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sábado, 6 de fevereiro de 2021

AS MULHERES TEM ALMA?

  Sabe-se que a coisa nem sempre foi tida como certa, pois, ao que se diz, foi posta em deliberação num concílio. A negação ainda é um princípio de fé em certos povos. Sabe-se a que grau de aviltamento essa crença as reduziu na maior parte das regiões do Oriente. Mesmo que hoje, nos povos civilizados, a questão seja resolvida em seu favor, o preconceito de sua inferioridade moral perpetuou-se a tal ponto que um escritor do século passado, cujo nome me foge, assim definia a mulher: “Instrumento de prazeres do homem”, definição mais muçulmana que cristã. Desse preconceito nasceu sua inferioridade legal, ainda não apagada de nossos códigos. Por muito tempo elas aceitaram essa escravização como uma coisa natural, tão poderosa é a força do hábito. É assim que acontece com aqueles que são submetidos à servidão de pai para filho, que acabam por se julgarem de natureza diversa da dos seus senhores.


Contudo, o progresso das luzes elevou o conceito da mulher. Muitas vezes ela se afirmou pela inteligência e pelo gênio, e a lei, conquanto ainda a considere inferior, pouco a pouco afrouxou os laços da tutela. Pode-se considerá-la como emancipada moralmente, se não o é legalmente. É a este último resultado que ela chegará um dia, pela força das coisas.


Há pouco tempo lia-se nos jornais que uma jovem de vinte anos acabara de defender o bacharelado com pleno sucesso perante a faculdade de Montpellier. Dizia-se que era o quarto diploma de bacharel concedido a uma mulher. Não faz muito tempo foi aventada a questão de saber se o grau de bacharel podia ser conferido a uma mulher. Ainda que para alguns isto parecesse uma anomalia monstruosa, reconheceu-se que os regulamentos sobre a matéria não mencionavam as mulheres, portanto, elas não se achavam legalmente excluídas. Depois de terem reconhecido que elas têm alma, reconheceram-lhes o direito à conquista de graus da Ciência, o que já é alguma coisa. Mas a sua libertação parcial é apenas resultado do desenvolvimento da urbanidade, do abrandamento dos costumes ou, se quiserem, de um senso mais apurado da justiça. É uma espécie de concessão que lhes fazem, e é preciso dizer que regateiam o máximo possível.


Pôr em dúvida hoje a alma da mulher seria ridículo, mas outra questão muito séria, sob outro aspecto, aqui se apresenta, e cuja solução só será estabelecida se a igualdade de posição social entre o homem e a mulher for definida como um direito natural ou como uma concessão feita pelo homem. Notemos, de passagem, que se esta igualdade não for senão uma concessão do homem por condescendência, aquilo que ele dá hoje pode retirar amanhã, e que tendo ele a força física, salvo algumas exceções individuais, no conjunto ele sempre levará vantagem, ao passo que se essa igualdade estiver na Natureza, seu reconhecimento será resultado do progresso e, uma vez reconhecida, será imprescritível.


Criou Deus as almas masculinas e femininas, e fez estas inferiores àquelas? Eis toda a questão. Se assim é, a inferioridade da mulher está nos desígnios divinos, e nenhuma lei humana poderia nisso interferir. Se, ao contrário, ele as criou iguais e semelhantes, as desigualdades baseadas na ignorância e na força bruta desaparecerão com o progresso e o reinado da justiça.


Entregue a si mesmo, o homem não podia estabelecer a respeito senão hipóteses mais ou menos racionais, mas sempre controvertidas. Nada no mundo visível poderia dar-lhe a prova material do erro ou do acerto de suas opiniões. Para se esclarecer, seria preciso remontar à fonte, escavar os arcanos do mundo extracorporal que ele não conhecia. Estava reservado ao Espiritismo resolver a questão, não mais pelo raciocínio, mas pelos fatos, quer pelas revelações de além-túmulo, quer pelo estudo que diariamente deve fazer sobre o estado das almas após a morte. E, coisa fundamental, esses estudos não são a criação de um só homem, nem as revelações de um só Espírito, mas o produto de inúmeras observações idênticas, feitas diariamente por milhares de pessoas, em todos os países, e que assim receberam a sanção poderosa do controle universal, sobre o qual se apoiam todas as teorias da Ciência Espírita.


Ora, eis o que resulta destas observações:


As almas ou Espíritos não têm sexo. As afeições que os unem nada têm de carnal e, por isto mesmo, são mais duráveis, porque são fundadas numa simpatia real e não são subordinadas às vicissitudes da matéria.


As almas se encarnam, isto é, revestem temporariamente um envoltório carnal, para elas semelhante a uma pesada vestimenta, de que a morte as desembaraça. Pondo-as esse envoltório material em contato com o mundo material, nesse estado elas concorrem ao progresso material do mundo que habitam; a atividade que são obrigadas a desenvolver, quer para a conservação da vida, quer à procura do bem-estar, auxilia-lhes o avanço intelectual e moral. A cada encarnação a alma chega mais desenvolvida; traz novas ideias e os conhecimentos adquiridos nas existências anteriores. Assim se efetua o progresso dos povos. Os homens civilizados de hoje são os mesmos que viveram na Idade Média e nos tempos de barbárie, e que progrediram; os que viverão os séculos futuros são os que vivem hoje, porém ainda mais adiantados intelectual e moralmente.


Os órgãos sexuais só existem no organismo. Eles são necessários à reprodução dos seres materiais. Mas os Espíritos, sendo criação de Deus, não se reproduzem uns pelos outros, razão pela qual os órgãos sexuais seriam inúteis no mundo espiritual.


Os Espíritos progridem pelos trabalhos que realizam e pelas provas que têm a suportar, como o operário se aperfeiçoa em sua arte pelo trabalho que faz. Essas provas e esses trabalhos variam conforme a sua posição social. Devendo os Espíritos progredir em tudo e adquirir todos os conhecimentos, cada um é chamado a concorrer aos diversos trabalhos e a passar por diferentes gêneros de provas. É por isso que eles renascem alternativamente ricos ou pobres, senhores ou servos, profissionais do pensamento ou da matéria.


Assim se acha fundado, sobre as próprias leis da Natureza, o princípio da igualdade, pois o grande da véspera pode ser o pequeno do dia seguinte, e vice-vera. Desse princípio decorre o da fraternidade porquanto nas relações sociais encontramos antigos conhecidos, e no infeliz que nos estende a mão pode encontrar-se um parente ou um amigo.


É com o mesmo objetivo que os Espíritos se encarnam nos diferentes sexos. Aquele que foi homem poderá renascer mulher, e aquele que foi mulher poderá renascer homem, a fim de realizar os deveres de cada uma dessas posições, e de submeter-se às provas respectivas.


A Natureza fez o sexo feminino mais fraco que o outro, porque os deveres que lhe incumbem não exigem uma igual força muscular e seriam até incompatíveis com a rudeza masculina. Nele a delicadeza das formas e das sensações são admiravelmente apropriadas aos cuidados da maternidade. Aos homens e às mulheres são, assim, atribuídos deveres especiais igualmente importantes na ordem das coisas; são dois elementos que se completam um pelo outro.


Sofrendo o Espírito encarnado a influência do organismo, seu caráter se modifica conforme as circunstâncias e se dobra às necessidades e às exigências impostas por esse mesmo organismo. Essa influência não se apaga imediatamente após a destruição do envoltório material, da mesma forma que ele não perde instantaneamente os gostos e hábitos terrenos. Depois, pode acontecer que o Espírito percorra uma série de existências no mesmo sexo, o que faz com que durante muito tempo ele possa conservar, na condição de Espírito, o caráter de homem ou de mulher, cuja marca nele ficou impressa. Somente quando chegado a um certo grau de adiantamento e de desmaterialização é que a influência da matéria se apaga completamente e, com ela, o caráter dos sexos. Os que se nos apresentam como homens ou como mulheres assim o fazem para nos lembrarmos da existência em que os conhecemos.


Se essa influência da vida corporal repercute na vida espiritual, o mesmo se dá quando o Espírito passa da vida espiritual para a corporal. Numa nova encarnação, ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se ele for avançado, será um homem avançado; se for atrasado, será um homem atrasado. Mudando de sexo ele poderá, portanto, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as inclinações e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes, notadas no caráter de certos homens e de certas mulheres.


Portanto, só existe diferença entre o homem e a mulher em relação ao organismo material, que se aniquila com a morte do corpo. Mas, quanto ao Espírito, à alma, ao ser essencial, imperecível, ela não existe, porque não há duas espécies de almas. Assim quis Deus, em sua justiça para com todas as suas criaturas. Dando a todas um mesmo princípio, estabeleceu a verdadeira igualdade. A desigualdade só existe temporariamente, no grau de adiantamento; mas todos têm direito ao mesmo destino, ao qual cada um chega por seu trabalho, porque Deus não favoreceu ninguém às custas dos outros.


A doutrina materialista coloca a mulher numa inferioridade natural, da qual só é elevada pela boa vontade do homem. Com efeito, segundo essa doutrina, a alma não existe ou, se existe, extingue-se com a vida ou se perde no todo universal, o que dá no mesmo. Assim, só resta à mulher a sua fraqueza corporal, que a coloca sob a dependência do mais forte. A superioridade de algumas é simples exceção, uma bizarria da Natureza, um jogo dos órgãos e não faria lei. A doutrina espiritualista vulgar reconhece a existência da alma individual e imortal, mas é impotente para provar que não há diferença entre a do homem e a da mulher, e, portanto, uma superioridade natural de uma sobre a outra.


Com a Doutrina Espírita, a igualdade da mulher não é mais uma simples teoria especulativa; não é mais uma concessão da força à fraqueza, mas é um direito alicerçado nas próprias leis da Natureza. Dando a conhecer estas leis, o Espiritismo abre a era da emancipação legal da mulher, assim como abre a da igualdade e da fraternidade.

Revista Espírita - Janeiro de 1866 


sexta-feira, 30 de junho de 2017

Aprendendo com o livro dos Espíritos questão 197

 
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Comentário pelo Espírito Miramez:

 

Fonte:  http://www.olivrodosespiritoscomentado.com/fev4q197c.html

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Revista Espírita 1866-Agosto-Criança , guia espirituais dos pais



Tendo perdido um filho de sete anos, e tendo-se tornado médium, a mãe teve essa mesma criança como guia. Um dia lhe fez a seguinte pergunta:
- Caro e bem amado filho, um espírita meu amigo não compreende e não admite possas ser o guia espiritual de tua mãe, porque ela existia antes de ti e, indubitavelmente, deve ter tido um guia, mesmo que fosse apenas durante o tempo em que tivemos a felicidade de ter-te ao nosso lado. Podes dar-nos algumas explicações?
Resposta do Espírito da criança ─ Como quereis aprofundar tudo o vos parece incompreensível? Aquele que vos parece mesmo o mais adiantado no Espiritismo está apenas nos primeiros elementos dessa doutrina e não sabe mais do que esse ou aquele que vos parece capaz de tudo e capaz de vos dar explicações. Eu existi muito tempo antes de minha mãe, e ocupei, em outra existência, uma posição eminente por meus conhecimentos intelectuais.
Mas um imenso orgulho se havia apoderado de meu Espírito, e durante várias existências consecutivas fui submetido à mesma prova, sem poder dela triunfar, até chegar à existência em que estava junto de vós. No entanto, como já estava adiantado, e minha partida devia servir ao vosso adiantamento, a vós, tão atrasados na vida espírita, Deus me chamou antes do fim de minha carreira, considerando minha missão junto a vós mais aproveitável como Espírito do que como encarnado.
Durante minha última estada na Terra, minha mãe teve o seu anjo guradião junto a ela, mas temporariamente, pois Deus sabia que era eu que devia ser o seu guia espiritual, e que eu a levaria mais eficazmente para o caminho do qual ela estava tão afastada. O guia que ela tinha então, foi chamado para outra missão, quando vim tomar seu lugar junto a ela.
Perguntai aos que sabeis mais adiantados do que vós se esta explicação é lógica e boa, porque pode ser que, considerando-se que esta é minha opinião pessoal, talvez eu me engane. Enfim, isto vos será explicado, se perguntardes. Muitas coisas ainda vos são ocultas e vos parecerão claras mais tarde. Não queirais aprofundar muito, porque dessa constante preocupação nasce a confusão de vossas ideias. Tende paciência, pois assim como um espelho embaciado por um sopro ligeiro, se clareira pouco a pouco, vosso espírito tranquilo e calmo atingirá esse grau de compreensão necessário ao vosso adiantamento.
Coragem, pois, bons pais; marchai com confiança, e um dia bendireis a hora da prova terrível que vos trouxe ao caminho da felicidade eterna, sem a qual teríeis ainda muitas existências infelizes a percorrer.

OBSERVAÇÃO: Esse menino era de uma precocidade intelectual rara para a sua idade. Mesmo gozando de boa saúde, parecia pressentir seu fim próximo. Ele se alegrava nos cemitérios e, sem jamais ter ouvido falar em Espiritismo, no qual seus pais não acreditavam, muitas vezes perguntava se, quando se estivesse morto, não se poderia voltar aos que se tinha amado. Ele aspirava a morte como uma felicidade e dizia que quando morresse sua mãe não deveria afligir-se, porque ele voltaria para junto dela. Com efeito, foi a morte de três filhos em alguns dias que levou os pais a buscar uma consolação no Espiritismo. Eles encontraram largamente essa consolação, e sua fé foi recompensada pela possibilidade de conversar a cada instante com os filhos, porque a mãe se tornou excelente médium em bem pouco tempo, tendo seu próprio filho como guia, Espírito que se revela por uma grande superioridade.

 

sábado, 1 de novembro de 2014

Revista Espírita 1866 » Novembro » Maomé e o Islamismo

(2º artigo ─ Vide o nº. de agosto de 1866)

Foi em Medina que Maomé mandou construir a primeira mesquita, na qual trabalhou com as próprias mãos e organizou um culto regular. Aí pregou pela primeira vez em 623. Todas as medidas tomadas por ele testemunhavam a sua solicitude e a sua previdência: “Um traço característico, ao mesmo tempo, do homem e do seu tempo”, diz o Sr. Barthélemy Saint-Hilaire, “é a escolha feita por Maomé de três poetas de Medina, oficialmente encarregados de defendê-lo contra as sátiras dos poetas de Meca. Provavelmente não era porque nele o amor-próprio fosse mais excitável do que convinha, mas, numa nação espirituosa e viva, esses ataques tinham uma repercussão análoga à que, em nossos dias, podem ter os jornais, e eles eram muito perigosos”.
Dissemos que Maomé foi constrangido a fazer-se guerreiro. Com efeito, ele absolutamente não tinha o humor belicoso como o havia provado nos primeiros cinquenta anos de sua existência. Ora, decorridos apenas dois anos de sua residência em Medina, e os coraicitas de Meca, coligados com as outras tribos hostis, vieram sitiar a cidade. Maomé teve que se defender, e a partir de então começou para ele um período guerreiro que durou dez anos, durante o qual se mostrou, sobretudo, um tático hábil. Num povo em que a guerra era o estado normal; que só conhecia o direito da força, ao chefe da nova religião era necessário o prestígio da vitória para firmar a sua autoridade, mesmo sobre os seus partidários. A persuasão tinha pouco domínio sobre essas populações ignorantes e turbulentas; uma mansuetude exagerada teria sido tomada como fraqueza. Em seu pensamento, o Deus forte não podia mani­festar-se senão por um homem forte, e o Cristo, com a sua inalterável doçura, teria fracassado nessas regiões.
Portanto, Maomé foi guerreiro pela força das circunstâncias, muito mais do que por seu caráter, e terá sempre o mérito de não ter sido o provocador. Uma vez iniciada a luta, ele tinha que vencer ou morrer; só com essa condição poderia ser aceito como o enviado de Deus; era preciso que os seus inimigos fossem destroçados para se convencerem da superioridade de seu Deus sobre os ídolos que eles adoravam. Com exceção de um dos primeiros combates, no qual ele foi ferido e os muçulmanos derrotados, em 625, suas armas foram constantemente vitoriosas e no espaço de alguns anos ele submeteu a Arábia inteira à sua lei. Quando ele viu sua autoridade consolidada e a idolatria destruída, entrou triunfalmente em Meca, após dez anos de exílio, seguido por aproximadamente cem mil peregrinos, e aí realizou a célebre peregrinação dita do adeus, cujos ritos os muçulmanos conservaram escrupulosamente. Ele morreu no mesmo ano, dois meses depois de seu regresso a Medina, a 8 de junho de 632, com sessenta e dois anos de idade.
Temos que julgar Maomé pela história autêntica e imparcial, e não segundo as lendas ridículas que a ignorância e o fanatismo espalharam por sua conta, ou segundo as descrições feitas pelos que tinham interesse em desacreditá-lo, apresentando-o como um ambicioso sanguinário e cruel. Também não se deve considerá-lo responsável pelos excessos de seus sucessores que quiseram conquistar o mundo para a fé muçulmana de espada em punho. Sem dúvida houve grandes manchas no último período de sua vida; ele pode ser censurado por ter abusado, em algumas circunstâncias, do direito de vencedor e de nem sempre ter agido com toda a moderação desejável. Entretanto, ao lado de alguns atos que a nossa civilização reprova, é preciso dizer, em seu favor, que muitíssimas vezes ele se mostrou muito mais humano e clemente para com os inimigos do que vingativo, e que muitas vezes deu provas de verdadeira grandeza de alma. É forçoso reconhecer, também, que mesmo em meio aos seus sucessos e quando havia chegado ao topo de sua glória, até o seu último dia limitou-se a seu papel de profeta, sem jamais usurpar uma autoridade temporal despótica. Ele não se fez rei nem potentado, e jamais, na sua vida privada, se maculou com qualquer ato de fria barbárie, nem de baixa cupidez. Sempre viveu com simplicidade, sem fausto e sem luxo, mostrando-se bom e benevolente para com todos. Isto é da história.
Se nos reportarmos ao tempo e ao meio em que ele vivia; se considerarmos sobretudo as perseguições de que ele e os seus foram vítimas, o encarniçamento dos seus inimigos e os atos de barbárie que estes cometeram contra os seus partidários, é lícito nos admiremos que na ebriez de sua vitória por vezes ele tenha feito uso de represálias?
Podemos censurá-lo por ter implantado sua religião a ferro e fogo no meio de um povo bárbaro que o combatia, quando a Bíblia registra, como fatos gloriosos para a fé, carnificinas de tamanha atrocidade que somos tentados a tomar como lendas? Quando, mil anos depois dele, nas regiões civilizadas do ocidente, cristãos que tinham por guia a sublime lei do Cristo, atirando-se sobre vítimas pacificas, extinguiam as heresias pelas fogueiras, pelas torturas, pelos massacres e em ondas de sangue?
Se o papel guerreiro de Maomé lhe foi uma necessidade, e se esse papel pode escusá-lo de certos atos políticos, o mesmo não se dá em relação a outros aspectos. Até a idade de cinquenta anos e enquanto viveu sua primeira esposa Khadidja, quinze anos mais velha do que ele, seus costumes foram irreprocháveis, mas a partir de então suas paixões não conheceram freio, e foi incontestavelmente para justificar o abuso que delas fez que ele consagrou a poligamia na sua religião. Foi o seu mais grave erro, porque foi uma barreira que ele interpôs entre o Islamismo e o mundo civilizado. Assim, sua religião, após doze séculos, não pôde transpor os limites de certas raças. É, também, o lado pelo qual o seu fundador mais se rebaixa aos nossos olhos. Os homens de gênio perdem sempre o seu prestígio quando se deixam dominar pela matéria; ao contrário, crescem tanto mais quanto mais se elevam acima das fraquezas da Humanidade.
Contudo, o desregramento dos costumes era tal na época de Maomé, que uma reforma radical era muito difícil em homens habituados a se entregar às suas paixões com uma brutalidade bestial. Portanto, podemos dizer que regulamentando a poligamia ele pôs limites à desordem e conteve abusos mais graves. Mas nem por isso a poligamia deixará de ser o verme roedor do Islamismo, porque é contrária às leis da Natureza. Pela igualdade numérica dos sexos, a própria Natureza traçou os limites das uniões. Permitindo quatro mulheres legítimas, Maomé não pensou que, para que sua lei abrangesse a universalidade dos homens, era preciso que o sexo feminino fosse ao menos quatro vezes mais numeroso que o masculino.
Malgrado as suas imperfeições, o Islamismo não deixou de ser um grande benefício para a época em que apareceu e para o país onde surgiu, porque fundou o culto da unidade de Deus sobre as ruínas da idolatria. Era a única religião possível para esses povos bárbaros, aos quais não era razoável pedir grandes sacrifícios de suas ideias e costumes. Era-lhes necessário algo de simples como a Natureza, em cujo meio viviam. A religião cristã tinha muitas sutilezas metafísicas; assim, todas as tentativas feitas durante cinco séculos para implantá-la nessas regiões tinham falhado fragorosamente; o próprio Judaísmo, muito questionador, tinha feito poucos prosélitos entre os árabes, embora os judeus propriamente ditos aí fossem bastante numerosos. Superior aos de sua raça, Maomé tinha compreendido os homens de seu tempo; para arrancá-los da baixeza em que os mantinham grosseiras crenças rebaixadas a um estúpido fetichismo, ele lhes deu uma religião apropriada às suas necessidades e ao seu caráter. Essa religião era a mais simples de todas: “Crença num Deus único, onipotente, eterno, infinito, onipresente, clemente e misericordioso, criador dos céus, dos anjos e da Terra, pai do homem, sobre o qual vela e cumula de bens; remunerador e vingador numa outra vida, onde nos espera para nos recompensar ou castigar, conforme os nossos méritos; que vê nossas ações mais secretas e preside o destino de suas criaturas que ele não abandona um só instante, nem neste mundo nem no outro; submissão a mais humilde e confiança absoluta em sua vontade santa”, eis os dogmas.
Quanto ao culto, consiste na prece repetida cinco vezes por dia, nos jejuns e nas mortificações do mês de ramadã e em certas práticas, das quais diversas tinham um fim higiênico, mas de que Maomé fez uma obrigação religiosa, tais como as abluções diárias, a abstenção do vinho, das bebidas inebriantes, da carne de certos animais, que os fiéis consideram um caso de consciência observar nos mais minuciosos detalhes. A sexta-feira foi adotada como o dia santo da semana e Meca indicada como o ponto para o qual todo muçulmano deve voltar-se ao orar. O serviço público nas mesquitas consiste na prece em comum, sermões, leitura e explicação do Alcorão. A circuncisão não foi instituída por Maomé, mas por ele conservada; era praticada entre os árabes desde tempos imemoriais. A proibição de reproduzir pela pintura ou escultura qualquer ser vivo, homens e animais, foi feita visando destruir a idolatria e impedir que ela se revigorasse. Enfim, a peregrinação a Meca, que todo fiel deve realizar pelo menos uma vez na vida, é um ato religioso; entretanto, ele tinha um outro objetivo nessa época, um objetivo político, o de aproximar, por um laço fraternal, as diversas tribos inimigas, reunindo-as num comum sentimento de piedade num mesmo lugar consagrado.
Do ponto de vista histórico, a religião muçulmana admite o Antigo Testamento por inteiro, até Jesus Cristo, inclusive, que ela reconhece como profeta. Segundo Maomé, Moisés e Jesus eram enviados de Deus para ensinar a verdade aos homens; como a lei do Sinai, o Evangelho é a palavra de Deus, mas os cristãos alteraram o seu sentido. Ele declara, em termos explícitos, que não traz nem crenças novas nem culto novo, mas que vem restabelecer o culto do Deus único professado por Abraão. Não fala senão respeitosamente dos patriarcas e dos profetas que o precederam: Moisés, David, Isaías, Ezequiel e Jesus Cristo; do Pentateuco, dos Salmos e do Evangelho. São os livros que precederam e prepararam o Alcorão. Longe de ocultar esses empréstimos, gaba-se disso, e a grandeza deles é o fundamento da sua. Pode-se julgar de seus sentimentos e do caráter de suas instruções pelo fragmento seguinte do último discurso que pronunciou em Meca quando da peregrinação do adeus, pouco tempo antes de sua morte, e conservado na obra de Ibn-Ishâc e de Ibn-lshâm:

“Ó povos! Escutai minhas palavras, pois não sei se no próximo ano poderei encontrar-me convosco neste lugar. Sede humanos e justos entre vós. Que a vida e a propriedade de cada um sejam invioláveis e sagradas para os outros; que aquele que recebeu um depósito o devolva fielmente àquele que o confiou. Aparecereis diante do vosso Senhor e ele vos pedirá contas de vossas ações. Tratai bem as mulheres; elas são vossas auxiliares e nada podem por si sós. Vós as tomastes como um bem que Deus vos confiou e delas tomastes posse por palavras divinas.
“Ó povos! Escutai minhas palavras e fixai-as em vosso Espírito. Eu vos revelei tudo; deixo-vos uma lei que vos preservará para sempre do erro, se a ela ficardes ligados fielmente, uma lei clara e positiva, o livro de Deus e o exemplo de seu profeta.
“Ó povos! Escutai minhas palavras e fixai-as em vosso Espírito. Sabei que todo muçulmano é o irmão do outro; que todos os muçulmanos são irmãos entre si, que sois todos iguais entre vós e que sois apenas uma família de irmãos. Guardai-vos da injustiça; ninguém deve cometê-la em detrimento de seu irmão: ela arrastará à vossa perdição eterna.
“Ó Deus! Desempenhei minha mensagem e terminei minha missão?
“A multidão que o rodeava respondeu: Sim, tu a cumpriste.
“E Maomé exclamou: Ó Deus, digna-te receber este testemunho!”

Eis agora o julgamento de Maomé e da influência de sua doutrina, feito por um de seus historiógrafos, o Sr. G. Weil, em sua obra alemã intitulada Mohammet der Prophet, às páginas 400 e seguintes:

“A doutrina de Deus e dos santos destinos do homem pregada por Maomé num país que estava entregue à mais brutal idolatria e que tinha uma pálida ideia da imortalidade da alma, tanto mais nos deve reconciliar com ele, a despeito de suas fraquezas e de seus erros, quanto sua vida particular não podia exercer sobre os seus aderentes nenhuma influência perniciosa. Longe de se dar jamais por modelo, ele queria sempre que o olhassem como um ser privilegiado, a quem Deus permitia pôr-se acima da lei comum, e de fato ele foi cada vez mais considerado sob esse aspecto especial.
“Seríamos injustos e cegos se não reconhecêssemos que seu povo lhe deve ainda outra coisa de verdadeiro e de bom. Ele reuniu numa só grande nação que fraternalmente crê em Deus, as inumeráveis tribos árabes, até então inimigas entre si. Em lugar do mais violento arbítrio, do direito da força e da luta individual, ele estabeleceu um direito inquebrantável que, malgrado suas imperfeições, constitui a base de todas as leis do Islamismo. Ele limitou a vingança de sangue que antes dele se estendia até aos parentes mais afastados e a limitou àquele que os juízes reconhecessem como assassino. Prestou relevantes serviços sobretudo ao belo sexo, não só protegendo as filhas contra o atroz costume que muitas vezes permitiam que fossem imoladas por seus pais, mas, além disso, protegendo as mulheres contra os parentes de seus maridos que as herdavam como coisas materiais, e protegendo-as contra os maus tratos dos homens. Restringiu a poligamia, não permitindo aos crentes senão quatro esposas legítimas, em vez de dez, como era usual, sobretudo em Medina. Sem ter emancipado inteiramente os escravos, foi bom e útil para eles de várias maneiras. Para os pobres, não só recomendou sempre a beneficência para com eles, mas estabeleceu formalmente um imposto em seu favor e lhes concedeu uma parte especial no espólio e no tributo. Proibindo o jogo, o vinho e todas as bebidas inebriantes, preveniu muitos vícios, muitos excessos, muitas querelas e muita desordem.
“Embora não consideremos Maomé como um verdadeiro profeta, porque empregou para propagar sua religião meios violentos e impuros e porque ele próprio foi muito fraco para se submeter à lei comum e porque se dizia o selo dos profetas, declarando que Deus sempre podia substituir o que ele havia dado por algo de melhor, não obstante ele tem o mérito de ter feito penetrar as mais belas doutrinas do Velho e do Novo Testamento num povo que não era esclarecido por nenhum raio da fé e sob este ponto de vista deve parecer, mesmo aos olhos não maometanos, como um enviado de Deus.”

Como complemento deste estudo, citaremos algumas passagens textuais do Alcorão, tiradas da tradução de Savary:

Em nome do Deus clemente e misericordioso. ─ Louvor a Deus, soberano dos mundos. ─ A misericórdia é a sua partilha. ─ Ele é o rei no dia do juízo. ─ Nós te adoramos, Senhor, e imploramos a tua assistência. ─ Dirige-nos no caminho da salvação, ─ no caminho dos que cumulaste com os teus benefícios; ─ dos que não mereceram a tua cólera e se preservaram do erro. (Introdução, Surata 1).
Ó mortais, adorai o Senhor que vos criou, vós e os vossos pais, a fim de que o temais; que vos deu a terra por leito e o céu por teto; que fez descer a chuva dos céus para produzir todos os frutos de que vos alimentais. Não deis sócio ao Altíssimo; vós o sabeis. (Surata II, v. 19 e 20).
Por que não credes em Deus? Estáveis mortos, ele vos deu a vida; ele extinguirá vossos dias e lhes reacenderá o facho. Voltareis a ele. ─ Ele criou para vosso refúgio tudo o que há sobre a Terra. Voltando depois seu olhar para o firmamento, formou os sete céus. Sua ciência abarca o Universo. (Surata II, v. 26 e 27).
O Oriente e o Ocidente pertencem a Deus; para qualquer lugar que se voltem vossos olhos, reconhecereis a sua face. Ele enche o Universo com a sua imensidade e com a sua ciência. ─ Ele formou a Terra e os céus. Quer ele produzir qualquer obra? Ele diz: “Seja feita”, e a obra é feita. ─ Os ignorantes dizem: “Se Deus não nos fala e se tu não nos fazes ver um milagre, nós não cremos.” Assim falavam seus pais; seus corações são semelhantes. Fizemos brilhar muitos prodígios para os que têm fé. (Surata II, v. 109 a 112).
Deus não exigirá de cada um de nós senão conforme as suas forças. Cada um terá em seu favor as boas obras e contra si o mal que houver feito. Senhor, não nos castigues por faltas cometidas por esquecimento. Perdoa os nossos pecados; não nos imponhas o fardo que nossos pais carregaram. Não nos carregues além de nossas forças. Faze brilhar para os teus servos o perdão e a indulgência. Tem compaixão de nós; és o nosso socorro. Ajuda-nos contra as nações infiéis. (Surata, II, v. 286).
Ó Deus, rei supremo, dás e tiras à vontade as coroas e o poder. Elevas e rebaixas os humanos à tua vontade; o bem está em tuas mãos: tu és o onipotente. ─ Mudas o dia em noite e a noite em dia. Fazes sair a vida do seio da morte e a morte do seio da vida. Derramas teus tesouros infinitos sobre quem te apraz. (Surata III, v. 25 e 26).
Ignorais quantos povos fizemos desaparecer da face da Terra? Nós lhes havíamos dado um império mais estável que o vosso. Mandávamos as nuvens derramarem a chuva sobre os seus campos; aí fazíamos correrem os rios. Só os seus crimes causaram a sua ruína. Nós os substituímos por outras nações. (Surata VI, v. 6).
É a Deus que deveis o sono da noite e o despertar da manhã. Ele sabe o que fazeis durante o dia. Ele vos deixa realizar o curso da vida. Reaparecereis diante dele e ele vos mostrará vossas obras. ─ Ele domina os seus servos. Ele vos dá como guardas, anjos encarregados de terminar vossos dias no momento prescrito. Eles executam cuidadosamente a ordem do Céu. ─ Voltareis em seguida diante do Deus da verdade. Não é a ele que cabe julgar? Ele é o mais exato dos juízes. ─ Quem vos livra das tribulações da terra e dos mares, quando, invocando-o em público ou no íntimo do coração exclamais: “Senhor, se de nós afastas estes males, nós te seremos reconhecidos?” ─ É Deus que deles vos livra. É sua bondade que vos alivia da pena que vos oprime; e depois voltais à idolatria. (Surata VI, v. 60 a 64)
Todos os segredos são desvelados aos seus olhos; é grande o Altíssimo. ─ Aquele que fala em segredo; aquele que fala em público; aquele que se envolve nas sombras da noite e aquele que aparece à luz do dia lhe são igualmente conhecidos. ─ É ele que faz brilhar o raio aos vossos olhos para vos inspirar o medo e a esperança. É ele que eleva as nuvens carregadas de chuva. ─ O trovão celebra seus louvores. Os anjos tremem em sua presença. Ele lança o raio e este fere as vítimas marcadas. Os homens discutem sobre Deus, mas ele é o forte e o poderoso. ─ Ele é a verdadeira invocação. Os que imploram a outros deuses não serão exalçados; eles se assemelham ao viajante que, premido pela sede, estende a mão para a água que não pode alcançar. A invocação dos infiéis se perde na noite do erro. (Surata XIII, v. 10 a 15).
Jamais digas: “Farei isto amanhã”, sem acrescentar: “se for a vontade de Deus”. Eleva a ele o teu pensamento quando tiveres esquecido alguma coisa e diz: “Talvez ele me esclareça e me faça conhecer a verdade.” (Surata XVIII, v. 23).
Se as ondas do mar se transformassem em tinta para descrever os louvores do Senhor, esgotar-se-iam antes de haver celebrado todas as suas maravilhas. Um outro oceano semelhante ainda não bastaria. (Surata XVIII, v. 109).
Aquele que busca a verdadeira grandeza a encontra em Deus, fonte de todas as perfeições. Os discursos virtuosos sobem ao seu trono. Ele exalta as boas obras; ele pune rigorosamente o celerado que trama perfídias.
Não, o céu jamais anula o decreto que ele pronunciou. ─ Eles não percorreram a Terra? Eles não viram que ela foi o fim deplorável dos povos que antes deles marcharam no caminho da iniquidade? Esses povos eram mais fortes e mais poderosos do que eles. Mas nada nos céus e na Terra pode opor-se as vontades do Altíssimo. A ciência e a força são seus atributos. ─ Se Deus punisse os homens desde o instante em que se tomam culpados, não restaria nenhum ser animado na Terra. Ele difere os castigos até o termo marcado. ─ Quando chega o tempo, ele distingue as ações de seus servidores. (Surata XXXV, v. 11 e 41 a 45).

Estas citações bastam para mostrar o profundo sentimento de piedade que animava Maomé e a ideia grande e sublime que ele fazia de Deus. O Cristianismo poderia reivindicar esse quadro.
Maomé não ensinou o dogma da fatalidade absoluta, como pensam geralmente. Essa crença, de que estão imbuídos os muçulmanos, e que paralisa sua iniciativa em muitas circunstâncias, não passa de uma falsa interpretação e de uma falsa aplicação do princípio da submissão à vontade de Deus levada além dos limites racionais; eles não compreendem que tal submissão não exclui o exercício das faculdades do homem, e lhes falta como corretivo a máxima: “Ajuda-te, e o céu te ajudará.”
As passagens seguintes tratam de pontos particulares da doutrina.

Deus tem um filho, dizem os cristãos. Longe dele esta blasfêmia! Tudo o que está no céu e na Terra lhe pertence. Todos os seres obedecem à sua voz. (Surata II, v. 110).
Ó vós que recebestes as escrituras, não ultrapasseis os limites da fé; não digais de Deus senão a verdade. Jesus é filho de Maria, enviado do Altíssimo e o seu Verbo. Ele o fez descer ao seio de Maria; ele é o seu sopro. Crede em Deus e em seus apóstolos, mas não digais que há uma trindade em Deus. Ele é uno; esta crença vos será mais segura. Longe de ter um filho, ele governa sozinho o Céu e a Terra; ele se basta a si mesmo. ─ O Messias não corará por ser o servo de Deus, assim como os anjos que rodeiam o seu trono e lhe obedecem. (Surata IV, v. 169, 170).
Aqueles que sustentam a trindade de Deus são blasfemos; não há senão um Deus. Se eles não mudarem de crença, um doloroso suplício será o preço de sua impiedade. (Surata V, v. 77).
Os judeus dizem que Ozaï é o filho de Deus. Os cristãos dizem o mesmo do Messias. Eles falam como os infiéis que os precederam. O céu punirá suas blasfêmias. ─ Eles chamam senhores aos seus pontífices, seus monges, e o Messias filho de Maria. Mas lhes é recomendado servir a um só Deus: não há outro. Anátema sobre os que eles associam ao seu culto. (Surata IX, 30, 31).
Deus não tem filhos; ele não partilha o império com outro Deus. Se assim fosse, cada um deles quereria apropriar-se de sua criação e elevar-se acima de seu rival. Louvor ao Altíssimo! Longe dele essas blasfêmias! (Surata XXII, v. 93).
Declara, ó Maomé, o que o céu te revelou. ─ A assembleia dos gênios, tendo escutado a leitura do Alcorão, exclamou: “Eis uma doutrina maravilhosa. ─ Ela conduz à verdadeira fé. Nós cremos nela e não damos um igual a Deus. ─ Glória à sua Majestade suprema! Deus não tem esposa; ele não gerou.” (Surata LXXII, v. l a 4).
Dizei: “Cremos em Deus, no livro que nos foi enviado, no que foi revelado a Abraão, Ismael, Isaac, Jacob e às doze tribos. Cremos na doutrina de Moisés, de Jesus e dos profetas; não fazemos nenhuma diferença entre eles e somos muçulmanos.” (Surata II, v. 130).
Não há Deus senão o Deus vivo e eterno. ─ Ele te enviou o livro que encerra a verdade, para confirmar a verdade das Escrituras que o precederam. Antes dele, fez descer o Pentateuco e o Evangelho, para servirem de guias aos homens; ele enviou o Alcorão dos céus. ─ Os que negarem a doutrina divina só devem esperar suplícios; Deus é poderoso e a vingança está em suas mãos. (Surata III, v. 1, 2, 3).
Há os que dizem: “Juramos a Deus não crer em nenhum profeta, a menos que a oferenda que ele apresenta não seja confirmada pelo fogo do Céu.” ─ Responde-lhes: “Tínheis profetas antes de mim; eles operaram milagres e aquele mesmo de que falais. Por que então manchastes as vossas mãos com seu sangue, se dizeis a verdade?” ─ Se eles negam a tua missão, trataram do mesmo modo os apóstolos que te precederam, embora fossem dotados do dom dos milagres e tivessem trazido o livro que esclarece (o Evangelho) e o livro dos salmos. (Surata III, v. 179 a 181).
Nós te inspiramos, assim como inspiramos Noé, os profetas, Abraão, Ismael, Isaac, Jacob, as tribos, Jesus, Job, Jonas, Aarão e Salomão. Nós demos os salmos de Davi. (Surata IV, v. 161).

Em muitas outras passagens Maomé fala no mesmo sentido e com o mesmo respeito dos profetas, de Jesus e do Evangelho, mas é evi­dente que se equivocou quanto ao sentido ligado à Trindade e a qualidade de filho de Deus, que ele toma ao pé da letra. Se esse mistério é incompreensível para tantos cristãos, e se entre estes provocou tantos comentários e controvérsias, não é de admirar que Maomé não o tenha compreendido. Nas três pessoas da Trindade ele viu três deuses e não um só Deus e três pessoas distintas; no filho de Deus ele viu uma procriação. Ora, a ideia que ele fazia do Ser Supremo era tão grande que a menor paridade entre Deus e um ser qualquer e a ideia de que pudesse partilhar o seu poder lhe parecia uma blasfêmia. Não se tendo Jesus jamais apresentado como Deus e não tendo falado da Trindade, esses dogmas lhe pareceram uma derrogação das próprias palavras do Cristo. Ele viu em Jesus e no Evangelho a confirmação do princípio da unidade de Deus, objetivo que ele próprio buscava. Eis por que os tinha em grande estima, ao passo que acusava os cristãos por se haverem afastado desse ensinamento, fracionando Deus e deificando o seu messias. Assim, ele se diz enviado após Jesus para reconduzir os homens à unidade pura da divindade. Toda a parte dogmática do Alcorão repousa nesse princípio que ele repete a cada passo.
Tendo o Islamismo as suas raízes no Antigo e no Novo Testamento, é uma derivação deles. Podemos considerá-lo como uma das numerosas seitas nascidas das dissidências que surgiram desde a origem do Cristianismo devidas à natureza do Cristo, com a diferença que o Islamismo, formado fora do Cristianismo, sobreviveu à maioria dessas seitas e conta hoje com cem milhões de sectários.
Maomé vinha combater a qualquer custo, na sua própria nação, a crença em vários deuses, para aí estabelecer o culto abandonado do Deus único de Abraão e de Moisés. O anátema que ele lançou sobre os infiéis e os ímpios tinha por objetivo principalmente a grosseira idolatria professada pelos da sua raça, mas de contragolpe feria os cristãos. É essa a causa do desprezo dos muçulmanos por tudo quanto leva o nome de cristão, malgrado seu respeito por Jesus e pelo Evangelho. Esse desprezo transformou-se em ódio sob a influência do fanatismo alimentado e estimulado por seus sacerdotes. Digamos, também, que por seu lado, os cristãos não estão isentos de censuras e que eles próprios alimentaram esse antagonismo por suas próprias agressões.
Embora censurando os cristãos, Maomé não tinha por eles sentimentos hostis e no próprio Alcorão ele recomenda habilidade para com eles, mas o fanatismo os englobou na proscrição geral dos idólatras e dos infiéis cuja presença não deve manchar os santuários do Islamismo, razão pela qual a entrada nas mesquitas, em Meca e nos lugares santos, lhes é interdita. Deu-se o mesmo em relação aos judeus, e se Maomé os castigou rudemente em Medina, foi por se haverem coligado contra ele. Aliás, em parte alguma no Alcorão se encontra o extermínio dos judeus e dos cristãos erigida em dever, como geralmente se pensa. Seria, pois, injusto imputar-lhe os males causados pelo zelo ininteligente e os excessos de seus sucessores.

Nós te inspiramos para que abraçasses a religião de Abraão, que reco­nhece a unidade de Deus e que só adora a sua majestade suprema. ─ Emprega a voz da sabedoria e a força de persuasão para chamar os homens a Deus. Combates com as armas da eloquência. Deus conhece perfeitamente os que estão transviados e os que marcham sob o estandarte da fé. (Surata XVI, v. 124 e 126).
Se eles te acusarem de impostura, responde-lhes: “Tenho por mim as minhas obras; que as vossas falem em vosso favor. Não sereis responsáveis pelo que faço, e sou inocente do que fazeis. (Surata X, v. 42).
Quando se cumprirão tuas ameaças? perguntam os infiéis; marca-nos um termo, se és verdadeiro. Responde-lhes: “Os tesouros e as vinganças celestes não estão em minhas mãos; só Deus é o seu dispensador. Cada nação tem o seu termo fixado; ela não poderia apressá-lo nem retardá-lo um instante.” (Surata X, v. 49, 50).
Se negam a tua doutrina, sabe que os profetas vindos antes de ti sofreram a mesma sorte, embora os milagres, a tradição e o livro que esclarece (o Evangelho) atestem a verdade de sua missão. (Surata XXXV, v. 23).
A cegueira dos infiéis te surpreende e eles riem de tua admiração. ─ Em vão queres instruí-los; seu coração rejeita a instrução. ─ Se eles vissem milagres, zombariam; ─ atribuí-los-iam à magia. (Surata XXXVII, v. 12 a 15).

Estas não são ordens de um Deus sanguinário que ordena o extermínio. Maomé não se faz o executor de sua justiça; seu papel é o de instruir; só a Deus cabe castigar ou recompensar neste e no outro mundo. O último parágrafo parece escrito para os espíritas de nossos dias, pois os homens são os mesmos, sempre e por toda a parte.

Fazei preces, dai esmolas; o bem que fizerdes encontrareis junto a Deus, pois ele vê as vossas ações. (Surata II, v. 104).
Para ser justificado não basta virar o rosto para o oriente e para o ocidente; ainda é preciso crer em Deus, no juízo final, nos anjos, no Alcorão, nos profetas. É preciso, por amor a Deus, socorrer o próximo, os órfãos, os pobres, os viajantes, os cativos e aqueles que pedem. É preciso fazer as preces, guardar as promessas, suportar pacientemente a adversidade e os males da guerra. Tais são os deveres dos verdadeiros crentes. (Surata II, v. 172).
Uma palavra honesta e o perdão das ofensas são preferíveis à esmola que fosse consequência da injustiça. Deus é rico e clemente. (Surata II, v. 265).
Se vosso devedor tem dificuldade em vos pagar, concedei-lhe tempo; ou se quiserdes fazer melhor, perdoai-lhe a dívida. Se soubésseis! (Surata II, v. 280).
A vingança deve ser proporcional à injúria, mas o homem generoso que perdoa tem sua recompensa assegurada junto a Deus, que odeia a violência. (Surata XLII, v. 38).
Combatei vossos inimigos na guerra empreendida pela religião, mas não ataqueis primeiro. Deus odeia os agressores. (Surata II, v. 186).
Certamente os muçulmanos, os judeus, os cristãos e os sabeístas, que creem em Deus e no juízo final, e que fizerem o bem, receberão a recompensa de suas mãos; eles estarão isentos do medo e dos suplícios. (Surata V, v. 73).
Não façais violência aos homens por causa de sua fé. O caminho da salvação é bem distinto do caminho do erro. Aquele que abjurar o culto dos ídolos pela religião santa terá conquistado uma coluna inabalável. O Senhor sabe e ouve tudo. (Surata II, v. 257).
Não discutais com os judeus e os cristãos senão em termos honestos e moderados. Entre eles confundi os ímpios. Dizei: “Nós cremos no livro que nos foi revelado e em vossas escrituras. Nosso Deus e o vosso são apenas um. Nós somos muçulmanos.” (Surata XXIX, v. 45).
Os Cristãos serão julgados segundo o Evangelho. Aqueles que os julgarem de outro modo serão prevaricadores. (Surata V, v. 51).
Nós demos o Pentateuco a Moisés. É à sua luz que deve marchar o povo hebreu. Não duvides de encontrar no céu o guia dos israelitas. (Surata XXXII, v. 23).
Se os judeus tivessem fé e temor ao Senhor, nós apagaríamos os seus pecados; introduzi-los-íamos no jardim das delícias. A observação do Pentateuco, do Evangelho e dos preceitos divinos proporcionar-lhes-ia o gozo de todos os bens. Há entre eles os que seguem o bom caminho, mas em maioria são ímpios. (Surata V, v. 70).
Dize aos judeus e aos cristãos: “Terminemos nossas diferenças; não admitamos senão um Deus e não lhe demos um igual; que nenhum de nós tenha outro Senhor senão ele.” Se recusarem obedecer, dize-lhes: “Pelo menos dareis testemunho que, quanto a nós, nós somos crentes. (Surata III, v. 57).

Eis certas máximas de caridade e de tolerância que gostaríamos de ver em todos os corações cristãos!

Nós te enviamos a um povo que outros povos precederam, para que lhe ensines as nossas revelações. Eles não creem nos misericordiosos. Dizei-lhes: “Ele é o meu Senhor; não há Deus senão ele. Pus minha confiança em sua bondade. Eu aparecerei diante de seu tribunal.” (Surata XIII, v. 29).
Trouxemos aos homens um livro no qual brilha a ciência que deve esclarecer os fiéis e lhes proporcionar a misericórdia divina. ─ Esperam eles a realização do Alcorão? No dia em que ele for cumprido, os que tiverem vivido no esquecimento de suas máximas, dirão: “Os ministros do Senhor nos pregavam a verdade. Onde encontraremos agora intercessores? Que esperança temos de voltar à Terra para nos corrigirmos? Eles perderam sua alma e suas ilusões se desvaneceram. (Surata VII, v. 50, 51).

O vocábulo voltar implica a ideia de já ter vindo, isto é, de ter vivido antes da existência atual. Maomé a expressa muito bem quando diz: “Reapareceis diante dele e ele vos mostrará as vossas obras. Voltareis ante o Deus de Verdade.” É o fundo da doutrina da preexistência da alma, ao passo que, segundo a Igreja, a alma é criada no nascimento de cada corpo. A pluralidade das existências terrenas não está indicada no Alcorão de maneira tão explícita quanto no Evangelho, entretanto, a ideia de reviver na Terra entrou no pensamento de Maomé, pois tal seria, segundo ele, o desejo dos culpados de se corrigir. Assim ele compreendeu que seria útil poder recomeçar uma nova existência.

Quando lhes perguntamos: Credes no que Deus enviou do céu? Eles respondem: “Cremos nas Escrituras que recebemos.” E rejeitam o livro verdadeiro que veio depois para pôr o selo em seus livros sagrados. Dizei-lhes: “Por que matastes os profetas se tínheis fé?” (Surata II, v. 85).
Maomé não é o pai de nenhum de vós. Ele é o enviado de Deus e o selo dos profetas. A ciência de Deus é infinita. (Surata XXXIII, v. 40).

Considerando-se como o selo dos profetas, Maomé anuncia que é o último, a conclusão, porque disse toda a verdade; depois dele não virão outros. Eis um artigo de fé entre os muçulmanos. Do ponto de vista exclusivamente religioso, ele caiu no erro de todas as religiões, que se julgam inamovíveis, mesmo contra o progresso das ciências, mas para ele era quase uma necessidade, a fim de afirmar a autoridade de sua palavra num povo que ele teve tanto trabalho para converter à sua fé. Do ponto de vista social era um erro, porque sendo o Alcorão uma legislação civil e religiosa, ele pôs um ponto de estagnação no progresso. Tal a causa que tornou, e tornará ainda por muito tempo os povos muçulmanos estacionários e refratários às inovações e às reformas que não se acham no Alcorão. É um exemplo do inconveniente que há em confundir o que deve ser distinto. Maomé não levou em conta o progresso humano. É um erro comum a quase todos os reformadores religiosos. Por outro lado, havia não só que reformar a fé, mas o caráter, os usos, os hábitos sociais de seus povos; era-lhe necessário apoiar suas reformas na autoridade da religião, como o fizeram todos os legisladores dos povos primitivos. A dificuldade era grande, sem dúvida; contudo ele deixa uma porta aberta à interpretação e às modificações, dizendo que “Deus sempre pode substituir o que deu por algo de melhor”.

Interdito vos é desposar vossas mães, vossas filhas, vossas irmãs, vossas tias paternas e maternas, vossas sobrinhas, vossas amas, vossas irmãs de leite, as mães de vossas esposas, as filhas confiadas à vossa tutela e filhas de mulheres com as quais tenhais coabitado. Também não desposeis as filhas dos vossos filhos que tiverdes gerado, nem duas irmãs. É-vos proibido desposar mulheres casadas, exceto as que tiverem caído em vossas mãos como escravas. (Surata IV, v. 27 e seguintes).

Estas prescrições podem dar uma ideia da imoralidade desses povos. Para ser obrigado a proibir tais abusos, era preciso que eles existissem.

Esposas do Profeta, ficai no interior de vossas casas. Não vos adorneis faustosamente, como nos dias da idolatria. Fazei preces e dai esmolas. Obedecei a Deus e ao seu apóstolo. Ele quer afastar o vício dos vossos corações. Sois da família do profeta e deveis ser puras. ─ Zeid repudiou a sua esposa. Nós te unimos com ela, para que os fiéis tenham a liberdade de desposar as mulheres de seus filhos adotivos, após o repúdio. O preceito divino deve ter sua execução. ─ Ó profeta, a ti é permitido desposar as mulheres que tiveres adotado, as escravas que Deus fez caírem em tuas mãos, as filhas de teus tios e de tuas tias que fugiram contigo, e toda mulher fiel que te der seu coração. É um privilégio que te concedemos. ─ Não aumentarás o atual número de tuas esposas; não poderás trocá-las por outras cuja beleza te haja tocado. Mas a frequentação de tuas mulheres escravas te é sempre permitida. Deus tudo observa. (Surata XXXIII, v. 37, 49, 52).

É aqui que Maomé realmente desce do pedestal no qual ele havia subido. Lamentamos vê-lo cair tão baixo depois de se haver elevado tanto, e fazer Deus intervir para justificar os privilégios que ele a si próprio concedia para a satisfação de suas paixões. Ele permitia aos crentes quatro esposas legítimas, enquanto ele próprio tinha treze. O legislador deve ser o primeiro a cumprir as leis que faz. É uma mancha indelével que ele lançou sobre si e sobre o Islamismo.

Esforçai-vos por merecer a indulgência do Senhor e a posse do paraíso, cuja extensão iguala os céus e a Terra, morada preparada para os justos, ─ para aqueles que dão esmola na prosperidade e na adversidade, e que, senhores dos movimentos de sua cólera, sabem perdoar os seus semelhantes. Deus ama a beneficência. (Surata III, v. 127, 128).
Deus prometeu aos fiéis que houverem praticado a virtude a entrada nos jardins onde os rios correm. Eles aí morarão eternamente. As promessas do Senhor são verdadeiras. Que de mais infalível que sua palavra? (Surata IV, v. 121).
Eles habitarão eternamente a morada que Deus lhes preparou, os jardins de delícias regados pelos rios, lugares onde reinará a suprema beatitude. (Surata IX v. 90).
Os jardins e as fontes serão a partilha dos que temem o Senhor. Eles entrarão com a paz e a segurança. ─ Tiraremos a inveja de seus corações. Eles repousarão em leitos e terão uns para com os outros uma benevolência fraterna. ─ A fadiga não se aproximará da morada das delícias. Sua posse não lhes será tirada. (Surata XV, v. 45 a 48).
Os jardins do Éden serão a habitação dos justos. Braceletes de ouro ornados de pérolas e roupas de seda formarão sua indumentária. ─ Louvor a Deus, exclamarão eles; ele afastou de nós o sofrimento; é misericordioso e compassivo. ─ Ele introduziu-nos no palácio eterno, morada de sua magnificência. Nem a fadiga nem a dor se aproximam deste asilo. (Surata XXXV, v. 30, 31, 32).
Os habitantes do paraíso beberão a largos sorvos na taça da felicidade. ─ Deitados em leitos de seda, repousarão junto às suas esposas, em sombras deliciosas. ─ Eles encontrarão todos os frutos. Todos os seus desejos serão satisfeitos. (Surata XXXVI, v. 55, 56, 57).
Os verdadeiros servos de Deus terão um alimento escolhido, ─ frutos deliciosos, e serão servidos com honra. ─ Os jardins das delícias serão seu asilo. ─ Cheios de mútua benevolência, eles repousarão em poltronas. ─ Ser-lhes-ão oferecidas taças de uma água pura, límpida e de um gosto delicioso ─ que não lhes obscurecerá a razão e não os embriagará. ─ Perto deles estarão virgens de olhar modesto, grandes olhos negros e cuja tez terá a cor dos ovos de avestruz. (Surata XXXVII, v. 30 a 47).
Dir-se-á aos crentes que tiverem professado o Islamismo: Entrai no jardim das delícias, vós e vossas esposas; abri vossos corações à alegria. ─ Dar-lhes-ão a beber em taças de ouro. O coração encontrará nessa morada tudo quanto pode desejar, o olho tudo quanto pode encantá-lo e esses prazeres serão eternos. ─ Eis o paraíso que vossas obras vos proporcionaram. ─ Alimentai-vos dos frutos que ali crescem em abundância. (Surata XLIII, v. 69 a 72).

Eis aí o famoso paraíso de Maomé, do qual tanto zombaram, e que certamente não procuraremos justificar. Apenas diremos que estava em harmonia com os costumes desses povos e que devia agradá-los muito mais que a perspectiva de um estado puramente espiritual, por mais esplêndido que fosse, porque eles eram muito apegados à matéria para compreendê-lo e apreciarem seu valor. Era-lhes preciso algo de mais substancial e pode-se dizer que eles foram servidos a contento. Sem dúvida notar-se-á que os rios, as fontes, os frutos abundantes e as sombras aí representam um grande papel, porque representam o que falta aos habitantes do deserto. Leitos macios e roupas de seda, para pessoas habituadas a dormir no chão vestidas ou cobertas com pele de camelo, também deviam ter grande atrativo. Por mais ridículo que isto nos pareça, pensemos no meio em que vivia Maomé e não o censuremos muito, pois com o auxílio deste atrativo, ele soube tirar um povo da barbárie e dele fazer uma grande nação.
Em próximo artigo examinaremos como o Islamismo poderá ligar-se à grande família da Humanidade civilizada.

Fonte:< http://www.ipeak.com.br/site/estudo.php?idioma=1> Acessado : 01/11/2014

Instruções dos Espíritos sobre a regeneração da humanidade

(Paris, abril de 1866 ─ Médiuns: Srs. M. e T., em sonambulismo)

Os acontecimentos se precipitam com rapidez, por isto não vos dizemos mais, como outrora: “Os tempos estão próximos”; agora dizemos: “Os tempos estão chegados.”
Por estas palavras não entendais um novo dilúvio, nem um cataclismo, nem um desabamento geral. Convulsões parciais do globo ocorreram em todas as épocas e ainda se produzem, pois se devem à sua constituição, mas não são sinais dos tempos.
Entretanto, tudo quanto está predito no Evangelho deve realizar-se e se realiza neste momento, como reconhecereis mais tarde. Mas não tomeis os sinais anunciados senão como figuras, cujo espírito, e não a letra, deve ser apreendido. Todas as escrituras encerram grandes verdades sob o véu da alegoria e é porque os comentadores se apegaram à letra que se confundiram. Faltou-lhes a chave para que compreendessem o verdadeiro sentido. Essa chave está nas descobertas da Ciência e nas leis do mundo invisível que o Espiritismo vem revelar-vos. De agora em diante, com o auxílio desses novos conhecimentos, o que era obscuro torna-se claro e inteligível.
Tudo segue a ordem natural das coisas, e as leis imutáveis de Deus não serão perturbadas. Assim, não vereis milagres nem prodígios, nem nada de sobrenatural, no sentido vulgar ligado a estas palavras.
Não olheis para o céu a fim de aí buscar sinais precursores, pois não os vereis, e aqueles que vo-los anunciam vos enganarão, mas olhai em torno de vós, entre os homens, e aí os encontrareis.
Não sentis um vento que sopra na Terra e agita todos os Espíritos? O mundo está à espera e como que tomado por um vago pressentimento à aproximação da tempestade.
Não acrediteis, entretanto, no fim do mundo material; a Terra progrediu desde a sua transformação; ela deve continuar progredindo, e não ser destruída. Mas a Humanidade chegou a um de seus períodos de transformação, e a Terra vai elevar-se na hierarquia dos mundos.
Não é, pois, o fim do mundo material que se prepara, mas o fim do mundo moral; é o velho mundo, o mundo dos preconceitos, do egoísmo, do orgulho, do fanatismo que se esboroa. Cada dia leva consigo alguns fragmentos. Tudo acabará para ele com a geração que se vai e a geração nova erguerá o novo edifício que as gerações seguintes consolidarão e completarão.
De mundo de expiação, a Terra está chamada a tornar-se um dia um mundo feliz, e nela habitar será uma recompensa, em vez de ser uma punição. O reinado do bem aí deve suceder o do mal.
Para que os homens sejam felizes na Terra, é necessário que ela seja povoada somente por bons Espíritos, encarnados e desencarnados, que não quererão senão o bem. Como já chegou esse tempo, uma grande emigração se realiza neste momento, entre os que a habitam; aqueles que fazem o mal pelo mal e que não são tocados pelo bem, não sendo mais dignos da Terra transformada, dela serão excluídos, porque aí trariam novamente a perturbação e a confusão e seriam um obstáculo ao progresso. Eles irão expiar seu endurecimento nos mundos inferiores, para onde levarão os conhecimentos adquiridos, e terão por missão promover o progresso desses mundos. Serão substituídos na Terra por Espíritos melhores, que farão reinar entre eles a justiça, a paz, a fraternidade.
A Terra, já o dissemos, não deve ser transformada por um cataclismo que aniquilaria subitamente uma geração. A geração atual desaparecerá gradualmente, e a nova a sucederá, sem que nada seja mudado na ordem natural das coisas. Tudo se passará, pois, exteriormente, como de hábito, com uma única diferença, mas essa diferença é capital: Uma parte dos Espíritos que aí encarnavam não mais encarnarão. Numa criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado e votado ao mal que ali encarnaria, será um Espírito mais adiantado e dedicado ao bem. Trata-se, pois, muito menos de uma nova geração corporal que de uma nova geração de Espíritos. Assim, aqueles que esperavam ver a transformação operar-se por efeitos sobrenaturais e maravilhosos ficarão decepcionados.
A época atual é de transição. Confundem-se os elementos das duas gerações. Colocados em ponto intermediário, vós assistis à partida de uma e à chegada da outra, e cada um já está marcado no mundo pelos caracteres que lhe são próprios.
As duas gerações que sucedem uma à outra têm ideias e pontos de vista diametralmente opostos. Pela natureza das disposições morais, mas sobretudo das disposições intuitivas e inatas, é fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.
A nova geração, que deve estabelecer a era de progresso moral, distingue-se por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, aliadas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas, o que é sinal indubitável de um certo grau de adiantamento anterior. Ela não será composta exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas daqueles que, já tendo progredido, estão predispostos a assimilar todas as ideias progressistas e aptos a secundar o movimento regenerador.
Ao contrário, o que distingue os Espíritos atrasados é, para começar, a revolta contra Deus pela negação da Providência e de todo poder superior à Humanidade; depois, a propensão instintiva às paixões degradantes, aos sentimentos do egoísmo, do orgulho, do ódio, do ciúme, da cupidez, enfim a predominância do apego a tudo o que é material.
São esses os vícios de que a Terra deve ser expurgada pelo afas­tamento dos que recusam emendar-se, porque eles são incompatíveis com o reino da fraternidade e porque os homens de bem sofrerão sempre com o seu contato. A Terra deles ficará livre e os homens marcharão sem entraves para o futuro melhor, que lhes está reservado aqui embaixo, como prêmio aos seus esforços e à sua perseverança, enquanto esperam que uma depuração ainda mais completa lhes abra a entrada dos mundos superiores.
Por essa emigração de Espíritos não se deve entender que todos os Espíritos retardatários serão expulsos da Terra e relegados a mundos inferiores. Ao contrário, muitos aqui voltarão, porque muitos cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo; neles a casca era pior que o cerne. Uma vez subtraídos à influência da matéria e dos preconceitos do mundo corporal, a maioria deles verá as coisas de maneira completamente diferente do que quando vivos, do que tendes numerosos exemplos. Nisto são ajudados pelos Espíritos benevolentes que por eles se interessam e que se esforçam em esclarecê-los e mostrar-lhes o falso caminho que seguiram. Por vossas preces e exortações, vós mesmos podeis contribuir para seu melhoramento, porque há solidariedade perpétua entre vivos e mortos.
Aqueles poderão, pois, voltar, com o que serão felizes, pois isto será uma recompensa. Que importa o que tiverem sido ou feito, se estão animados de melhores sentimentos! Longe de serem hostis à Sociedade e ao progresso, eles serão auxiliares úteis, porque pertencerão à nova geração.
Não haverá, assim, exclusão definitiva senão para os Espíritos fundamentalmente rebeldes, aqueles que o orgulho e o egoísmo, mais do que a ignorância, tornam surdos à voz do bem e da razão. Mas esses mesmos não estão votados a uma inferioridade perpétua, e dia virá em que repudiarão o seu passado e abrirão os olhos à luz. Orai, pois, por esses endurecidos, a fim de que se emendem enquanto ainda há tempo, pois aproxima-se o dia da expiação.
Infelizmente, a maioria deles, desconhecendo a voz de Deus, persistirá em sua cegueira, e sua resistência marcará o fim de seu reino por lutas terríveis. Em seu desvario, eles próprios correrão para a sua perda; darão impulso à destruição, que gerará uma multidão de flagelos e calamidades, de sorte que, sem o querer, apressarão a chegada da era da renovação.
E como se a destruição não marchasse bastante depressa, ver-se-ão os suicídios multiplicando-se numa proporção incrível, até entre as crianças. A loucura jamais terá ferido um maior número de homens que antes da morte serão riscados do número dos vivos. São estes os verdadeiros sinais dos tempos. E tudo isto realizar-se-á pelo encadeamento das circunstâncias, assim como dissemos, sem que em nada sejam derrogadas as leis da Natureza.
Contudo, através da nuvem sombria que vos envolve e em cujo seio ruge a tempestade, observai que já surgem os primeiros raios da era nova! A fraternidade lança os seus fundamentos em todos os pontos do globo e os povos se estendem as mãos; a barbárie adquire hábitos familiares ao contato da civilização; os preconceitos de raça e de seita, que fizeram correr rios de sangue, se extinguem; o fanatismo e a intolerância perdem terreno, enquanto a liberdade de consciência penetra os costumes e torna-se um direito. Por toda parte fermentam as ideias; vê-se o mal e experimentam-se os remédios, mas muitos andam sem bússola e se tresmalham nas utopias. O mundo está num imenso trabalho de parto que durará um século. Nesse trabalho, ainda confuso, vê-se, entretanto, dominar uma tendência para um objetivo: o da unidade e da uniformidade que predispõem à fraternização.
São ainda sinais dos tempos. Mas, enquanto os outros são os da agonia do passado, estes últimos são os primeiros vagidos da criança que nasce, os precursores da aurora que o próximo século verá levantar-se, porque então a nova geração estará em toda a sua força. Tanto a fisionomia do século dezenove difere da do século dezoito, sob certos pontos de vista, quanto a do século vinte será diferente da do dezenove, sob outros pontos de vista.
Um dos caracteres distintivos da nova geração será a fé inata, não a fé exclusiva e cega que divide os homens, mas a fé raciocinada, que esclarece e fortalece, que os une e os confunde num comum sentimento de amor a Deus e ao próximo. Com a geração que se extingue desaparecerão os últimos vestígios da incredulidade e do fanatismo, igualmente contrários ao progresso moral e social.
O Espiritismo é o caminho que conduz à renovação, porque arruína os dois maiores obstáculos que a ela se opõem: a incredulidade e o fanatismo. Ele dá uma fé sólida e esclarecida; ele desenvolve todos os sentimentos e todas as ideias que correspondem às vistas da nova geração, e é por isso que ele é inato e existe em estado de intuição no coração de seus representantes. A era nova vê-lo-á, pois, crescer e prosperar pela própria força das coisas. Ele constituirá a base de todas as crenças, o ponto de apoio de todas as instituições.
Mas, daqui até lá, quantas lutas terá ainda que sustentar contra os seus dois maiores inimigos, a incredulidade e o fanatismo que, coisa bizarra, se dão as mãos para abatê-lo! Eles pressentem o seu futuro e a sua própria ruína, por isso o temem, pois já o veem plantar sobre as ruínas do velho mundo egoísta, a bandeira que deve unir todos os povos. Na divina máxima: Fora da caridade não há salvação, leem sua própria condenação, porque é o símbolo da nova aliança fraterna proclamada pelo Cristo[1]. Ela se lhes mostra como as palavras fatais do festim de Baltazar. Entretanto, eles deveriam bendizer essa máxima, porque ela os resguarda de todas as represálias daqueles que eles perseguem. Mas não, uma força cega os constrange a rejeitar a única coisa que poderia salvá-los!
O que poderão eles contra o ascendente da opinião que os repudia? O Espiritismo sairá triunfante da luta, não duvideis, porque ele está nas leis da Natureza, e é, por isto mesmo, imperecível. Vede por intermédio de que multidão de meios a ideia se expande e penetra em toda parte. Crede, mesmo, que esses meios não são fortuitos, mas providenciais, pois aquilo que à primeira vista parece que deveria prejudicá-lo é precisamente o que propicia a sua propagação.
Em breve ele verá surgirem campeões altamente situados entre os homens mais considerados e mais acreditados, que o apoiarão com a autoridade de seu nome e de seu exemplo, e imporão silêncio aos seus detratores, porque esses não ousarão tratá-los de loucos. Esses homens o estudam em silêncio e mostrar-se-ão quando chegar o momento propício. Até lá, é útil que se mantenham à distância.
Em breve também vereis as artes aí haurirem ideias, como numa fonte fecunda, e traduzirem seus pensamentos e os horizontes que descobrem, através da pintura, da música, da poesia e da literatura. Já vos foi dito que haveria um dia uma arte espírita, como houve a arte pagã e a arte cristã, e é uma grande verdade, porque os maiores gênios nele se inspirarão.
Em breve vereis os seus primeiros esboços, e mais tarde ele ocupará o lugar que lhe cabe.
Espíritas, o futuro é vosso e de todos os homens de coração e devotamento. Não temais os obstáculos, pois nenhum poderá entravar os desígnios da Providência. Trabalhai sem desânimo e agradecei a Deus por vos haver colocado na vanguarda da nova falange. É um posto de honra que vós mesmos pedistes, e do qual vos deveis tornar dignos pela vossa coragem, perseverança e devotamento. Felizes os que sucumbirem nesta luta contra a força; mas, no mundo dos Espíritos, a vergonha será para os que sucumbirem pela fraqueza ou pela pusilanimidade. Aliás, as lutas são necessárias para fortalecer a alma; o contato do mal faz apreciar melhor as vantagens do bem. Sem as lutas que estimulam as faculdades, o Espírito deixar-se-ia arrastar por uma despreocupação funesta ao seu adiantamento. As lutas contra os elementos desenvolvem as forças físicas e a inteligência; as lutas contra o mal desenvolvem as forças morais.

OBSERVAÇÕES:
1ª ─ A maneira pela qual se opera a transformação é muito simples e, como se vê, é toda moral e em nada se afasta das leis da Natureza. Por que, então, os incrédulos repetem essas ideias, se elas nada têm de sobrenatural? É que, segundo eles, a lei de vitalidade cessa com a morte do corpo, ao passo que para nós ela prossegue sem interrupção; eles restringem sua ação e nós a estendemos. Eis por que dizemos que os fenômenos da vida espiritual não saem das leis da Natureza. Para eles o sobrenatural começa onde acaba a apreciação pelos sentidos.
2ª ─ Quer os Espíritos da nova geração sejam novos Espíritos melhores, ou os antigos Espíritos melhorados, o resultado é o mesmo. Desde que eles tragam melhores disposições, é sempre uma renovação. Os Espíritos encarnados formam assim duas categorias, conforme suas disposições naturais: a dos Espíritos retardatários que partem e a dos Espíritos progressistas que chegam. O estado dos costumes e da Sociedade estará, pois, num povo, numa raça ou no mundo inteiro, na razão do estado da categoria que tiver a preponderância.

Para simplificar a questão, seja dado um povo, num grau qualquer de adiantamento, composto de vinte milhões de almas, por exemplo. Sendo a renovação dos Espíritos feita na mesma proporção das extinções, isoladas ou em massa, necessariamente houve um momento em que a geração dos Espíritos retardatários ultrapassava em número a dos Espíritos progressistas que eram apenas raros representantes sem influência, e cujos esforços para fazer predominar o bem e as ideias progressistas seriam neutralizadas. Ora, partindo uns e chegando outros, após um dado tempo, as duas forças se equilibram e sua influência se contrabalança. Mais tarde, os recém-chegados são maioria e sua influência torna-se preponderante, embora ainda entravada pela dos primeiros; estes, continuando a diminuir enquanto os outros se multiplicam, acabarão por desaparecer; chegará então um momento em que a influência da nova geração será exclusiva.
Nós assistimos a essa transformação, ao conflito que resulta da luta das ideias contrárias que tentam implantar-se. Umas marcham com a bandeira do passado, outras com a do futuro. Se examinarmos o estado atual do mundo, reconheceremos que, tomada em conjunto, a Humanidade terrena ainda está longe do ponto intermediário em que as forças se equilibrarão; que os povos, considerados isoladamente, estão a uma grande distância uns dos outros, nessa escada; que alguns atingiram esse ponto, mas nenhum ainda o ultrapassou. Aliás, a distância que os separa dos pontos extremos está longe de ser igual em duração, e uma vez transposto o limite, o novo caminho será percorrido com mais rapidez, porquanto uma porção de circunstâncias virão aplainá-lo.
Assim se realiza a transformação da Humanidade. Sem a emigração, isto é, sem a partida dos Espíritos retardatários que não devem voltar, ou que não devem voltar senão depois de se haverem melhorado, a Humanidade terrena nem por isto ficará indefinidamente estacionária, porque os Espíritos mais atrasados por sua vez progridem; mas teriam sido necessários séculos, talvez milhares de anos, para atingir o resultado que meio século bastará para realizar.
Uma comparação vulgar dará a compreender ainda melhor o que ocorre em tal circunstância. Suponhamos um regimento composto, em sua grande maioria, de homens turbulentos e indisciplinados. Eles provocarão incessantes desordens que a severidade da lei penal muitas vezes terá dificuldade em reprimir. Esses homens são os mais fortes, porque são mais numerosos; eles se sustentam, encorajam-se e se estimulam pelo exemplo. Os poucos bons não têm influência; seus conselhos são desprezados; eles são escarnecidos e maltratados pelos outros e sofrem com esse contato. Não é esta a imagem da Sociedade atual?
Suponhamos que tais homens sejam retirados do regimento, um a um, dez a dez, cem a cem, e substituídos por número igual de bons soldados, mesmo pelos que tiverem sido expulsos mas que se tenham corrigido. Ao cabo de algum tempo teremos ainda o mesmo regimento, mas transformado; a boa ordem nele terá substituído a desordem. Assim será com a Humanidade regenerada.
As grandes partidas coletivas não têm como objetivo apenas ativar as saídas, mas também transformar mais rapidamente o espírito da massa, desembaraçando-a das más influências, e de imprimir maior ascendente às ideias novas.
É porque muitos, malgrado suas imperfeições, estão maduros para essa transformação, que muitos partem a fim de se retemperar numa fonte mais pura. Se tivessem ficado no mesmo meio e sob as mesmas influências, teriam persistido em suas opiniões e sua maneira de ver as coisas. Uma estada no mundo dos Espíritos basta para lhes abrir os olhos, porque aí veem o que não podiam ver na Terra. O incrédulo, o fanático, o absolutista poderão, assim, voltar com ideias inatas de fé, de tolerância e de liberdade. Por sua vez, encontrarão as coisas mudadas e serão submetidos ao ascendente do novo meio onde nascerem. Em vez de fazer oposição às ideias novas, serão seus auxiliares.
A regeneração da Humanidade, portanto, absolutamente não necessita de uma renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em suas disposições morais, e essa modificação se opera na intimidade de todos aqueles que a isto estejam predispostos, quando subtraídos à influência perniciosa do mundo. Aqueles que vêm não são sempre outros Espíritos, mas muitas vezes os mesmos Espíritos, pensando e sentindo diversamente.
Como essa transformação para melhor é isolada e individual, ela passa despercebida, e não tem influência ostensiva no mundo. O efeito, no entanto, é muito diverso, porque ela se opera simultaneamente em grandes massas, e porque então, conforme as proporções, em uma geração, as ideias de um povo ou de uma raça poderão ser profundamente modificadas.
É o que notamos quase sempre depois dos grandes abalos que dizimam populações. Os flagelos destruidores destroem o corpo mas não atingem o Espírito. Eles ativam o movimento de vai-e-vem entre o mundo corporal e o mundo espiritual e, em consequência, o movimento progressivo dos Espíritos encarnados e desencarnados.
É um desses movimentos gerais que se opera neste momento, e que deve determinar o remanejamento da Humanidade. A multiplicidade das causas de destruição é um sinal característico dos tempos, porque elas devem apressar o surgimento dos novos germes. São as folhas de outono que caem, e às quais sucederão novas folhas, cheias de vida, pois a Humanidade tem as suas estações, assim como os indivíduos têm as suas faixas etárias. As folhas mortas da Humanidade caem, levadas pela ventania, mas para renascer mais vivazes, sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se purifica.
Para o materialista, os flagelos destruidores são calamidades sem compensação, sem resultados úteis, pois que, segundo ele, elas aniquilam os seres sem retorno. Mas para aquele que sabe que a morte destrói apenas o envoltório, eles não têm as mesmas consequências e não causam o menor pavor, porque ele compreende o seu objetivo e sabe também que os homens não perdem mais morrendo em conjunto do que isoladamente, porque, de um ou de outro modo, é preciso lá chegar.
Os incrédulos rirão destas coisas e as tratarão como quimeras. Mas, digam o que disserem, não escaparão à lei comum. Eles cairão como os outros, quando chegar a sua vez, e então, o que lhes acontecerá? Nada, dizem eles, entretanto, a despeito de si mesmos, um dia eles serão forçados a abrir os olhos.

NOTA: A comunicação seguinte nos foi endereçada durante a viagem que acabamos de fazer, por um dos nossos queridos protetores invisíveis. Embora tenha um caráter pessoal, ela tem tudo a ver com a grande questão que acabamos de tratar, que ela confirma. Por esse motivo, julgamos oportuno colocá-la aqui, porquanto as pessoas perseguidas por suas crenças espíritas, nela encontrarão úteis encorajamentos.

 “Paris, lº de setembro de 1866.
“Já faz bastante tempo que não marco minha presença em vossas reuniões dando uma comunicação assinada com o meu nome. Não julgueis, caro mestre, que seja por indiferença ou esquecimento, mas eu não via necessidade de manifestar-me e deixava a outros mais dignos o encargo de vos dar instruções úteis. Entretanto, aí estava e seguia com o maior interesse os progressos desta cara doutrina à qual devo a felicidade e a calma dos últimos anos de minha vida. Eu aí estava, e o meu bom amigo Sr. T... vos deu mais de uma vez essa certeza durante suas horas de sono e de êxtase. Ele inveja minha felicidade e também aspira vir para o mundo que habito agora, quando o contempla brilhando no céu estrelado e remete o seu pensamento às suas rudes provas.
“Eu também as tive muito penosas. Graças ao Espiritismo eu as suportei sem me lastimar e as bendigo agora, pois lhes devo o meu adiantamento. Que ele tenha paciência; dizei-lhe que ele virá para cá um dia, mas que antes deve voltar à Terra, para vos ajudar na conclusão de vossa tarefa. Mas então, como tudo estará mudado! Julgar-vos-eis ambos num mundo novo.
“Meu amigo, enquanto puderdes, repousai o espírito e o cérebro fatigados pelo trabalho; reuni forças materiais, porque em breve muito tereis que gastar. Os acontecimentos, que de agora em diante vão suceder-se com rapidez, vos chamarão à estacada. Sede firme de corpo e de espírito, a fim de estar em condições de lutar com proveito. Então será preciso lutar sem descanso. Mas, como já vos disseram, não estareis só para carregar o fardo; auxiliares sérios mostrar-se-ão, no devido tempo. Escutai, pois, os conselhos do bom doutor Demeure e guardai-vos de toda fadiga inútil ou prematura. Aliás, aí estaremos para vos aconselhar e vos advertir.
“Desconfiai dos dois partidos extremos que agitam o Espiritismo, quer para restringi-lo ao passado, quer para precipitar seu avanço. Temperai os ardores prejudiciais e não vos deixeis arrastar pelas tergiversações dos tímidos ou, o que é mais perigoso, mas que infelizmente é muito verdadeiro, pelas sugestões dos emissários inimigos.
“Marchai com passo firme e seguro, como fizestes até aqui, sem vos inquietar com o que digam à direita ou à esquerda, seguindo a inspiração dos vossos guias e da vossa razão, e não vos arriscareis a deixar a carruagem do Espiritismo sair dos trilhos. Muitos empurram esse invejado carro para precipitar sua queda. Cegos e presunçosos! Ele passará, a despeito dos obstáculos, e não deixará no abismo senão os seus inimigos e os invejosos desconcertados por terem servido ao seu triunfo.
“Os fenômenos já surgem e vão surgir de todos os lados, sob os mais variados aspectos. Mediunidade curadora, doenças incompreensíveis, efeitos físicos inexplicáveis pela Ciência, tudo se reunirá num futuro próximo, para assegurar nossa vitória definitiva, para a qual concorrerão novos defensores.
“Mas quantas lutas ainda será necessário sustentar, e também quantas vítimas! não sangrentas, sem dúvida, mas feridas em seus interesses e em suas afeições. Mais de um desfalecerá ao peso das inimizades desencadeadas contra tudo o que carrega o nome de espírita. Ditosos, porém, aqueles que tiverem mantido sua firmeza na adversidade! Por isto eles serão bem recom­pensados, mesmo aqui embaixo, materialmente. As perseguições são as provações da sinceridade de sua fé, de sua coragem e de sua perseverança. A confiança que houverem posto em Deus não será vã. Todos os sofrimentos, todos os vexames, todas as humilhações que tiverem suportado pela causa serão valores dos quais nenhum será perdido. Os bons Espíritos velam por eles e os contam e saberão bem separar os devotamentos sinceros das dedicações fictícias. Se a roda da fortuna os trai momentaneamente e os lança no pó, em breve os erguerá mais alto que nunca, dando-lhes a consideração pública e destruindo os obstáculos amontoados em seu caminho. Mais tarde alegrar-se-ão por terem pago seu tributo à causa, e quanto maior for esse tributo, mais bela será a sua parte.
“Nestes tempos de provas, ser-vos-á necessário prodigalizar a todos a vossa força e a vossa firmeza. A todos serão necessários também encorajamento e conselhos. Também será necessário fechar os olhos às defecções dos mornos e dos covardes. De vossa parte, também tereis muito a perdoar...
“Mas eu paro aqui, porque se posso tecer-vos conjeturas acerca do conjunto dos acontecimentos, nada me é permitido precisar. Tudo quanto posso dizer-vos é que não sucumbiremos na luta. Podem cercar a verdade com as trevas do erro, mas é impossível abafá-la. Sua chama é imortal e brilhará mais cedo ou mais tarde.
“VIÚVA F...”
Revista Espírita 1866-Outubro