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quinta-feira, 29 de abril de 2021

O ÓBULO DA VIÚVA POBRE " Seu ato foi, portanto, um ato de santidade, porque de suprema renúncia."

O ÓBULO DA VIÚVA POBRE
 
"Sentando-se Jesus em frente ao gazofilácio, observava como o povo punha ali as suas dádivas. Muitos ricos deitavam grandes quantias; chegando, porém, uma pobre viúva, lançou duas pequenas moedas, que valem um quadrante. Chamando, então, Jesus os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deu mais que todos os ofertantes; pois estes deram do que lhes sobrava; ela, porém, da sua pobreza deu tudo o que possuía, tudo de que dispunha para o seu sustento".

Vendo em Jesus o Mestre, o Educador que ensina através das páginas do livro da vida fazendo do mundo uma escola, vamos considerar o fruto de sua observação, com respeito à dádiva dos ricos e à da viúva pobre. 

 Narra o texto que Jesus acompanhava o gesto daqueles que depositavam no tesouro do templo as suas ofertas. O excelso intérprete da justiça divina verificou que os homens ricos lançavam vultosas somas no gazofilácio, julgando, talvez, assegurar com seu ouro uma bela posição no reino dos céus. O que, porém, chamou a atenção dele, de modo particular, foi a insignificante oferta da viúva pobre, que deitou no cofre sacro duas moedinhas de cobre, no valor dum quadrante, ou seja, 4 centavos.

O Mestre observa a atitude daquela mulher, penetra o seu íntimo, devassa os recessos mais secretos do seu coração e predica assim aos discípulos: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deitou mais na arca do templo que todos os ofertantes. Porque estes deram do que lhes sobrava; ela, porém, da sua pobreza deu tudo o que possuía, tudo o que tinha reservado para o seu sustento. É significativa a expressão — em verdade vos digo — com que Jesus costumava preceder as sentenças graves que proferia. Em verdade quer dizer na realidade, de fato, isto é assim, e não como os homens querem que seja, ou supõem que há de ser.

A linguagem humana é capciosa: traduz o convencionalismo de cada época; reflete a opinião sempre errônea e falsa da conceituação vigente adotada pela maioria, ou, ainda, a expressão da ignorância oficializada pelos usos e costumes sociais. Apartando-se deste círculo vicioso, o Sábio Instrutor da humanidade acentua que o seu dizer é — em verdade — isto é, fora de todo o conceito terreno eivado de dolo; fora de todo o juízo humano pronunciado levianamente, sem conhecimento de causa, na ignorância dos fatores ocultos que determinam os acontecimentos e os fenômenos que caem sob o domínio dos sentidos.

Ele estava em condições de apreciar os fatos da vida com justeza, pois que não os julgava pelas aparências, porém mediante plena compreensão dos elementos que entram em jogo para produzi-lo. Daí a sua autoridade acerca dos julgamentos que emitia e das lições que ministrava, fazendo-as preceder desta advertência: em verdade vos digo. Vejamos, agora, o que Ele, em verdade, nos ensina neste caso do óbolo da viúva pobre.

A maneira como Jesus aprecia o mérito ou demérito das nossas obras difere, sobremaneira, do critério, usado pelos homens. No episódio, que ora nos serve de tema, vemos que Ele reputou a oferenda da viúva como a maior de todas depositadas no gazofilácio. Nada obstante, foi a menor, a mais pequenina numericamente falando. Isto porque o Mestre se louvou, não nas aparências, isto é, no que se podia perceber com os sentidos, mas nos motivos íntimos que impeliram os ofertantes a lançar suas dádivas na arca do templo. Por que o fizeram eles? Quais os fatores que preponderaram no ânimo dos ricos para que dessem grandes somas?
A vaidade, talvez, porque as ofertas eram feitas publicamente; o interesse — quem sabe? — de comprar com o seu ouro a simpatia dos deuses, esperando, por esse processo, alcançar a desejada felicidade futura; ou, ainda, para serem agradáveis aos influentes sacerdotes e aos poderosos pontífices, usufrutários e desfrutadores das rendas do templo. Tais motivos, por si só, invalidam, moralmente, as mais vultosas dádivas. Os que agiram visando àqueles alvos já receberam a sua recompensa, de acordo com os planos concebidos.

Quanto à viúva, cabe-lhe o mérito da máxima sinceridade com que agiu. Essa virtude é que dá valimento ao seu gesto. Ela considerava a espórtula ao templo como um dever sagrado, portanto imprescindível. A prova do que dizemos está no esforço que fez; mais do que esforço, no sacrifício, visto como se privou do único recurso pecuniário de que dispunha, o qual se destinava ao seu próprio sustento! Seu ato foi, portanto, um ato de santidade, porque de suprema renúncia.

A soma total de todo o ouro, deitado, no decurso dos séculos, no gazofilácio do famoso templo de Jerusalém, não valia, por certo, a excelsitude do sentimento que, do fundo do coração daquela pobre mulher desprotegida, a compeliu a privar-se das suas duas únicas moedinhas, reservadas para atender à mais premente e cruel das necessidades humanas — que é o pão de cada dia.

O Soberano Intérprete da divina justiça costumava computar, no seu julgamento, os valores morais, e não somente os de ordem material, como fazem os homens. Por isso teve em maior estimação a mesquinha oferta da viúva, comparada com a opulenta doação dos ricos: estes, sem nenhum esforço deram uma insignificante parcela do muito que possuíam. O juízo humano se funda no testemunho dos sentidos. O juízo divino se baseia no critério da razão e no senso do coração. A verdade, como disse muito bem Flammarion, não está no que vemos, mas naquilo que escapa à apreciação dos nossos órgãos visuais.

A balança da excelsa justiça não pesou o ouro que os ricos deitaram no gazofilácio, mas sim, o ouro que eles retiveram em seu poder. Estabelecido o confronto, constatou que a dádiva foi exígua. No que respeita, porém, à viúva pobre, a oferta foi maravilhosa, pois que ela havia dado tudo quanto tinha. Quem dá tudo que possui dá o máximo. Não é possível haver dádiva maior. Tal o critério que Jesus empregou ao proferir a sentença: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deu mais que todos os ricos.

Pela ordem destas considerações, ou seja, por associação natural de idéias em torno deste episódio evangélico, ocorre-nos à mente um fato que nos vem provar quanto a nossa sociedade vive divorciada dos precípuos elementos de justiça. Queremos nos referir à maneira de aquilatar-se o valor do trabalho, de onde decorre, conseqüentemente, a distribuição da riqueza. Costuma-se dividir o trabalho humano em duas categorias: o intelectual e o manual, isto é, o da inteligência e o dos músculos.
Os primeiros fazem jus a remunerações desproporcionalmente maiores que os últimos. O trabalho intelectual chega, por vezes, à culminância de um valor meramente estimativo, fora de qualquer princípio de equidade, enquanto que o labor dos músculos, quanto mais rude e mais penoso, tanto menos valia representa. Será justa semelhante maneira de julgar o produto da atividade humana? Por que motivo vale muito o esforço intelectual e vale pouco, quase nada, o esforço muscular? Será, talvez por que se empresta uma certa nobreza ao trabalho intelectual? Mas será, acaso, menos elevado ou menos nobre o trabalho manual?

Parece-nos que aqueles que arroteiam o solo, abrindo leiras para receber a semente no milagre cotidiano da multiplicação dos pães, exercem o mais humano e santo dos labores. Demais, o que cumpre considerarmos é a utilidade do trabalho executado. A significação do vocábulo trabalho, segundo os economistas, é a atividade humana empregada na produção de utilidades. Ora, o trabalho dos músculos é tão necessário à sociedade como o da inteligência. Um não é, em rigor, superior a outro, porque ambos os ramos de atividade preenchem as necessidades da vida humana.

Onde, pois, a razão de tamanha disparidade no cômputo que se faz dos produtos manuais em comparação com os intelectuais? A única explicação está em que são os intelectuais que fazem as leis e regulam a sua aplicação na sociedade. Vivemos sob o despotismo da inteligência. Daí procede a iniquidade. Sim, a iniquidade porquanto o lixeiro ou o cavoucador que despende o seu maior esforço e que, como a viúva pobre, dá tudo quanto tem, merece perceber um salário que lhe proporcione, e à sua família, relativo conforto e bem-estar. Eles têm direito à vida e aos legítimos prazeres que refrigeram e amenizam as asperezas da luta cotidiana.

O que Jesus apreciou na dádiva da viúva foi o supremo esforço que ela empregou, despojando-se de tudo que possuía, para atender às solicitações da sua crença. Por isso, e só por isso, as suas duas moedinhas de cobre valiam mais que os punhados de ouro que os nababos daquela época lançaram na arca do templo. Apliquemos este critério no valor que damos ao trabalho, e cheguemos à conclusão de que muito merece aquele que muito se esforça, aquele que faz o melhor que pode no exercício do mister que exerce, seja este de que natureza for.

Em realidade, todo o trabalho é intelectual. Os músculos são dirigidos pela inteligência. Não há labor puramente manual, pois que o homem não é máquina de função mecânica e monótona. Os que exercem os rudes misteres musculares são aqueles cuja inteligência ainda não foi educada suficientemente para lhes proporcionar um trabalho menos árduo e mais compensador.

Neste mundo, dadas as suas condições de planeta atrasado, de mundo expiatório, os que sabem mais se locupletam dos que sabem menos, sendo esta a razão das formidáveis desproporções no aquilatar-se o valor das várias modalidades de trabalho, e, como consequência, da distribuição da riqueza.

E, assim se explica a advertência do Mestre dirigida aos seus discípulos: Se a vossa justiça não for superior à dos escribas e fariseus, não entrareis no reino de Deus. A justiça que vigora neste mundo é justiça de escribas e fariseus, cujos frutos são a miséria, as rivalidades e as guerras.

Vinícius

Do Livro : Na Escola do Mestre

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Zaqueu, amigo íntimo de Jesus.



Jesus percorria pela derradeira vez os caminhos da Palestina. Deixando a Galileia, dirigira-se ao território da Judeia, além do Jordão.1 Nessa viagem, quando já próxima a hora extrema do Gólgota, encontra-se com Zaqueu às portas de Jericó.

Descrita no Velho Testamento como a Cidade das Palmeiras,2 Jericó foi edificada numa das mais ricas zonas agrícolas de todo o Oriente Médio.3 Verdadeiro oásis no deserto, cercada por quilômetros de terra árida e rochosa, exibe – contrastando com os seus arredores – campos floridos, árvores balsâmicas, amendoeiras, romãzeiras, tamareiras, sicômoros, e, sobretudo, palmeiras. Tornou-se célebre nos tempos de Jesus. Clima mitigado pela abundância de águas canalizadas, esplêndidos jardins e belas construções fizeram dela a cidade invernal da aristocracia de Jerusalém, preferência de Herodes Magno.4
Passagem obrigatória a caravanas de mercadores e peregrinos religiosos, Jericó alcançou grande importância econômica, contando com estabelecimentos bancários, várias lojas comerciais e diversos armazéns providos de toda mercadoria. Diariamente, desde as primeiras horas da manhã, negociantes, proprietários, lavradores, agentes e cambistas fervilhavam em suas ruas, entre discussões, compras, vendas e assinaturas de contratos, num febril vaivém. Somente com as primeiras sombras da noite, costumava diminuir o bulício na Cidade das Palmeiras.

Israel vivia então sob o senhorio romano, sujeito aos ditames do grande império. Como todos os povos conquistados pelos césares, pagava-lhes pesados tributos, destinados ao luxo do patriciado e à manutenção da máquina governamental, cujos exércitos, sempre crescentes, requeriam gastos mais e mais elevados.
Os judeus, mesmo oprimidos, não declinavam de suas crenças, cultivando-as com intenso ardor. Arrimados à fé dos seus patriarcas, consolidada ao longo dos séculos, mantinham-se coesos como nação, ainda quando exilados, vivendo em terras estranhas. O governo romano, então, normalmente adotava política de tolerância para com as práticas religiosas dos povos dominados.

Naqueles dias, os israelitas se preparavam para a páscoa, comemoração à sua libertação do jugo egípcio. Numerosos viajores cruzavam as estradas e caminhos do país, na direção de Jerusalém. Jericó, mais que outras localidades, regurgitava de passantes.

Jesus, com os doze, igualmente se encaminhava à capital da Judeia.5 Vencida quase toda a distância entre Cafarnaum e Jerusalém – contornando ao leste o território samaritano6 – chegou às cercanias de Jericó. 

Pelos caminhos, ensinava a Boa-Nova, consolava os aflitos e curava os enfermos; verdadeira multidão o acompanhava desde a Galileia.
Jericó, como já dito, constituía rota obrigatória para mercadores e peregrinos. Movimentado comércio local e acentuada circulação de riquezas em suas fronteiras garantiam- lhe elevada arrecadação tributária; despertava o interesse dos governantes e a ambição dos publicanos.

Conforme as regras estatuídas então, cabia aos publicanos coletar os impostos. Desde Caio Graco, Tribuno da Plebe nos anos 123 a.C. e 122 a.C., nova forma de concessão para arrecadação tributária fora estabelecida nas províncias asiáticas, sendo mais tarde aplicada às demais possessões romanas. 

Os tributos passaram a ser recolhidos mediante contrato firmado, pelo prazo de cinco anos, entre o vencedor da hasta pública e o tesouro romano, devendo o vencedor antecipar o pagamento desses tributos ao Estado. Os participantes desses leilões, naturalmente, eram homens muito ricos, com fortuna pessoal mínima de quatrocentos mil sestércios, segundo alguns historiadores.

A adoção desse sistema de arrecadação tributária, conquanto eficiente, teve graves consequências. 
Os publicanos, livres para cobrar quanto quisessem, exorbitavam nas taxas exigidas, multiplicando suas fortunas vertiginosamente. Movidos por indisfarçável ânsia lucrativa, tornaram-se símbolo de avidez e desonestidade, sendo detestados pela população em geral.

Zaqueu era rico publicano, chefe dos publicanos em Jericó.
Em concorrência pública, como ditava o costume, arrematara o direito à cobrança de impostos na urbe famosa. Além dos interesses da alfândega, dirigia outros negócios particulares, todos muito rentáveis; contava com grande número de empregados. 

Os judeus olhavam-no com desdém, como faziam a todos os publicanos, considerando-o traidor da pátria, por transigir com os romanos invasores.
Raros lhe dirigiam a palavra e, quando o faziam, quase sempre o faziam obrigados pelas circunstâncias, não disfarçando o íntimo desprezo que lhe votavam.

Ouvira falar de Jesus!
As notícias que lhe chegavam davam conta de sua amorosa mensagem, portadora de fé e esperança. Da boca popular, escutava referências a seus muitos milagres e soubera que exprobrava a conduta de fariseus e saduceus, exortando os homens ao bom caminho. Tinha conhecimento de que Ele se fazia acompanhar, sobretudo, dos simples e deserdados, que não desprezava a ninguém, considerando a todos como irmãos. Ouvira dizer, até, que entre os seus mais próximos seguidores, havia um que fora conhecido publicano.

Queria ver o novo Messias, quem sabe, falar ao Mestre nazareno.
Sua alma sonhava novos horizontes, cansada das coisas do mundo. De há muito, acalentava secreto desejo de conhecer aquele de quem se falava tantas maravilhas.

Caía a tarde na velha cidade do vale do Jordão. Seus estabelecimentos comerciais cerravam as portas, seus habitantes regressavam aos lares e os peregrinos procuravam pernoite. Desusado movimento agitava Jericó. Nos últimos dias, muito aumentara o fluxo local de caravanas com destino à Cidade Santa.
Zaqueu também findara seu trabalho, rumava para casa. Romeiros de variadas procedências anunciavam a chegada do Rabi galileu. Excitados, gesticulavam muito, diziam que Ele curara o cego Bartimeu.7

Não longe, compacta muralha humana cercava o carpinteiro galileu. Rápido, Zaqueu se acercou da multidão, empolgado pela possibilidade do ambicionado encontro. De pequena estatura, contudo, por mais tentasse, não conseguia ver Jesus. Tomado de resolução – temia perder a oportunidade há tanto esperada – correu à frente do povaréu, subiu num velho sicômoro e aguardou a passagem do Mestre.
Logo divisou a sua figura augusta, sentiu-se invadir de paz intraduzível. Atraído pelo seu amoroso magnetismo, acompanhava-lhe os menores gestos, apurava os ouvidos para escutá-lo.
Que pensamentos acudiam nessa hora a Zaqueu? Que sentimentos dominavam seu coração? Que visões contemplava seu Espírito? Talvez passasse em revista sua existência, reexaminasse os valores que lhe vinham norteando as decisões, vislumbrasse nesgas do caminho espiritual. Decerto que experimentava íntima e estranha inquietação; chegara o instante glorioso do seu encontro com a Verdade.
Aproximando-se da árvore em que se alojara o publicano, Jesus ergueu os olhos, fitando-o, e disse-lhe: “Zaqueu, desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa”.8 Zaqueu deu-se pressa em descer, recebendo-o com muita alegria. “À vista desse fato – anota o evangelista – murmuravam todos, dizendo: Foi hospedar-se na casa de um homem pecador!”.
Entrementes, Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: “Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo-lhe o quádruplo”. Então, Jesus lhe disse: “Hoje, houve salvação nesta casa, pois que também este é filho de Abraão. Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido”.9

Zaqueu exultava de alegria, sentia-se no limiar de um novo mundo. Vivera até ali como os comuns de sua época, preocupado com as aquisições materiais, escravo das coisas ilusórias. Chegava agora a novo estágio evolutivo. Quais os caminhos do seu despertar espiritual? Quais os degraus superados até alcançar a condição de amigo íntimo de Jesus?
Acompanhando a sua marcha ascensional, naquilo que podemos apreciar, concluímos que muito peregrinou nas sombras dos enganos e vacilações, antes de penetrar a porta estreita, rumo à Espiritualidade superior.
Dedicou os primeiros anos de sua existência às conquistas mundanas – dinheiro, fama, status, poder – dominado pelas exigências dos prazeres egoístas, conquanto, desde antes, almejasse respirar noutra atmosfera. A alma humana nessa etapa de aprendizado,  quando não nega a paternidade divina, costuma ignorá-la propositadamente, como se temesse as consequências desse reconhecimento

Intui secretamente as responsabilidades que daí advirão, e, como a dormideira, recolhe-se em si mesma, preferindo manter-se alienada acerca da existência de Deus.

A saciedade proporcionada pelas conquistas inferiores, todavia, carece de perenidade, possui existência efêmera. Não demora e a alma sente vazio inexprimível, vítima da impermanência das coisas deste mundo. Até alcançar os bens eternos, sofrerá crises periódicas desse vazio.

O filósofo pessimista alemão, Arthur Schopenhauer, observando o cotidiano do homem comum, diz que a vida é um pêndulo que oscila entre o sofrimento e o tédio. Sofremos enquanto não conseguimos o que desejamos e, quando conseguimos o que desejamos, sentimos tédio. É então que elegemos novo objeto de desejo para, novamente, oscilarmos entre o sofrimento e o tédio, numa infinita alternância.

Zaqueu vivia essa alternância, pendulando entre o pesar e o fastio.

Saturado do que é transitório, experimenta invencível fascínio pelo transcendente, impulsionado pelo que podemos chamar de tropismo divino; é o início da sua busca espiritual, termo da sua alienação de Deus.

Talvez ninguém lhe tivesse notado a mudança, nem mesmo os mais próximos, muitíssimo engolfados nos assuntos da matéria. Jesus, porém, atento às mais discretas manifestações de nossa alma, identifica os primeiros clarões de sua luz interior e lhe vêm à procura. Zaqueu buscava Jesus, Jesus buscava Zaqueu. Entre eles uma multidão, símbolo dos obstáculos que o publicano necessitava transpor para alcançar o Mestre. Do alto da figueira, Zaqueu espia Jesus. Encontrara o que procurava, segredava-lhe a consciência. De repente, ouve surpreso: Zaqueu, desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa.
Desde quando anelava semelhante dádiva? Que fizera para merecer tamanha bênção? Humilde, cria-se indigno de hospedar o Messias. Mas, depressa, desce e vai correndo preparar-lhe régia ceia e as melhores acomodações de sua rica residência.
A cena nos sugere oportunas reflexões.

O sicômoro ou figueira doida, 10 como também é conhecido, com suas raízes profundas, folhas ásperas e frutos de inferior qualidade, oferece singular imagem das riquezas materiais, cuja aparência de viço, solidez e perpetuidade engana o observador menos percuciente.

Zaqueu no alto da figueira, acima da multidão, traduz o homem içado aos mais proeminentes postos o mundo. O desce depressa nos fala da imperiosidade de abandonarmos as convenções meramente humanas, para encontrarmos o Cristo.

Zaqueu transbordava alegria.
Límpidos raciocínios agora iluminavam seu espírito; trilhava os primeiros passos na senda. As posses materiais e os favores de sua elevada posição social não o haviam impedido de chegar a Jesus. Sabia-se, contudo, longe da completa emancipação espiritual, preciso era prosseguir.

À mesa, com o sublime visitante, ouvia-o com deleite, considerava quanto estivera distanciado do verdadeiro caminho. Imerso em doce onda de amor, priva pela primeira vez da intimidade de Jesus. É aí que se resolve a dar metade dos seus bens aos pobres e a restituir em quádruplo a quem haja defraudado.

…É a fase da entrega!… É a fase da consagração!
Vencida a alienação, realizada a busca, Zaqueu se entrega àquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Esvazia-se das coisas deste mundo, disposto a preencher-se das coisas celestes. Abre mão de sua riqueza… Distribui seus bens aos pobres… Indeniza a quem prejudicou… Abdica de sua posição social… Reconhece que mesmo sem o saber, sempre buscara o Cristo de Deus. Enlevado, despe sua alma, lavando com lágrimas as lembranças de suas defecções, para ouvir do Senhor:
Hoje, houve salvação nesta casa, pois que também este é filho de Abraão. Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido.9
Selada estava eterna aliança entre Zaqueu e Jesus.

E ali na casa de Zaqueu, ainda naquela noite, Jesus contou a parábola das dez minas– para a maioria dos exegetas – uma variante da parábola dos talentos, apesar das diferenças textuais havidas entre as duas narrativas.11

Zaqueu é uma daquelas personagens bíblicas sobre quem muito pouco se sabe. Além do episódio relatado por Lucas, não encontramos nas páginas evangélicas qualquer outra referência ao publicano de Jericó. Estudiosos do Novo Testamento, todavia, hão sustentado que tudo deixou para seguir a Jesus.
Clemente de Roma afirma que ele se tornou companheiro de viagens de Simão Pedro, sendo, mais tarde, nomeado Bispo de Cesareia Marítima, pelo Pescador de Cafarnaum.12 Clemente de Alexandria sugere que adotou o nome Matias, induzindo muitos à falsa inferência de que haja substituído Judas Iscariotes no Colégio dos Doze.13 O legendário medieval o identifica como Santo Amador, considerado o fundador do santuário francês de Rocamadour.Modernos pesquisadores da história do Cristianismo – alguns com decênios dedicados ao assunto – comungam com muito dessas tradições.

Devemos,contudo,escoimar essas tradições – todas tardias, e por isso, pálidas de valor histórico – daquilo que faleça a mais severo exame.
Hoje, alguns poucos ainda pretendem que Zaqueu seja Matias, o 13º Apóstolo. Diríamos que essa é uma opinião insustentável, dado que não resiste à mais leve análise, quando na presença dos textos testemunhais desses eventos.
Atos dos Apóstolos (1:15, 21, 22, 23 e 26) registra:
Naqueles dias, Pedro levantou-se no meio dos irmãos – o número das pessoas reunidas era de mais ou menos cento e vinte e disse:
“É necessário, pois, que, dentre estes homens que nos acompanharam todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu em nosso meio, a começar do batismo de João até o dia em que dentre nós foi arrebatado, um destes se torne conosco testemunha da sua ressurreição”.
Apresentaram então dois: José, chamado Barsabás e cognominado Justo, e Matias. Lançaram a sorte sobre eles, e a sorte veio a cair em Matias, que foi então contado entre os onze apóstolos.

A leitura acima não exige mais grave meditação para infirmar a ideia de que Zaqueu seja o 13º apóstolo. Declara, literalmente, que, desde o início, tanto um quanto outro – José e Matias – tomou parte ativa na vida messiânica de Jesus. Zaqueu, como é sabido, somente o conheceria na última viagem do Mestre a Jerusalém.14
Além disso, caminhando nessa direção, assevera Eusébio de Cesareia:
E um documento ensina também que Matias – o que foi juntado à lista dos apóstolos em substituição a Judas – e o outro que com ele teve a honra de disputar a sorte foram dignos de serem dos setenta. […]15

E, mais adiante, diz: O primeiro, pois, que a sorte designou para o apostolado em substituição a Judas, o traidor, foi Matias, que também tinha sido um dos discípulos do Salvador, como já foi provado.15

De acordo, pois, com o texto ora transcrito, José e Matias pertenciam ao grupo dos setenta, 16 episódio anterior ao encontro entre Jesus e Zaqueu. Logo, conclui-se: Zaqueu não é Matias, o 13º apóstolo.

Ademais, ainda que evocado por alguns, como fonte favorável a esse entendimento, Clemente de Alexandria – longe de estear tal juízo – escreve, simplesmente:
Diz-se, portanto, que Zaqueu, ou, segundo alguns, Matias, o chefe dos publicanos, ao ouvir que o Senhor se dignou a Brasivir a ele, disse: Senhor, e se eu defraudei alguém em alguma coisa, restituo-lhe o quádruplo. E o Senhor disse, por sua vez: o Filho do homem vindo aqui, encontrou o que estava perdido.17

E, ainda, para alguns historiadores, Natanael18 foi quem tomou o lugar de Judas Iscariotes, embora habitualmente o identifiquem como o apóstolo Bartolomeu.19

À margem das dissensões históricas – válidas, mas não essenciais – subsiste a convicção da aliança entre Zaqueu e Jesus. Ditados e revelações espirituais – transmitidos a medianeiros de reconhecida credibilidade – reforçam esse pensamento.
Humberto de Campos enfatiza que Zaqueu, desde muitos anos, procurava empregar o dinheiro a benefício de todos à sua volta, voluntariamente hipotecando-se ao Mestre.20
Amélia Rodrigues conta que, com frequência, ele socorria o cego Bartimeu. Gostava de acudir a miséria alheia e suavizar as dores do próximo. Mais tarde, assistido por Jesus, foi dirigir florescente igreja cristã em terras de Cesareia.21

Léon Tolstoi declara tê-lo ouvido discursar no mundo espiritual:
– A bondade do Mestre galileu… […] tocou-me para sempre o coração […]. E conquistou-me assim, por toda a consumação dos séculos…
[…] Não, eu não o abandonei jamais, desde aquele dia em que passou por Jericó! […] Soube, é certo, da ressurreição que a todos revigorou de esperanças… Mas não logrei tornar a ver e ouvir o Mestre […]. Ele só se apresentou, depois da ressurreição, aos discípulos – homens e mulheres – e aos Apóstolos…22

Affonso Soares, amigo e confidente de Yvonne do Amaral Pereira, disse-me que a notável médium fluminense repetia sempre que Zaqueu fora o venerável Bezerra de Menezes.23

Zaqueu venceu antigas vacilações e transpôs densas barreiras, para, naquele dia memorável, tornar-se amigo íntimo de Jesus, lembrando as letras de Apocalipse (3:20):
Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele, e ele comigo.

Referências: 
1 Mateus, 19:1; Marcos, 10:1; e Lucas, 9:51-53. (Para os textos evangélicos utilizamos a Bíblia Sagrada, tradução de João Ferreira de Almeida, e a Bíblia de Jerusalém.)
2 Deuteronômio, 34:1 a 3; e 2 Crônicas, 28:15.
3 Vale do Jordão. Situada a quase trezentos metros abaixo do nível do mar, numa das maiores depressões absolutas do planeta, Jericó é considerada a mais antiga cidade do mundo. Pesquisas arqueológicas apontam sua fundação entre nove e dez mil anos atrás.
4 Herodes e seu filho Arquelau embelezaram Jericó. Entre as construções mais famosas contavam-se o anfiteatro da cidade e o castelo de Kypros. Este último, construído e batizado em homenagem à mãe de Herodes.
5 Lucas, 18:31 a 34.
6 Lucas, 9:51 a 56. – Não encontrando guarida em uma das vilas da Samaria, Jesus decidiu fazer o mais longo trajeto entre as duas cidades. Possivelmente tomou a direção de Decápole e atravessou a Pereia, antes de alcançar Jericó. Dali seguiria para Betânia e Jerusalém.
7 Patronímico traduzido por filho de Timeu, conforme Marcos (10:46 a 52). Os demais evangelistas – Mateus (20:29 a 34); e Lucas (18:35 a 43) – não mencionam o nome do cego de Jericó. Diferente de Lucas, que situa esse episódio à entrada da cidade, Marcos e Mateus o descrevem como ocorrido à saída de Jericó, com este último anotando que foram dois os cegos ali curados por Jesus.
8 Jesus visitou algumas casas durante sua atividade messiânica. Revelam os evangelhos que esteve nas casas de Pedro, Levi, Jairo, Simão, Lázaro, Zaqueu e nas Bodas de Caná. Parece-nos que sempre a convite dos seus moradores, exceção feita à sua visita ao publicano de Jericó.
9 Lucas, 19:1 a 10.
10 Ficus sycomorus – Atinge 20 metros de altura.
11 Lucas, 19:11 a 27; e Mateus, 25:14 a 30.
12 Homilia III, 59 a 72.
13 Stromateis IV, cap. 6, § 35.
14 Lucas, 19:1 a 10.
15 CESAREIA, Eusébio. História eclesiástica. Wolfgang Fischer. São Paulo (SP): Novo Século, 2002. liv. I, cap. XII – Dos discípulos de nosso Salvador, it. 3. p. 28; e liv. II, cap. I – Da vida dos apóstolos depois da ascensão do Cristo, it. 1, p. 33. Disponível em: <pt.slideshare.net/OBREIRO/histria-eclesistica-eusbio-de-cesaria>.
16 Missão dos setenta discípulos – Lucas, 10:1 a 13.
17 Stromateis IV, cap. 6, § 35.
18 Referido em João, 1:45 a 51 e 21:1 e 2.
19 MCKENZIE, John L. Dicionário bíblico. Álvaro Cunha, Elsa Maria Berredo Peixoto, Gaspard Gabriel Neerick, I. F. L. Ferreira, Josué Xavier. 10. ed. São Paulo: Paulus, 2011. p. 589.
20 XAVIER, Francisco C. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 37. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2014. cap. 23, p. 149.
21 FRANCO, Divaldo P. Primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues. 4. ed. Salvador: LEAL, 1987. p. 144, 145 e 149.
22 PEREIRA, Yvonne do Amaral. Ressurreição e vida. Pelo Espírito Léon Tolstoi. 12. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014. cap. 1, p. 20-21.
23 Affonso Borges Gallego Soares, diretor da Federação Espírita Brasileira. Pedro Camilo traz essa revelação em sua obra, Yvonne Pereira: uma heroína silenciosa.
BAUCKHAM, Richard. Jesus e as testemunhas oculares. São Paulo: Paulus, 2011. p. 151-152.
CORASSIN, Maria Luiza. A reforma agrária na Roma Antiga. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 62-63.
NICOLET, Claude. Un ensayo de historia social: el Orden Ecuestre en las postrimerias de la Republica Romana. In: Ordenes, estamentos y classes: Coloquio de historia social Saint-Cloud, 24-25 de mayo de 1967. Madrid: Siglo-Veintiuno, 1978. p. 36-51.
Samuel Nunes Magalhães
Fonte: http://www.souleitorespirita.com.br/reformador/noticias/zaqueu-amigo-intimo-de-jesus/

sábado, 6 de fevereiro de 2021

APRENDENDO COM O LIVRO DOS ESPÍRITOS :Q.816 - CAP. IX LEI DE IGUALDADE - AS PROVAS DA RIQUEZA E MISÉRIA

 


816. Estando o rico sujeito a maiores tentações, também não dispõe, por outro lado, de mais meios de fazer o bem?


“Mas é justamente o que nem sempre faz. Torna-se egoísta, orgulhoso e insaciável. Com a riqueza, suas necessidades aumentam e ele nunca julga possuir o bastante para si.”

A alta posição do homem neste mundo e a autoridade sobre os seus semelhantes são provas tão grandes e tão escorregadias como a miséria, porque, quanto mais rico e poderoso é ele, tanto mais obrigações tem que cumprir e tanto mais abundantes são os meios de que dispõe para fazer o bem e o mal. Deus experimenta o pobre pela resignação e o rico pelo emprego que dá aos seus bens e ao seu poder.

A riqueza e o poder fazem nascer todas as paixões que nos prendem à matéria e nos afastam da perfeição espiritual. Por isso foi que Jesus disse: “Em verdade vos digo que mais fácil é passar um camelo por um fundo de agulha do que entrar um rico no reino dos céus.” (266)



Comentários pelo Espírito , Miramez:




O RICO E A CARIDADE


O rico certamente tem melhores chances de prestar serviços ao próximo, de fazer a mais bela caridade que se possa praticar, que é aquela de oportunizar ao pobre a ganhar o seu sustento, para viver feliz com a sua família. No entanto, é o que não faz a maior parte dos ricos; uns são obrigados a fazê-lo porque dependem do trabalho daqueles, e não multiplicam seus bens sem os braços dos chamados miseráveis.

Com a riqueza, as suas necessidades materiais crescem e eles gastam o que não deveriam em viagens pouco úteis a lugares que os atraem, inspirados na vaidade e mesmo no orgulho. Assim, vão embrutecendo cada vez mais seu sentimento de caridade, que deveria ser exercitado com aqueles que os ajudam a ganhar a fortuna. Enquanto gastam milhões em jornadas para conhecer outros povos, seus assalariados passam fome, frio e, por vezes, não têm teto, nem os seus filhos têm escolas. É certo que muitos vieram com a provação da pobreza, mas o que é desperdiçado poderia amenizar seus sofrimentos.

Quando o rico se lembra da caridade, ele exige, muitas vezes, tanta coisa das pessoas e das casas de caridade, que esfriam esse sentimento no coração. Não sabe o rico que a riqueza e a alta posição que ela traz é porta para o despenhadeiro das imundícies morais, o incentivo para a negação de tributos e o endurecimento do coração para com a sociedade submissa, que o ajuda a viver na fartura.

O mau rico nunca quer saber das coisas espirituais. Acha que o dinheiro faz tudo e oferta, por vezes, alguma coisa para as instituições religiosas, como porta para a salvação, sem saber que não é por esse meio que se salva e, sim, pela caridade que não desfigura o amor. Somente pode se salvar, se aplicar a auto-disciplina, reformando os velhos sentimentos das paixões inferiores, quando apagar o orgulho e o egoísmo, quando a renúncia atingir seu coração, de modo a levá-lo a administrar seus bens sem ser apegado a eles.

Jesus, o dono de tudo, o dirigente do planeta, disse: "O filho do homem não tem uma pedra para reclinar a cabeça". O rico do mundo tem em suas mãos inúmeros meios de fazer o bem, mas faz, quase sempre, o mal com o ouro que possui.

A riqueza e o poder podem dar origem a todo o tipo de paixões inferiores, desvirtuando os mais elevados sentimentos. Ricos, deveríeis falar qual Francisco de Assis, ante a lembrança do Cristo:

- "Senhor, que quereis que eu faça?" Em seguida, abrir os ouvidos para escutar a resposta do Mestre e passar a viver o que Ele diz no Evangelho da vida; fazer a caridade e praticar o amor, aquele que emana de Deus, nosso Pai.

Se é difícil um rico entrar no reino do céu, o pobre não tem facilidade também, porque a todos os dois falta maturidade espiritual. Somente conhecendo a verdade pode-se ser livre, de modo que a consciência fique imperturbável para sempre. E para conhecermos o Espírito livre, Lucas registrou a fala do Mestre, no capítulo doze, versículo vinte e nove:

Não andeis, pois, a indagar o que haveis de comer ou beber, e não vos entregueis a inquietações.

Fonte: Livro Filosofia Espírita Volume XVI

SUPERIORES E INFERIORES : SUBSÍDIOS PARA QUESTÃO 816 LE. -- " Quem quer que seja depositário de autoridade, seja qual for a sua extensão, desde a do senhor sobre o seu servo, até a do soberano sobre o seu povo, não deve olvidar que tem almas a seu cargo; que responderá pela boa ou má diretriz ""

 


9-A autoridade, tanto quanto a riqueza, é uma delegação de que terá de prestar contas aquele que se ache dela investido. Não julgueis que lhe seja ela conferida para lhe proporcionar o vão prazer de mandar; nem, conforme o supõe a maioria dos potentados da Terra, como um direito, uma propriedade. Deus, aliás, lhes prova constantemente que não é nem uma nem outra coisa, pois que deles a retira quando lhe apraz. Se fosse um privilégio inerente às suas personalidades, seria inalienável. A ninguém cabe dizer que uma coisa lhe pertence, quando lhe pode ser tirada sem seu consentimento. Deus confere a autoridade a título de missão, ou de prova, quando lhe convém, e a retira quando julga conveniente.

Quem quer que seja depositário de autoridade, seja qual for a sua extensão, desde a do senhor sobre o seu servo, até a do soberano sobre o seu povo, não deve olvidar que tem almas a seu cargo; que responderá pela boa ou má diretriz que dê aos seus subordinados e que sobre ele recairão as faltas que estes cometam, os vícios a que sejam arrastados em conseqüência dessa diretriz ou dos maus exemplos, do mesmo modo que colherá os frutos da solicitude que empregar para os conduzir ao bem. Todo homem tem na Terra uma missão, grande ou pequena; qualquer que ela seja, sempre lhe é dada para o bem; falseá-la em seu princípio é, pois, falir ao seu desempenho.

Assim como pergunta ao rico: “Que fizeste da riqueza que nas tuas mãos devera ser um manancial a espalhar a fecundidade ao teu derredor”, também Deus inquirirá daquele que disponha de alguma autoridade: “Que uso fizeste dessa autoridade? Que males evitaste? Que progresso facultaste? Se te dei subordinados, não foi para que os fizesses escravos da tua vontade, nem instrumentos dóceis aos teus caprichos ou à tua cupidez; fiz-te forte e confiei-te os que eram fracos, para que os amparasses e ajudasses a subir ao meu seio.”

O superior, que se ache compenetrado das palavras do Cristo, a nenhum despreza dos que lhe estejam submetidos, porque sabe que as distinções sociais não prevalecem às vistas de Deus. Ensina-lhe o Espiritismo que, se eles hoje lhe obedecem, talvez já lhe tenham dado ordens, ou poderão dar-lhas mais tarde, e que ele então será tratado conforme os haja tratado, quando sobre eles exercia autoridade.

Mas, se o superior tem deveres a cumprir, o inferior, de seu lado, também os tem e não menos sagrados. Se for espírita, sua consciência ainda mais imperiosamente lhe dirá que não pode considerar-se dispensado de cumpri-los, nem mesmo quando o seu chefe deixe de dar cumprimento aos que lhe correm, porquanto sabe muito bem não ser lícito retribuir o mal com o mal e que as faltas de uns não justificam as de outrem. Se a sua posição lhe acarreta sofrimentos, reconhecerá que sem dúvida os mereceu, porque, provavelmente, abusou outrora da autoridade que tinha, cabendo-lhe, portanto, experimentar a seu turno o que fizera sofressem os outros. Se se vê forçado a suportar essa posição, por não encontrar outra melhor, o Espiritismo lhe ensina a resignar-se, como constituindo isso uma prova para a sua humildade, necessária ao seu adiantamento. Sua crença lhe orienta a conduta e o induz a proceder como quereria que seus subordinados procedessem para com ele, caso fosse o chefe. Por isso mesmo, mais escrupuloso se mostra no cumprimento de suas obrigações, pois compreende que toda negligência no trabalho que lhe está determinado redunda em prejuízo para aquele que o remunera e a quem deve ele o seu tempo e os seus esforços. Numa palavra: ele é solicitado pelo sentimento do dever que lhe dá a sua fé, e a certeza de que todo desviu do direito caminho é uma dívida que terá que pagar cedo ou tarde. – François-Nicolas-Madeleine, Cardeal Morlot. (Paris, 1863.) 

Fonte: O Evangelho Segundo O Espiritismo - Cap. XVII item 9 -Superiores e Inferiores

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O Ricaço Distraído - " não te esqueças de que o tesouro de cada homem permanece onde tem o coração, porque toda alma reside onde coloca o pensamento.[...homem, sem qualquer proveito para os semelhantes, transformam-no em prisioneiro delas. A lei determina sejamos escravos dos excessos a que nos entregarmos.]

 

Existiu um homem devoto que chegou ao Céu e, sendo recebido por um Anjo do Senhor, implorou, enlevado:

- Mensageiro Divino, que devo fazer para vir morar, em definitivo, ao lado de Jesus?

- Faze o bem - informou o Anjo - e volta mais tarde.

- Posso rogar-te recursos para semelhante missão?

- Pede o que desejas.

- Quero dinheiro, muito dinheiro, para socorrer o meu próximo.

O emissário estranhou o pedido e considerou:

- Nem sempre o ouro é o auxiliar mais eficiente para isso.

- Penso, contudo, meu santo amigo, que, sem ouro, é muito difícil praticar a caridade.

- E não temes as tentações do caminho?

- Não.

- Terás o que almejas - afirmou o mensageiro -, mas não te esqueças de que o tesouro de cada homem permanece onde tem o coração, porque toda alma reside onde coloca o pensamento. Tuas possibilidades materiais serão multiplicadas. No entanto, não olvides que as dádivas divinas, quando retidas despropositadamente pelo homem, sem qualquer proveito para os semelhantes, transformam-no em prisioneiro delas. A lei determina sejamos escravos dos excessos a que nos entregarmos.

Prometeu o homem exercer a caridade, servir extensamente e retornou ao mundo.

Os Anjos da Prosperidade começaram, então, a ajudá-lo.

Multiplicaram-lhe, de início, as peças de roupa e os pratos de alimentação; todavia, o devoto já remediado suplicou mais roupas e mais alimentos. Deram-lhe casa e haveres. Longe, contudo, de praticar o bem, considerava sempre escassos os dons que possuia e rogou mais casas e mais haveres. Trouxeram-lhe rebanhos e chácaras, mas o interessado em subir ao paraíso pela senda da caridade, temendo agora a miséria, im­plorou mais rebanhos e mais chácaras. Não cedia um quarto, nem dava uma sopa a ninguém, declarando-se sem recursos para auxiliar os necessitados e esperava sempre mais, a fim de distribuir algum pão com eles. No entanto, quanto mais o Céu lhe dava, mais exigia do Céu.

De espontâneo e alegre que era, passou a ser desconfiado, carrancudo e arredio.

Receando amigos e inimigos, escondia grandes somas em caixa forte, e quando envelheceu, de todo, veio a morte, separando-o da imensa fortuna.

Com surpresa, acordou em espírito, deitado no cofre grande.

Objetos preciosos, pedaços de ouro e prata e vastas pilhas de cédulas usadas serviam-lhe de leito. Tinha fome e sede, mas não podia servir-se das moedas; queria a liberdade, porém, as notas de banco pareciam agarrá-lo, à maneira do visco retentor de pássaro cativo.

- Santo Anjo! - gritou, em pranto - vem! Ajuda-me a partir, em direção à Casa Celestial!...

O mensageiro dignou-se baixar até ele e, reparando-lhe o sofrimento, exclamou:

- É muito tarde para súplicas! Estás sufocado pela corrente de facilidades materiais que o Senhor te confiou, porque a fizeste rolar tão sômente em torno de ti, sem qualquer benefício para os irmãos de luta e experiencia...

- E que devo fazer - implorou o infeliz -para retomar a paz e ganhar o paraíso?

 

O Anjo pensou, pensou... e respondeu:

- Espalha com proveito as moedas que ajuntaste inutilmente, desfaze-te da terra vasta que retiveste em vão, entrega à circulação do bem todos os valores que recebeste do Tesouro Divino e que amontoaste em derredor de teus pós, atendendo ao egoísmo, à vaidade, à avareza e à ambição destrutiva e, depois disso, vem a mim para retomarmos o entendimento efetuado há sessenta anos...

Reconhecendo, porém, o homem que já não dispunha de um corpo de carne para semelhante serviço, começou a gritar e blasfemar, como se o inferno estivesse morando em sua própria consciência.

 

XAVIER, Francisco Cândido. Alvorada Cristã. Pelo Espírito Neio Lúcio. FEB. Capítulo 9.

domingo, 31 de janeiro de 2021

CONDESSA PAULA : O PERIGO DA RIQUEZA COMO PROVA

Fonte de  estudo da questão 815 do  Livro dos Espíritos


 

A Condessa Paula, espírito feliz , relata sua prova mais perigosa:

 

Não foi sem labores que alcancei a posição que ora ocupo na vida espiritual; e fiquei ciente de que a minha última existência, por mais meritória que porventura lhe pareça, não era por si só e a tanto suficiente. Em várias existências passei por provas de trabalho e miséria que voluntariamente havia escolhido para fortalecer e depurar o meu espírito; dessas provas tive a dita de triunfar, vindo a faltar entanto uma, porventura a mais perigosa: a da fortuna e bem-estar materiais, um bem-estar sem sombras de desgosto. Nessa consistia o perigo. Antes de o tentar quis sentir-me assaz forte para não sucumbir. Deus, tendo em vista as minhas boas intenções, concedeu-me a graça do seu auxílio. Muitos Espíritos há que, seduzidos por aparências, pressurosos escolhem essa prova, mas, fracos para afrontar-lhe os perigos, deixam que as seduções do mundo triunfem da sua inexperiência."

 

 

 

TRECHO RETIRADO DO LIVRO "O CÉU E O INFERNO" - 2ª PARTE - CAPÍTULO II - ESPÍRITOS FELIZES - CONDESSA PAULA

 


APRENDENDO COM O LIVRO DOS ESPÍRITOS: Q. 815 - CAP. IX LEI DE IGUALDADE -AS PROVAS DE RIQUEZA E MISÉRIA

 815. Qual das duas provas é mais terrível para o homem, a da desgraça ou a da riqueza?


“São-no tanto uma quanto outra. A miséria provoca as queixas contra a Providência, a riqueza incita a todos os excessos.”


COMENTÁRIO DO ESPÍRITO DE MIRAMEZ

A MAIS TERRÍVEL



Não existem provas piores nem melhores; elas são paralelas às necessidades do aprendiz. Deus não põe fardo pesado em ombros frágeis, isto nos diz o Evangelho de Nosso Senhor. A cruz que se carrega na vida, foi estruturada, medida e pesada, para que se possa caminhar com coragem. As reclamações são mostras de Espírito fraco, que ainda não recolheu a experiência necessária nas lutas terrenas.


As mensagens do além que descem sem cessar para os homens, mostram os deveres de cada criatura ante os compromissos assumidos. Na consciência se encontra o registro do que se compromete com Deus, e Ele, o Soberano Senhor, conhece e tem paciência com Seus filhos. Mas, Ele não retira dos seus caminhos os professores que os possam educar e instruir. Tanto a riqueza quanto a pobreza têm o mesmo peso, em se somando suas dificuldades e sua força de corrigir as criaturas.


Uns lamentam, outros desprezam as oportunidades valiosas, que deverão reconhecer depois do túmulo. No entanto, não se pode dizer que o pobre é o bem-aventurado: isso depende do seu comportamento na vida com a prova da miséria. Não se pode dizer que o rico é o que goza do bem-estar, que Deus o premiou com os bens terrenos. Todos estão na mesma faixa de provas e podem ou não sair-se bem delas, dependendo do grau já alcançado na escala da evolução espiritual. Não devemos julgar, mas podemos analisar em silêncio e tirar dessas deduções experiências para o nosso caminho.


Sofreremos muito mais, se já conhecemos as leis de Deus e não vivemos de acordo com elas. Se o Evangelho de Jesus já está em nossas mãos e em nossa consciência, não percamos a oportunidade de vivê-lo, pelo menos de começar essa vivência. Com o tempo, passaremos a gozar das delícias de urna consciência em paz.


Novamente, vamos lembrar Lucas, no capítulo doze, versículo quarenta e sete:


Aquele servo, porém, que conheceu a vontade do seu Senhor e não se aprontou, nem fez conforme a Sua vontade, será punido com muitos açoites.


Conhecer é muito bom, mas traz para todos nós responsabilidades maiores, porque, conhecendo e nos fazendo de esquecidos, seremos açoitados pelas provas, qual o boi que sai do seu carreiro: o vaqueiro sabe corrigi-lo, e a lei de condicionamento faz lembrar ao mesmo animal, quando pensar em afastar do rebanho, o ferrão do condutor. Assim acontece com os seres humanos.


As provas são variáveis, e nos parece que não existe maior nem menor; todas são iguais, de acordo com as necessidades do aprendiz em questão. Se a miséria provoca as queixas, as riquezas impulsionam para os excessos de todas as ordens. O pobre geralmente deseja ser rico, e o rico, quando no mundo espiritual, deseja ser pobre na sua volta para o mundo físico. Qual dos dois está certo? São lições diferentes, diplomas necessários aos homens, que somente o recebem pelo processo das vidas sucessivas. Tal é a lei.


MIRAMEZ

FONTE: FILOSOFIA ESPÍRITA - VOLUME XVI - CAP. 50

APRENDENDO COM O LIVRO DOS ESPÍRITOS: Q. 814 - CAP. IX LEI DE IGUALDADE -AS PROVAS DE RIQUEZA E MISÉRIA

 

814. Por que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e a outros, a miséria?

 

“Para experimentá-los de modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas provas foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que nelas, entretanto, sucumbem com freqüência.”


COMENTÁRIO DO ESPÍRITO DE MIRAMEZ:


 
Deus testa Seus filhos de várias maneiras: a uns dá a riqueza e, conseqüentemente, poderes; a outros, miséria, e junto a ela a escravidão de todas as ordens. Quem não compreende as leis, como a da reencarnação, acha que Deus é injusto, ou então, para não ofendê-Lo, fala sem conhecimento de causa que o Senhor sabe o que faz. Todas as duas versões do fato são incorretas e sem sabedoria.

Estudando a reencarnação e o progresso dos Espíritos, notar-se-á que o rico de hoje pode ser o pobre de amanhã e vice-versa. Riqueza e miséria são extremos da vida, extremos esses mutáveis. Um pode ocupar o lugar do outro, em se buscando experiências, enriquecendo os celeiros do conhecimento para futura paz de consciência. Em muitos casos, essas provas de riqueza e miséria foram escolhidas pelos próprios Espíritos, por sentirem necessidade do aprendizado.
Ninguém deve ser culpado por nada que acontece; tudo foi feito para a elevação das almas, para o despertamento dos dons enraizados nos corações. A evolução das almas é diferente, mas elas são iguais em sua origem. Vejamos os corpos: comparemos o do rico com o do pobre, do ignorante com o do estadista. Eles têm a mesma forma, a mesma composição, os mesmos órgãos; respiram o mesmo ar, bebem da mesma água e vivem todos se aquecendo com o mesmo sol e andando sobre a mesma Terra. Ainda mais, todos têm como pai o mesmo Deus. As diferenças são ilusórias e breves, que o tempo desmancha quando achar conveniente. Aos ricos, nós podemos dizer que usem bem as suas riquezas e não deixem que o orgulho nem o egoísmo comandem suas faculdades de pensar e sentir. Eles devem pensar na miséria dos outros, pedindo sempre a Deus que os inspire para não acumularem riquezas que não sirvam para o bem-estar coletivo. Ao pobre, dizemos que viva mais resignado com o que tem e que confie mais em Deus, que nunca abandona Seus filhos. Ele deve lembrar sempre das bem-aventuranças. Jesus está sempre no meio dos que sofrem e não abandona os escorraçados pela justiça dos homens.Os ricos que sucumbem com freqüência não perdem as experiências; algo fica guardado nos escaninhos da alma, para se completar no amanhã. Assim também acontece com os pobres. As reencarnações têm essa função de escola para todas as criaturas na face da Terra. Tudo na vida muda de vez em quando de roupagem, pela forma do progresso, pela força do amor de Deus, cujas leis são justas.

Anotemos o que registrou Lucas, no capítulo quatorze, versículo nove:
Vindo aquele que te convidou e também a ele te diga: Dá o lugar a este. Então, irás envergonhado, ocupar o último lugar.
Quem não faz o seu dever direito, volta a fazê-lo, com um aprendizado diferente. A quem reencarna como rico, em berço de ouro, e não sabe desempenhar bem o seu papel, a reencarnação pode levar para o último lugar na escala das provas, até aprender a humildade e o amor, mesmo como rico. A Doutrina dos Espíritos, pelos processos mediúnicos, deixa bem visível, tanto para o rico como para o pobre, as suas tarefas, diferentes, porém, com os mesmos objetivos.

A função da reencarnação é despertar os valores espirituais e morais das criaturas, levando-os aqui e ali, por ação das leis naturais criadas por Deus. Pensemos nisto, estudemos e trabalhemos honestamente, que as inspirações dos Céus jamais nos faltarão.

MIRAMEZ 
FONTE: FILOSOFIA ESPÍRITA-VOLUME XVI

sábado, 30 de janeiro de 2021

DOIS COMPANHEIROS - "Os que administram são mordomos, os que obedecem são operários, mas, no coração augusto de Nosso Pai, estamos inscritos indistintamente na categoria de cooperadores de suas obras."

 


 

 Leonel e Benjamim, dois velhos amigos do Plano espiritual, mutuamente associados no erro e na reparação, depois de minucioso exame do passado, decidiram-se a pedir concessão de novas experiências no mundo. Esposando opiniões diversas entre si, buscaram o orientador, ansiosos da necessária permissão para pronto regresso à luta humana.

Após anotar-lhes as observações, sorriu o mentor amigo e obtemperou:

— É oportuna a solicitação: Vocês necessitam intensificar o aprendizado, iluminar o entendimento, adquirir sabedoria. Escolheram ambos o mesmo gênero de provas?

Levantou-se Leonel, explicando:

— Estamos acordes no pedido, mas, não temos a mesma preferência no capítulo das tarefas. Por minha parte, desejaria a oportunidade de movimentar patrimônios terrestres, nos círculos da fortuna e da autoridade…

Antes que ele terminasse, Benjamim embargou-lhe a palavra e esclareceu:

— Cá por mim, escolhi a condição de pobreza e sofrimento. Pediria, se possível, a supressão de toda possibilidade de contentamento na Terra. Encareço problemas de penúria e dificuldades, a fim de valorizar o que hei recebido da Providência.

Estampando no semblante o sorriso sereno da sabedoria, o generoso orientador considerou:

— Não posso interferir na liberdade de ambos. Conhecem vocês a extensão dos débitos contraídos. De algum tempo, sou testemunha da luta enorme em que se empenharam para o resgate. Fizeram jus, por isto, a novo ensejo de trabalho e elevação. Devo ponderar, todavia, que, embora divergentes na escolha, ainda não poderão afastar-se um do outro, na próxima experiência de redenção. Partilha, no erro, determina partilha de responsabilidades e consequências. Ser-lhes-ão abertas as portas do serviço santificador. Não se desunam, pois; nos caminhos da purificação, jamais desprezem a possibilidade de aprender. Fortuna e pobreza são bancas de provas na escola das experiências terrestres. São continentes da probabilidade. Ambos oferecem horizontes largos e divinas realizações. Que saibam receber as bênçãos de Deus, são os meus votos.

Leonel e Benjamim ouviram os conceitos judiciosos, renovaram promessas e partiram mais tarde. Atendendo a própria escolha, nasceu o primeiro na casa farta de rico proprietário rural, que lhe fora muito amado noutras existências. Daí a dias, velha serva da casa rica era igualmente mãe, fornecendo ao segundo o ensejo de realizar os planos traçados.

Enquanto houve paisagens risonhas de infância, ambos os companheiros, tão unidos pelo coração e tão distantes pelo nascimento, viveram no róseo céu da harmonia; mas, quando Leonel começou a sorver o conteúdo dos livros propriamente do mundo, verificaram-se os primeiros sinais de incompreensão. Cada vez que o jovem bem-nascido regressava ao círculo doméstico em gozo de férias escolares, assinalava-se maior distância entre ele e o camarada da meninice. Quando o anel de grau lhe brilhou nos dedos, estava consumada a separação. Passando a administrar interesses da família nos estabelecimentos do campo e da cidade, era ele o chefe, enquanto Benjamim se classificava no extenso quadro dos servidores.

Nessa zona de testemunho ativo, entenderam que deviam proceder como estranhos, absolutamente separados entre si. No fundo, admiravam-se e amavam-se reciprocamente; contudo, as ilusões terrestres os encegueciam.

Se Leonel se mostrava mais enérgico, atento às responsabilidades de administrador, desfazia-se Benjamim em críticas acerbas e gratuitas, levado pelo despeito. Se Benjamim aumentava, involuntariamente, a lista de necessidades pessoais, multiplicava Leonel o rigor, levado pelo autoritarismo.

A certa altura da experiência, não mais se saudaram um ao outro. Atritaram-se, trocaram acusações mútuas. O servo abandonou o trabalho diversas vezes, desejoso de experimentar a sorte em regiões diferentes; todavia, incapaz de iludir o espírito da Lei, voltava sempre, implorando readmissão. Leonel, por sua vez, renovava a concessão de serviço, embora com agravo crescente de exaspero e tirania recíprocos. Se o empregado solicitava melhoria de salário, o patrão restringia a remuneração e os benefícios.

Embriagado na visão de lucros fabulosos, Leonel pusera a mente no egoísmo total. Desvairado de inconformação, Benjamim concentrava-se na rebeldia, daí resultando aumento intensivo de vaidade, orgulho, presunção, ciúme, despeito e indisciplina no coração de ambos.

A Providência Divina, que jamais deixou criaturas em abandono, enviou-lhes socorro através da assistência religiosa. Mas o patrão, afeiçoado ao Catolicismo Romano, inclinava toda leitura edificante a favor da própria causa, valia-se dos conselhos do sacerdote amigo que o assistia, para justificar os erros e o seu feitio egoístico. Obcecavam-no o apego ao dinheiro e a ideia de lucros fáceis. Quanto ao empregado, tornara-se espiritista convicto, porém, cegavam-no a inconformação e a revolta. Qualquer advertência dos instrutores espirituais era interpretada ao inverso.  Se o amigo do outro lado da vida aludia à paciência, não enxergava ele a informação própria e sim o defeito alheio, ou a insuficiência dos outros. Se ouvia dissertações sobre a caridade, lembrava os afortunados do mundo, com ironia. Benjamim era, afinal, desses enfermos que consideram o remédio excelente para outrem, mas, nunca para si mesmos. Enquanto Leonel se valia das consolações da Igreja Católica para consolidar tradições autocráticas, Benjamim esquecia as lições do Espiritismo, para armazenar indisciplinas e difundir desesperações.

Absolutamente envenenados de teorias mentirosas, terminaram ambos a experiência humana, na posição de inimigos irreconciliáveis.

Despertando na vida real, sentiam-se estranhamente algemados um ao outro. Cercavam-nos sombras espessas e tristes; e como se houvessem enlouquecido, perdendo a luz da memória, somente a custo de muitos anos conseguiram fixar recordações das existências obscuras.

Quando a lembrança lhes felicitou o espírito abatido, compreenderam a situação, desolados, e puseram-se à procura daquele mentor generoso que lhes havia banhado o coração de sábios conselhos.

Depois de longo tempo, que lhes marcou angústias dilacerantes, foram readmitidos à presença do carinhoso orientador, que, ante as lágrimas de ambos, exclamou serenamente:

— Não estranho a dor que lhes fere o espírito enfermo, à face do tempo perdido e do ensejo malbaratado. Não lhes faltou inspiração divina para o êxito necessário. Entretanto, esqueceram, mais uma vez, a lei do uso, internando-se no abuso criminoso, olvidando que pobreza e fortuna constituem oportunidades do serviço divino na Terra. Os que administram são mordomos, os que obedecem são operários, mas, no coração augusto de Nosso Pai, estamos inscritos indistintamente na categoria de cooperadores de suas obras. Se era justo obter moderação, paciência, confiança, fé e resistência sublime com os valores da pobreza, e ganhar humildade, ponderação, entendimento, autodomínio, bondade e paz com os valores da riqueza, adquiriram vocês desesperação, rebeldia, vaidade e ruína. Não posso asseverar que voltaram piores que no passado escabroso, porque ninguém regride na evolução perpétua da vida; mas posso afiançar que voltaram mais sujos. A crise de ambos é de estacionamento complicado. Enquanto outros irmãos nossos costumam deter a marcha em jardins ou florestas, preferiram vocês a parada em lamaçal inconcebível. Valeram-se das sagradas posições de administrar e obedecer, tão só no propósito de oprimir e menosprezar. Esqueceram que todo trabalho honesto, no mundo, é título da Confiança Divina.  Não observo qualquer traço de superioridade moral entre um e outro. Ambos faliram desastradamente. É a dolorosa experiência dos que prometem sem saberem cumprir, é o fracasso do aprendiz pelo descuido próprio. Não vos declarei que pobreza e riqueza são continentes da probabilidade? Cultivaram, porém, a terra das concessões benditas, enchendo-a de ervas venenosas e povoando-a de monstros e fantasmas. Mascararam-se a si mesmos e caíram no pântano. Que posso fazer, agora, senão lamentar a imprevidência?

Ambos os companheiros de infortúnio ouviam-no em pranto.

Reunindo todo o cabedal de energias próprias, Leonel adquiriu coragem e interrogou:

— Não poderíamos, entretanto, recomeçar juntos a prova da fortuna e da pobreza? Estou convencido de que venceremos agora.

— Sim — respondeu o instrutor sabiamente —, a medida é possível. No entanto, segundo observei, vocês regressaram enlameados. A oportunidade desejável, por enquanto, é a de se lavares convenientemente, a fim de prosseguir caminho.

Calou-se o mentor amigo. Leonel e Benjamim entenderam sem dificuldade. E depois de algum tempo renasciam na Terra, procurando o tanque fundo e vasto do sofrimento.

 HUMBERTO DE CAMPOS

Reportagens do Além Túmulo