e embaraçam a sua marcha.


É assim que o ânimo varonil de Paulo não se abatia diante dos escândalos verificados nas igrejas que ia organizando, no desempenho de sua missão evangelizadora. Ele via nesses escândalos um processo salutar de expurgo, contribuindo para desenvolvimento e progresso das comunidades cristãs.


No decurso dos três anos de seu messianato, Jesus teve ocasião de constatar, entre os apóstolos, alguns escândalos que certamente repercutiram dolorosamente sobre ele. Tal foi o proceder de Pedro, negando-o por três vezes, abertamente. Dessa culpa, o velho Pescador se penitenciou depois, amargamente, tornando-se firme e vigilante durante o resto de sua existência. Colheu, portanto, um proveito da própria queda, do mesmo ato de pusilanimidade em que incorreu.


Escândalo maior, de larga repercussão, cujos rumores atravessaram os séculos, perdurando ainda, foi por certo o de Judas Iscariotes, entregando o seu Mestre aos esbirros romanos, mediante o preço de 30 dinheiros, recebido dos sacerdotes judeus. Esse grave delito produziu consequências dolorosíssimas, determinando em Judas, arrependido, tamanho remorso, que o arrastou ao suicídio. Sua razão, então confusa e atrabiliária, conturbada e aflita, entendeu de punir aquele crime com a pena de morte, aplicando-a em si mesmo.


No paroxismo da mais veemente contrição, Judas se fez juiz em causa própria, reconhecendo a gravidade de sua culpa e contra ela lavrando e executando a pena máxima. De um transe tão penoso e amargurado resultou, como é natural, o aniquilamento do homem velho, com suas paixões inconfessáveis, ressurgindo uma criatura nova, purificada no cadinho da dor, redimida pelo batismo de fogo e reintegrada no desempenho da missão para a qual fora escolhida pelo próprio Cristo de Deus. De um grande mal resultou um grande bem.


E assim se justificam estas sábias palavras do inigualável Pedagogo, do incomparável Sociólogo e Psicólogo — Jesus de Nazaré: É necessário que haja escândalos, mais ai daqueles por quem o escândalo vem!


É conveniente deixarmos bem assinalados estes esclarecimentos: pois não estamos fazendo apologia, mas estudo dos escândalos e suas consequências. O escândalo é um mal, porém um mal necessário, como as cadeias, os presídios, o divórcio, etc., dadas as condições dos Espíritos que se encarnam neste planeta de provas e expiação. Assim pensando, disse o poeta espírita, Alarico Cunha: Que importa a intemperança, a orgia, a bebedeira, Se for para solver a taça derradeira!


Quem realiza o Amor, embora seja rude, Reconhece no Vício a sombra da virtude.


Que importa a luta armada, a monstruosa guerra, Se for para trazer a Paz à Terra!


Que importa a inclinação que temos para errar, Se o erro nos ensina a regra de acertar!


Se Paulo não persegue o exército cristão, Talvez não lhe sorrisse a Santa Conversão: Tão sublime, tão grande e cheia de heroísmo, Que o seu nome fundiu-se ao do Cristianismo. E eis porque Jesus, por muito nos amar. Vedou-nos o direito e o voto de julgar.


Prosseguindo na dissecação do texto evangélico, meditemos ainda sobre a seguinte alegoria que faz parte dele: "Se a tua mão, ou o teu pé, te serve de escândalo, corta-o e lança-o fora de ti; pois é preferível entrar na vida manco ou aleijado do que, tendo dois pés e duas mãos, ser lançado no fogo. Se o teu olho te serve de escândalo, arranca-o e lança-o fora de ti, porque é melhor possuir a vida com um só olho, do que tendo dois, ser lançado na Geena".


A figura acima nos ensina que devemos empregar todos os meios ao nosso alcance, mesmo aqueles mais rígidos e penosos, a fim de não nos tornarmos motivos ou instrumentos de escândalo. É possível, por certo, evitar o escândalo. O sábio Educador não prescreve aos seus educandos doutrinas e preceitos inexequíveis. Para fugirmos do escândalo, é bastante alcançarmos a condição expressa no velho aforismo socrático: Conhece-te a ti mesmo.


O indivíduo que se estuda e se analisa, procurando sondar os arcanos profundos do seu ser, fica conhecendo as tendências e as inclinações viciosas que lhe são próprias. De posse desse importante dado, o homem, vigiando e orando, como recomenda o Condutor por excelência da Humanidade, pode perfeitamente afastar de si as possibilidades de provocar escândalo. É de grande sabedoria o prolóquio que diz: É melhor prevenir que remediar.


O já citado Paulo, escrevendo aos núcleos de crentes, assim os aconselhava: Examine-se, pois, cada um a si mesmo. Se nós nos examinássemos a nós próprios, por certo não seríamos condenados. (l.a Coríntios, XI - 28 e 31). Quem se conhece, porque analisa e controla o seu interior, percebe e sente em si mesmo as fraquezas da carne, os impulsos das paixões e os arrastamentos da animalidade ainda não dominada pelas forças do Espírito. É nessa íntima confissão de inferioridade, inerente ao nosso estado evolutivo atual, que se assentam a segurança e a consolidação do bom terreno já conquistado, e de futuros surtos de progresso a conquistar.


Naturalmente, meditando nesta contingência, extensiva a todos os homens, é que o inspirado converso de Damasco se exprime desta maneira: Quando me sinto fraco, aí sou forte. A minha fortaleza se aperfeiçoa na fraqueza. Quando esse gigante da fé confessa peremptoriamente a precariedade de sua humana condição, que diremos nós, míseros calcetas, cumprindo, na penitenciária da carne, a nossa expiação? O citado apóstolo das gentes foi ainda mais longe na exposição sincera do seu estado de alma, dizendo: Que infeliz homem que eu sou: aquilo que quero não faço: aquilo que não quero, isso faço!


É com humildade de Espírito que havemos de vencer as nossas imperfeições, as nossas misérias morais, palmilhando, sem vacilações, com passo firme, a senda infinita da evolução em obediência ao profundo imperativo de Jesus: Sede perfeitos como vosso pai celestial é perfeito. Aquele célebre — vigiai e orai — de que Ele nos fala, encerra um conselho que só poderia ser dado por quem nos conhece em nossas mais íntimas particularidades e nas minúcias mais secretas do nosso coração. Quem vigia desconfia; e quem ora confia. Confiar em Deus, na sua justiça entrosada em sua misericórdia, e desconfiar de nós mesmos, do nosso pseudo valor, do nosso presumido saber e poderio — tal o programa evangélico, tal o critério preconizado pelo Espiritismo.


Não é fácil a vitória, sabemos disso. O que muito vale muito há de custar. A nossa redenção encerra o supremo Bem; portanto custará o supremo esforço. Por isso aconselha o Mestre e Senhor que eliminemos as mãos e os pés, se estes forem causa de escândalo. Que arranquemos os olhos de suas órbitas, se se tornarem motivo de tropeço.


A posse da vida eterna, dessa vida isenta das contingências que se verificam com o nascimento e a morte, compensa todos só esforços, justifica todos os sacrifícios. Tal aquisição importa na vitória do último inimigo a vencer, que é a morte, integrando-nos na imortalidade, em sua acepção positiva e concreta. O doente permite que se lhe ampute a mão, o pé, a perna ou o braço, desde que dessa intervenção cirúrgica resulte a conservação da sua vida corpórea. Consente e se sujeita à ablação de órgãos internos, uma vez que tal medida extrema possa advir probabilidade de cura dos males físicos de que seja acometido. Assim, pois, cumpre também que, no plano espiritual, se empregue o mesmo processo, a fim de evitar as quedas desastrosas das quais o homem venha a ser vítima.


Corta-se virtualmente a mão, deixando de apoderar-se do alheio, deixando de lesar o próximo e afastando as oportunidades de o fazer, desde que percebamos em nós as fascinações ou os pendores que nos poderiam arrastar à prática de atos desonestos; deixando, outrossim, de empregar as mãos para magoai ou agredir o nosso próximo, empunhando armas fratricidas.


O dia em que os homens cortarem as mãos, neste sentido, não haverá mais guerras cruentas e devastadoras, como essa que ora ensanguenta o Velho Mundo. Aliás, as conflagrações deflagradas entre os povos são, a seu turno, explosão monstro de escândalo cujos fatores, acumulados no seio das nações, irrompem, em dado momento, semelhantemente aos vulcões, quando entram em atividade. As lavas da ambição e da cobiça, e mais o fumo negro de ódios recalcados começam então a ser vomitados pela cratera do canhão e pelo bojo dos aviões, que do alto semeiam a morte e a ruína sobre a terra. Amputa-se o pé ou mesmo a perna, não frequentando os meios corruptos, as sociedades dissolutas, as casas de tolerância, os lupanares, ou mesmo as reuniões cujas finalidades seja equívocas e indefensáveis.


Arrancam-se os olhos, evitando as leituras licenciosas, as literaturas enervantes, eivadas de descrições indecorosas; arrancam-se os olhos, não assistindo aos espetáculos e filmes onde se desenrolam cenas impudicas, indecentes e livres, arrancam-se, enfim, os olhos, deixando de utilizá-los na concupiscência, na cobiça da mulher e dos bens de outrem e na maliciosa interpretação de tudo que cai sob o seu domínio. Nesta mesma ordem de considerações, podemos acrescentar, mantendo-se dentro do pensamento do Divino Mestre, mais o seguinte: Se os teus ouvidos te servem de escândalo, rompe, desde logo, os seus tímpanos, pois é melhor ser surdo que ouvir blasfêmias, heresias, contos imorais e pilhérias obscenas, visto como as más conversações corrompem os bons costumes.


Se a tua língua te serve de escândalo, arranca-a e atira para longe de ti, pois é preferível ser mudo, a usar a palavra para caluniar ou denegrir a reputação alheia, para ofender o próximo, para espalhar a mentira e os boatos difamatórios; para ilaquear a boa fé dos simples e dos pequeninos; para iludir, fascinar e confundir a mente do povo, visando a objetivos dolosos; finalmente, para adulterar os próprios pensamentos, dizendo o que não sente, simulando e dissimulando, fingindo e disfarçando os mesmos sentimentos do seu coração, agindo, portanto, em completo desacordo com a seguinte regra áurea, preconizada por Aquele que é a imagem viva da Verdade: Seja o teu falar — sim, sim, não, não, pois tudo o que passa disto tem procedência maligna.


São assim os ensinamentos do incomparável Mestre e único condutor de homens digno de confiança: claros, concisos, isentos de subterfúgios e ambiguidades — fundados todos eles no pleno conhecimento das nossas necessidades. Os fatos se incumbem de dar testemunho, dentro de cada um de nós, da veracidade incontestável da palavra autorizada e sempre oportuna do Verbo Divino.


Não precisamos de intermediários ou intérpretes para essa palavra. A todos Deus concede as faculdades e os meios de perceber e sentir as verdades eternas reveladas do céu. Basta que o homem tenha boa vontade, seja sincero e deseje recebê-las, para que a fonte da água viva, derrame a cristalina linfa, inundando o seu coração, convertendo-o, por sua vez, em manancial, fluindo para a vida imortal, nos paramos celestes.


A lição do escândalo e seus instrumentos, que estudamos, é de grande alcance e importância. Consideremos, para finalizar, um dos seus aspectos mais eloquentes e de impressionante gravidade, ao qual ora nos vamos reportar e cuja evidência temos diante dos olhos, no meio em que vivemos.


Se nós não atendermos à sábia advertência de Jesus, mutilando-nos figuradamente, como Ele aconselha, essas mutilações podem se concretizar um dia, desde que assim determine a justiça imanente na exigência do resgate de culpas e crimes que tenhamos cometido. E assim se explicam os dolorosos casos de anomalia e de aleijões, infelizmente mais ou menos comuns neste mundo.


A cegueira de nascimento, a surdez e a mudez congênitas, a falta de membros inferiores ou superiores, e outras tantas deformidades com que nascem muitas crianças; a imbecilidade e a idiotia que acompanham certos rebentos do berço ao túmulo, que representam se não defeitos ou manifestações exteriores de causas íntimas, isto é, de delitos anteriormente praticados, cuja remissão é solicitada pelos próprios culpados?


A ciência explica essas anomalias como produto de hereditariedade, provenientes da lues, do alcoolismo, etc. Tem razão a Patologia médica em sua parte denominada Teratologia, naquela explicação. Todavia, a ciência se limita à matéria, às deformidades físicas. Quanto, porém, aos motivos por que determinados Espíritos se encarnam em corpos doentes, ela não cogita. A ciência não entra em tal indagação. A nós, porém, como deístas e espíritas, cumpre indagar a perquirir a questão através do prisma religioso do Espiritismo, visto como esta doutrina conjuga a ciência com a religião, aliando a razão à fé.


Deus, em sua justiça, não podia consentir que uma alma sã, isenta de culpas, viesse habitar um corpo enfermo ou deformado. Não concebemos a Divindade divorciada dos seus atributos de justiça e de misericórdia. Portanto, concluímos lógica e racionalmente, que os Espíritos encarnados em matéria impura e virulenta são aqueles que vêm expiar culpas outrora cometidas, pois que um só fio de cabelo não cai das nossas cabeças, se não pela vontade de Deus, conforme ensina o Mestre por excelência, cuja doutrina e cujos preceitos a Terceira Revelação vai revivendo em verdade, e em espírito. Esta particularidade, aliás, é confirmada pela comunicação das almas sofredoras que, arrependidas, reconhecem e confessam o seu passado culposo, respondendo pelos padecimentos da última encarnação que tiveram na terra.


Vinícius


terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O Ricaço Distraído - " não te esqueças de que o tesouro de cada homem permanece onde tem o coração, porque toda alma reside onde coloca o pensamento.[...homem, sem qualquer proveito para os semelhantes, transformam-no em prisioneiro delas. A lei determina sejamos escravos dos excessos a que nos entregarmos.]

 

Existiu um homem devoto que chegou ao Céu e, sendo recebido por um Anjo do Senhor, implorou, enlevado:

- Mensageiro Divino, que devo fazer para vir morar, em definitivo, ao lado de Jesus?

- Faze o bem - informou o Anjo - e volta mais tarde.

- Posso rogar-te recursos para semelhante missão?

- Pede o que desejas.

- Quero dinheiro, muito dinheiro, para socorrer o meu próximo.

O emissário estranhou o pedido e considerou:

- Nem sempre o ouro é o auxiliar mais eficiente para isso.

- Penso, contudo, meu santo amigo, que, sem ouro, é muito difícil praticar a caridade.

- E não temes as tentações do caminho?

- Não.

- Terás o que almejas - afirmou o mensageiro -, mas não te esqueças de que o tesouro de cada homem permanece onde tem o coração, porque toda alma reside onde coloca o pensamento. Tuas possibilidades materiais serão multiplicadas. No entanto, não olvides que as dádivas divinas, quando retidas despropositadamente pelo homem, sem qualquer proveito para os semelhantes, transformam-no em prisioneiro delas. A lei determina sejamos escravos dos excessos a que nos entregarmos.

Prometeu o homem exercer a caridade, servir extensamente e retornou ao mundo.

Os Anjos da Prosperidade começaram, então, a ajudá-lo.

Multiplicaram-lhe, de início, as peças de roupa e os pratos de alimentação; todavia, o devoto já remediado suplicou mais roupas e mais alimentos. Deram-lhe casa e haveres. Longe, contudo, de praticar o bem, considerava sempre escassos os dons que possuia e rogou mais casas e mais haveres. Trouxeram-lhe rebanhos e chácaras, mas o interessado em subir ao paraíso pela senda da caridade, temendo agora a miséria, im­plorou mais rebanhos e mais chácaras. Não cedia um quarto, nem dava uma sopa a ninguém, declarando-se sem recursos para auxiliar os necessitados e esperava sempre mais, a fim de distribuir algum pão com eles. No entanto, quanto mais o Céu lhe dava, mais exigia do Céu.

De espontâneo e alegre que era, passou a ser desconfiado, carrancudo e arredio.

Receando amigos e inimigos, escondia grandes somas em caixa forte, e quando envelheceu, de todo, veio a morte, separando-o da imensa fortuna.

Com surpresa, acordou em espírito, deitado no cofre grande.

Objetos preciosos, pedaços de ouro e prata e vastas pilhas de cédulas usadas serviam-lhe de leito. Tinha fome e sede, mas não podia servir-se das moedas; queria a liberdade, porém, as notas de banco pareciam agarrá-lo, à maneira do visco retentor de pássaro cativo.

- Santo Anjo! - gritou, em pranto - vem! Ajuda-me a partir, em direção à Casa Celestial!...

O mensageiro dignou-se baixar até ele e, reparando-lhe o sofrimento, exclamou:

- É muito tarde para súplicas! Estás sufocado pela corrente de facilidades materiais que o Senhor te confiou, porque a fizeste rolar tão sômente em torno de ti, sem qualquer benefício para os irmãos de luta e experiencia...

- E que devo fazer - implorou o infeliz -para retomar a paz e ganhar o paraíso?

 

O Anjo pensou, pensou... e respondeu:

- Espalha com proveito as moedas que ajuntaste inutilmente, desfaze-te da terra vasta que retiveste em vão, entrega à circulação do bem todos os valores que recebeste do Tesouro Divino e que amontoaste em derredor de teus pós, atendendo ao egoísmo, à vaidade, à avareza e à ambição destrutiva e, depois disso, vem a mim para retomarmos o entendimento efetuado há sessenta anos...

Reconhecendo, porém, o homem que já não dispunha de um corpo de carne para semelhante serviço, começou a gritar e blasfemar, como se o inferno estivesse morando em sua própria consciência.

 

XAVIER, Francisco Cândido. Alvorada Cristã. Pelo Espírito Neio Lúcio. FEB. Capítulo 9.

sábado, 30 de janeiro de 2021

DOIS COMPANHEIROS - "Os que administram são mordomos, os que obedecem são operários, mas, no coração augusto de Nosso Pai, estamos inscritos indistintamente na categoria de cooperadores de suas obras."

 


 

 Leonel e Benjamim, dois velhos amigos do Plano espiritual, mutuamente associados no erro e na reparação, depois de minucioso exame do passado, decidiram-se a pedir concessão de novas experiências no mundo. Esposando opiniões diversas entre si, buscaram o orientador, ansiosos da necessária permissão para pronto regresso à luta humana.

Após anotar-lhes as observações, sorriu o mentor amigo e obtemperou:

— É oportuna a solicitação: Vocês necessitam intensificar o aprendizado, iluminar o entendimento, adquirir sabedoria. Escolheram ambos o mesmo gênero de provas?

Levantou-se Leonel, explicando:

— Estamos acordes no pedido, mas, não temos a mesma preferência no capítulo das tarefas. Por minha parte, desejaria a oportunidade de movimentar patrimônios terrestres, nos círculos da fortuna e da autoridade…

Antes que ele terminasse, Benjamim embargou-lhe a palavra e esclareceu:

— Cá por mim, escolhi a condição de pobreza e sofrimento. Pediria, se possível, a supressão de toda possibilidade de contentamento na Terra. Encareço problemas de penúria e dificuldades, a fim de valorizar o que hei recebido da Providência.

Estampando no semblante o sorriso sereno da sabedoria, o generoso orientador considerou:

— Não posso interferir na liberdade de ambos. Conhecem vocês a extensão dos débitos contraídos. De algum tempo, sou testemunha da luta enorme em que se empenharam para o resgate. Fizeram jus, por isto, a novo ensejo de trabalho e elevação. Devo ponderar, todavia, que, embora divergentes na escolha, ainda não poderão afastar-se um do outro, na próxima experiência de redenção. Partilha, no erro, determina partilha de responsabilidades e consequências. Ser-lhes-ão abertas as portas do serviço santificador. Não se desunam, pois; nos caminhos da purificação, jamais desprezem a possibilidade de aprender. Fortuna e pobreza são bancas de provas na escola das experiências terrestres. São continentes da probabilidade. Ambos oferecem horizontes largos e divinas realizações. Que saibam receber as bênçãos de Deus, são os meus votos.

Leonel e Benjamim ouviram os conceitos judiciosos, renovaram promessas e partiram mais tarde. Atendendo a própria escolha, nasceu o primeiro na casa farta de rico proprietário rural, que lhe fora muito amado noutras existências. Daí a dias, velha serva da casa rica era igualmente mãe, fornecendo ao segundo o ensejo de realizar os planos traçados.

Enquanto houve paisagens risonhas de infância, ambos os companheiros, tão unidos pelo coração e tão distantes pelo nascimento, viveram no róseo céu da harmonia; mas, quando Leonel começou a sorver o conteúdo dos livros propriamente do mundo, verificaram-se os primeiros sinais de incompreensão. Cada vez que o jovem bem-nascido regressava ao círculo doméstico em gozo de férias escolares, assinalava-se maior distância entre ele e o camarada da meninice. Quando o anel de grau lhe brilhou nos dedos, estava consumada a separação. Passando a administrar interesses da família nos estabelecimentos do campo e da cidade, era ele o chefe, enquanto Benjamim se classificava no extenso quadro dos servidores.

Nessa zona de testemunho ativo, entenderam que deviam proceder como estranhos, absolutamente separados entre si. No fundo, admiravam-se e amavam-se reciprocamente; contudo, as ilusões terrestres os encegueciam.

Se Leonel se mostrava mais enérgico, atento às responsabilidades de administrador, desfazia-se Benjamim em críticas acerbas e gratuitas, levado pelo despeito. Se Benjamim aumentava, involuntariamente, a lista de necessidades pessoais, multiplicava Leonel o rigor, levado pelo autoritarismo.

A certa altura da experiência, não mais se saudaram um ao outro. Atritaram-se, trocaram acusações mútuas. O servo abandonou o trabalho diversas vezes, desejoso de experimentar a sorte em regiões diferentes; todavia, incapaz de iludir o espírito da Lei, voltava sempre, implorando readmissão. Leonel, por sua vez, renovava a concessão de serviço, embora com agravo crescente de exaspero e tirania recíprocos. Se o empregado solicitava melhoria de salário, o patrão restringia a remuneração e os benefícios.

Embriagado na visão de lucros fabulosos, Leonel pusera a mente no egoísmo total. Desvairado de inconformação, Benjamim concentrava-se na rebeldia, daí resultando aumento intensivo de vaidade, orgulho, presunção, ciúme, despeito e indisciplina no coração de ambos.

A Providência Divina, que jamais deixou criaturas em abandono, enviou-lhes socorro através da assistência religiosa. Mas o patrão, afeiçoado ao Catolicismo Romano, inclinava toda leitura edificante a favor da própria causa, valia-se dos conselhos do sacerdote amigo que o assistia, para justificar os erros e o seu feitio egoístico. Obcecavam-no o apego ao dinheiro e a ideia de lucros fáceis. Quanto ao empregado, tornara-se espiritista convicto, porém, cegavam-no a inconformação e a revolta. Qualquer advertência dos instrutores espirituais era interpretada ao inverso.  Se o amigo do outro lado da vida aludia à paciência, não enxergava ele a informação própria e sim o defeito alheio, ou a insuficiência dos outros. Se ouvia dissertações sobre a caridade, lembrava os afortunados do mundo, com ironia. Benjamim era, afinal, desses enfermos que consideram o remédio excelente para outrem, mas, nunca para si mesmos. Enquanto Leonel se valia das consolações da Igreja Católica para consolidar tradições autocráticas, Benjamim esquecia as lições do Espiritismo, para armazenar indisciplinas e difundir desesperações.

Absolutamente envenenados de teorias mentirosas, terminaram ambos a experiência humana, na posição de inimigos irreconciliáveis.

Despertando na vida real, sentiam-se estranhamente algemados um ao outro. Cercavam-nos sombras espessas e tristes; e como se houvessem enlouquecido, perdendo a luz da memória, somente a custo de muitos anos conseguiram fixar recordações das existências obscuras.

Quando a lembrança lhes felicitou o espírito abatido, compreenderam a situação, desolados, e puseram-se à procura daquele mentor generoso que lhes havia banhado o coração de sábios conselhos.

Depois de longo tempo, que lhes marcou angústias dilacerantes, foram readmitidos à presença do carinhoso orientador, que, ante as lágrimas de ambos, exclamou serenamente:

— Não estranho a dor que lhes fere o espírito enfermo, à face do tempo perdido e do ensejo malbaratado. Não lhes faltou inspiração divina para o êxito necessário. Entretanto, esqueceram, mais uma vez, a lei do uso, internando-se no abuso criminoso, olvidando que pobreza e fortuna constituem oportunidades do serviço divino na Terra. Os que administram são mordomos, os que obedecem são operários, mas, no coração augusto de Nosso Pai, estamos inscritos indistintamente na categoria de cooperadores de suas obras. Se era justo obter moderação, paciência, confiança, fé e resistência sublime com os valores da pobreza, e ganhar humildade, ponderação, entendimento, autodomínio, bondade e paz com os valores da riqueza, adquiriram vocês desesperação, rebeldia, vaidade e ruína. Não posso asseverar que voltaram piores que no passado escabroso, porque ninguém regride na evolução perpétua da vida; mas posso afiançar que voltaram mais sujos. A crise de ambos é de estacionamento complicado. Enquanto outros irmãos nossos costumam deter a marcha em jardins ou florestas, preferiram vocês a parada em lamaçal inconcebível. Valeram-se das sagradas posições de administrar e obedecer, tão só no propósito de oprimir e menosprezar. Esqueceram que todo trabalho honesto, no mundo, é título da Confiança Divina.  Não observo qualquer traço de superioridade moral entre um e outro. Ambos faliram desastradamente. É a dolorosa experiência dos que prometem sem saberem cumprir, é o fracasso do aprendiz pelo descuido próprio. Não vos declarei que pobreza e riqueza são continentes da probabilidade? Cultivaram, porém, a terra das concessões benditas, enchendo-a de ervas venenosas e povoando-a de monstros e fantasmas. Mascararam-se a si mesmos e caíram no pântano. Que posso fazer, agora, senão lamentar a imprevidência?

Ambos os companheiros de infortúnio ouviam-no em pranto.

Reunindo todo o cabedal de energias próprias, Leonel adquiriu coragem e interrogou:

— Não poderíamos, entretanto, recomeçar juntos a prova da fortuna e da pobreza? Estou convencido de que venceremos agora.

— Sim — respondeu o instrutor sabiamente —, a medida é possível. No entanto, segundo observei, vocês regressaram enlameados. A oportunidade desejável, por enquanto, é a de se lavares convenientemente, a fim de prosseguir caminho.

Calou-se o mentor amigo. Leonel e Benjamim entenderam sem dificuldade. E depois de algum tempo renasciam na Terra, procurando o tanque fundo e vasto do sofrimento.

 HUMBERTO DE CAMPOS

Reportagens do Além Túmulo

 

domingo, 21 de setembro de 2014

CONDESSA PAULA,ESPÍRITOS FELIZES

CONDESSA PAULA

(O Céu e o Inferno - Segunda Parte - Exemplos, cap. II - Espíritos felizes)

Era uma mulher jovem, bela, rica, de nascimento ilustre de acordo com o mundo, e ademais, um modelo consumado de todas as qualidades do coração e do espírito. Morreu com trinta e seis anos, em 1851. Era uma dessas pessoas cuja oração fúnebre se resume a estas palavras, em todas as bocas: “Por que Deus retira tão cedo tais pessoas da face da terra?” Bem-aventurados aqueles que fazem assim bendizer sua memória! Ela era boa, doce e indulgente para todo o mundo; sempre pronta a desculpar ou atenuar o mal, em vez de o envenenar; nunca a maledicência lhe sujou os lábios. Sem soberba nem orgulho, tratava seus inferiores com uma benevolência que não tinha nada da baixa familiaridade, e sem afetar para com eles ares de altivez ou uma proteção humilhante. Compreendendo que as pessoas que vivem de seu trabalho não vivem de rendas, e que precisam do dinheiro que lhes é devido, seja para seu estado, seja para viver, nunca fez esperar um salário; o pensamento de que alguém pudesse sofrer por falta de pagamento de sua parte, teria sido um remorso de consciência para ela. Não era dessas pessoas que sempre acham dinheiro para satisfazer suas fantasias e nunca têm para pagar o que devem; não compreendia que pudesse ser de bom gosto para um rico ter dívidas, e ter-se-ia sentido humilhada se se pudesse dizer que seus fornecedores eram obrigados a lhe fazer empréstimos. Assim, por ocasião de sua morte, só houve lamentos e nenhuma reclamação.
Sua benevolência era inesgotável, mas não era essa benevolência oficial que se exibe aos olhos de todos; era a caridade do coração e não a da ostentação. Só Deus sabe as lágrimas que secou e os desesperos que acalmou, pois essas boas ações tinham por testemunhas apenas Ele e os desgraçados que ela assistia. Sobretudo, ela sabia descobrir esses infortúnios ocultos, que são os mais pungentes, e que socorria com a delicadeza que eleva o moral em vez de abatê-lo.
Sua posição e as altas funções do marido a obrigavam a um governo da casa ao qual não podia esquivar-se; mas, satisfazendo as exigências de sua posição sem mesquinhez, mantinha uma ordem que, evitando os desperdícios ruinosos e as despesas supérfluas, lhe permitia realizá-lo com a metade do que teria custado a outros sem fazer melhor.
Ela podia dessa forma tirar de sua fortuna uma parte maior para os necessitados. Retirara dela um capital importante cuja renda era exclusivamente reservada a essa destinação sagrada para ela, e considerava-a como tendo isso a menos para gastar com sua casa. Encontrava assim o meio de conciliar seus deveres para com a sociedade e para com a desgraça.[1]
Evocada, doze anos após a morte, por um de seus parentes iniciado no Espiritismo, ela deu a comunicação seguinte em resposta a diversas perguntas que lhe eram dirigidas:[2]
“Tendes razão, meu amigo, de pensar que sou feliz; com efeito, sou feliz, além de tudo o que se pode exprimir, e, no entanto, ainda estou longe do último degrau. Eu estava, porém, entre os bem-aventurados da terra, pois não me recordo de ter sentido desgosto real. Juventude, saúde, fortuna, homenagens, tinha tudo o que constitui a felicidade entre vós; mas o que é essa felicidade perto desta que se experimenta aqui? O que são as vossas mais esplêndidas festas, onde se exibem os mais ricos enfeites, perto destas assembleias de Espíritos resplandecendo de um brilho que vossa vista não poderia suportar, e que é o apanágio da pureza? O que são vossos palácios e vossos salões dourados perto destas moradas aéreas, dos vastos campos do espaço, matizados de cores que fariam empalidecer o arco-íris? O que são vossos passeios vagarosos em vossos parques, perto das corridas através da imensidão, mais rápidas do que o raio? O que são vossos horizontes limitados e nebulosos perto do espetáculo grandioso dos mundos movendo-se no universo sem limites sob a poderosa mão do Altíssimo? Como vossos concertos mais melodiosos são tristes e agudos perto desta suave harmonia que faz vibrar os fluidos do éter e todas as fibras da alma! Como vossas maiores alegrias são tristes e insípidas perto da inefável sensação de felicidade que penetra incessantemente todo o nosso ser como um eflúvio benfazejo, sem nenhuma inquietação, nenhuma apreensão, nenhum sofrimento! Aqui tudo respira amor, confiança, sinceridade; por toda a parte corações afetuosos, em toda a parte amigos, em parte alguma invejosos e ciumentos. Tal é o mundo onde estou, meu amigo, e ao qual chegareis infalivelmente seguindo o reto caminho.
“Porém, aborreceria logo uma felicidade uniforme; não acrediteis que a nossa seja isenta de peripécias; não é nem um concerto perpétuo, nem uma festa sem fim, nem uma beata contemplação durante a eternidade; não, é o movimento, a vida, a atividade. As ocupações, embora isentas de fadigas, trazem-lhe uma incessante variedade de aspectos e de emoções pelos mil incidentes ali espalhados. Todos têm sua missão a cumprir, seus protegidos a assistir, amigos da terra a visitar, mecanismos da natureza a dirigir, almas sofredoras a consolar; vão, vêm, não de uma rua à outra, mas de um mundo ao outro; juntam-se, separam-se para se reunirem em seguida; convergem num ponto, comunicam o que fizeram, congratulam-se pelos sucessos obtidos; põem-se de acordo, assistem-se reciprocamente nos casos difíceis; enfim, asseguro-vos que ninguém tem tempo de se entediar por um segundo.
“Neste momento, a terra é nosso grande tema de preocupação. Quanto movimento entre os Espíritos! Que numerosas coortes aí afluem para concorrer para a sua transformação! Dir-se-ia uma nuvem de trabalhadores ocupados a desbravar uma floresta, sob a condução de chefes experientes; uns abatem as velhas árvores com o machado, arrancam as profundas raízes; preparando outros o terreno, lavrando e semeando estes, edificando aqueles a nova cidade sobre as ruínas carcomidas do velho mundo. Enquanto isso, os chefes se reúnem, deliberam e enviam mensageiros para dar ordens em todas as direções. A terra deve ser regenerada num dado tempo; é preciso que os desígnios da Providência se cumpram; é por isso que todos põem mãos à obra. Não acrediteis que eu seja simples espectadora desse grande trabalho; teria vergonha de ficar inativa quando todo o mundo se ocupa; uma importante missão me é confiada, e esforço-me para cumpri-la o melhor possível.
“Não foi sem lutas que cheguei ao lugar que ocupo na vida espiritual; crede que minha última existência, por mais meritória que vos pareça, não teria bastado para isso. Durante várias existências passei pelas provas do trabalho e da miséria que escolhera voluntariamente para fortalecer e purificar minha alma; tive a felicidade de sair delas vitoriosa, mas restava uma a suportar, a mais perigosa de todas: a da fortuna e do bem-estar material, de um bem-estar sem nenhuma amargura: ali residia o perigo. Antes de tentá-la, quis sentir-me suficientemente forte para não sucumbir. Deus levou em conta minhas boas intenções e concedeu-me a graça de me apoiar. Muitos outros Espíritos, seduzidos pelas aparências, apressam-se a escolhê-la; fracos demais, infelizmente, para enfrentar o perigo, as seduções triunfam de sua inexperiência.
“Trabalhadores, estive nas vossas fileiras; eu, a nobre dama, como vós ganhei meu pão com o suor do meu rosto; aguentei privações, sofri intempéries, e foi o que desenvolveu as forças viris da minha alma; sem isso, eu teria provavelmente fracassado na minha última prova, o que me teria feito recuar para bem longe. Como eu, tereis também por vossa vez a prova da fortuna, mas não vos apresseis em pedi-la demasiado cedo; e vós que sois ricos, tende sempre presente o pensamento de que a verdadeira fortuna, a fortuna imperecível, não está na terra, e compreendei a que custo podeis merecer os benefícios do Onipotente.”

PAULA, na Terra, condessa de ***.


[1] Pode-se dizer que essa dama era o retrato vivo da mulher benfazeja, traçado no Evangelho segundo o espiritismo, cap. XIII.
[2] Extraímos desta comunicação, cujo original é em língua alemã, as partes instrutivas para o assunto que nos ocupa, suprimindo o que é apenas um interesse de família.

PROVA E EXPIAÇÃO

Questões e problemas

(Revista Espírita, setembro de 1863)

SOBRE A EXPIAÇÃO E A PROVA

Moulins, 8 de julho de 1863.

Senhor e venerado mestre,
Venho submeter à vossa apreciação uma questão que foi discutida em nosso pequeno grupo e não pudemos resolver por nossas próprias luzes. Os próprios Espíritos que consultamos não responderam muito categoricamente para nos tirar da dúvida.
Redigi uma pequena nota, que tomo a liberdade de vos remeter, na qual reuni os motivos de minha opinião pessoal, que difere da de vários colegas. A opinião destes últimos é que a expiação ocorre efetivamente durante a encarnação, apoiando-se no fato de que essa expressão foi empregada em muitas comunicações, e notadamente no Livro dos Espíritos.
Venho, pois, vos pedir a extrema bondade de nos dar a vossa opinião sobre essa questão. Vossa decisão para nós será lei, e de boa vontade cada um sacrificará sua maneira de ver, para colocar-se sob a bandeira que plantastes e sustentais de maneira tão firme e tão sábia.
Recebei, senhor e caro mestre, etc.
T. T.

“Várias comunicações dadas por Espíritos diferentes qualificam indistintamente comoexpiações provas, males e tribulações que formam o quinhão de cada um de nós durante a encarnação na Terra.
Dessa aplicação à mesma ideia, de duas palavras muito diversas na sua significação, resulta uma certa confusão, sem dúvida pouco importante para os Espíritos desmaterializados, mas que, entre os encarnados, dá lugar a discussões que seria bom fazer cessar por uma definição clara e precisa e explicações fornecidas pelos Espíritos superiores que fixariam, de modo irrevogável, esse ponto de doutrina.
“Para começar, tomando os dois vocábulos no sentido absoluto, parece que a expiaçãoseria o castigo, a pena imposta para o resgate de uma falta, com o perfeito conhecimento, por parte do culpado punido, da causa do castigo, isto é, da falta a expiar. Compreende-se que, neste sentido, a expiação seja sempre imposta por Deus.
“A prova não implica qualquer ideia de reparação. Ela pode ser voluntária ou imposta, mas não é a consequência rigorosa e imediata das faltas cometidas.
“A prova é um meio de constatar o estado de uma coisa, para reconhecer se é de boa qualidade. Assim, submete-se a uma prova uma corda, uma ponte, uma peça de artilharia, não por causa de seu estado anterior, mas para certificar-se de que estão adequadas ao serviço a que se destinam.
“Assim, por extensão, tem-se chamado de provas da vida ao conjunto de meios físicos ou morais que revelam a existência ou ausência das qualidades da alma que estabelecem a sua perfeição ou os progressos por ela feitos na busca dessa perfeição final.
“Parece, pois, lógico admitir que a expiação propriamente dita, e no sentido absoluto do vocábulo, ocorre na vida espiritual, após a desencarnação ou morte corpórea; que ela possa ser mais ou menos longa, mais ou menos penosa, de acordo com a gravidade das faltas, mas que é completa no outro mundo e termina sempre por um ardente desejo de ter uma nova reencarnação, durante a qual as provas escolhidas ou impostas deverão permitir que a alma faça um progresso para a perfeição que as faltas anteriores lhe impediram de realizar.
“Assim, pois, não conviria admitir que há expiação na Terra, mesmo que excepcionalmente, porque seria preciso admitir, também, o conhecimento das faltas punidas. Ora, tal conhecimento só existe na vida de além-túmulo. A expiação sem tal conhecimento seria uma barbárie sem utilidade e não se conformaria nem com a justiça nem com a bondade de Deus.
“Durante a encarnação, não se pode conceber senão provas, porque, sejam quais forem os males e tribulações desta Terra, é impossível considerá-los como podendo constituir umaexpiação suficiente para faltas de qualquer gravidade. Pensa-se que um culpado, entregue à justiça dos homens, estaria bem punido se o condenassem a viver como o menos feliz de nós?
Não exageremos, pois, a importância dos males desta Terra para nos atribuirmos o mérito de havê-los suportado. A prova consiste mais na maneira pela qual os males foram suportados do que na sua intensidade que, como a felicidade terrena, é sempre relativa para cada indivíduo.
“Os caracteres distintivos da expiação e da prova são que a primeira é sempre imposta, e sua causa deve ser conhecida por aquele que a sofre, ao passo que a segunda pode ser voluntária, isto é, escolhida pelo Espírito, ou mesmo imposta por Deus, na falta de escolha. Além disso, ela se concebe muito bem sem causa conhecida, pois não é necessariamente a consequência de faltas passadas.
“Numa palavra: a expiação cobre o passado; a prova abre o futuro.
“O número de julho da Revista Espírita contém um artigo intitulado Expiação terrena, que pareceria contrário à opinião emitida acima. Contudo, lendo-o atentamente, ver-se-á que aexpiação verdadeira se deu na vida espírita, e que a posição que Max ocupou na sua última encarnação realmente não é senão o gênero de provas que ele escolheu, ou que lhe foram impostas, e das quais saiu vitorioso, mas que, durante toda essa encarnação, ignorando sua posição anterior, ele não poderia em nada aproveitar uma expiação sem objetivo.
“Talvez esta seja mais uma questão de palavras que de princípios. Com efeito, foi dito muitas vezes: “Não vos atenhais às palavras; vede o fundo do pensamento.” Em todo o caso, para nós que nos entendemos por meio de palavras, convém estarmos bem fixados no sentido que a elas ligamos.”

Resposta. A distinção estabelecida pelo autor da nota acima, entre o caráter da expiação e o das provas é perfeitamente justa. Contudo, não poderíamos partilhar de sua opinião no que concerne à aplicação desta teoria à situação do homem na Terra.
A expiação implica necessariamente a ideia de um castigo mais ou menos penoso, resultado de uma falta cometida. A prova implica sempre a de uma inferioridade real ou presumível, porque o que chegou ao ponto culminante a que aspira, não mais necessita de provas.
Em certos casos, a prova se confunde com a expiação, isto é, a expiação pode servir de prova, e reciprocamente. O candidato que se apresenta para receber uma graduação, passa por uma prova. Se falhar, terá que recomeçar um trabalho penoso. Esse novo trabalho é a punição da negligência no primeiro. A segunda prova se torna, assim, uma expiação.
Para o condenado a quem se faz esperar um abrandamento ou uma comutação, se se conduzir bem, a pena é ao mesmo tempo uma expiação por sua falta e uma prova para sua sorte futura. Se, à sua saída da prisão, não estiver melhor, sua prova é nula e um novo castigo conduzirá a uma nova prova.
Agora, se considerarmos o homem na Terra, veremos que ele aí suporta males de toda sorte, e por vezes cruéis. Esses males têm uma causa. Ora, a menos que os atribuamos ao capricho do Criador, somos forçados a admitir que a causa está em nós mesmos, e que as misérias que experimentamos não podem ser resultado de nossas virtudes. Então elas têm sua fonte nas nossas imperfeições.
Se um Espírito encarnar-se na Terra em meio à fortuna, às honras e a todos os prazeres materiais, poder-se-á dizer que sofre a prova do arrastamento. Para aquele que cai na desgraça por sua conduta ou sua imprevidência, é a expiação de suas faltas atuais, e pode-se dizer que é punido por onde pecou. No entanto, o que dizer daquele que, desde seu nascimento, está a braços com necessidades e privações; que arrasta uma existência miserável e sem esperança de melhora; que sucumbe ao peso de enfermidades congênitas, sem ter ostensivamente nada feito para merecer tal sorte? Quer seja uma prova, quer uma expiação, a posição não é menos penosa e não seria mais justa do ponto de vista do nosso correspondente, porque se o homem não se lembra da falta, também não se lembra de haver escolhido a prova. Assim, há que buscar alhures a solução da questão.
Como todo efeito tem uma causa, as misérias humanas são efeitos que devem ter uma causa. Se essa causa não estiver na vida atual, deve estar numa vida anterior. Além disso, admitindo a justiça de Deus, tais efeitos devem ter uma relação mais ou menos íntima com os atos precedentes, dos quais eles são, ao mesmo tempo, castigo para o passado e prova para o futuro. São expiações no sentido de que são consequência de uma falta, e provas em relação ao proveito delas tirado. Diz-nos a razão que Deus não pode ferir um inocente. Logo, se somos feridos e se não somos inocentes, o mal que sentimos é o castigo, e a maneira de suportá-lo é a prova.
Mas, acontece muitas vezes que a falta não se acha nesta vida. Então acusa-se a justiça de Deus, nega-se a sua bondade, duvida-se, até, de sua existência. Aí, precisamente, está a prova mais escabrosa: a dúvida sobre a Divindade. Quem quer que admita um Deus soberanamente justo e bom deve dizer que ele só agirá com sabedoria, mesmo naquilo que não compreendamos, e que se sofremos uma pena, é porque fizemos por merecer. É, pois uma expiação.
Pela grande lei da pluralidade das existências, o Espiritismo levanta completamente o véu sob o qual essa questão deixava obscuridade. Ele nos ensina que se a falta não tiver sido cometida nesta vida, tê-lo-á sido em outra, e que assim a justiça de Deus segue o seu curso, punindo-nos por onde havíamos pecado.
Vem a seguir a grave questão do esquecimento que, segundo o nosso correspondente, tira aos males da vida o caráter de expiação. É um erro. Dai-lhe o nome que quiserdes, mas não fareis que não sejam a consequência de uma falta. Se o ignorais, o Espiritismo vo-lo ensina.
Quanto ao esquecimento das faltas em si, ele não tem as consequências que lhe atribuís. Temos demonstrado alhures que a lembrança precisa dessas faltas teria inconvenientes extremamente graves, porque isso nos perturbaria e nos humilharia aos nossos próprios olhos e aos do próximo; porque traria uma perturbação nas relações sociais e porque, por isso mesmo, entravaria o nosso livre-arbítrio.
Por outro lado, o esquecimento não é tão absoluto quanto o supõem. Ele só se dá na vida exterior de relação, no próprio interesse da Humanidade, mas a vida espiritual não sofre solução de continuidade. Tanto na erraticidade quanto nos momentos de emancipação, o Espírito se lembra perfeitamente, e essa lembrança lhe deixa uma intuição que se traduz na voz da consciência, que o adverte do que deve ou não deve fazer. Se ele não a escuta, então é culpa sua. Além disso, o Espiritismo dá ao homem um meio de remontar ao seu passado, senão aos atos precisos, ao menos aos caracteres gerais desses atos que ficaram mais ou menos desbotados na sua vida atual. Pelas tribulações que suporta, expiações ou provas, ele deve concluir que foi culpado. Pela natureza dessas tribulações, ajudado pelo estudo de suas tendências instintivas, e apoiando-se no princípio de que a mais justa punição é a consequência da falta, ele pode deduzir seu passado moral. Suas tendências más lhe ensinam o que resta de imperfeito a corrigir em si. A vida atual é para ele um novo ponto de partida. Ele aí chega rico ou pobre de boas qualidades, basta-lhe, pois, estudar-se a si mesmo para ver o que lhe falta, e dizer para si mesmo: “Se sou punido, é porque pequei.” E a própria punição lhe dirá o que fez.
Citemos uma comparação.
Suponhamos um homem condenado a tantos anos de trabalhos forçados, e aí sofrendo um castigo especial, mais ou menos rigoroso, conforme à sua falta; suponhamos, ainda, que ao entrar na prisão ele perca a lembrança dos atos que para lá o conduziram. Não poderá ele dizer para si mesmo: “Se estou na prisão, é que fui culpado, pois não se condena gente virtuosa, portanto, tratemos de nos tornarmos bom, para não voltarmos quando daqui sairmos.” Quer ele saber o que fez? Estudando a lei penal, saberá quais os crimes que para ali conduzem, porque não se é posto a ferros por uma estroinice; da duração e da severidade da pena, concluirá o gênero dos que deve ter cometido. Para ter uma ideia mais exata, terá apenas que estudar aqueles para os quais ele se sente instintivamente arrastado. Saberá, então, o que daí em diante deverá evitar para conservar a liberdade, e a isso será ainda excitado pelas exortações dos homens de bem, encarregados de instruí-lo e de guiá-lo no bom caminho. Se ele não tira proveito disso, sofrerá as consequências. Tal a situação do homem na Terra onde, como o grilheta, não pode ter sido posto por suas perfeições, desde que é infeliz e obrigado a trabalhar. Deus lhe multiplica os ensinamentos proporcionais ao seu adiantamento. Adverte-o incessantemente e o fere, até, para despertá-lo de seu torpor. Aquele que persiste no endurecimento não pode desculpar-se com a ignorância.
Em resumo, se certas situações da vida humana têm, mais particularmente, o caráter das provas, outras incontestavelmente têm o do castigo, e todo castigo pode servir de prova.
É um erro pensar que o caráter essencial da expiação seja o de ser imposta. Vemos diariamente na vida expiações voluntárias, sem falar dos monges que se maceram e se fustigam com a disciplina e o cilício. Assim, nada há de irracional em admitir que um Espírito na erraticidade escolha ou solicite uma existência terrena que o leve a reparar seus erros passados. Se tal existência lhe tivesse sido imposta, não teria sido menos justa, malgrado a ausência momentânea da lembrança, pelos motivos acima desenvolvidos. As misérias daqui são, pois, expiação, por seu lado efetivo e material, e provas, por suas consequências morais. Seja qual for o nome que se lhes dê, o resultado deve ser o mesmo: o melhoramento. Em presença de um objetivo tão importante, seria pueril fazer uma questão de princípio de uma questão de palavra. Isto provaria que se liga mais importância às palavras do que à coisa.
Temos prazer de responder às perguntas sérias e de elucidá-las, quando possível. A discussão é tanto mais útil com pessoas de boa-fé, que estudaram e querem aprofundar as coisas, pois é trabalhar para o progresso da ciência, quanto é ociosa com os que julgam sem conhecimento e querem saber sem se darem ao trabalho de aprender.

Crédito: IPEAK