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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Primórdios do Movimento Espírita no Brasil


JUVANIR BORGES DE SOUZA
Palestra proferida na CONFERÊNCIA ESPÍRITA BRASIL-PORTUGAL, realizada
em Salvador (BA), de 16 a 19 de março de 2000.
I
A história do Espiritismo no Brasil é muito rica de fatos, de personagens e de
realizações. Um vasto documentário esparso está à espera de quem o reúna e
aprecie, com sensibilidade e conhecimento.
Ao contrário do que ocorreu nos países da Europa, nos quais os movimentos
oriundos da Nova Revelação cresceram rapidamente, nas primeiras décadas que
se seguiram aos trabalhos da Codificação, para depois estacionarem ou fenecerem,
o Movimento Espírita no Brasil cresceu continuamente, apesar das muitas vicissitudes
que teve de enfrentar.
II
É interessante observar que, antes do advento do Espiritismo, com a primeira
edição de “O Livro dos Espíritos”, em Paris, em 1857, já existiam idéias espíritas
irradiadas a partir de 1847-1848, nos Estados Unidos, com os fenômenos de
Hydesville.
III
Os primeiros experimentadores da mediunidade, no Brasil, saíram dos cultores
da homeopatia, com os médicos Bento Mure, francês, e João Vicente Martins,
português, aqui chegados em 1840, que aplicavam passes em seus clientes e falavam
em Deus, Cristo e Caridade, quando curavam.
José Bonifácio, o patriarca da Independência, cultor da homeopatia, é também
dos primeiros experimentadores do fenômeno espírita.
Em 1844, o Marquês de Maricá publicou um livro com os primeiros ensinamentos
de fundo espírita divulgados no Brasil (REFORMADOR de 1944, p. 207).
IV
Entretanto, o grupo mais antigo que se constituíra no Rio de Janeiro, para cultivar
o fenômeno espírita, foi o de Melo Morais, homeopata e historiador, por volta
de 1853, conforme registrado em Reformador de 1º de maio de 1883.
Freqüentavam esse grupo o Marquês de Olinda, o Visconde de Uberaba e
outros vultos do Império.
Os fenômenos das mesas girantes são noticiados pela primeira vez no Brasil
em 1853, pelo jornal O Cearense.
V
Assim, quando “O Livro dos Espíritos”, em sua edição original francesa, chegou
ao Brasil, encontrou meio favorável ao seu entendimento e divulgação, especialmente
na elite social da Capital do Império.
4
VI
Em 1860 surgiram os dois primeiros livros espíritas em português: “Os tempos
são chegados” do professor Casimir Lieutaud, francês radicado no Rio de Janeiro,
e “O Espiritismo na sua expressão mais simples”, tradução do professor Alexandre
Canu, cujo nome só aparece na terceira edição, em 1862.
VII
Em 1863 o Espiritismo já era comentado com seriedade.
O Jornal do Commercio, o maior órgão da imprensa da Capital do Império de
então, publicava, em 23 de setembro, artigo favorável à nova Doutrina.
No ano de 1865, surge a primeira contestação de espíritas a comentários
desfavoráveis ao Espiritismo. O Diário da Bahia, de Salvador, transcrevera artigo
extraído da Gazette Médicale. Esse artigo, desfavorável e mordaz, assinado pelo
Dr. Déchambre, foi contestado pelos Drs. Luís Olímpio Teles de Menezes, José Álvares
do Amaral e Joaquim Carneiro de Campos, em réplica publicada em 28 de
setembro de 1865, artigo que mereceu comentários favoráveis de Allan Kardec na
Revue Spirite (vol. 8, pág. 334).
VIII
Os primeiros centros espíritas nos moldes preconizados por Kardec surgem
na Bahia (Grupo Familiar do Espiritismo), no Rio de Janeiro e em outros Estados, a
partir de 1865.
IX
Em 1869 é editado em Salvador O Eco d’Além-Túmulo, “Monitor do Espiritismo
no Brasil”, sob a direção de L. O. Teles de Menezes, que teve efêmera duração.
X
Em novembro de 1873 funda-se em Salvador, Bahia, a Associação Espírita
Brasileira, continuação do Grupo Familiar de Espiritismo.
Alguns membros dessa Associação fundaram, em 1874, em Salvador, o Grupo
Santa Teresa de Jesus.
XI
A 2 de agosto de 1873 é fundada a Sociedade Grupo Confúcio, primeira entidade
jurídica do Espiritismo no Brasil, com estatutos impressos, amplamente noticiada
na imprensa nacional e estrangeira.
Nomes como os dos Drs. Siqueira Dias, Silva Neto, Joaquim Carlos Travassos,
Casimir Lieutaud, Bittencourt Sampaio fizeram parte dessa sociedade, cuja
divisa era “Sem caridade não há salvação”.
A esse Grupo, de curta existência de menos de três anos, deve o Espiritismo
no Brasil: a primeira tradução das obras de Kardec, por Joaquim Carlos Travassos
(Fortúnio); a primeira assistência gratuita homeopática; a primeira revelação do
Espírito Guia do Brasil — o Anjo Ismael.
XII
Vale a pena rememorar, para a edificação das novas gerações, as previsões
de Ismael, em rara e eloqüente mensagem de transcendente significação no Grupo
Confúcio, eis que ela resume a orientação espiritual no que diz respeito à missão
do Brasil:
“O Brasil tem a missão de cristianizar. É a Terra da Promissão. A Terra de todos.
A Terra da fraternidade. A Terra de Jesus. A Terra do Evangelho...
“Na Era Nova e próxima, abrigará um povo diferente pelos costumes cristãos.
5
Cumpre ao que ouve os arautos do Espaço, que convocam os homens de boavontade
para o preparo da Nova Era, reconhecer em Jesus o chefe espiritual. Com
o Evangelho explicado à luz do Espiritismo, a moral de Jesus, semeada pelos jesuítas
e alimentada pelos católicos, atingirá a sua finalidade, que é rejuvenescer os
homens velhos, que aqui nascerão ou para aqui virão de todos os pontos do Globo,
cansados de lutas fratricidas e sedentos de confraternidade. A missão dos espíritas
no Brasil é divulgar o Evangelho em espírito e verdade. Os que quiserem cumprir o
dever, a que se obrigaram antes de nascer, deverão, pois, reunir-se debaixo deste
pálio trinitário: Deus, Cristo e Caridade.
“Onde estiver esta bandeira, aí estarei eu, Ismael.”
XIII
Ao Grupo Confúcio seguiu-se a Sociedade Espírita “Deus, Cristo e Caridade”,
fundada em março de 1876, com programação francamente evangélica cumprida
até 1879.
Mas, cindida a Sociedade, passou a denominar-se Sociedade Acadêmica,
em processo de seleção natural e de acordo com as inclinações dos elementos
humanos. Uma ala da entidade, tendo à frente Bittencourt Sampaio, Antônio Luiz
Sayão e Frederico Junior, destacou-se para fundar a “Sociedade Espírita Fraternidade”,
em 1880.
A “Fraternidade” subsistiu com a orientação evangélica até transformar-se em
“Sociedade Psicológica”, desaparecendo em 1893.
Observe-se a definição de rumos, com a preocupação de alguns adeptos desavisados,
suprimindo o qualificativo “Espírita” e substituindo-o por “Acadêmica” e
“Psicológica” nas duas Sociedades.
Em 6 de agosto de 1880 era criada, em Campos, Estado do Rio de Janeiro, a
Sociedade Campista de Estudos Espíritas.
XIV
É criado em janeiro de 1881, na cidade de Areias, São Paulo, o Grupo Espírita
Areense, que lançou, no mesmo ano, o jornal União e Crença.
É no ano de 1881 que o Espiritismo é perseguido pela polícia, pela primeira
vez, sendo proibidas as sessões da “Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade”,
a Sociedade de maior prestígio à época.
XV
Em 6 de setembro de 1881, instalou-se, no Rio de Janeiro, o primeiro Congresso
Espírita do Brasil, do qual resultou o Centro da União Espírita do Brasil,
dentro da Sociedade Acadêmica.
XVI
Ainda em 1881, a 21 de novembro, instalou-se no Rio de Janeiro a “Associação
Amor e Caridade”; em março de 1882, a “Sociedade Espírita Allan Kardec” e
em setembro de 1882 o “Grupo Espírita Santo Antonio de Pádua”.
XVII
Augusto Elias da Silva, fotógrafo português radicado no Rio de Janeiro, observando
as difíceis condições para se fazer a defesa do Espiritismo pela imprensa,
contra os ataques impiedosos e insultuosos do Catolicismo, a religião oficial do
Estado, funda, em 21 de janeiro de 1883, o jornal Reformador.
Esse órgão, que recebeu o apoio de espíritas militantes de grande prestígio
na época, como Bezerra de Menezes e o Major Francisco Raimundo Ewerton Qua6
dros, procedeu à análise serena e segura de uma Pastoral católica que pregava o
ódio aos espíritas.
Por essa época já existiam várias Sociedades Espíritas na Capital do Império
e em algumas províncias.
XVIII
Em 2 de janeiro de 1884 é fundada a Federação Espírita Brasileira. A iniciativa
coube a Augusto Elias da Silva, que recebeu o apoio de Ewerton Quadros, Xavier
Pinheiro, Fernandes Figueira, Silveira Pinto e outros.
Instalada a novel Sociedade, com a eleição da primeira diretoria, uma das
primeiras resoluções foi a incorporação do órgão Reformador à nova Sociedade.
É interessante frisar que, apesar de sua denominação — Federação — não
contava a instituição com nenhuma filiação de qualquer outra entidade, inicialmente.
Torna-se, pois, evidente, que os objetivos da Sociedade, no campo federativo,
projetava-se no futuro, sendo seus fundadores os instrumentos de uma planificação
maior da Espiritualidade.
XIX
Ainda em 1883, surge em Campos (no atual Estado do Rio de Janeiro), em
fevereiro, a “Sociedade Espírita Concórdia” e em outubro do mesmo ano, em Macaé,
a “Sociedade Espírita Luz Macaense”.
O “Grupo Ismael” (Grupo de Estudos Evangélicos do Anjo Ismael), célula de ligação
entre os trabalhadores dos dois planos da vida, funciona desde 15 de julho
de 1880, fundado por Antônio Luiz Sayão e Bittencourt Sampaio. Dele fizeram parte
Bezerra de Menezes, Frederico Junior, Domingos Filgueiras, Pedro Richard, Albano
do Couto e muitos outros companheiros provindos de diversos núcleos.
Acedendo Bezerra de Menezes em aceitar a presidência da Federação em
1895, o “Grupo Ismael” acompanhou o apóstolo do Espiritismo no Brasil, apoiou-o
na direção da Casa e integrou-se nela, até os dias atuais.
XX
Alguns grupos espíritas da Capital aderiram à Federação, a partir de 1885,
como o “Grupo Espírita Menezes” (REFORMADOR de 15-2-1885) e elementos
prestigiosos na sociedade fluminense: o Dr. Francisco de Menezes Dias da Cruz,
homeopata, o Dr. Castro Lopes, filólogo e escritor, e vários outros.
XXI
Mas o fato de maior significação nos arraiais espiritistas foi, sem dúvida, a
adesão ao Espiritismo do eminente político, médico e católico, Dr. Adolfo Bezerra
de Menezes Cavalcanti, perante um auditório de 2.000 pessoas, no salão de honra
da Guarda Velha, no dia 16 de agosto de 1886.
A impressa registrou o acontecimento, o telégrafo levou a notícia às Províncias,
a Federação recebeu muitas adesões e os círculos católicos agitaram-se.
De novembro de 1886 a dezembro de 1893, Bezerra escreveu ininterruptamente,
aos domingos, sob o pseudônimo de Max, os célebres artigos sobre o Espiritismo,
no jornal O Paiz, o mais lido no Brasil, na época.
Ao mesmo tempo que escrevia, Bezerra pregava a união dos espíritas e concitava
os confrades à harmonia e à fraternidade.
É, por isso, considerado o campeão da unificação do Movimento Espírita,
com base na união e na tolerância entre os espíritas.
7
XXII
Em meados de fevereiro de 1889, previamente anunciado pela Espiritualidade,
o Espírito Allan Kardec viria “fazer uma análise da marcha da doutrina no Rio de
Janeiro, dirigindo-se a todos os espíritas”.
Através do notável médium Frederico Junior, da Sociedade Fraternidade,
Kardec ofereceu as conhecidas “Instruções” para o Movimento Espírita de então.
XXIII
Bezerra de Menezes vê na Federação, nos anos de 1888-89, então sob sua
presidência, a organização ideal onde se poderia unificar o Movimento Espírita. Por
isso nela instalou, em 1889, o Centro da União Espírita do Brasil, com a aprovação
dos grupos espíritas então existentes no Rio de Janeiro.
Mas a união dos espíritas não foi conseguida, apesar dos esforços de Bezerra
e do apelo do Espírito Allan Kardec.
Prevalecia a divergência entre “místicos” e “científicos”.
XXIV
Em São Paulo, Batuíra fundara, em 1890, o maior núcleo espírita do País, com
sede própria, e um órgão de divulgação, o Verdade e Luz, de grande tiragem. Deu
seu apoio à Federação e tornou-se o representante dela em São Paulo.
XXV
Em maio de 1887, foi fundada em Porto Alegre (Rio Grande do Sul) a Sociedade
Espírita Rio Grandense.
XXVI
Em fevereiro de 1890 surge em Maceió, Alagoas, o Centro Espírita das Alagoas.
XXVII
Em 1890, o Dr. Polidoro Olavo de São Thiago trouxe à Federação Espírita
Brasileira uma iniciativa feliz: a criação da Assistência aos Necessitados, em moldes
espíritas.
E o Dr. Pinheiro Guedes, em 1890, incorporou à pequena biblioteca da FEB
um acervo importantíssimo de livros sobre todos os ramos do conhecimento.
XXVIII
Proclamada a República em 1889, em 1890 surge o novo Código Penal, no
qual o Espiritismo era enquadrado como transgressão à lei, em alguns de seus dispositivos
dúbios.
O fato serviu para que os espíritas de todas as tendências se unissem contra
tais dispositivos, do que resultou a explicação do autor do Código, Dr. Antônio Batista
Pereira, de que tais disposições não atingiam o Espiritismo filosófico, religioso,
moral, educativo, mas o espiritismo criminoso, expressão infeliz então usada.
XXIX
Em compensação, o grande acontecimento que favoreceu o Espiritismo,
como também a todas as religiões praticadas no Brasil, foi a Constituição Republicana,
de 24 de fevereiro de 1891, que constituiu o Estado leigo, sem os liames que
o ligavam à Igreja Católica Romana.
XXX
Já por essa época fundavam-se, por todos os Estados brasileiros, núcleos
espíritas.
8
Em 1892 era fundada em Natal, Rio Grande do Norte, a Sociedade Natalense
de Estudos Espíritas.
Em maio de 1893 surgiu, na Bahia, o Grupo Espírita Amor e Caridade.
Nesse mesmo ano funda-se em Cuiabá, Estado de Mato Grosso, a Sociedade
Espírita Cristo e Caridade, com seu órgão A Verdade.
Em 1894 é criado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o Grupo Espírita Allan
Kardec.
Em outubro de 1894 instala-se em Lavras, Estado de Minas Gerais, o Centro
Espírita Luz e Caridade.
Em julho de 1895, funda-se em São Francisco do Sul, Santa Catarina, o Centro
Espírita Caridade de Jesus.
Em julho de 1897 instalou-se em Cáceres, Mato Grosso, o Grupo Espírita
Apóstolos de Cristo e da Verdade.
Nesse mesmo ano de 1897 é organizada a Livraria da FEB, por abnegados
espíritas.
XXXI
Bezerra de Menezes, aceitando a presidência da Federação Espírita Brasileira,
é empossado em 3 de agosto de 1895.
Começa uma nova fase para a Instituição, cuja influência se estende por todo
o território nacional.
Em 1897 são transferidos à Federação os direitos autorais, para a língua
portuguesa, de todas as obras de Allan Kardec, fato de suma importância para a
difusão da Doutrina Espírita no Brasil.
XXXII
Os inimigos e dissidentes internos do Movimento Espírita no Brasil sempre se
firmaram no divisionismo, no personalismo, no despreparo e nas interpretações
pessoais de determinados adeptos e nas vaidades individuais, em contraposição
aos princípios doutrinários.
Desde os primórdios do Espiritismo esses fatores estiveram presentes no
seio de seus movimentos, por toda parte. No Brasil não seria diferente.
Já os inimigos externos são conhecidos por suas atuações, desde meados do
século XIX, no Brasil: a) o positivismo, de grande influência nos primórdios da República;
b) o materialismo, opositor permanente; c) a classe clerical obscurantista.
XXXIII
Enquanto a Europa recebeu o Espiritismo nas suas expressões fenomênicas
e experimentais, não excluindo a remuneração pelos trabalhos mediúnicos, o que
desvirtua o caráter e a índole da Doutrina Espírita, no Brasil cultiva-se o Espiritismo
em seus múltiplos aspectos, mas com ênfase nos seus aspectos morais-religiosos,
com base no Evangelho de Jesus.
A expressão “Pátria do Evangelho”, usada pelo Espírito Humberto de Campos
em seu livro, é a reafirmação desse fato.
Para combater a tendência desagregadora do Movimento, de parte de alguns
adeptos, o grande remédio é a transformação interior do espírita, através da educação
do pensamento pela Mensagem do Evangelho do Cristo.
A grande tarefa a ser realizada pelo Movimento, antes da reforma das instituições,
é a regeneração moral do espírita, para que suas instituições reflitam seu
progresso individual e coletivo.
9
XXXIV
Desaparecendo Bezerra de Menezes do cenário dos encarnados, em 11 de
abril de 1900, após quatro anos e meio de intenso trabalho de persuasão, de paciência
e de exemplificação, deixava consolidada a Federação Espírita Brasileira,
com a orientação doutrinária que as administrações posteriores seguiriam.
Ficaram superadas as divergências internas, o academicismo, para cuidar-se
do estudo sério da Doutrina e do Evangelho, com o fortalecimento dos sentimentos
de solidariedade e de fraternidade.
Findara o século, desencarnara o ínclito timoneiro, mas as bases da grande
obra da união entre os espíritas ficaram delineadas.
É certo que um dos objetivos de Bezerra e de seus seguidores — a unificação
de todas as entidades espíritas em torno de uma instituição representativa dos ideais
de fraternidade entre os espíritas — não pudera concretizar-se.
A união pela harmonia e coesão preconizada por Allan Kardec nas célebres
mensagens de 1889 só seria conseguida quase meio século depois, em 1949.
XXXV
O sucessor de Bezerra de Menezes na presidência da FEB, um jovem de 30
anos, Leopoldo Cirne, seguiu o roteiro de seu antecessor, reajustando pormenores
impostos pelas circunstâncias.
Em 1901, procedeu-se à revisão dos Estatutos, com inovações de alto interesse
para o Movimento Espírita, destacando-se a filiação das instituições espíritas
de todo o Brasil aos quadros da Federação Espírita Brasileira, com vistas à unificação,
sob a forma federativa, plenamente aprovada na prática.
Multiplicaram-se desde então os atos de adesão, sem prejuízo da autonomia
administrativa e patrimonial das entidades adesas — Centros, Grupos, Uniões, Federações
— de todo o vasto território do País continental.
XXXVI
A 3 de outubro de 1904, a FEB organizou um intenso programa de três dias,
comemorativo do centenário de nascimento de Allan Kardec.
O convite dirigido a todas as entidades espíritas do País foi bem recebido.
Reuniram-se na então Capital da República os representantes de Centros e
Sociedades Espíritas do Amazonas, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso,
Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São
Paulo, além das Casas Espíritas da Capital Federal.
O ponto mais importante desse Congresso foi o congraçamento geral e a
aprovação das “Bases de Organização Espírita”, documento que passou a orientar
a marcha do Movimento Espírita de nosso País, até nossos dias.
O desenvolvimento do Movimento, sua expansão com a criação de inúmeras
Instituições Espíritas, tornou-se notório, desde então.
As “Bases” preconizaram a criação de uma Instituição na Capital de cada
Estado brasileiro, a qual ficaria incumbida de filiar os Centros e Associações estaduais,
formando assim, com a FEB, uma rede de entidades fortalecidas na solidariedade
e na fraternidade, sob a inspiração e a égide da Doutrina Espírita.
As obras de Allan Kardec, em edições especiais e populares, foram publicadas
pela FEB nesse mesmo ano de 1904.
XXXVII
10
No período de 1905 a 1930, continuou expandindo-se o Movimento Espírita,
por todo o Brasil, com a criação de Grupos, Centros e Federações nos Estados,
além de periódicos espíritas, para a divulgação da Doutrina.
Queremos destacar, nesse período, dois fatos importantes, dentre os inúmeros
acontecimentos ocorridos:
O primeiro foi a mensagem, de alta significação, recebida em 9 de março de
1920, do Espírito de Verdade, que se manifestou através do Anjo Ismael, pelo médium
Albino Teixeira, então secretário da FEB.
Nela está prevista a missão do Brasil, antecedendo as páginas proféticas do
Espírito Humberto de Campos em “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”,
como se pode observar no pequeno trecho abaixo transcrito:
“A Árvore do Evangelho, plantada há dois mil anos na Palestina, eu a transplantei
para o rincão de Santa Cruz, onde o meu olhar se fixa, nutrindo o meu espírito
a esperança de que breve ela florescerá estendendo a sua fronde por toda a
parte e dando frutos sazonados de amor e perdão.” (Grifos nossos.)
O segundo fato foi a convocação de uma “Constituinte do Espiritismo” para se
reunir no Rio de Janeiro, idéia esdrúxula pelo seu próprio conteúdo, que não vingou.
Mas do encontro resultou a criação da Liga Espírita do Brasil, que se propôs a filiar
Centros Espíritas em âmbito nacional, em trabalho semelhante e concorrente ao da
FEB, dividindo o Movimento.
A Liga Espírita do Brasil subsistiu por mais de duas décadas, transformandose
em entidade estadual com o “Pacto Áureo”, em 1949.
XXXVIII
Era chegado o tempo de ampliar a divulgação da Doutrina Espírita pelo livro e
pela imprensa.
Impunham-se novas traduções das obras da Codificação e de clássicos do
Espiritismo.
A essa tarefa gigantesca dedicaram-se espíritas de escol, dentre os quais
destacamos a figura de Guillon Ribeiro, o grande presidente da FEB no período de
1930 a 1943.
Suas traduções primorosas das obras de Allan Kardec continuam sendo as
melhores na língua vernácula.
Inúmeras outras obras clássicas da Doutrina foram traduzidas para o português.
Ao mesmo tempo, a FEB cogitava da montagem de uma oficina gráfica própria
para a edição das obras espíritas, o que conseguiria, por etapas, a partir de
1939.
XXXIX
A partir de 1930 o Movimento Espírita Brasileiro, que desde os fins do século
XIX contou com médiuns notáveis, como Frederico Junior, João Gonçalves do Nascimento,
Bittencourt Sampaio, Zilda Gama, Albino Teixeira, e muitos outros, vê surgir
o mais notável medianeiro do século XX: Francisco Cândido Xavier.
Sua primeira obra psicografada, lançada pela FEB em 1932 — “Parnaso de
Além-Túmulo” — causou verdadeiro impacto nos meios culturais brasileiros. Essa
obra de poetas brasileiros e portugueses desencarnados, sui generis, confundiu os
céticos e agraciou os adeptos e simpatizantes do Espiritismo.
O moço humilde de Pedro Leopoldo começava sua missão de médium espírita
e de homem, que se prolongaria até nossos dias, contribuindo de forma extra11
ordinária para que a Doutrina Espírita e o Evangelho de Jesus fossem divulgados
de forma correta, persistente, admirável.
Emmanuel, André Luiz, Humberto de Campos e uma plêiade de Espíritos de
escol lançaram-se a um trabalho de longo curso junto aos homens, de esclarecimento
e de fraternidade através do livro espírita.
XL
Em julho de 1944, a viúva de Humberto de Campos, D. Catarina Vergolino de
Campos, ingressou em juízo com uma ação declatória contra a Federação Espírita
Brasileira e o médium F. C. Xavier, visando a obter, por sentença judicial, a declaração
de que a obra literária do Espírito Humberto de Campos era ou não do brilhante
escritor. O interesse era, no fundo, utilitarista, tendo em vista os direitos autorais.
A decisão judicial foi justa, precisa, e estabeleceu uma diretriz segura para a
questão da psicografia, declarando a autora carecedora da ação, com ganho de
causa para a Federação e o médium.
XLI
Autores espirituais como Emmanuel e André Luiz têm importância muito grande
no desdobramento da Codificação Espírita, pelo fato de suas obras esclarecerem
e complementarem as obras básicas da Doutrina Espírita, sem prejuízo ou
contraposição dos princípios fundamentais da Terceira Revelação.
Sínteses históricas da Terra e do Brasil, ensaios sociológicos, romances históricos,
comentários evangélicos à luz do Espiritismo e, a partir de 1943, toda a
série de André Luiz, iniciada com “Nosso Lar”, enriqueceram extraordinariamente a
literatura espírita no Brasil, que se vai expandindo para além-fronteiras em inúmeras
traduções para diversas línguas.
XLII
Fato que não poderíamos deixar de mencionar nesta pequena resenha é o da
instalação, em 1948, do Departamento Editorial da FEB.
Já que a Espiritualidade realizava sua parte, fazendo chegar aos homens as
lições mais belas, claras e úteis através de livros de grande importância para o esclarecimento
e edificação da Humanidade, era necessário que alguém cuidasse da
parte que competia aos encarnados.
O Presidente Wantuil de Freitas cuidou de dotar a FEB de uma editora à altura
das necessidades.
Posteriormente, outras editoras seguiram o exemplo, ampliando-se enormemente
a capacidade de editoração de livros, revistas e jornais no Movimento Espírita
nacional.
XLIII
Não obstante o lado positivo do Movimento em constante expansão, o divisionismo
no seu seio continuava, alimentado pelo personalismo, pelas vaidades e pelas
interpretações infelizes da Doutrina.
Mas muitos espíritas estavam atentos à necessidade da união fraterna e da
unificação do Movimento.
Surge então a oportunidade do entendimento entre correntes diversas, representadas
por espíritas conscientes de seus deveres perante a Doutrina.
A ocasião para esse entendimento ocorreu no mês de outubro de 1949, por
ocasião da realização de um Congresso da Confederação Espírita Pan-Americana.
Após tentativas de aproximação dos responsáveis por diversos segmentos do
Movimento Espírita de diversos Estados brasileiros, encontram-se todos na sede
da Federação Espírita Brasileira no Rio de Janeiro, no dia 5 de outubro de 1949.
Esse encontro, que ficou conhecido como a Grande Conferência Espírita do
Rio de Janeiro, posteriormente denominado “Pacto Áureo”, pelos seus resultados e
importância, é um marco decisivo na história do Espiritismo no Brasil, pelas suas
conseqüências, pelas suas disposições e sobretudo pelo induzimento à concórdia,
à fraternidade, ao trabalho útil, à tolerância, à solidariedade entre os cultores de
uma Doutrina Superior, que precisa ser entendida em sua verdadeira índole e finalidade
e que induz os homens aos sentimentos do Amor e da Justiça.
XLIV
Entendemos que os primórdios do Movimento Espírita no Brasil poderiam ser
situados nos primeiros anos do Espiritismo em nossa Pátria, nos meados do século
XIX.
Mas poderiam ser entendidos também em face de determinados acontecimentos
marcantes.
Preferimos esta última hipótese, escolhendo o “Pacto Áureo” como o fato inconfundível
que divide duas fases do Movimento.

Revista O Reformador abril de 2000

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Estudo Minucioso do Evangelho- 10o programa


Estudo Minucioso do Evangelho- 9o Programa-Senhor o que quer que eu faça?


Estudo Minucioso do Evangelho-8o Programa- A Pesca Maravilhosa


Estudo Minucioso do Evangelho- 7o Programa- Entrevista com Magda Abreu



Estudo Minucioso do Evangelho- 6o Programa -Bem Aventurado os Aflitos


Estudo Minucioso do Evangelho- 5o Programa


Estudo Minucioso do Evangelho- 4o Programa



Estudo Minucioso do Evangelho-3o Programa


Estudo Minucioso do Evangelho- 2o Programa


Estudo Minucioso do Evangelho - parte 1


Mundo em transição


Conforme se observa na questão 55 de O Livro dos Espíritos, cuja primeira
edição ocorreu em 18 de abril de 1857, Allan Kardec pergunta: São habitados
todos os globos que se movem no espaço? E os Espíritos superiores respondem:
“Sim e o homem terreno está longe de ser, como supõe, o primeiro em inteligência,
em bondade e em perfeição”.
Aprofundando a análise deste assunto, Kardec observa:
Nos mundos intermédios, misturam-se o bem e o mal, predominando um ou outro,
segundo o grau de adiantamento da maioria dos que os habitam. Embora se não possa
fazer, dos diversos mundos, uma classificação absoluta, pode-se contudo, em virtude
do estado em que se acham e da destinação que trazem, tomando por base os matizes
mais salientes, dividi-los, de modo geral, como segue: mundos primitivos, destinados
às primeiras encarnações da alma humana;mundos de expiação e provas, onde domina
o mal;mundos de regeneração, nos quais as almas que ainda têm o que expiar haurem
novas forças, repousando das fadigas da luta; mundos ditosos, onde o bem sobrepuja
o mal; mundos celestes ou divinos, habitações de Espíritos depurados, onde
exclusivamente reina o bem. (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. III, item 4.)
Em mensagem transmitida através de Divaldo Pereira Franco no encerramento
do 3o Congresso Espírita Brasileiro, em 18 de abril de 2010, publicada nesta edição
de Reformador (p. 8), Bezerra de Menezes assevera:
...Estamos agora em um novo período.
Estes dias assinalam uma data muito especial, a data da mudança do mundo de provas
e expiações para o mundo de regeneração.
A grande noite que se abatia sobre a Terra lentamente deu lugar ao amanhecer de
bênçãos.
E continua sinalizando para a necessidade de todos nós aumentarmos a nossa
capacidade de nos amarmos uns aos outros a fim de podermos ser realmente úteis
na construção desse novo mundo e assegurar o direito de nele permanecer.
Devemos lembrar, ainda, a mensagem de Santo Agostinho, de 1862, que, falando
sobre os mundos de regeneração, destaca:
[...] Em todas as frontes, vê-se escrita a palavra amor; perfeita equidade preside às relações
sociais, todos reconhecem Deus e tentam caminhar para Ele, cumprindo-lhe as leis.
Mas [...] nesses mundos, ainda falível é o homem e o Espírito do mal não há perdido
completamente o seu império. Não avançar é recuar, e, se o homem não se houver firmado
bastante na senda do bem, pode recair nos mundos de expiação, onde, então,
novas e mais terríveis provas o aguardam. (Op. cit., itens 17 e 18.)
Com todos estes esclarecimentos, só nos resta, em nosso próprio benefício,
empenharmo-nos no nosso aprimoramento moral.

Revista O Reformador 2010-Junho

sábado, 8 de setembro de 2012

Entrevistando São Francisco de Assis

Revista o Reformador 2001-Outubro
O dia fora especialmente abrasador. A Úmbria ardia sob o Sol da primavera
que explodia em flores por toda parte.
Os imensos campos que se aproximavam dos montes sobranceiros, divididos
em variadas plantações, estuavam no variegado tom de verde, confraternizando
com as terras arroteadas para novas sementeiras, enquanto o feno em fardos
arredondados dava um colorido especial de amarelo-marrom à relva, ora queimada
pelo Sol, ora reverdecente, entremeada pelo vermelho rubro das papoulas exuberantes.
No alto da cidade, a imponente catedral dedicada ao Santo da pobreza com
a sua torre-campanário de elevado porte que, no passado, servia para observar os
inimigos que se aproximassem da encantadora Assis, construída em pedras sobre
outras pedras que a exaltavam dando-lhe um ar de grandeza, galantaria e de glória.
Quando a noite desceu, um pouco tarde, porque a claridade no poente permanecia
em colorido deslumbrante, e o zimbório se adornou de estrelas, a movimentação
prosseguiu em ritmo também febril.
Favônios sopravam do vale fértil, refrescando as ruelas e praças iluminadas.
Um espetáculo na Praça de S. Francisco atraíra a multidão ávida de ruídos e
movimentação, encerrando-se sem grande finale, reduzindo a cidade formosa ao
silêncio quebrado apenas pelas onomatopéias da Natureza e um que outro transeunte
notívago. Perambulando pelas proximidades da Igreja inferior, em tentativa
de recordar aqueles já remotos tempos do século XIII, quando o jovem trovador fora
arrebatado por Jesus e saíra a cantar a melodia imortal do Evangelho, vi acercar-se
um grupo de Espíritos nobres e, dentre eles, o Pai Francisco.
Mantinha as mesmas características com que Giotto o imortalizara nos seus
afrescos. De regular estatura, compleição frágil, traços sem grande beleza física,
porém portador de difícil abordagem de irradiação psíquica, estava acompanhado
por alguns dos seus primeiros irmãos da revolução do amor, da pobreza e da humildade.
Não poderia desperdiçar a feliz oportunidade. Porque estivessem conversando
discretamente, utilizei-me de um momento que se me fez factível e, aproximando-
me, expliquei que eu havia sido na Terra um jornalista brasileiro que, no
Além-Túmulo, reencontrara Jesus e O amava com ternura e respeito.
Interroguei o benfeitor do irmão lobo, se ele me poderia conceder alguns
breves minutos para uma entrevista que encaminharia aos poucos leitores que tomariam
conhecimento do nosso encontro.
Jovial e algo tímido, o santo anuiu de bom grado.
Interroguei-o, sem delongas, bastante emocionado:
– Como vê o desfile de multidões chegadas de diferentes partes do mundo,
para conhecerem Assis, e visitarem os lugares por onde o Paizinho esteve, especialmente
a tumba que lhe guarda os despojos carnais?
Expressando no olhar luminoso a grandeza espiritual de que era possuidor,
o pobrezinho respondeu:
– Esse interesse das criaturas muito me sensibiliza, especialmente porque
reconheço a pequenez da atividade por mim desenvolvida na Terra. No entanto, se
eu pudesse optar, preferiria que o sentimento de todos fosse o de manter contato
O
com o Espírito do Senhor a Quem procurei seguir nos já longínquos dias da existência
física. Em todos os meus passos, a minha pessoa sempre procurou ceder o seu
insignificante lugar ao Pastor que nos orienta o caminho e nos guarda a paz.
“Quando o anjo da morte se acercou do meu corpo cansado, antes de me
retirar destes sítios queridos abençoando-os, senti que viriam muitos homens e
mulheres no futuro, e que encontrariam paz, roteiro e reconforto moral, elegendo,
após acuradas meditações, o reino de Deus. Ainda mantenho essa esperança, e
por isso, periodicamente com os meus irmãos que foram dos mais pobres, procuro
auscultar as almas e auxiliá-las no despertamento, ajudando-as conforme as suas
necessidades e de acordo com os seus apelos e preces...”
– E esse bulício que toma as massas, enquanto o mercado de recordações
cresce cada vez mais, alterando o significado das visitações, que lhe parece?
– Não me cabe censurar o comportamento dos meus irmãos do agitado
mundo atual. A criatura humana deve viver, negociar, trocar objetos e procurar a
conquista de lucros. Toda atividade honrosa merece respeito, porque arranca o ser
da ociosidade, que é um grande adversário do equilíbrio e da dignidade. Vale porém
reconhecer que existem outros recursos que podem ser mobilizados para a
permuta de valores, evitando-se a exaltação das crendices e superstições que contribuem
para auxiliar na transferência das responsabilidades da transformação interior
para o Bem, pela magnetização de objetos e adoração de símbolos...
“As pessoas vivem hoje aturdidas pela pressa, pela volúpia da falta de tempo
para meditar, para assimilar as bênçãos do Pai Criador. Assis sempre inspirou paz
e reflexão. A vida cristã é a antítese do comportamento agitado e angustiado do ser
moderno. Compreendo toda essa inquietação e mesmo a falta de silêncio, por
momentos sequer, no Templo, quando se poderia pensar no significado daqueles
dias que ficaram no passado e sua aplicação na atualidade movimentada.”
– O Paizinho acredita que seria possível repetir aquelas vivências nestes tumultuados
anos terrestres?
– Acredito que sim, porquanto aqueles eram também dias de muito sofrimento
e inquietação, considerando-se a população e as circunstâncias existentes.
Havia guerra entre Assis e Perúgia, entre os estados italianos e papais, abuso do
poder senhorial e religioso, alucinação e desespero das Cruzadas, miséria das
camadas pobres e dos camponeses, indiferença social e perseguições de toda
ordem... A mensagem de Jesus não é para um tempo, para uma Nação, nem mesmo
é uma proposta figurativa que deve ser interpretada conforme a comodidade
dos cristãos. Naquela época também se afirmava que era impossível viver conforme
o Evangelho: com despojamento, com humildade, com renúncia, com amor total
pelo próximo deserdado...
“Mais de uma vez, respondendo a esse argumento egoísta, esclareci que, ou
o Evangelho deveria ser seguido conforme fora pregado, e o luxo, a ostentação, o
orgulho banidos da Igreja e dos corações, ou se deveria viver conforme as vaidades
terrenas, as ambições de classes e de poder, estando a Palavra totalmente errada...
Na conjuntura, era inevitável que o Evangelho triunfasse, embora nem todos
tivessem a coragem de abandonar o século para seguir Jesus. Compreendo a atitude
daqueles que prosseguem pensando ser impossível entregar a vida ao Mestre
e desfrutar simultaneamente dos prazeres do mundo, embriagando-se de gozo e de
perturbações. Entretanto, considero ser irrealizável a paz, enquanto a criatura se
mantiver encarcerada na cela dourada dos presídios da posse e das paixões mais
degradantes. Quando se rompem os elos dos vícios – e o poder terrestre, o uso
indevido do sexo, os interesses servis, as dependências químicas, alcoólicas e outras
são vícios que se arrastam através das gerações, fixando-se na história do
pensamento humano como necessidades urgentes – uma liberdade diferente toma
conta da existência que adquire beleza e tranqüilidade. Não se trata isto de uma
utopia, mas de uma realidade. A única posse que liberta é não ter nada além do
essencial, que favorece a construção da vida feliz.”
– Que pensa a respeito da alteração de objetivos e de comportamentos que
a Ordem franciscana vivencia atualmente, em total afronta aos postulados básicos e
iniciais que foram traçados pelo Irmão Alegria?
Sem demonstrar enfado ou mal-estar ante a interrogação, o Entrevistado
respondeu serenamente:
– É normal que as idéias puras e dignificantes no seu início dêem lugar no
futuro a realizações totalmente diversas dos programas elaborados. Com o tempo e
a adesão de muitos indivíduos, vão surgindo alterações compatíveis com o nível
evolutivo dos mesmos, que procuram adaptar às suas necessidades aquilo que
pensam estar esposando com nobreza e mesmo abnegação. Transcorrido um largo
período, pouco sobrevive aos ditames das imposições e caprichos impostos pelos
séculos inexoráveis... Com a nossa tradição, os primeiros fenômenos surgiram
quando ainda me encontrava no corpo, constatando-o dolorosamente ao retornar da
Cruzada, em face do largo tempo que permaneci no Oriente visitando as terras
onde Jesus vivera... O choque que experimentei foi muito grande, levando-me ao
quase recolhimento total na Porciúncula e à necessidade de maior doação, a fim de
manter fiéis os demais companheiros que haviam renunciado a tudo: orgulho, cultura
vã, discussões teológicas vazias de significado espiritual e ricas de palavras pobres
e confusas, de comodidade, até o momento em que a Irmã Morte me arrebatou
o Espírito...
– Como seria possível viver segundo os rígidos critérios do Evangelho, sem
perturbar o progresso tecnológico nem o desenvolvimento da ciência?
– A ciência e o progresso tecnológico são inspirações de Nosso Pai, favorecendo
o ser humano com recursos que lhe tornam a vida mais feliz e menos penosa,
diminuindo-lhe a carga bruta dos afazeres, as conjunturas amargas das enfermidades,
especialmente as mutiladoras e degenerativas, proporcionando meios
hábeis para a fraternidade e o entendimento entre os homens e as Nações. Será
isso o que ocorre? O monstro da guerra não continua ceifando vidas e semeando o
horror em nome da ordem e da paz? Gerações sucessivas não têm sido vitimadas
pelo preconceito de raça, de orgulho, de classe e de religião?
“Despojar-se de tudo não é atirar fora as conquistas já realizadas, mas aplicá-
las em favor de todos e não apenas de alguns poucos. É o impositivo de repartir
o excesso com aqueles que não têm nada ou que padecem carência, respeitar os
direitos à vida, preservar a irmã Natureza e todos os seres viventes igualmente filhos
de Deus. Quem se despoja fica livre para amar e para servir, bases da vida em
toda parte.”
Profundamente comovido, interroguei, por fim:
– O Paizinho Francisco poderia encerrar esta entrevista enviando, por meu
intermédio, uma mensagem aos homens da Terra na atualidade?
– A mensagem que me envolve o Espírito e que faz parte de todo o meu processo
de evolução é seguir Jesus e viver os Seus feitos. Mas, se me fosse facultado
sintetizar tudo quanto eu gostaria de repetir aos meus irmãos terrestres neste
momento de glórias e de sofrimentos, de grandezas e de misérias, eu diria: fazer
aos outros somente aquilo que deseje que os outros lhe façam, e em qualquer circunstância,
amar e amar até sentir as dores que o amor muitas vezes experimenta
quando direcionado ao próximo.
O Emissário de Jesus sorriu suavemente, envolvendo-me em peregrina luminosidade
que me levou às lágrimas.
Profundamente tocado pela sua magnanimidade, prossegui o giro por Assis,
evocando sua bênção, no fim do mês de setembro de 1226, quando ele pediu para
ser transportado para a sua Porciúncula, onde morreria, e vazada nas seguintes
palavras:
– Abençoada sejas tu por Deus, Cidade Santa, porque por ti muitas almas
se salvarão e em ti muitos servos de Deus habitarão e por ti muitos serão eleitos
no reino da vida eterna. Paz a ti!
Irmão X
(Página psicografada pelo médium Divaldo P. Franco, na madrugada de 27 de maio
de 2001, em Assis, Itália.)

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Reforma Moral

Editorial
Na questão 895 de O Livro dos Espíritos, no capítulo que trata da Perfeição Moral, Allan Kardec
indaga: “Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se pode equivocar, qual o
sinal mais característico da imperfeição?” Ao que os Espíritos Superiores respondem: “O interesse
pessoal. (...) O apego às coisas materiais constitui sinal notório de inferioridade, porque, quanto mais se
aferrar aos bens deste mundo, tanto menos compreende o homem o seu destino. Pelo desinteresse, ao
contrário, demonstra que encara de um ponto mais elevado o futuro.”
Dependendo do ponto de vista que tem a respeito da própria vida, o homem pode tomar atitudes
diversas: se tem dúvidas com relação à sua condição de Espírito imortal, que continuará a existir e a progredirdepois da morte do corpo físico, ele se apega aos valores materiais, que são temporários; se, ao contrário,está convicto da sua imortalidade, ele administrará os bens materiais como quem está com a responsabilidadede cuidar de algo por tempo determinado, findo o qual deixará na matéria o que é da
matéria, prestando contas da sua administração, e conquistando valores espirituais, estes sim permanentes,
que decorrem do respeito e do amor ao próximo que pratica.
O excessivo apego às coisas materiais leva o homem ao cultivo do orgulho e do egoísmo e, por conseqüência,a toda desagregação social que ambos provocam. E quando isto ocorre, esse homem busca, inquieto,soluções as mais diversas, apelando para reformas sociais, reformas econômicas ou reformas políticas,muito válidas, sem dúvida, mas que por si não são suficientes para eliminar suas angústias.
Uma única reforma, se faz necessária, que está na base de todas as demais: é a reforma moral do ser
humano, a qual consiste em substituir o orgulho pela humildade e o egoísmo pela fraternidade. Esta reforma
será sempre mais consistente quanto mais convicto estiver o ser humano de sua imortalidade.
Com esta transformação moral constrói-se uma paz duradoura para toda a Humanidade, evita-se a
guerra entre seres e nações, elimina-se a miséria e a ignorância no mundo e distribuem-se com equanimidade
os valores econômicos entre todos os seus habitantes. Isto porque não se pode pretender uma
sociedade justa constituída por seres injustos, nem, tampouco, uma sociedade fraterna e solidária constituída
por seres violentos.
Analisando as conseqüências decorrentes da convicção que a Doutrina Espírita nos traz – de que somos
Espíritos imortais em constante processo de evolução; já existíamos antes de nascer e vamos continuar
a existir depois da morte do corpo físico; temos um claro objetivo a alcançar que é o nosso aprimoramento
intelectual e moral, como Espírito encarnado ou desencarnado –, Allan Kardec não teve
dúvidas em afirmar: “O verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade,
na sua maior pureza.” (O Livro dos Espíritos, q. 918; O Evangelho segundo o Espiritismo,
cap. XVII, item 3.)
E Jesus, depois de nos alertar para não andarmos muito cuidadosos com as coisas da matéria, já nos
ensinava no seu Evangelho: “Buscai primeiramente o Reino de Deus e a sua Justiça e todas essas coisas
vos serão dadas de acréscimo.” (Mateus, 6:33.)

Revista o Reformador Ano 2005 -Outubro